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The Fall of the Stars: Capítulo 5 - Lendas

  • Foto do escritor: AngelDark
    AngelDark
  • 16 de jul.
  • 61 min de leitura

Atualizado: 8 de ago.

Volume 5: Amor


Parte 1 

A poeira assentava lentamente sobre um mundo refeito pela violência. A cratera, onde antes havia uma campina, fumegava sob o céu sombrio que Daemon criara. Love assistia ao longe, seus olhos vazios refletindo a destruição. A energia residual da batalha ainda crepitava no ar, um testemunho do poder aterrorizante que fora liberado. Ele observava as silhuetas distantes: o corpo quebrado de Kai sendo amparado por Vivian, a fúria derrotada de Ozymandias e o poder renovado de Daemon.

Lucia se aproximou em silêncio, sua presença quase imperceptível em meio à devastação. Seu rosto estava impassível, focado na missão.

— Ceto disse que conseguiu recuperar a caixa  — ela falou, sua voz firme cortando a quietude. — Devemos ir embora assim que recuperarmos mais algumas informações sobre Dante.

Love não se virou. Seu olhar permaneceu fixo na cena. — Olhe para isso, Lucia. Poder capaz de remodelar o continente... e para quê? Para decidir quem tem o privilégio de morrer? Este mundo que os Astreus criaram é uma piada.

— Isso não importa agora — respondeu Lucia, pragmática. — O que importa é que a primeira fase do plano foi um sucesso. A caixa está conosco. A instabilidade que causamos nos dará a cobertura de que precisamos. Agora, precisamos da informação sobre Dante Scarlune. Nicklaus tem um interesse particular nele.

— Dante... — Love murmurou, a palavra parecendo estranha em sua própria boca. Seu olhar se desviou para a figura de Kai, agora sendo levado para longe. — Um fantasma e sua cópia imperfeita... ambos no centro de tudo. É o tipo de ironia que este mundo adora.

— A cópia está fora de combate. E o original? — Lucia pressionou. — Como obteremos as informações?

Love finalmente se virou, seus olhos encontrando os dela. Aquele brilho caloroso que um dia ele teve havia se extinguido completamente, substituído por uma resolução fria e calculista.

— Bishamon os separou. Ela é previsível em sua eficiência. Levará os feridos mais graves, como Dante, para um lugar seguro. Para Elisabeth, na Fonte das Fadas, eu presumo. Heisen e Kai, por outro lado, liderarão a equipe de busca por sobreviventes.

Ele fez uma pausa, a mente já traçando os próximos passos com a precisão de quem conhecia intimamente as peças do tabuleiro.

— Heisen é a nossa chave — continuou Love. — Ele é um cientista acima de tudo. Mesmo nesta situação, ele estará analisando, registrando dados, tentando entender o poder de Dante, a condição de Kai, a natureza desta nova realidade. Ele é a nossa fonte.

— Então, qual é a ordem, Love? — perguntou Lucia, pronta para agir.

Love olhou uma última vez para a cratera, para o legado de sua escolha. Um fantasma de tristeza passou por seu rosto antes de ser suprimido.

— Vamos interceptar Heisen. Ele nos dará tudo o que precisamos sobre Dante. Depois, deixaremos este continente para trás.

Ele começou a se afastar, desaparecendo nas sombras da nova e retorcida floresta.

— É irônico... — disse ele, mais para si mesmo do que para ela. — Para ajudar a criar o mundo dos sonhos de uma criança, primeiro precisei destruir o meu.

Parte 2

As ruínas do terceiro andar subterrâneo estavam mergulhadas em um silêncio pesado, quebrado apenas pelo gotejar distante de água e pelo som de uma única voz, calma e antiga, que ecoava pela escuridão. A aura da fada Lux era tão absoluta que o próprio ar parecia denso, forçando Blade e Loufen a manterem uma distância respeitosa.

A voz dela, desprovida da malícia que seu sorriso demonstrara momentos antes, tecia uma história no breu.

— Antes de ser o Progenitor, antes de ser uma aberração... ele era apenas um garoto com um sonho maior que o mundo. Seu nome era Daemon, e seu universo se resumia a um pequeno quarto onde sua mãe, acamada por uma doença que lhe roubava os movimentos, via o mundo através das histórias que ele contava. Ele prometeu a ela, com a convicção pura que só a juventude possui, que seria seus olhos e pernas. Ele viajaria por todo Hortus Parvus, de Gaia a Umbra, e traria de volta cada cor, cada cheiro, cada canção para ela.

A voz de Lux ganhou um tom de admiração.

— E quando ela se foi, ele cumpriu sua promessa. Sua jornada começou na Capital de Metal de Elysium. Lá, onde a lógica e as engrenagens reinavam, Daemon era uma anomalia carismática. Ele não se impressionou com os arranha-céus, mas com as pessoas. Dizem que ele enganou a Technogenesis para que financiassem uma expedição falsa, usando os recursos para libertar autômatos que eram tratados como propriedade. Ele não lutou; ele conversou, convenceu e desapareceu em um carro voador roubado antes que percebessem o golpe, deixando para trás um rastro de caos administrativo e operários rindo em tavernas.

— De lá, ele navegou para Umbra, o domínio das sombras. Não como conquistador, mas como um contador de histórias. Ele se sentou em salões de lordes demoníacos, bebeu com anjos caídos e aprendeu suas canções de guerra. Em vez de lutar contra um exército de Goblins, ele os desafiou para um jogo de enigmas, apostando sua vida contra a passagem segura, e venceu, tornando-se uma lenda sussurrada em suas cavernas.

A voz de Lux se tornou mais suave, quase sonhadora.

— Nos mares de Alexandria, ele se tornou o verdadeiro amante das mulheres e ladrão de corações. Enfrentou o Kraken não com uma lança, mas com uma canção élfica que aprendeu em uma floresta esquecida, acalmando a fúria da besta o tempo suficiente para que uma frota de navios escapasse. As sereias tentaram encantá-lo, mas ele inverteu o feitiço com uma flauta de osso de dragão, e elas, fascinadas, o guiaram por rotas secretas, através de tempestades e Leviatãs. Tornou-se o herói das cidades costeiras, o homem cujas aventuras eram mais fantásticas que qualquer conto de bardo.

— Em Gaia, ele foi um rebelde. Desafiou o Trono de Deus abertamente, usando seus poderes de Shaper para proteger outros como ele da perseguição, tornando-se um símbolo de esperança em um reino de ceticismo. Ele era amado, uma lenda viva. O mundo era seu, e ele o explorava com uma alegria contagiante.

A pausa que se seguiu foi carregada de uma tristeza inevitável.

— Mas o destino, ou talvez o Astreus da Imperfeição, tem um senso de humor cruel. Daemon contraiu a mesma doença de sua mãe. A fraqueza começou a se infiltrar em seus membros, a mesma prisão que ele conhecia tão bem. Sua jornada tinha um prazo. O medo de quebrar a promessa, de morrer antes de ver tudo, especialmente o vazio desconhecido além das estrelas, o consumiu. A busca por aventura se tornou uma busca desesperada pela imortalidade. E foi nessa busca que o herói começou a morrer, e o monstro, a nascer. Ele se tornou uma aberração, mesclando seu corpo com o éter de reinos proibidos, perdendo sua humanidade a cada passo .

Foi nesse momento que um novo grupo chegou à beira da área iluminada pela aura de Lux. Dante, carregando Anna em suas costas, liderava Mio, Hyori, Amarylis e Skadi e outra garota. Eles pararam abruptamente, sentindo a presença opressora da fada. Não era uma hostilidade aberta, mas um poder tão absoluto que qualquer pensamento de combate era instantaneamente esmagado. Eles viram o vulto de Lux no centro, a escuridão cobrindo seu rosto, exceto pelos olhos e pelo sorriso predatório que parecia fixado em algo que só ela via .

Quase ao mesmo tempo, do outro lado, Paracelso, Bishamon e Akira também chegaram. Bishamon enrijeceu, reconhecendo a magnitude daquela aura. Paracelso, no entanto, tinha um brilho de puro interesse científico e perigoso em seus olhos. Eles também permaneceram quietos, observando, sentindo que interromper seria uma péssima ideia.

A voz de Lux continuou, ignorando ou talvez sentindo prazer na chegada de sua nova audiência.

— Foi então que, no fundo de seu desespero, ele a encontrou. Morrigan. A Rainha das Fadas. E como todas as grandes histórias de amor e ódio... tudo começou com uma briga. Ele a desafiou, e ela respondeu. Eles lutaram. Todos os dias, de novo e de novo...

Dante e Bishamon deram um passo para fora das sombras, juntando-se aos outros, mas permaneceram em silêncio, prisioneiros da narrativa e da presença daquela que a contava.

— A jornada de Daemon o levou à fronteira de Alexandria, ao limiar de Avalon, onde sussurravam sobre uma Fonte da Juventude. Ele a buscou não por vaidade, mas por medo. A primavera daquele ano foi marcada por seus confrontos diários com a guardiã daquele lugar: Morrigan.

Ela era uma fada Lowen, uma guerreira ancestral cuja tarefa era impedir que mortais profanassem os locais sagrados. Daemon, com a vitalidade de um homem que viveu mil vidas em uma, a atacava com uma mistura de astúcia humana e poder Shaper bruto. Ele usava o terreno a seu favor, criava ilusões, contava piadas no meio do combate. Ele era um vendaval de energia e carisma.

Morrigan, em contraste, era a personificação da disciplina Fae. Seus movimentos eram precisos, antigos e letais. Ela o desarmava com uma eficiência fria, seus golpes eram como o vento cortante do inverno. Todos os dias, ela o derrotava. E todos os dias, ele se levantava da poeira, sorria e dizia: "Amanhã eu consigo".

Com o passar das semanas, a neve derreteu e as flores desabrocharam. A primavera deu lugar ao verão, e a floresta se tornou densa e verdejante. As batalhas deles se tornaram menos um dever e mais um ritual. Ele trazia frutas exóticas de suas viagens, que deixava em uma pedra para ela após suas lutas. Ela, em troca, começou a deixar ataduras e ervas de cura. Eles nunca falavam, mas a floresta testemunhava sua estranha comunicação. Ele começou a prever os padrões dela, e ela começou a se surpreender com a criatividade imprevisível dele. A luta se tornou uma dança, e no suor e na exaustão, algo começou a mudar.

— O outono chegou, tingindo as folhas de fogo e ouro. Aquele ar, antes tenso com o choque de lâminas, agora carregava uma nova eletricidade. Um dia, após uma luta particularmente feroz que terminou em empate, os dois desabaram lado a lado, ofegantes, rindo sob o dossel dourado da floresta.

Foi a primeira vez que Daemon a viu rir.

— "Você é teimoso, humano," ela disse, a voz rouca pelo desuso.

— "E você é forte demais para uma guardiã mal-humorada," ele respondeu, com o sorriso que já havia conquistado reinos.

Naquela tarde, e nas que se seguiram, as armas foram deixadas de lado. Ele falou sobre cruzar os desertos de Gaia, fugindo de caçadores de bruxas do Trono de Deus. Falou sobre as cidades tecnológicas de Elysium , descrevendo-as como "gaiolas de metal brilhante cheias de gente triste". Contou sobre os demônios de Umbra, cuja honra em combate ele respeitava mais do que a hipocrisia de muitos humanos.

Encorajada por sua sinceridade, Morrigan finalmente revelou o peso que carregava. Contou que era uma Lowen, sim, mas de uma linhagem manchada. Sua ascendência estava ligada à infame Morgan Le Fay, a Rainha Demônio das Fadas, e por isso, as outras fadas a viam como uma aberração, uma possível traidora. Confiaram-lhe a guarda da fronteira não por honra, mas para mantê-la isolada, um exílio disfarçado de dever.

Daemon escutou, e pela primeira vez em séculos, Morrigan não viu julgamento nos olhos de alguém. Ele não viu uma linhagem, não viu a sombra de Morgan. Ele viu a solidão dela, a força dela. E ali, ele se apaixonou pela guardiã exilada. E ela, pela alma livre que a via como ela realmente era.

— O inverno veio rápido e brutal, um reflexo do que acontecia dentro do corpo de Daemon. A doença, antes uma sombra, agora era uma presença constante. Sua tosse ecoava na floresta silenciosa, suas mãos tremiam, e sua lendária energia começou a se esvair. Suas "lutas" com Morrigan se tornaram treinos leves, e logo, ele mal conseguia erguer a espada.

Morrigan assistia, impotente, o amor de sua vida sendo consumido. A vida dele estava se esgotando. Foi em uma noite de nevasca, enquanto ela o observava dormir febrilmente, que ouviu os arautos. A família real das fadas, incluindo a Princesa Lux, cruzaria o véu para uma cerimônia no mundo humano. E com eles, um fragmento da Coroa de Oberon, a chave para o poder primordial das fadas.

Um plano desesperado e terrível tomou forma em sua mente. Para salvar Daemon, ela teria que cometer a maior traição de todas. Ela teria que abandonar seu mundo, sua espécie, seu dever... tudo por ele.

A comitiva real era uma visão de esplendor arrogante. Fadas ancestrais em armaduras de luz, e no centro, a Princesa Lux, jovem e imponente, com o fragmento da coroa brilhando em um cetro. Morrigan atacou das sombras.

Ela não era páreo para todos eles em poder bruto, mas conhecia as táticas dos Lowen melhor do que ninguém. Ela usou a floresta, seu único lar, como uma arma, criando armadilhas, usando o terreno para separar os guardas. Foi uma luta amarga e pessoal. Ela não os matou, mas a cada guerreira que caía, um pedaço de sua alma se partia.

O confronto com Lux foi o ápice. A princesa, embora mais poderosa, era inexperiente. Morrigan, movida pelo amor e pelo desespero, lutou com uma ferocidade que chocou a jovem realeza. Em um movimento rápido e ousado, ela arrancou o cetro das mãos de Lux, tomando o fragmento da coroa.

Com o poder em mãos e os guardas subjugados, ela correu para a fronteira. Ali, ela ergueu a Caixa de Pandora, seu prêmio solitário de um torneio onde tentara, em vão, ganhar o respeito de seu povo. Ela a abriu. Um vórtice de energia indescritível sugou as fadas ancestrais e as Lowen que estavam em Threshold, selando-as em seu interior. Com um último grito de dor e resolução, ela canalizou o poder da Coroa para o portal de Avalon. O véu entre os mundos tremeu, brilhou e se fechou para sempre, com um som de mil vidros se quebrando. Ela estava sozinha, exilada por escolha própria.

Ela encontrou Daemon onde o deixara, quase sem vida sob o manto branco da neve. Ele abriu os olhos, um último sorriso fraco em seus lábios.

— "Você veio," ele sussurrou.

— "Eu sempre virei," respondeu ela, lágrimas congelando em seu rosto.

Morrigan pressionou o fragmento da Coroa de Oberon contra o peito dele. A energia explodiu, não como uma luz curativa, mas como um fogo violento. O corpo de Daemon convulsionou, sua própria essência sendo desfeita e refeita. Ele gritou, uma mistura de agonia e poder. As marcas Triskelion em sua pele brilharam com uma luz ofuscante, e sua humanidade foi finalmente queimada, deixando para trás a primeira e mais poderosa das aberrações: um Scarlune imortal.

Ele estava vivo. Ele estava salvo. E ele estava para sempre mudado. E Morrigan, a traidora, a exilada, tornou-se sua rainha, a governante de um reino quebrado em Threshold, com apenas as fadas menores que ficaram presas do lado de cá como suas súditas.

A voz de Lux cessou. O silêncio que se seguiu era pesado com a revelação.

Dante e Bishamon deram um passo para fora das sombras, juntando-se aos outros, mas permaneceram calados, prisioneiros da narrativa e daquela que a contava. A fada, cuja face ainda era um véu de escuridão, parecia observar a todos e a ninguém.

— Ela abandonou seu mundo por ele — Lux concluiu, sua voz agora um sussurro gelado que cortava a alma. — E ele, em troca, se tornaria a ruína do dela. Essa... é a verdadeira natureza do amor dos Scarlune.

Com um suspiro que pareceu carregar o peso de séculos, a escuridão no rosto de Lux se aprofundou, e sua voz retomou o fio da história, agora tingida por uma intimidade dolorosa.

— O que vou lhes contar agora... eu sei não por lendas, mas por ele. Daemon me contou, durante as longas eras em que estivemos presos juntos naquele não-lugar. A verdade de seu fim.

— Por muitos anos, eles viveram uma felicidade que o mundo raramente vê. Em Threshold, a cidade no limiar do nada, eles construíram um reino. Daemon, o explorador, finalmente tinha um lar. Ele ensinou às fadas sobre as maravilhas e loucuras dos humanos; Morrigan, em troca, mostrou-lhe a magia sutil que tecia a própria existência da floresta. Threshold prosperou sob sua nova rainha e seu consorte imortal. Era um paraíso isolado.

Mas era também uma prisão. A Caixa de Pandora, uma vez usada para selar as fadas, não podia ser movida de seu lugar em Threshold. Morrigan, como sua guardiã e a fonte de seu poder, estava acorrentada àquele local. Se ela partisse, o selo enfraqueceria e suas antigas irmãs, agora consumidas pelo ódio, seriam libertadas para buscar vingança. E Daemon, que amava Morrigan mais do que a própria liberdade, escolheu ficar. O homem que ansiara por cruzar todos os oceanos e desbravar o vazio entre as estrelas, estava agora confinado a um único continente. Ele trocou o mundo por uma única pessoa.

— O tempo passou. Décadas, talvez séculos. A felicidade deles era real, mas sob ela, a antiga ambição de Daemon, a promessa feita à sua mãe, dormia inquieta. E então, ela chegou. Uma jovem caçadora humana chamada Cloe. Ela não veio em busca de poder ou tesouros, mas de conhecimento. Era uma aventureira, uma alma forjada do mesmo material que Daemon um dia fora. Ela havia crescido ouvindo as lendas do grande explorador e atravessou meio mundo para encontrar seu herói.

O mais perigoso para um sonho adormecido não é um pesadelo, mas o eco de si mesmo. Em Cloe, Daemon viu a chama que um dia o consumira. O desejo dela de viajar além do mundo conhecido, de alcançar o Void, o vazio que ele mesmo nunca conseguiu explorar, o cativou.

Ele decidiu treiná-la. Ensinou-a a ler as estrelas e as correntes de éter, a sobreviver nos pântanos de Umbra e a negociar com os Dragões de Alexandria. As tardes deles eram preenchidas com treinos de espada, mapas e histórias. Ele estava passando seu legado adiante, vivendo seu sonho através dela.

— Morrigan observava de longe. No início, ela via Cloe como uma distração passageira para Daemon. Mas os dias se tornaram meses. As estações mudaram novamente. Ela ouvia o riso deles ecoando do campo de treinamento. Via o brilho nos olhos de Daemon quando ele falava do progresso de Cloe, um brilho que antes era reservado apenas para ela.

Ele não percebeu, mas Morrigan sim. Para ela, que havia sacrificado seu lar, sua espécie e seu futuro por ele, a presença de Cloe era uma afronta. Ela havia silenciado um mundo inteiro por Daemon, e agora ele parecia mais interessado em preparar outra pessoa para explorar aquele mesmo mundo. O amor que a salvara da solidão agora se tornara a fonte de sua maior insegurança. A semente da inveja, a mesma que amaldiçoou a sereia Mara, começou a brotar em seu coração. Ela não tinha mais um mundo para onde voltar; Daemon era tudo o que ela tinha. E agora, sentia que estava o perdendo.

— O fim veio em uma tarde chuvosa. Após um treino exaustivo, encharcados e exaustos, Cloe, com os olhos brilhando de pura admiração e gratidão por seu mestre, fez o impensável. Ela o beijou.

Daemon ficou paralisado, chocado. E então, por uma fração de segundo, a solidão de seus anos de viagem e a confusão de seu coração o fizeram retribuir, antes de se afastar, envergonhado e atordoado. Ele gostou. Ele não podia negar.

Mas Morrigan viu. Das sombras do castelo, ela testemunhou tudo.

A voz de Lux tornou-se um sussurro gélido, e todos os presentes sentiram um arrepio.

— Naquele momento, o amor de Morrigan morreu e deu lugar a algo terrível. A mesma fúria possessiva que levou sua ancestral Morgan Le Fay à ruína despertou nela. Mas sua vingança não foi rápida. Ela esperou. Fingiu. E então, em uma noite de lua quebrada, em que ele dormia, ela o atraiu para o santuário onde a Caixa de Pandora repousava.

Ele acordou com o som do selo se quebrando. Mas não eram as fadas que estavam sendo libertadas. Eram elas que, com olhos cheios de um ódio antigo, o arrastavam para dentro. No centro de tudo, Morrigan o observava, o poder da Coroa crepitando ao seu redor, o coração transformado em um fragmento de gelo.

— Como pode... — a voz dela era um sopro quebrado, mas cortante. — Eu posso esperar o mal de quem me odeia, mas não suportar a traição de quem amo...

Daemon, confuso e sentindo a dor da traição dela, tentou argumentar, mas ela o silenciou com um gesto, e lágrimas de puro ódio e agonia começaram a escorrer por seu rosto.

— Você me perguntou, uma vez, por que eu parecia tão feliz nos últimos meses. Por que meu toque era mais gentil, por que meus olhos brilhavam ao ver o nascer do sol... — Ela levou a mão ao próprio ventre, e uma verdade esmagadora preencheu o ar.— Eu carregava a esperança de conhecer o significado de uma família, mas agora só consigo temer que isso em meu ventre apenas adicione mais uma cicatriz ao meu coração.

Ela o forçou a entrar na Caixa de Pandora e, com a força esvaindo-se, ela desabou em lágrimas no chão. Para Daemon, as últimas palavras de sua amada foram uma maldição nascida da mais profunda dor.

— Sua imortalidade agora é sua maldição eterna. Você não ficará apenas preso. Sua própria essência será fragmentada, espalhada por este limbo, atormentado para sempre pela memória do beijo que destruiu seu futuro e sua felicidade e pelo eco dos filhos que você nunca conhecerá.

Lux finalmente ergueu o rosto, e a escuridão que o cobria pareceu recuar o suficiente para que todos vissem a tristeza infinita em seus olhos.

— Ele não foi selado por uma rainha inimiga. Foi traído pela única mulher que amou. E eu... eu estava lá dentro com ele, por séculos, ouvindo esta mesma história. O ódio dele não é pela prisão, é pela memória de um amor que se tornou sua ruína, e pela família que ele perdeu antes mesmo que ela pudesse nascer. Agora vocês sabem a verdade. Sabem por que ele deseja tanto a morte.

A fada fez uma pausa, e a história continuou, não mais como uma lenda, mas como a crônica de uma família amaldiçoada desde seu nascimento.

— Morrigan não sobreviveu por muito tempo após seu ato. Consumida pela depressão, ela deu à luz aos primeiros Scarlune e os criou até que tivessem idade suficiente para compreenderem seu fardo. Ela se recusava a viver em um mundo sem seu amor, mas antes de tirar a própria vida, a "Mãe dos Scarlune" estabeleceu as regras que os governam até hoje, uma herança de seu amor e de sua dor.

— Ela lançou um feitiço poderoso, acorrentando para sempre o futuro líder da família às terras de Nocturia , para garantir que a Caixa de Pandora e a porta para Avalon, onde o artefato foi selado, jamais ficassem desprotegidas. O poder do trono tornou-se uma prisão, um dever eterno.

— Para escolher este guardião, ela decretou que o líder seria decidido por uma votação entre todos os membros da família, um processo complexo que trazia todos os seus descendentes para sua terra onde mesmo morta ela podia os ver, os descendentes de seus filhos e a marca de seu pecado.

A voz de Lux tornou-se um sussurro final.

— Após estabelecer suas leis e nossa prisão, ela se entregou à escuridão, incapaz de suportar a ausência dele. Os Scarlune, nasceram de um amor que destruiu mundos, mas agora com a abertura da porta de avalon e fim da prisão eterna isso chega ao seu fim.

Parte 3

— Então, é isso? — a voz de

Akira quebrou a quietude, não com um sussurro, mas com uma gargalhada áspera e desprovida de alegria. — Nossa linhagem não passa da herança de uma traidora que renegou sua própria espécie e de um tolo que traiu a única mulher que o amou? Hahaha! Agora eu entendo! Entendo por que o conceito de 'família' sempre nos pareceu tão oco. Nascemos de uma ferida, de um erro. Somos a própria cicatriz da história!

— A correlação é logicamente sólida, — disse Paracelso, sua voz clínica dissecando a própria alma de sua linhagem.Os olhos cianos brilhando com um fascínio puramente científico. — Explica a anomalia histórica da drástica redução na população de Fadas após o surgimento de nosso genoma. 

— Mas... e as regras? A pureza do sangue que o Rei Escarlate precisa ter e tals? —

Dante questionou, a confusão genuína em sua voz contrastando com a análise fria dos outros.

— Que bobagem... — rosnou

Blade, a repulsa evidente em seu tom. — Reis fracos, com medo de sua própria origem bastarda, criaram leis para fabricar uma nobreza que nunca possuímos. 'Pureza'... que piada. 

Enquanto os Scarlune reagiam com escárnio, raiva ou indiferença, aqueles que eram meros convidados para a tragédia sentiam algo diferente. Mio e Amarylis se encolheram sutilmente, não por medo, mas por uma onda de empatia pela dor existencial que emanava daquela família fraturada.

Anna, em silêncio, sentia a dor deles como se fosse sua, um eco da solidão que ela mesma conhecia tão bem.

Foi o olhar de Lux, a Fada, que acendeu a faísca. Não era um olhar de ódio, mas de uma compaixão distorcida, a piedade de uma deusa por insetos que não compreendem sua própria natureza trágica.

— Pobres crianças quebradas... — ela sussurrou, e a palavra ecoou como um trovão. — Nascidos da dor, vivem na dor, e sequer conseguem chorar por sua própria história.

Aquele olhar de misericórdia foi um insulto mais profundo do que qualquer espada. Orgulhosos, quebrados, monstruosos... mas jamais dignos de pena.

— Chega.

A palavra de

Bishamon Scarlune não foi um grito, mas um decreto. Ela se levantou, e na presença da aura colossal e antiga de Lux — um oceano de poder calmo e indiferente —, a energia de Bishamon era como uma única tocha teimosa, ardendo desafiadoramente na vastidão da noite. Uma chama frágil, talvez, mas cuja decisão de queimar era tão absoluta que roubou a atenção de todos. Fadas, humanos e os próprios Scarlune silenciaram, atraídos por aquela promessa de incêndio.

Ela olhou para os rostos de sua "família". Viu o cinismo em Akira, a curiosidade em Dante, o ódio em Blade, E então, ela falou.

"Eles nos chamam de monstros. Uma praga que se espalha pelo mundo, uma linhagem nascida da ambição e da traição. Hoje... hoje eu vejo que eles estão certos. Nossa história não é um legado, é uma sentença. Nossos laços não são de sangue, são os grilhões de uma maldição.

Nós criamos nossos filhos não com amor, mas como armas afiadas no fogo do abandono, jogando-os em missões suicidas para que a morte de um ensine aos outros a não sentir. E quando um de nós, o mais tolo, ousou sentir, ousou amar este mundo e esta família... Love nos traiu e nos lembrou que até a mais pura de nossas emoções nasce distorcida.

Nós não sentimos tristeza por nossos ancestrais. Sentimos escárnio. Nós não sentimos empatia. Sentimos indiferença. Somos o ápice da falha da Criação."

Bishamon Scarlune

Sua voz tremeu por um instante.

"Mas eu... eu me recuso a aceitar este destino!"

Ela ergueu o queixo, e a pequena tocha de sua aura ardeu com a fúria de uma supernova.

"Eu renego a ambição como nosso único deus! Renego o sangue como nossa única lei! Eu renego a soberania doentia de nossos reis e as regras que eles criaram para nos acorrentar a este ciclo de dor!"

"A partir de hoje, a palavra 'família' não será mais um código genético, mas uma escolha! Um juramento forjado em lealdade e sacrifício! Construiremos uma nova Threshold, não na beira de um abismo físico, mas sobre as ruínas deste nosso inferno pessoal. Um lugar onde o sobrenome Scarlune não será uma marca de temor, mas um símbolo de orgulho. O orgulho daqueles que olharam para a própria escuridão e ousaram acender uma chama!"

Bishamon Scarlune

Ela silenciou, o peito arfando, a vulnerabilidade e a determinação expostas para que todos vissem. A promessa fora feita. A rebelião, declarada.

O eco do discurso de Bishamon pairava no ar pesado, uma heresia contra um milênio de egoísmo. A maioria dos Scarlune estava paralisada, processando a audácia daquelas palavras. Mas Skadi, a deusa da guerra de um tempo esquecido, moveu-se. O chão sob seus pés estalou, coberto por uma fina e súbita camada de geada.

— Que palavras bonitas. — A voz de Skadi era calma, mas fria como o coração de uma tempestade de inverno. Ela caminhava lentamente, a venda sobre seus olhos não diminuindo em nada a intensidade de sua presença. A cada passo, os cristais de gelo sob seus pés estalavam como sussurros gélidos. — Palavras de uma garota que nunca viu uma guerra de verdade. Você fala de mudar a família, de honra... o que uma criança que só conheceu o poder sabe sobre o preço da mudança?

Bishamon não recuou. Pelo contrário, sua aura dourada intensificou-se, um sol nascente explodindo em glória contra o crepúsculo glacial de Skadi. O ar em volta dela cintilava, denso com a energia de sua convicção.

— Eu sei sobre a dor do fracasso. Sei o que é ser forte demais para cair e fraco demais para proteger. — A imagem de Love, quebrado e chorando pela criança que não pôde salvar sua irmã, ardeu em sua mente, um ferro em brasa cravado em sua alma. — E eu sei que o nosso caminho, o caminho da solidão e da força sem propósito, só leva ao vazio.

— Vazio? — Skadi riu, um som seco como o estalar de gelo que se desfaz sob os pés, desprovido de qualquer calor. — O vazio é paz. É o fim da dor. Eu dancei em cidades bombardeadas, vi crianças como eu lutando por restos em meio a escombros. Lutei para acabar com aquilo, para trazer a paz pela lâmina... e tudo que encontrei do outro lado do meu massacre foi o reflexo do meu próprio desespero. Famílias destruídas, filhos chorando. Não existe vitória na guerra, criança. Só um paradoxo de sangue. Você quer mudar o mundo? Então prepare-se para se afogar no sofrimento que irá criar.

Sem mais avisos, Skadi explodiu em movimento. Ela não correu; ela fluiu, um borrão etéreo de branco e preto que deixava um rastro bruxuleante de cristais de gelo no ar. Não era um movimento de ataque, mas uma dança letal. Seu corpo se contorceu em uma acrobacia impossível, o calcanhar girando no ar para desferir um chute que era como uma lança de gelo, afiada e precisa, cada golpe uma descarga elétrica congelante que rasgava o espaço entre elas. O ar chicoteou, um lamento gélido.

Bishamon encontrou a tempestade de frente. Ela não tinha a graça fluida de Skadi, mas possuía o poder bruto e inabalável de uma montanha. Cada soco seu partia o ar com um estalo sônico, o éter queimando em seus punhos como mini-estrelas. Ela interceptou o chute congelante com um antebraço, a geada subindo instantaneamente por sua pele, criando uma camada cristalina que ameaçava paralisá-la. Mas a aura dourada pulsou, uma onda de calor primordial que derreteu o gelo em uma névoa sibilante antes que pudesse se solidificar. Um clarão e o gelo virou vapor.

— Você desistiu! — gritou Bishamon, sua voz um trovão que ecoava no campo de batalha, abafando o som da dança mortal e frenética de Skadi.

Aquelas palavras atingiram Skadi com a força de um golpe físico. Em meio aos cristais de gelo quebrado que explodiam e giravam em volta dela, pedaços de seu passado não apareceram apenas, eles se materializaram, sangrando e vívidos: uma criança cega, ossos finos, tremendo de frio nas ruínas bombardeadas de uma Threshold que não conhecia a paz, os gritos dos moribundos ecoando em seus ouvidos; a imagem de um fantasma etéreo, seu corpo coberto pelo sangue daqueles que ceifou — generais e reis tombados, suas vidas esvaindo-se. Por um instante, uma imagem incongruente e dilacerante surgiu: um desenho infantil rabiscado com giz, mostrando uma menina de olhos vendados, sozinha. A guerra que ela lutava para acabar era a mesma que ela perpetuava, um ciclo vicioso de dor e destruição.

— Eu não desisti! — A voz de Skadi estalou, voltando ao presente, carregada não apenas de dor, mas de desespero que parecia vir das profundezas de si. — Eu entendi a futilidade! Não há vitória, apenas a exaustão da luta!

Como uma resposta à sua angústia, raios congelantes explodiram dela em todas as direções, não como flechas, mas como uma teia elétrica e gélida que buscava enredar e paralisar Bishamon, congelando o próprio éter em seu rastro. O ar ficou pesado, cortante. Mas Bishamon resistiu, seu corpo uma fornalha de éter em plena combustão, irradiando calor e luz. Ela não se moveu, apenas respirou fundo, e a energia dourada à sua volta se tornou um escudo vibrante que repelia a geada.

— Então observe! — ela rosnou, o desafio ressoando com a força de um martelo.

Bishamon bateu as palmas das mãos uma na outra com uma força explosiva. O chão sob seus pés não apenas tremeu; ele estremeceu violentamente, abrindo fendas profundas que irradiavam como raios. De sua aura dourada, construtos começaram a emergir, não meras figuras, mas cavaleiros colossais que se erguiam da terra e do éter como deuses forjados. Uma fusão imponente de armaduras medievais e mechas futuristas, cada um com mais de três metros de altura, suas silhuetas imponentes cortando o ar. Um deles empunhava uma espada larga que pulsava com energia dourada e crepitante, liberando um zumbido grave; outro, um escudo-torre tão massivo que parecia intransponível, sua superfície refletindo a luz de Bishamon; um terceiro, um arco longo que já entalhava uma flecha de pura luz, brilhante e ameaçadora, pronta para ser disparada. O silêncio, antes pesado com a tensão, foi substituído pelo rugido de metal e éter, a vanguarda de um exército nascido da vontade de Bishamon.

— O que é isso...? — Mio, observando de longe.

— Ela não está apenas projetando éter... — analisou Lux, os olhos brilhando de interesse. — Ela está dando a ele forma, função e uma pseudo-consciência. Uma legião forjada da própria vontade.

— E isso realmente importa agora? Se ninguém as parar antes que elas exagerem demais, não haverá uma Threshold para mudar! — Dante gritava, a voz rasgada pelo vento cortante e pela energia bruta que irradiava das duas. 

A luta se transformou em um ciclone de aço, éter e gelo. Skadi, a assassina solitária, agora enfrentava um exército de cavaleiros mecha. Mas, para ela, não eram cavaleiros, eram apenas brinquedos de corda. Seus movimentos eram um balé letal sobre um rinque de gelo que ela mesma conjurava a cada passo. Ela não corria, deslizava, patinava sobre finas lâminas de gelo que surgiam sob seus pés, impulsionando-se com giros e piruetas que a transformavam em um borrão prateado. Um chute giratório impecável, com a perna esticada como uma barra de ferro coberta de gelo, partiu um cavaleiro de éter ao meio, a armadura dourada estilhaçando-se como vidro e o éter se dissipando em névoa brilhante. Mas para cada um que caía, Bishamon, invocava dois novos que se erguiam do chão com um estrondo retumbante, a terra tremendo sob seus pés.

— Você se esconde atrás de seus brinquedos! — zombou Skadi, sua voz gelada cortando o ar como uma lâmina. Ela estava no ápice de um salto, o corpo arqueado para trás em uma manobra acrobática enquanto um flash de luz sibilava onde sua cabeça estivera milissegundos antes. A flecha de luz, disparada pelo cavaleiro arqueiro, explodiu a formação rochosa atrás dela em uma nuvem de poeira e detritos, os estilhaços voando com a força de projéteis. Em uma fração de segundo, ela deslizou para a frente, curvando-se com uma agilidade sobrenatural e usando a lâmina gigantesca de uma das espadas dos cavaleiros caídos como uma rampa de skate. Ela não correu sobre ela, ela patinou, o gelo de seus pés raspando o metal com um chiado estridente, impulsionando-a a uma velocidade ainda maior. Uma segunda flecha de luz veio, mirando seu rosto. Skadi, sem sequer olhar, inclina a cabeça apenas o suficiente para sentir o calor da energia roçar sua pele, a flecha passando tão perto que cortou milímetros de sua franja, alguns fios caindo lentamente no ar, um testemunho de sua precisão mortal.

— E você se esconde atrás de sua dor! — retrucou Bishamon, Ela não estava parada. Mesmo criando um exército, Bishamon era uma máquina de combate imparável, um berserker dourado. Seus punhos, antes usados para invocar, agora se tornavam martelos. Ela avançou como um rolo compressor, na direção de Skadi, derrubando outro construto no processo, que tentou bloquear seu caminho.

Naquele instante sísmico, enquanto as auras de Skadi e Bishamon explodiam em uma sinfonia de poder, moldando o campo de batalha com suas vontades, uma voz ecoou não no ar, mas nas profundezas de seus corações. Um sussurro ancestral, compreendido apenas por aqueles que desafiam os próprios limites: quando dois guerreiros de força igual se encontram, o véu entre o impossível e o possível não apenas se rompe, ele se desintegra em mil fragmentos.

Este era o domínio onde os guerreiros mais lendários transcenderam o compreensível. Atravessando facilmente a barreira do som, Neste estágio de poder, qualquer tentativa de conversa verbal seria uma futilidade, uma lentidão que a velocidade da mente e do corpo superava. O som levaria uma eternidade para cruzar a distância que um pensamento percorria em um piscar de olhos.

No entanto, todos que testemunharam ou experimentaram esses fenômenos descreveram aqueles instantes com uma uniformidade quase mística. Sem que nenhum dos oponentes precisasse sequer mover os lábios, seus adversários compreendiam cada intenção, cada pensamento e sentimento, cada rugido silencioso. As respostas ecoavam mentalmente, tão claras quanto um trovão. Os motivos por trás de cada golpe, cada defesa, cada sacrifício, eram revelados com uma transparência brutal. Era como se, no auge de uma luta de vida ou morte, um vínculo inquebrável, um laço primário contra seu inimigo, fosse forjado. Através desse laço, as palavras eram completamente desnecessárias.

"Dentro dela também tem uma criança chorando." Skadi sabia sobre isso sem que ninguém tivesse que explicar a ela; ela sabia também que aquela criança não era ela, e sim sua irmã, a garota que uma vez o grupo de Love falhou em proteger.

— Então foi por isso que voce se tornou forte pirralha. — Skadi falava em sua mente enquanto começava a correr na direção de Bishamon preparando um ataque com força total. 

— Eu não vou mais me esconder! — A voz de Bishamon ressoou em seu coração, não como um som, mas como uma convicção sísmica que fez a própria terra tremer sob seus pés. — Hoje, eu declaro meu reinado! Eu serei a nova Rainha Escarlate! Destruirei as velhas leis, quebrarei as correntes da nossa história!

A temperatura caiu para abaixo de zero. Uma montanha de gelo negro, pontiaguda e maciça, surgiu do chão, crescendo exponencialmente, ameaçando esmagar Bishamon e seu exército.

Daemon, de seu trono na Grande Árvore, parou de se mover. Seus olhos, antes focados em Kai e Vivian, agora estavam fixos na distante colisão de auras. Aquele poder... a vontade de Bishamon... era diferente. Mais perigoso. Mais... vivo.

Vivian, vendo a distração do Progenitor, não perdeu tempo. Com a velocidade de uma víbora, ela agarrou o corpo quebrado de Kai e o arrancou do campo de batalha, desaparecendo nas sombras enquanto Daemon estava hipnotizado pela nova ameaça.

Bishamon encarou a montanha de gelo. Ela retirou a cruz de seu colar.

— Eu te liberto... para que possa me conceder sua força. Revele minha alma, Hyalina Martius!

A cruz explodiu em chamas incolores. Delas, surgiu uma garota de cabelos rosados e asas de fênix. Com um grito que era pura melodia, ela se transformou em uma bandeira de batalha, que se fincou no chão aos pés de Bishamon. Uma onda de poder puro, rosa e dourado, emanou da bandeira, envolvendo Bishamon e seus cavaleiros. Seus status, seu éter, sua própria presença, tudo foi multiplicado por dez, vinte por trinta. Sua aura, antes uma tocha, agora era um sol, ofuscando a de Lux e fazendo Daemon suar frio e sorrir.

— Agora... — Bishamon com a outra mão empunhou sua espada larga, agora gigantesca e vibrando com poder. — Veja o que acontece... quando um Scarlune finalmente encontra um motivo para lutar.

Ela avançou. A espada desceu. A montanha de gelo, um monumento ao desespero e ao poder de Skadi, encontrou a promessa incandescente de um novo começo.

E o mundo tremeu.

Parte 4

A quietude que se seguiu à batalha na campina era uma farsa. O ar ainda zumbia com o eco do poder bruto despendido, um silêncio carregado com o peso opressor do que havia acontecido. Escondido nas sombras mutantes dos novos e retorcidos bosques de Nocturia, que agora marcavam o continente como cicatrizes vivas, Heisen observava o cenário com uma mente fria e analítica. Ele havia testemunhado a “vitória” de Kai, um triunfo forjado sobre a força anômala de Ozymandias e a ferocidade selvagem de Raikou. Eram todos monstros à sua maneira, seres moldados por orgulho, instinto primitivo e uma insaciável sede de batalha.

Foi esse pensamento, essa constatação da proliferação de abominações, que o alertou. Um movimento sutil nas sombras, uma perturbação quase imperceptível no fluxo de éter que não pertencia ao caos residual da batalha, foi instantaneamente captado por seus sentidos aguçados. O ar gelou.

— Eu não vou baixar a minha guarda quando tantos monstros estão se revelando por todos os lados. — Sua voz era um sussurro calculista, quase para si mesmo.

Assim, dois vultos emergiram da penumbra, deslizando da escuridão com um propósito silencioso e letal. Um deles, ele reconheceu imediatamente. O sorriso carismático fora substituído por uma máscara de fria resolução, mas a essência... era inegável. Era a de Love, seu irmão. A outra era uma mulher, seus cabelos brancos como a neve recém-caída e olhos vermelhos como brasas, cuja presença era tão aguda e perigosa quanto uma navalha desembainhada na escuridão.

— Frustrante. Estava me divertindo analisando uma espécie rara do passado, mas parece que minha pesquisa terá que esperar — Heisen disse, seus olhos fixos no irmão. As pupilas, antes cheias de um calor e simpatia contidos, estavam agora desprovidas de qualquer emoção, gélidas como gelo.

— Precisamos de algumas informações. E sabemos que você é o único que as terá. — A voz de Love era fria e direta, sem rodeios.

Heisen moveu a cabeça em uma negação lenta, seu rosto uma máscara de calma impassível.

— Mas presumo que um "não" educado não está entre as opções que você consideraria.

— A presunção é o primeiro passo para o erro, mas neste caso, você está correto — respondeu Love, com uma formalidade que contrastava com sua natureza. Enquanto ele falava, sua parceira, Lucia, deu um passo à frente, sua postura enganosamente relaxada escondendo uma prontidão explosiva, cada músculo tenso como uma corda de arco.

Naquele instante, Heisen sentiu um calafrio percorrer sua espinha, não de medo, mas de uma profunda e amarga decepção. Ele havia aceitado a loucura inerente a Kai, a arrogância cega de Ozymandias, mas aquilo... aquilo era uma farsa abjeta. O ser à sua frente, que usava o rosto de seu irmão, era uma zombaria cruel, uma casca vazia que profanava a memória do garoto que um dia ele chegou a respeitar. O verdadeiro Love, o tolo e idealista Love, nunca faria tal coisa.

— Sabe que foi muito fácil deduzir que você era o assassino da mansão, maninho tolo. — Heisen disse, a voz baixa e carregada de um desprezo velado, como se quisesse dar uma última lição ao irmão antes de começar a inevitável dança da morte.

Mas Love apenas o encarava em silêncio, a frieza em seus olhos inabalável.

— Se havia um infiltrado que queria usar a confiança para matar, poderia ter matado qualquer um, inclusive a mim, que até então não imaginava ver um Scarlune assassinar o outro em vez de simplesmente declarar um duelo em aberto. Uma tática covarde demais para os idiotas Scarlunes. — Heisen continuava, a voz cortante como uma lâmina, mesmo sem Love demonstrar qualquer reação. Lucia, no entanto, o encarava com uma intensidade que parecia querer confirmar que ele havia tomado sua decisão.

— Mas tinha um motivo para ter começado com Lorelei, mesmo ela não tendo habilidades problemáticas. Era porque o assassino sentia vergonha de deixar ela saber o que ele faria logo em seguida. Você ficou com tanta vergonha do que ela pensaria, que teve a ideia idiota de matar a pessoa que amava, virando o maior suspeito. Aposto que até disse a si mesmo que isso foi para tomar coragem para saber que não havia mais volta, não é?

Com essas palavras, Heisen se preparava. Sua mão deslizou para a bainha de sua lâmina, e com um movimento fluido, ele a puxou enquanto retirava seu tapa-olho, revelando seu Devil Eye brilhando com uma luz esverdeada e sinistra.

— Se quer informações — disse Heisen, sua voz gélida como aço —, terá que extraí-las de mim. E eu lhe garanto, irmãozinho tolo... será um processo doloroso.



Lucia explodiu em movimento. Ela não correu; ela se tornou um borrão de eletricidade rubra e negra, ziguezagueando pelo terreno irregular com uma velocidade que distorcia o próprio ar ao seu redor. Era como se o espaço-tempo se dobrasse à sua vontade, sua silhueta tremeluzindo, tornando-a quase impossível de seguir. Heisen ativou seu Devil Eye, e para ele, o mundo se transformou em um fluxo incessante de dados, linhas de força, vetores de ataque e pontos de fraqueza cintilantes. Mesmo com essa percepção aprimorada, a velocidade de Lucia era um desafio brutal, forçando-o a uma defesa puramente instintiva, guiada por reflexos no limite do humano.

Ele recuou, sua lâmina curta e esverdeada materializando-se em sua mão, surgindo como um espectro. Com um movimento preciso e ágil, ele interceptou as garras elétricas de Lucia, que buscavam seu coração com uma precisão mortal. Faíscas crepitaram com fúria, iluminando por um breve instante a escuridão do bosque, e o cheiro pungente de ozônio preencheu o ar, um sinal da energia violenta liberada. Enquanto a pressão de Lucia era avassaladora, um turbilhão de golpes rápidos e elétricos, Heisen percebeu a verdadeira ameaça que se desenrolava.

Love, com uma calma perturbadora que beirava a indiferença, fez um gesto sutil com a mão. Do chão corrompido de Nocturia, vinhas negras e espinhosas irromperam como serpentes famintas, subindo do solo com uma velocidade assustadora para prender os pés de Heisen, limitar drasticamente suas rotas de fuga e criar aberturas para os ataques implacáveis de Lucia. Era uma sinfonia letal de ataque coordenado: a velocidade vertiginosa de Lucia combinada com o controle de campo de Love, transformando o ambiente em uma armadilha viva.

"Inteligente," pensou Heisen, a análise instantânea correndo por sua mente enquanto ele cortava uma vinha robusta que se enrolava em seu tornozelo, o metal de sua lâmina rasgando a matéria orgânica com facilidade. Ele analisava cada movimento, cada flutuação mínima no éter de seus oponentes. Lucia era a força de assalto, a vanguarda bruta, pura velocidade e poder destrutivo. Love, por outro lado, era o cérebro por trás da operação, o estrategista silencioso que manipulava o campo de batalha para encurralá-lo, transformando a própria natureza em uma arma.

Heisen saltou para trás com uma agilidade acrobática, desviando por pouco de outra investida relâmpago de Lucia, apenas para ver uma parede de espinhos densos e retorcidos surgir abruptamente onde ele aterrissaria. Sem hesitar, ele girou no ar, usando a superfície áspera de uma rocha saliente como um ponto de apoio para se impulsionar para o lado, a ponta de seu casaco sendo rasgada milimetricamente pelos espinhos afiados.

Ele sabia. Ele não podia vencer em uma luta de atrito. Sua força física não se comparava à ferocidade implacável de Lucia, e o controle de Love sobre o ambiente o colocava em uma constante e esmagadora desvantagem. Ele precisava de uma abertura, uma falha minúscula no padrão de ataque deles. E, como cientista, encontrar padrões em meio ao caos era sua especialidade inata.

Com seu Devil Eye, ele não via apenas fraquezas físicas, não apenas pontos vulneráveis na armadura ou na postura. Ele via as fraquezas conceituais, as falhas na própria lógica do combate. A força inegável deles residia na perfeita sincronia de seus ataques. E essa era, também, sua maior vulnerabilidade, a rachadura no quebra-cabeça.

Lucia avançou novamente, um raio carmesim que rasgava o ar. Ao mesmo tempo, Love conjurou uma lança de madeira negra e retorcida diretamente do solo corrompido, arremessando-a em uma trajetória calculada para interceptar a inevitável esquiva de Heisen. O plano era perfeito, uma armadilha orquestrada com precisão mortal.

Mas Heisen não se esquivou. No instante exato em que os dois ataques convergiram para aniquilá-lo, ele aplicou sua habilidade. Não em Love, não em Lucia, mas no vínculo invisível que os unia. Ele mirou na sua "Sincronia".

Por uma fração de segundo, a lança conjurada por Love pareceu hesitar no ar, sua trajetória desviando por um milímetro imperceptível. A investida elétrica de Lucia, perfeitamente sincronizada para onde Heisen deveria se mover, continuou em seu curso. Contudo, em vez de um flanco aberto e vulnerável, ela encontrou a lança de seu parceiro. O choque de éter foi sutil, quase inaudível, mas o suficiente para quebrar o ritmo impecável que os definia.

Essa fração de segundo foi tudo que Heisen precisava. Ele não atacou, mas avançou com a precisão de um cirurgião, reposicionando-se em um ângulo onde podia observar ambos claramente. Um leve sorriso de satisfação tocou seus lábios, uma rara exibição de emoção.

— Interessante. — A observação foi um sussurro para si mesmo, mas o poder e a energia liberados pela breve, mas decisiva, colisão dos ataques não passaram despercebidos.

No topo da Grande Árvore, Daemon Scarlune sentiu a perturbação. Seus olhos, antes semicerrados em um tédio milenar, abriram-se com um novo e perigoso interesse. Ele havia se distraído com a ascensão explosiva de Bishamon e a subsequente e irritante fuga de Vivian e Kai, um descuido que agora o exasperava. Mas agora, uma nova peça se movia no tabuleiro do mundo. Ele se levantou de seu trono improvisado de raízes, sua presença imponente e avassaladora fazendo a própria árvore ancestral gemer em resposta à pressão. Com um movimento que era ao mesmo tempo lento e impossivelmente rápido, ele desceu. Não saltou; ele simplesmente se deixou cair, a gravidade curvando-se à sua vontade, depositando-o suavemente no campo de batalha a algumas dezenas de metros do confronto.

Sua chegada foi como um vácuo de som, um buraco negro que engolia a própria atmosfera. Love, Lucia e Heisen pararam instantaneamente, suas auras de combate recuando e se contorcendo diante da pressão esmagadora que emanava do Progenitor.

— Que espetáculo intrigante — a voz de Daemon ecoou, calma e divertida, com um tom de quem saboreia um prato exótico.

Seu olhar passou rapidamente por Lucia, detendo-se em Heisen com uma análise afiada, e finalmente pousou em Love. Um lampejo de reconhecimento, ou talvez de desprezo abjeto, brilhou em seus olhos ancestrais.

— Você... você carrega a marca do sonho quebrado. E você — ele se virou para Heisen, com a voz um fio de interesse cruel —, você luta com a frieza cortante de quem já aceitou a podridão do mundo. E ainda assim... ambos se opõem. Fascinante.

Ele deu um passo à frente, e o chão sob seus pés rachou com um estalo seco, as fendas se espalhando como teias de aranha.

— Eu estava ficando entediado. A pequena guerreira e o barulhento escaparam. Mas talvez vocês três possam me oferecer uma distração mais... estimulante. Mostrem-me. Mostrem-me qual de suas filosofias quebradas é a mais forte.

A batalha de dois contra um estava prestes a se tornar um caótico e imprevisível confronto a quatro. Para Heisen, a situação havia escalado de perigosa para quase impossível. Para Love, um obstáculo imprevisto em seu plano. E para Daemon, o início de uma diversão há muito esperada.

Parte 5

O ar na Fonte das Fadas era pesado com o vapor quente e o cheiro de ervas curativas, um santuário de recuperação que contrastava brutalmente com a devastação lá fora. Mesmo assim, a tranquilidade era uma ilusão.

Dante se viu submerso mais uma vez, a água quente invadindo seus pulmões antes que Elizabeth, com um aperto de ferro, o puxasse para a superfície apenas para afundá-lo novamente.

— Ainda não está limpo! — rosnou ela, seus chifres demoníacos parecendo mais nítidos em meio ao vapor. — Homura, a outra!

— Sim, mestra! — A garota de pele bronzeada e cabelos brancos agarrou Anna, que tentava se debater, e a jogou na mesma terma sem cerimônia.

— Ei! Eu não preciso disso! — protestou Anna.

— Precisa, sim! Ordens da capitã! — retrucou Homura, tentando manter uma expressão séria.

Em uma parte mais rasa da fonte, Vivian flutuava de costas, os cabelos agora brancos espalhando-se como uma auréola na água. Kai estava sentado na borda, de braços cruzados, recusando-se a entrar, com o olhar fixo em um ponto distante, remoendo a derrota. Skadi, fiel à sua natureza, mantinha-se no canto mais frio da câmara, longe das águas termais, sua venda preta parecendo absorver a pouca luz.

Kai cerrou os punhos, a energia caótica de sua Black Box ainda vibrando sob sua pele como um eco febril. A humilhação era um gosto amargo em sua boca.

"Eu me tornei um demônio... usei tudo de mim... e mesmo assim..."

— Sente-se frustrado por ter sido derrotado, garoto? — A voz de Skadi cortou seus pensamentos, gélida como o canto da câmara onde ela estava. Ele nem a viu se aproximar. — É uma visão patética.

— Cale a boca! — rosnou Kai, sem se virar. — Não quero a opinião de quem nem estava lá.

— Mesmo sem estar, consigo dizer pelo estado do seu éter. Afinal, já faz um tempo que eu não preciso ver as coisas para enxergá-las de verdade — Ela brincava com o fato de ser cega da mesma forma que brincava com a frustração do garoto. — Você ateou fogo em si mesmo para iluminar uma sala por um minuto — retrucou Skadi, sua venda preta tornando sua expressão indecifrável. — Uma fogueira que queima rápido demais se extingue com a mesma velocidade, deixando apenas cinzas. Poder sem controle é só um caminho mais rápido para a autodestruição.

Kai virou-se para ela, a fúria brilhando em seus olhos.

— Está me chamando de fraco?!

— Estou chamando você de tolo — corrigiu Skadi, com uma calma mortal. — Se não entender as minhas palavras e continuar assim, essa sua chama impressionante o consumirá por dentro antes que possa queimar seus verdadeiros inimigos.

Ela se afastou, deixando Kai sozinho com o veneno daquelas palavras, que doíam mais que qualquer ferida física. Ele voltou o olhar para a água, o reflexo de seu rosto contorcido em uma fúria que, pela primeira vez, sentiu que não era direcionada a Dante, mas a si mesmo.

Akira, por sua vez, estava de pé ao lado de Bishamon, que meditava na beira da fonte, com a aura dourada pulsando suavemente. Ele não estava ali para se curar, mas para vigiar sua irmã.

— Então, esse é o plano? — a voz de Akira quebrou o som da água. — Uma aliança com as fadas? Com ela? — Ele gesticulou com o queixo na direção de Lux, a fada ancestral, que se aproximava do grupo com seus dois guardas, Agrad e Loufen.

Bishamon abriu os olhos. — É o único caminho. Vencer Daemon exige mais do que força bruta.

Sua voz era o decreto de uma nova rainha, uma decisão que ainda pairava no ar, surpreendente e pesada. Após sua batalha com Skadi, onde sua determinação em forjar um novo destino para os Scarlune se manifestou em poder bruto, ela havia imposto sua vontade. O resultado foi uma trégua desconfortável e uma aliança ainda mais improvável.

Lux parou diante deles, sua presença régia indiferente à devastação ao redor. — Minha lealdade é para com a sobrevivência do meu povo. A maioria das Lowen, cegas pelo desejo de poder após séculos de aprisionamento, renegaram Avalon. Elas desejam apenas um reino próprio, como Morrigan um dia teve. Apenas Agrad e Loufen permanecem fiéis ao antigo dever.

— E você acredita que pode reconquistar seu trono? — perguntou Bishamon.

— A Coroa de Oberon é a chave — respondeu Lux, o olhar fixo em um ponto que só ela via. — Com o fragmento que está em posse de Daemon, posso provar meu direito e unir os que ainda hesitam. Mas, para isso, ele precisa cair. Nossos objetivos, por ora, alinham-se.

— E o que ganhamos com isso? — Skadi falou de seu canto, a voz gélida.

— Ajudaremos a reabrir o portal para Avalon — declarou Bishamon. — E os Scarlune terão o direito de viver lá. Este continente é nossa herança, nosso único lar.

Agrad e Loufen pareceram tensos com a proposta, mas um olhar de Lux os silenciou. A princesa das fadas concordou, embora uma sombra de dúvida permanecesse. A aliança dependia de quem governava em sua ausência. Se seu pai ainda estivesse no trono, haveria esperança. Caso contrário, a guerra seria em duas frentes.

— E quanto a você, Blade? — Akira se virou para o espadachim, que estava encostado em uma coluna, impassível como uma estátua de pedra. — Você também queria isso? Não consigo entender por que logo você saiu da mansão e seu primeiro movimento foi direto na direção das fadas. Com certeza você deve ter um motivo para isso.

Blade não mudou sua expressão. — Sua teoria já começa errada. Para começo de conversa, desde o início desta reunião eu nunca cheguei a pisar na mansão... — ele falou de forma calma e centrada. — Mas devo entender que sua confusão significa que meu mordomo fez um excelente trabalho se passando por mim. — Um sorriso sutil finalmente apareceu em seu rosto. — Já fazia um tempo que estava vendo a podridão se espalhar por esta família. Achei que, ao deixar o caos florescer, eu conseguiria pará-lo e provar ser o único com o necessário para governar.

Um som de escárnio escapou de Kai. — E falhou miseravelmente, pelo visto.

— Pelo menos, como sempre, ele continua sincero e sério até quando vai falar que tentou passar a rasteira em todo mundo, né, irmãozão? — Vivian falou, olhando da fonte para Blade.

— ...mas eu não esperava que as raízes da traição viriam logo de Love — concluiu Blade, ignorando Kai.

— Sincero? — disse Dante, finalmente livre das garras de Elizabeth e cuspindo água. — Se quer ser sincero, diga logo que queria vencer o traidor para pegar o trono, mas tremeu na base quando percebeu que teria que vencer o Love e correu atrás de aliados fortes. Simples assim.

Dante e Blade trocaram um olhar de mútua compreensão. A ambição de Blade era transparente para ele. Mas, percebendo isso e ao invés de retrucar, Blade o chutou com força, enviando-o até o teto, onde ele bateu, ricocheteou por conta da barreira e voltou ao chão, próximo da entrada.

— Chega de monólogos de vilão. Temos problemas maiores.

A tensão foi subitamente quebrada por uma nova chegada. Lux, que se aproximara da fonte, interrompeu o clima e se aproximou do caído. A fada estava completamente nua, a pele pálida brilhando sob a luz etérea da fonte, e sua expressão era de pura curiosidade.

— Humano — sua voz era melódica e indiferente. — Por acaso é verdade que, quando o selo da Caixa de Pandora foi aberto, todos viram três fadas cantando por aqui? Ouvi lendas sobre o Coral da Ruína, mas nunca achei que elas realmente fossem reais.

Dante e Akira congelaram, e um filete de sangue escorreu do nariz de ambos quase em uníssono. Agrad e Loufen correram, tentando cobrir sua rainha com seus casacos, com o rosto vermelho de vergonha.

— Senhorita Lux, por favor! Seus modos!

A comoção foi o gatilho. Beatrice acordou com o barulho. Seus olhos focaram em Mio, que, vendo-a desperta, saltou em sua direção com um grito de alegria.

— Bea! Você acordou!

Mio a abraçou com a força de um urso, para então segurá-la pelos ombros, sacudi-la e jogá-la contra a parede mais próxima com um baque surdo.

— O QUE VOCÊ ANDOU FALANDO DE MIM PARA O DANTE?! — rugiu ela, o rosto a centímetros do de Beatrice, que ainda piscava, confusa.

Enquanto isso, Anna, completamente alheia ao drama, havia encontrado a despensa de Elizabeth e estava "assaltando" a geladeira, devorando tudo que encontrava com a velocidade de um furacão. Amarylis, por sua vez, contava animadamente para Paracelso como Dante a havia salvado.

— ...e ele me carregou, no meio de tudo aquilo! Foi tão...

— Maldição da afinidade, querida — Paracelso a interrompeu, com um ar entediado, enquanto acariciava distraidamente os seios de uma jovem que se recuperava na fonte ao seu lado. — Um efeito colateral comum em Gifteds. Agora que me lembro, preciso perguntar algo a ele...

Bishamon, ignorando o caos, focou no que importava. — Dante. A garota que o salvou. Quem é ela?

Assim, os olhos de todos foram na direção da garota bela... deslumbrante. Seu cabelo loiro descia em cascata, chamando a atenção. Ela vestia um uniforme escolar, com uma camisa branca apertada e uma minissaia xadrez, que se destacavam junto com o colar justo em seu pescoço. Seus olhos vermelhos pareciam emitir um brilho intenso.

Dante, ainda tentando estancar o sangramento nasal, desviou o olhar. — E… e-eu não sei... não tive tempo de...

— NÃO TEVE TEMPO?! — As vozes de Amarylis, Anna (com a boca cheia) e Hyori soaram em uníssono, um coro de indignação feminina que fez Dante se encolher.

— Uma garota se declara pra você e você nem pergunta o nome dela?! — gritou Amarylis.

Beatrice, finalmente se livrando de Mio, levantou-se. — Não entendi direito, mas sinto que preciso socar o Dante.

— Espera, o quê? Calma! Por quê? É pela garota ou por conta da Mio? Seja lá o motivo, isso parece bastante exagero!

Ele começava a correr da garota, sabendo o perigo que seus punhos simbolizavam. Beatrice avançou, o punho cerrado, mas antes que pudesse atingi-lo, um vulto passou por ela. Shiranui Tenma, a misteriosa recém-chegada, interceptou o soco de Beatrice com um chute lateral preciso. A força do impacto criou uma pequena onda de choque que fez a água da fonte ondular.

Todos pararam, os olhos fixos na garota.

— Impressionante — murmurou Paracelso, os olhos cianos brilhando com interesse científico. — Essa estrutura muscular, a forma como ela canaliza o éter... ela não é uma Scarlune.

— Meu nome é Shiranui Tenma — disse a garota, a voz calma e firme. — E eu...

A apresentação foi brutalmente interrompida quando a porta da câmara explodiu, estilhaçando-se para dentro. Pela fumaça e destroços, Mikasa surgiu ao lado de Belltrylis e Alana. Elas amparavam uma Levy semiconsciente, cujo corpo estava coberto de feridas e adornado por flores negras e murchas. Atrás delas, o restante de seu grupo cambaleava, em um estado igualmente lastimável.

— Encontramos o grupo de Levy nos limites da floresta — relatou Belltrylis, a voz fraca, mas precisa.

O tumulto despertou Hilda com um sobressalto. Seus olhos varreram o ambiente, buscando freneticamente uma ameaça que já havia passado.

— Acalme-se — a voz de Skadi soou, gélida e surpreendentemente próxima. Ela já estava ao lado de Hilda, com a venda preta tornando sua expressão indecifrável. — A batalha imediata terminou.

Ao ouvir as vozes familiares, Levy forçou o corpo a obedecer, firmando-se de pé. Seus olhos percorreram o grupo até encontrarem a figura de Yuri, que correu em sua direção. Sem uma palavra, Levy a envolveu num abraço que estilhaçou a couraça de aço que sempre a revestia. Surpresa, Yuri apenas retribuiu o gesto, afagando os cabelos brancos da capitã.

Mio e Diane, observando a cena, trocaram um olhar antes de se aproximarem.

Ignorando a dor latejante em sua têmpora, Belltrylis caminhou com determinação até Dante, que tentava inútilmente limpar o sangue que escorria de seu nariz. Ela abriu os braços, como se esperasse uma recepção calorosa, deixando Dante visivelmente confuso.

— Mestre Dante. Fico aliviada em vê-lo consciente — disse ela com um tom sério, mantendo os braços abertos.

Dante a encarou, um sorriso cansado no rosto. — Eu também estou feliz por você estar bem, Bell… mas o que houve?

— Após encontrar Alana como me foi pedido, vim procurá-lo. Soube que havia saído, então decidi partir em busca de outros sobreviventes.

— Entendi... Muita coisa aconteceu.

Bishamon observava a cena em silêncio, ponderando um fato irônico: de todos os guerreiros que ela enviara para buscar sobreviventes, apenas aqueles que não receberam a ordem direta retornaram com alguém a salvo.

Enquanto isso, a desconfiança pairava no ar. Hilda observava Lux, que se mantinha afastada com seus guardas feéricos.

— E vão confiar nela assim, tão fácil? — falou Hilda para Bishamon. — Depois do que vi, não consigo acreditar que qualquer uma dessas... coisas... esteja do nosso lado.

Nesse momento, Loufen se aproximou de Levy. Ao tocar suavemente na garota, as flores negras que ainda maculavam sua pele murcharam e se desfizeram em pó.

— Você não precisa gostar de nós — disse a fada. — Apenas reconheça a utilidade desta aliança. O ódio é um luxo que não podemos nos permitir agora.

“Que palavras nobres para quem estava tentando me matar há pouco” — pensou Blade de seu canto.

A tensão foi quebrada por uma chegada inesperada. Uma figura de cabelos pretos, vestindo um jaleco branco sobre uma saia justa, emergiu das sombras. Sua aura de autoridade rivalizava com a de Bishamon e Lux ou até ultrapassa.

— Rani! — exclamou Vivian, surpresa.

Ao pronunciar o nome, uma onda de éter varreu a sala. A percepção de todos foi distorcida por um instante. Num piscar de olhos, a mulher que deveria estar na entrada da câmara já estava a poucos passos de Lux, observando-a com uma atenção predatória. Ninguém se moveu. Nem mesmo as imponentes fadas sentiam ter o direito de falar na sua presença. Uma aura tão pesada e distorcida a envolvia que um pensamento uníssono percorreu a mente de muitos: quantas vidas um único ser precisaria ceifar para carregar tal peso?

Kai e Blade se recusavam a olhar diretamente para a mulher, enquanto Dante a observava, com a sensação incômoda de já tê-la visto em algum lugar.

Rani Scarlune, a matriarca e cientista da família, analisou a princesa das fadas de cima a baixo como se ela não fosse nada além de um rato de laboratório.

— Que interessante... — sua voz era seda e veneno. — Apesar de ser reverenciada de forma diferente e possuir um éter consideravelmente maior, me pergunto por que não há tantas diferenças físicas entre você e as fadas lowen. Será que se eu te abrir, assim como fiz com as outras, poderei ver melhor essas distinções?

Agrad e Loufen saltaram para proteger sua princesa no momento em que a cientista estendeu a mão e tocou uma mecha do cabelo de Lux. No entanto, a calma gélida de Rani os paralisou. O olhar dela não demonstrava raiva, mas uma indiferença tão profunda que os encheu de um pavor primordial. Seus batimentos cardíacos pareceram parar até que ela, ignorando-os completamente, voltou a falar.

— É verdade, quase me esqueci. Trago notícias que podem lhes interessar. Layla está viva.

Um silêncio chocado caiu sobre o grupo.

— A brincadeira dela nos níveis mais profundos terminou, e ela ressurgiu no sexto andar — continuou Rani, com a calma de quem relata um experimento. — Quando a calamidade começou, os anciões de lá iniciaram uma evacuação por conta própria, movendo quem podiam para bolsões seguros nos andares inferiores. Muito mais gente do que imaginam sobreviveu. Vim apenas para sanar preocupações tolas e ver se precisariam de ajuda.

A incredulidade tomou conta de todos. Layla… viva? Sobreviveu por vinte anos explorando o Abismo?

— E a superfície? — perguntou Amarylis, a voz trêmula.

— Parte da evacuação que orquestramos contra a Horizon já estava em andamento. Há navios na costa — respondeu Hilda, sua mente de comandante já traçando novos planos. — Mas muitos ficaram para trás.

A notícia trouxe um novo fôlego ao grupo. A esperança, frágil como era, reacendeu com força.

— Então está decidido. — A voz de Bishamon soou, carregada com o peso de sua recém-declarada liderança. — O problema com as fadas foi, em grande parte, resolvido graças a Lux. Os sobreviventes, tanto na superfície quanto no subterrâneo, estão sendo protegidos… resta apenas a última peça a ser retirada do tabuleiro antes que possamos começar a reconstruir.

Todos seguiram seu olhar. O ar ficou pesado novamente, mas agora, a resignação havia sido substituída por uma determinação sombria. A batalha por Nocturia ainda não havia acabado. Ela estava apenas começando.

Parte 6

Quando a poeira assentou, revelou um quadro de derrota quase absoluta. Heisen estava caído de joelhos, usando a lâmina esverdeada fincada na terra para amparar seu corpo trêmulo, com o sangue escorrendo de um ferimento profundo em seu ombro. Não muito longe dali, Lucia jazia no fundo de uma pequena cratera, o corpo ainda crepitando com eletricidade residual. Uma estalagmite, irrompendo do solo destruído, atravessava seu abdômen.

Em pé, em meio à devastação, estavam as duas figuras centrais. Daemon, o Progenitor, parecia intocado, um leve sorriso de tédio em seus lábios enquanto observava seu descendente. E Love, ofegante, a postura defensiva, a fria resolução em seu rosto começando a dar lugar a uma exaustão visível.

— É só isso que a Horizon pôde me oferecer? Um estrategista que se esconde atrás de seus peões? — a voz de Daemon era um trovão calmo, cada palavra um peso esmagador. — Esperava mais de alguém que carrega a minha herança e a audácia de tentar refazer o mundo.

Love não respondeu com palavras. Em um movimento fluido, ele passou a mão sobre uma complexa tatuagem que cobria seu antebraço direito. A tinta negra brilhou com uma luz pálida, e dela, como se puxada da própria pele, uma longa e fina espada de ébano se materializou em sua mão. A lâmina era adornada com gravuras que lembravam espinhos e vinhas.

— Uma arma interessante — concedeu Daemon. — Mas uma ferramenta só é tão boa quanto o seu portador.

Daemon avançou. Não com a velocidade de Lucia, mas com o peso de uma montanha em movimento. Cada passo seu fazia o chão tremer. Love o encontrou, sua espada um borrão de escuridão contra a aura dourada do Progenitor. A esgrima de Love era precisa, cada estocada e corte visando uma fraqueza, uma abertura. Mas era como tentar perfurar o próprio tempo. Daemon desviava dos golpes com uma economia de movimentos quase insultuosa, seus punhos nus parando a lâmina de ébano com um som de trovão.

Com um movimento súbito, Daemon agarrou a lâmina com a mão, ignorando a energia sombria que a envolvia, e com sua outra mão, desferiu um soco no estômago de Love. O ar foi expulso dos pulmões de Love em um arquejo doloroso. Ele foi arremessado para trás, deslizando pelo chão e parando aos pés da Grande Árvore.

— Seus movimentos são vazios, criança — disse Daemon, aproximando-se lentamente. — Você luta para construir um sonho, mas não há paixão em seus golpes. Apenas o frio cálculo da necessidade. É por isso que você vai perder.

Enquanto Daemon erguia o punho para o golpe final, duas novas energias irromperam no campo de batalha. Lucia, com um grito de fúria, levantou-se, seu corpo agora um dínamo de raios rubros, a dor alimentando seu poder. Ao mesmo tempo, Heisen, apoiado em sua espada, ativou seu Devil Eye novamente, focando não em Daemon, mas no próprio chão sob seus pés.

— Fraqueza: Ponto de Ancoragem Estrutural! — ele murmurou.

O chão sob Daemon cedeu abruptamente, fazendo-o perder o equilíbrio por uma fração de segundo. Foi o suficiente. Lucia o atingiu como um cometa, uma saraivada de cortes elétricos rasgando o ar. A batalha tornou-se um frenesi caótico. Heisen, mesmo ferido, usava seu poder para alterar sutilmente o campo de batalha, criando pequenas armadilhas, enfraquecendo o solo, fazendo a luz refletir de forma a ofuscar Daemon por milissegundos. Lucia era a fúria encarnada, atacando sem trégua, forçando Daemon a uma defesa ativa. E Love, recuperado, juntou-se à dança mortal, sua espada de ébano buscando as aberturas que seus aliados criavam.

Por um momento, o Progenitor dos Scarlune foi pressionado. A combinação da inteligência tática de Heisen, a ferocidade de Lucia e a precisão de Love era uma ameaça real.

— INSETOS! — Daemon rugiu, sua paciência finalmente se esgotando. Uma onda de pura força dourada explodiu de seu corpo, arremessando os três para trás. Lucia foi a que sofreu mais, seu corpo batendo violentamente contra uma formação rochosa. Heisen conseguiu criar uma barreira de fraqueza no ar, que amorteceu seu impacto, mas ainda assim o deixou atordoado. Love usou sua espada para se fincar no chão, resistindo à onda.

Daemon ignorou os dois homens e caminhou na direção de Lucia, caída e vulnerável. — Você, pequena fera, é a mais irritante.

Ele ergueu a mão, uma esfera de energia dourada crepitando em sua palma, pronta para obliterá-la.

Love preparou-se para interceptar. Mas sabia que não chegaria a tempo.

Foi então que a atmosfera mudou.

— Chega de brincar.

A voz de Love não foi alta, mas cortou o caos como uma lâmina de silêncio. Uma pressão sutil, mas absoluta, emanou dele. Não era uma aura de poder visível, mas uma quietude, uma presença que impunha sua vontade sobre a própria realidade.

Daemon parou, a esfera de energia em sua mão vacilando. Ele sentiu algo estranho. O ódio ancestral, a fúria pela traição, o desejo pela morte... os sentimentos que eram o combustível de seu poder, de repente, pareciam distantes, abafados, como um eco em uma sala vazia. Ele tentou canalizar sua aura, mas ela respondeu com uma lentidão frustrante.

Lucia, cujo corpo inteiro era um receptáculo de fúria e instintos predatórios, sentiu sua eletricidade crepitante diminuir para um mero zumbido. A sede de batalha, a selvageria que a definia, recuou, deixando-a confusa.

— O que... o que é isso? — rosnou Daemon, a confusão se transformando em raiva, embora uma raiva estranhamente impotente.

Love caminhou lentamente, parando entre Daemon e a caída Lucia. Sua expressão era serena.

— Em minha presença, sentimentos como o seu ódio, sua raiva... são meros ruídos. E neste silêncio que eu crio, o poder que nasce dessas emoções não tem lugar.

Frustrado e incapaz de usar suas habilidades mais devastadoras, Daemon recorreu à força bruta. Com um urro, ele avançou e desferiu um soco poderoso, um golpe puramente físico capaz de pulverizar montanhas, diretamente no peito de Lucia.

O impacto aconteceu. Mas Lucia não se moveu.

Daemon, no entanto, gritou. Um som gutural de pura dor. Ele olhou para seu próprio peito, onde uma ferida idêntica à que ele deveria ter infligido em Lucia se abriu, sangue dourado jorrando violentamente. A força do impacto que ele sentiu era, de alguma forma, ainda maior do que a que ele desferira.

— E há mais uma regra neste meu pequeno palco — continuou Love, sua voz ainda calma, mas agora carregada com o peso de uma lei inquebrável. — Qualquer dano físico causado a alguém que eu considero... precioso... retornará a você. Multiplicado.

Ele olhou para a confusa Lucia, um dos pilares de seu novo sonho.

— Neste momento, com ela e meu irmão por perto, são duas pessoas que se encaixam nessa categoria. Então, o dano foi multiplicado por dois. Só que, como eu expliquei, minha habilidade, por uma regra autoimposta, me garante o adicional de mais uma pessoa, mesmo que não tenha mais ninguém aqui.

O Progenitor dos Scarlune, o ser que desafiou a morte, agora cambaleava para trás, não por um golpe que recebeu, mas por um que ele mesmo deu, Love não era mais apenas um estrategista ou um espadachim. Ele havia se tornado o mestre do campo de batalha, o juiz e o carrasco, reescrevendo as regras do combate com uma habilidade que não nascia da força, mas de um amor distorcido e absoluto.

A revelação do poder de Love pairou sobre o campo de batalha devastado, mais pesada e opressora do que qualquer aura física. Daemon, o Progenitor imortal, olhou para a ferida em seu próprio peito — um ferimento nascido de seu próprio golpe, devolvido com juros — e, pela primeira vez em milênios, sentiu um calafrio que não era de tédio. Era a vertigem da possibilidade. Uma risada baixa e gutural escapou de seus lábios, crescendo em um trovão de júbilo maníaco que fez o chão calcinado tremer.

— Hahahaha... HAHAHAHA! Sim! É isso! — ele bradou, não para Love, mas para os céus sombrios que ele mesmo criara. — Um poder que se alimenta da minha própria fúria! Uma habilidade que me pune por tentar destruir! Você... garoto... você pode ser aquele que finalmente me concederá o esquecimento!

A ficha havia caído. A morte, o doce alívio que ele tanto almejava, era agora uma possibilidade tangível. E essa percepção não o encheu de medo, mas de uma alegria selvagem e primordial. Ele não precisava mais se conter.

Uma energia avassaladora explodiu do corpo de Daemon. Seu éter, antes dourado, transmutou-se, tornando-se um roxo profundo e sombrio, uma cor de crepúsculo eterno que se expandiu como uma praga, cobrindo não apenas o campo de batalha, mas toda a antiga Threshold em uma cúpula de poder opressor. Marcas negras, como estigmas profanos, serpenteavam por sua pele, e em seu peito, um Triskelion vermelho-sangue começou a brilhar com uma luz pulsante e sinistra. Seus músculos se expandiram, rasgando os restos de suas vestes ancestrais, seu corpo crescendo em tamanho e poder a cada segundo, transformando-o em um titã de fúria.

— Se o seu poder nega o meu ódio, então eu o esmagarei com a minha carne! — urrou Daemon.

Ele avançou. Sabia que cada golpe físico que desse em um dos protegidos de Love retornaria a ele, mas isso não importava. Era uma corrida contra o tempo: ou ele os aniquilaria com sua força avassaladora antes que o dano refletido o destruísse, ou ele finalmente morreria tentando. Ambas as opções eram vitórias para ele.

Ele se tornou um berseker, um cataclismo ambulante. Com as mãos nuas, arrancou uma raiz colossal da Grande Árvore, grossa como um pilar de castelo, e a brandiu como um porrete, varrendo a paisagem. Florestas inteiras de árvores recém-nascidas foram pulverizadas, transformadas em estilhaços.

Love, vendo a investida, reagiu. Ele bateu as palmas das mãos no chão e, da terra enegrecida, um mar de vinhas e raízes negras, eriçadas de espinhos do tamanho de lanças, irrompeu para encontrar o ataque de Daemon. A raiz titânica e as vinhas espinhosas colidiram em uma explosão de madeira e energia sombria. O impacto foi tão brutal que uma montanha distante tremeu, suas encostas começando a rachar.

Enquanto os dois titãs se enfrentavam, Lucia agiu. Ela se ergueu, seus olhos antes rubros agora vazios, desprovidos de qualquer emoção. Ela havia se tornado uma máquina. A habilidade de Love, que se alimentava de sentimentos negativos, não encontrou nada para anular nela, pois ela havia desligado sua própria humanidade.

De sua sombra, uma rapieira de ébano surgiu em sua mão, a lâmina fina absorvendo a pouca luz do ambiente. Ela se moveu. O som de sua lâmina cortando o ar chegava sempre

depois do corte já ter sido feito. Ela era um borrão, dançando na periferia da batalha principal, seus ataques de uma precisão cirúrgica. Um corte de ar supersônico passou raspando por Daemon, continuando sua trajetória e fatiando o topo de uma colina a quilômetros de distância como se fosse feita de papel.

— Uma boneca de combate... Astuto — a voz de Daemon ecoou na mente de todos, enquanto ele desviava de outra estocada de Lucia que visava seu pescoço.

Ignorando o dano refletido que lhe rasgava a pele a cada vez que suas vinhas defensivas eram atingidas, Love focou em restringir Daemon, dando a Lucia as aberturas de que precisava. Mas o Progenitor era simplesmente poderoso demais. Ele largou a raiz e, com um soco, partiu o chão, criando uma fissura que se estendeu por centenas de metros, forçando Love a recuar.

Foi então que Lucia revelou sua técnica. Movendo-se em uma velocidade estonteante, ela circulou Daemon, deixando um rastro de finas agulhas de ferro no ar, que pairavam em pontos estratégicos como estrelas mortas. Então, ela recuou, ergueu sua rapieira para o céu e canalizou seu poder.

— Julgamento Elétrico — sua voz era um monotono metálico.

Raios rubros desceram dos céus artificiais de Nocturia, mas em vez de atingirem o chão aleatoriamente, foram atraídos pelas agulhas. Os feixes de energia convergiram, criando uma gaiola de pura eletricidade ao redor de Daemon, antes de se concentrarem em um único e devastador pilar de luz que o atingiu em cheio. A explosão incinerou tudo em um raio de cem metros. O ar cheirava a ozônio e rocha derretida.

Mesmo um ser como Daemon cambaleou sob o impacto, sua pele enegrecida e fumegante. Aproveitando a abertura, Heisen, que até então analisava a batalha, agiu.

— Fraqueza: Regeneração Etérea. Falha Catalisadora!

Com sua lâmina, ele não atacou Daemon, mas cortou o ar ao seu redor, aplicando uma "fraqueza" conceitual que retardava a capacidade do Progenitor de absorver éter do ambiente para se curar.

A fúria de Daemon atingiu o ápice. Ele rugiu, uma onda de choque de pura força física que estilhaçou a gaiola de raios e arremessou Lucia e Heisen para longe. Ignorando suas feridas, ele se virou para a maior ameaça. Ele correu em direção a uma das montanhas que agora compunham a paisagem de Avalon e, com um esforço que fez cada músculo de seu corpo titânico gritar, ele enfiou as mãos na base da montanha. A terra gritou. As fundações rochosas se partiram. Com um urro de poder primordial, ele arrancou um pedaço da montanha – uma massa de pedra e terra do tamanho de uma pequena cidade – e, com uma força que desafiava a própria realidade, arremessou-o na direção de Love e seus aliados.

O mundo pareceu silenciar enquanto a sombra da montanha em queda livre engolia tudo.

A batalha havia se transformado em um inferno de vontades indomáveis. O poder recém-evoluído de Daemon era um fato da natureza, uma força que deveria ter aniquilado toda a oposição. Contudo, seus oponentes se recusavam a ceder. Impulsionados pela determinação e pelo desespero, Love e Lucia começavam a se fortalecer, a se adaptar ao ritmo impossível do Progenitor.

O controle de Love sobre as vinhas negras tornou-se absoluto; elas não apenas brotavam, mas se moviam com uma inteligência predatória, antecipando os ataques de Daemon, formando escudos espinhosos e lanças sombrias em um piscar de olhos. Enquanto isso, Lucia, mesmo com o corpo terrivelmente ferido e um braço a menos, tornava-se ainda mais letal. Sua mente, agora um vácuo focado apenas em destruir, permitia que seu corpo se movesse além de qualquer limite, seus ataques com a rapieira negra criando vácuos no ar, cada estocada uma promessa de aniquilação.

Daemon, no entanto, era um deus da guerra. Ele ria enquanto a terra se partia sob seus pés e o dano refletido de Love abria novos cortes em sua pele de escuridão. Ele sentia a dor e a abraçava como uma velha amiga. Ele percebeu que, enquanto Love e Lucia focavam nele, o verdadeiro cérebro da operação, Heisen, continuava a analisar, a encontrar falhas em sua fúria.

— O pensador silencioso é sempre o mais perigoso! — a voz de Daemon ecoou.

Ignorando a dança mortal de Love e Lucia, ele focou toda a sua intenção em um único ponto. Ele desapareceu, sua velocidade agora superando até mesmo a de Dante, e reapareceu diretamente em frente a Heisen. Seu punho, envolto em uma aura dourada e sombria, desceu com o peso de uma estrela em colapso, um golpe que apagaria o cientista da existência.

Naquele instante, um clarão vermelho e azul cortou a realidade.

O punho de Daemon, a milímetros de esmagar o crânio de Heisen, foi parado. Não por uma barreira, mas por um chute. Dante, envolto na aura crepitante de seu modo Deus da Velocidade, havia chegado. Ele segurava o punho do Progenitor, seus próprios músculos tremendo sob a pressão inimaginável, o chão sob seus pés se desintegrando.

— Desculpe o atraso — disse Dante, um sorriso tenso no rosto. — O trânsito estava um caos.

Antes que Daemon pudesse reagir à súbita intervenção, um portal de água turbulenta se abriu ao lado de Love e Lucia. Do portal, Ceto surgiu, seus olhos brilhando com urgência.

— A brincadeira acabou. Vocês dois, venham agora! — ela ordenou.

— O quê?! Mas eu finalmente encontrei uma maneira de... — Love protestou, mas Ceto não estava ali para negociar. Puxando-os sem cerimônia para dentro do portal, que se fechou com um som sibilante, deixando Dante e Heisen sozinhos diante do progenitor.




No esconderijo úmido da Horizon, Love caiu do portal, a raiva estampada em seu rosto. — O que você fez, Ceto?! Ele estava vulnerável! A habilidade dele... eu podia sentir, estava funcionando!

— Cale a boca, Love! — Ceto retrucou, sua calma habitual substituída por uma seriedade sombria. — As ordens mudaram. Nós estamos proibidos de interferir diretamente.

— Proibidos? Por quem?! Por Niklaus?! — Love esbravejou.

— O nível da ameaça ultrapassou o permitido — disse Ceto, sua voz baixando para um sussurro temeroso. — Todos os usuários de clarividência, sem exceção... até mesmo a protegida dele, Kanade... todos viram a mesma coisa. A notícia já se espalhou pelos círculos que importam. O que está acontecendo lá não é mais uma batalha. É um nascimento.

Love a encarou, a confusão começando a substituir a raiva. — Nascimento?

— Um novo Rei Demônio está para nascer em Nocturia — Ceto confirmou, e um arrepio percorreu sua espinha ao dizer o nome. — Cernunnos, a aberração meio fada. O poder que ele está liberando irá reescrever as regras.


De volta ao campo de batalha, Daemon — ou Cernunnos — recuou o punho, um brilho de genuíno interesse em seus olhos dourados ao encarar Dante.

— Outro inseto barulhento... mas você é rápido.

— Eu tenho os meus momentos — respondeu Dante.

Naquele momento, mais figuras começaram a chegar, atraídas pela explosão de poder.

Um vulto branco e preto surgiu em um teleporte caótico, aterrissando com um sorriso arrogante. — Ora, ora... parece que a verdadeira festa só começa quando eu chego. se prepara seu merda, desta vez não será como antes! — Kai falou, seu corpo ainda coberto de feridas da luta anterior, mas seus olhos brilhando com um desejo teimoso.

Do céu, uma presença dourada desceu. Bishamon, aterrissou com a força de um meteoro, sua aura de éter fazendo o ar vibrar. Seus olhos estavam fixos em Daemon, reconhecendo um poder que rivalizava, e talvez superasse, o seu.

E das sombras da floresta destruída, uma figura caminhava, silenciosa e letal. Skadi, a deusa da guerra do subterrâneo, a venda sobre seus olhos não escondendo a intensidade gélida que emanava dela, pronta para a batalha.

Daemon os observou, um por um. Seu sorriso se alargou, um sorriso que não prometia nada além de aniquilação e um espetáculo glorioso.

Dante deu o primeiro passo, seu corpo crepitando com raios. Kai espelhou o movimento, um sorriso competitivo em seu rosto. Bishamon ergueu sua espada, e Skadi entrou em sua postura de combate.

A luta estava só começando.

Dante era o epicentro. A aura azul crepitante do Modo Deus da Velocidade se intensificou, mas foi imediatamente engolida por uma nova e aterradora emanação. Um grito gutural rasgou sua garganta enquanto chamas vermelhas irrompiam de sua cabeça, solidificando-se em dois chifres demoníacos que queimavam com a fúria de um sol. Sua aura elétrica permaneceu, mas agora dançava sobre um manto de poder infernal. Nas costas de suas palmas, o fogo carmesim se contorceu, formando pentagramas incandescentes que pulsavam como corações profanos.

Liberar Arquivo: Terceiro Modo - Deus Dragão

— Já sei que você é forte, então vou com tudo! — sua voz, agora distorcida e mais profunda, era uma promessa de violência.

Com um rugido, Dante flexionou os joelhos. As turbinas de pentagramas em suas mãos explodiram em rajadas de fogo, impulsionando-o para a frente não como uma flecha, mas como um meteoro humano. Ele não correu; ele voou rente ao chão, que se desintegrava em seu rastro. Girando no ar como um parafuso de raios e fogo, ele desferiu um chute de machado voador que descia sobre Daemon, visando esmagar seu crânio.

"Esses movimentos... parecem com os da garota dragão durante a corrida no labirinto de Ryunosuke", pensou Kai, observando-o antes de se mover.

— Não sem mim! — gritou ele, o ciúme e a competição queimando mais forte que qualquer ferida. Em uma série de teleportes caóticos, piscando entre a existência como um estroboscópio preto e branco, ele surgiu no flanco oposto de Dante, seu próprio chute mirando o pescoço de Cernunnos em um arco mortal.

Dois ataques, de dois lados, ambos quebrando a barreira do som.

Cernunnos nem sequer se virou. Apenas riu, um som de puro deleite.

Com um movimento fluido e desdenhoso, ergueu a mão direita e agarrou o tornozelo de Dante no ar. Simultaneamente, sua mão esquerda moveu-se como uma serpente para interceptar o chute de Kai, segurando-o com a mesma força implacável.

— Rápidos, de fato! — zombou Cernunnos. — Mas falta peso!

Contudo, o ataque era uma isca.

Bishamon acelerou. Ela não era um meteoro; era o próprio impacto. Sua aura dourada ardia com a intensidade de uma coroa estelar, e sua espada descia em um corte horizontal que carregava o peso de uma montanha, lançando Cernunnos como se fosse uma bola de beisebol rebatida com força total.

Ao mesmo tempo, Skadi acompanhava o corpo voador de Daemon em um deslize silencioso. Silenciosa como a morte, ela surgiu por baixo de sua guarda, conjurando para ele uma cama de pouso feita de espinhos de gelo negro. As lâminas gélidas perfuraram seu corpo musculoso, e, em sequência, ela desferiu cortes de precisão cirúrgica: nos tendões, nas articulações, nos pontos onde até mesmo um deus poderia ser aleijado.

O sorriso de Daemon se alargou. Com um rugido bestial, as feridas se fecharam com um chiado de carne e gelo vaporizado, enquanto uma energia negra ainda mais densa pulsava de seu corpo. Ele agarrou o corpo esguio de Skadi e a arremessou contra o velocista carmesim, que por sua vez colidiu com Bishamon. O choque resultante foi cataclísmico, abrindo uma cratera de cinquenta metros na terra.

Em menos de um segundo, a ofensiva coordenada foi desmantelada. Mas eles não pararam.

A batalha tornou-se um borrão caótico. Cernunnos não apenas se curava; ele evoluía. Marcas vermelhas e incandescentes serpenteavam por sua pele, e sua massa muscular se expandia com estalos de ossos, a silhueta humana distorcendo-se na de um urso-gorila bestial.

Ele desapareceu e ressurgiu na frente de Kai antes que o teleportador pudesse reagir. Um soco massivo atingiu seu peito, e o som de ossos se partindo ecoou enquanto ele era lançado floresta adentro. A foice gélida e negra de Skadi materializou-se em suas mãos, mas se estilhaçou contra a pele endurecida da criatura. Com uma mera explosão de aura, Cernunnos a arremessou para longe.

Dante, percebendo a catástrofe, abortou seu ataque concentrado. Usando a propulsão de suas mãos para ganhar uma velocidade vertiginosa, ele mergulhou na briga. Seu estilo de luta tornou-se uma impossível capoeira demoníaca, uma dança de chutes giratórios e rasteiras impulsionadas por explosões de fogo. Um chute esmagou a criatura contra o chão, afundando-a na terra, mas o monstro agarrou sua perna e o golpeou contra o solo com força suficiente para abrir uma fissura. Em seguida, arremessou-o aos céus apenas para interceptá-lo em pleno ar com um soco de martelo que o fez despencar de volta.

Kai, enlouquecido, coberto de sangue e com o olho direito já inutilizado, abandonou a sutileza. Ele se teleportava freneticamente, criando dezenas de pós-imagens que atacavam Cernunnos de todos os lados simultaneamente — uma tempestade de lâminas e sorrisos arrogantes.

Bishamon era uma força da natureza. Cada soco jogava Cernunnos de um lado para o outro, mas o monstro nem sequer vacilava, absorvendo os impactos como se não fossem nada.

O campo de batalha tornou-se um inferno de luz e som. O vermelho e azul de Dante, o preto e branco de Kai, o dourado ofuscante de Bishamon e o brilho gélido de Skadi chocavam-se contra a aura sombria do inimigo. A terra se partia, e o céu crepitava.

No centro de tudo, Daemon ria com um som monstruoso, seus olhos brilhando com uma alegria primordial.

— MARAVILHOSO! — sua voz retumbou, sobrepujando o barulho da batalha. — QUE ESPETÁCULO! DEIXEM-ME MOSTRAR MINHA GRATIDÃO!

Parte 7

Enquanto isso, do outro lado, os espectadores da batalha se preparavam, observando o melhor momento para entrar na luta.

— Eles até que estão aguentando mais do que eu imaginava — comentou Loufen.

— Deixe de ser ranzinza só porque não foi escolhido para a linha de frente — respondeu Agrad.

— Sério, você não se sentiu nem um pouco mal com isso? Um dos escolhidos para a linha de frente era aquele monte de carne viva — rosnou Loufen, olhando para Kai à distância.

— Quietos. Está quase na hora do próximo time entrar — disse Blade, analisando o campo de batalha com atenção.

"Esses humanos não param de me surpreender", pensou Lux, observando Blade. "Mesmo à distância, esse garoto também está, tecnicamente, lutando. Que jeito diferente de pensar."

Enquanto eles observavam do alto de uma montanha, planejando quando enviar o reforço, na parte de baixo o segundo time se recuperava. Comiam e se reabasteciam, enquanto o terceiro grupo estava na ala médica, reunindo o máximo de suprimentos que podiam carregar.

— Bea, é melhor comer enquanto pode, ou não vai conseguir usar seu máximo na batalha — disse Mio, com a voz meio abafada pela comida.

— Idem... — Anna mal fez uma pausa para responder, continuando a comer vorazmente.

— Você não precisa concordar, você não para de comer desde que chegamos na ala médica, sua demônia! — gritou Mio, com medo de que, se piscasse, sua comida seria roubada.

— E você, não vai comer? — perguntou Beatrice para Shiranui, que parecia a segundos de disparar em direção à batalha.

— Eu não entendi... afinal, quem é essa garota? — perguntou Vivian, que também estava em pé ao lado de Beatrice e Shiranui, olhando na direção da luta.

Hyori, que saía da ala médica com Levy e Homura, trazendo uma mochila enorme, ouviu a pergunta e respondeu: — Ninguém sabe bem quem ela é. Só sabemos que ela se confessou para o Dante.

— Espera, essa garota se confessou para o meu irmão?! — exclamou Vivian, percebendo tarde demais que talvez tivesse falado alto demais.

— Está esperando o momento certo para se declarar para ele também? — provocou Levy, sem se importar com a situação.

— Ela deve ter uma maldição Gifted, como a de Amarylis, que faz seus sentimentos ficarem muito mais intensos após certos gatilhos. Ou como Dante, que acaba sentindo tudo mais rápido que o normal — especulou Homura.

— Não foi por um motivo assim — interrompeu Shiranui, com a voz firme, ainda com o olhar fixo na batalha. — Eu apenas decidi que me confessaria para alguém que eu sentisse ser muito mais forte do que eu. No momento em que olhei em seus olhos, eu senti isso.

— Sinto muito dizer, minha querida, mas o Dante não é tão forte assim, sabia? Se for por isso, era melhor esperar um pouco. Aqui mesmo você deve achar gente mais forte — disse Vivian, sem rodeios.

— Mais forte que ele?... Não, eu duvido — respondeu Shiranui, parando alguns segundos para ponderar.

— Olha, você notou que ele nem está conseguindo vencer? Pior, nem está conseguindo machucar o Daemon. Ele, por exemplo, é muito mais forte. Além disso, Dante estava em pânico quando a Bishamon e a Skadi lutaram. Como acha que ele pode ser tão forte? — argumentou Vivian.

— Isso é apenas porque ele ainda não revelou o poder do braço direito — respondeu Shiranui, automaticamente.

— Espera, o que você dis- cof, cof! — De repente, com uma cara assustada, Anna engasgou com a comida.

A garota permaneceu em silêncio, sem responder, deixando todas desconfiadas.

— Eu também não planejo ficar com nenhuma criatura que seja inferior à minha própria espécie — disse Shiranui, quase como se quisesse mudar o rumo da conversa.

— O que você quer dizer com isso? — Yuri, que estava quieta até então, sentiu que havia algo estranho naquelas palavras.

— Já que estão todos fazendo perguntas, acho que também posso fazer uma — Beatrice virou-se lentamente para Shiranui. — Nós, dragões, temos um faro muito mais aprimorado que o dos humanos. Eu já sabia que você não era humana, fada, dragão, nem demônio. Obviamente não é uma elfa ou de outras raças facilmente diferenciáveis. E, além disso, eu consigo sentir o cheiro do Kintoki, do Daiki, do Luck e da Yuki emanando de você... Poderia explicar isso?

— O pessoal da nossa sala? — perguntou Mio, confusa.

Ignorando a comoção, Shiranui se reintroduziu, agora sem interrupções. — Como eu ia dizendo... Meu nome é Shiranui Tenma, a nova estudante da Classe -13. Eu estava na lista de espera. Como vocês tiveram que sair em missão, o diretor me designou para o time de captura do avatar de Astreus da Vida. Em outras palavras, estou aqui em nome dele.

Historia Escrita e revisada por AngelDarkCanal do Youtube : @AngelDarkAMV  


  • Aviso


Esta obra é uma ficção e não deve ser interpretada como uma representação da realidade. A obra contém cenas pesadas, que podem ser perturbadoras para alguns leitores. Se você se sentir desconfortável com esses temas, sugerimos que não leia a obra.


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