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The Fall of the Stars: Capítulo 3 - Traição

  • Foto do escritor: AngelDark
    AngelDark
  • 14 de jul.
  • 61 min de leitura

Volume 5: Amor


Parte 1 

Quando tudo em que acreditamos se prova uma mentira, o que deveríamos fazer? A resposta? Para tal pergunta, obviamente, só há duas respostas possíveis: continuamos seguindo em frente, carregando nossas crenças, mesmo que infundadas, por acreditarmos nelas, ou, obviamente, desistimos, quebramos e caímos em um poço escuro de onde não podemos mais levantar. Não é questão de fazer sentido ou não, mas nossa crença é aquilo que nos move, nos faz seguir em frente. Mesmo aqueles que acham que não têm uma, só a possuem de forma decorada e disfarçada. Ninguém pode viver sem acreditar em algo. Não precisa ser algo divino como um deus, algo nobre como um sonho; pode ser simples como um desejo, ou mais ainda, para evitar algo por medo. As crenças são variadas, assumem várias formas e cores. Para mim, sempre foi o desejo de viver junto à minha família, em um mundo onde todos eram felizes e poderiam conviver sem nenhum mal. Mas um dia essas crenças foram destruídas bem sob as minhas mãos. No dia em que aquilo aconteceu, algo em mim quebrou e caiu no frio e escuro íntimo de mim.

— Mas se isso é verdade, por que você voltou a fazer missões? — a voz da mulher ressoava nessa minha parte quebrada e abandonada, seus olhos carregando uma indagação após a história que eu havia contado, a história de como eu descobri como este mundo estava arruinado.

— Eu descobri que nós não éramos forçados a fazer nenhuma missão de verdade, poderíamos parar quando desejássemos. Mas, ainda assim, não consegui, porque percebi que, se não fosse eu a fazê-las, outra criança seria mandada para as mesmas missões que me atormentaram e destruíram. Por isso, eu decidi continuar, pegando as mais difíceis e insuportáveis missões, sujando minhas mãos para que as das crianças pudessem permanecer limpas.

Eu falei. Naquele momento, falei para ela mais de mim do que já cheguei a falar para qualquer outra pessoa. Talvez por conta da história que ela havia me contado, talvez porque logo não faria diferença, já que era ali que ela morreria. Nem eu mesmo sabia o motivo para ter sido tão honesto com ela, mas, ainda assim, fui.

— O seu jeito não vai salvar ninguém, não vai mudar nada — a mulher falava sem qualquer hesitação.

— O que mais eu poderia fazer? O que mais eu podia ter feito! — eu começava a gritar.

— Você desistiu. No dia em que finalmente entendeu como este mundo estava podre, você o aceitou e se tornou parte dele. Mas, pior que os demais, você ainda se considera superior, dizendo que não queria ser desse jeito, mas se tornando só mais uma engrenagem nele.

— E você pode mesmo falar sobre isso, não é? Afinal, não existe qualquer diferença entre você e eu!

— Sim, existe… A diferença é que, no dia em que acabei assim, eu admiti ter desistido, admiti que havia morrido e que não estava fazendo o bem.

— Está me culpando por continuar acreditando?

— Estou te culpando por dizer que continua acreditando, mesmo tendo desistido.

— Vai se sentir melhor se eu disser que desisto, é isso?

Os gritos de ambos pararam. Love caiu no chão, ajoelhado frente a ela. Sua mente estava perdida, sua cabeça estava confusa, ele já não sabia mais o que fazer.

— Quando tudo em que acreditamos é quebrado, só existem duas coisas que podemos fazer… continuar seguindo ou desistir… não tente encontrar um meio-termo…

Demorou anos até que o meu “eu” daquele tempo conseguisse entender o que de fato ela estava querendo dizer… Após aquilo, eu achei que realmente havia entendido, achei que realmente precisava continuar acreditando e seguindo em frente com a minha visão de mundo, mas não era isso que ela quis dizer. Infelizmente, só percebi quando era tarde demais. Naquele dia, eu consegui achar uma forma de fazer com que ela escapasse. Voltei à minha ideia original, parei de matar pessoas, continuei a lutar contra a ideia de fazer as crianças Scarlune passarem por testes e missões tão perigosas. Para mudar minha família, até comecei a estudar e treinar para, convencido, me tornar o líder da família, um posto que nenhum dos membros almejava, mas que, através dele, poderia acabar mudando o “mundo”. Mas, certo dia, percebi quão limitada era minha visão.

— Droga…

Na sala de estar da mansão, Heitor parecia incomodado, após receber uma ligação.

— O que foi, Heitor? Lorelei continua a ignorar suas investidas e te ligou falando para desistir?

— Dá para calar a boca, Heisen? Não é isso… Parece que o Moriel morreu.

Naquele momento, um barulho de porcelana ecoou pela sala quando Love acabou derrubando um vaso de flores no chão.

— O QUE VOCÊ QUER DIZER COM ISSO?!

— Calma, Love!

Heisen se alarmou com a preocupação de Love, sabendo como ele era mais sensível a esse tipo de situação, mas nem conseguindo imaginar como ele reagiria sabendo que Moriel era um companheiro próximo dele.

— Está tudo bem… eu estou calmo… Agora, Heitor, onde aconteceu? Eu vou até lá buscar o corpo dele, é parte das regras da família, lembra?

Os dois sabiam que Love estava fingindo estar calmo com a ideia, mas também sabiam que não seriam capazes de pará-lo. Assim, o grupo, após anos, se reuniu para uma última missão juntos. Todos foram até o local onde o corpo de Moriel havia sido encontrado. Ao observar o corpo massacrado de Moriel, Love sentiu mais uma vez a mesma facada no estômago do mundo, mostrando-lhe como era podre e horrível. Um ódio cresceu dentro dele, enquanto um homem usando roupa de policial, que estava investigando, se aproximou.

— Quem! Quem fez isso? — Love perguntou, mordendo o próprio lábio para segurar a raiva. Mas tanto Heisen quanto Heitor sabiam exatamente o que estava passando pela cabeça dele. Embora soubessem que isso não traria a felicidade que ele buscava, decidiram que, se ele fosse mesmo buscar vingança, iriam ajudá-lo.

— Foi uma mulher, a assassina dos quatro adolescentes de Elysium. Não sabemos bem os motivos, ainda estamos procurando por ela desde que ela fugiu de sua execução.

Se fosse você, que escolha faria? Se te pedissem para matar uma mulher desconhecida, você a mataria? E se, por você ter deixado ela sobreviver, alguém importante ligado a você morresse, ainda poderia dizer que essa foi a escolha certa a se fazer?

Parte 2

No meio daquele continente enorme, a figura do homem misterioso começava a abrir seus olhos, observando o mundo à sua volta e, assim, percebendo que havia voltado à superfície e ao mundo real. Ele então começava a se levantar quando, de repente, seus olhos foram preenchidos por aquela visão:

A própria árvore em que se encontrava era um universo. Seus galhos, grossos como rios ancestrais, torciam-se e subiam em direção a um céu onde não uma, mas duas luas de tamanhos e texturas distintas pairavam como guardiãs silenciosas.

Assim, ele logo percebeu que o mundo real e Avalon haviam se fundido e se misturado. Logo, figuras começaram a aparecer diante dele e a se ajoelhar.

— Fadas, o que vieram buscar? — o homem falou, observando-as.

— Pedir a sua aprovação para conquistar o reino de seus filhos e torná-lo nosso — as fadas ajoelhadas falaram, prestando respeito.

— Meus... filhos... Entendo, os filhos de Morrigan.

O semblante do homem permanecia inalterado após receber a notícia, entendendo a maior parte do que estava acontecendo, e então soltou uma gargalhada.

— No fim, foram os filhos daquela mulher que me libertaram! Hahahaha! Sim, meus filhos. Então, pois bem, qual dos meus filhos completará meus desejos? Façam como quiserem, conquistem essa terra. Eu já não me importo com mais nada. Minha amada não existe mais aqui, então não há nada que eu deseje conquistar.

O homem falava, gargalhando e despertando, finalmente entendendo tudo que havia acontecido.

— Se o senhor não deseja conquistar, qual seria o desejo do senhor, se nos permitiria saber? — a fada falou, mostrando total respeito.

— Simples. Eu darei duas opções: ou meus filhos encontrarão uma forma de acabar com minha estadia eterna nesse mundo vazio...

— Ou então...?

— Que todos eles sucumbam!

O homem sentava-se sobre o trono, começando a expandir sua aura de éter, como se provocasse, chamando a atenção dos fortes ou dos tolos o suficiente para tentar a sorte contra ele, enquanto as fadas, após terem sua autorização, partiam para conquistar sua terra, seu novo objetivo.

Parte 3

O ar na mansão pesava com o cheiro de poeira e sangue. A caçada ao assassino finalmente havia acabado, iniciando a batalha contra a organização terrorista Horizon. No entanto, o verdadeiro assassino da mansão Love escapou, deixando Delta e Rasputin como uma distração letal para os membros da mansão que estavam prestes a capturá-lo. Por conta da mudança dos planos da Horizon, uma falha catastrófica nos cálculos de Love fez com que fragmentos de Avalon fossem violentamente arremessados sobre o continente de Nocturia, fundindo-se à força com a terra. A mansão, epicentro da loucura, foi catapultada aos céus, em meio ao caos e à confusão. Milagrosamente, sua construção especial a mantinha minimamente coesa, ainda que em ruínas.

Lá dentro, Akira, Heisen, Kai e Hyori enfrentavam Delta e Rasputin. Os agentes da Horizon cumpriram seu papel: o atraso foi efetivo. Agora, o grupo se via no olho da calamidade.

No clímax da confusão, após a parada repentina do combate, a realidade se rasgou. Dante surgiu dessa fenda, uma aparição fantasmagórica: corpo ressequido, pele marcada por feridas e queimaduras solares, a desidratação estampada em cada traço, enquanto carregava consigo Beatrice e um rosto que exibia uma forte determinação, beirando a loucura. Enquanto isso, Bishamon, com sua intuição, finalmente conectou as peças do quebra-cabeça, percebendo o que devia ter acontecido ao observar o mundo do lado de fora da mansão em seu novo estado. Assim, com poucas alas sobrando na mansão, ela conseguiu ir direto na direção do porão, um dos poucos lugares ainda intactos da titânica construção. Encontrando o grupo e observando Dante caminhar como um zumbi, ela foi a única que não cedeu e assim parou o garoto, que, sem energias, movendo-se apenas pela força mental e loucura, cedeu, caindo sem forças em seus braços. Assim, Bishamon tomou sua decisão, levando-os até o centro do combate, olhou para todos os que ainda estavam conscientes e disse:

— Acabou. Eu declaro que esta luta termina aqui.

Obviamente, os demais não gostaram nem um pouco da ideia, principalmente Kai, que, apesar de também saber que não era capaz de contrariar Bishamon, tampouco era capaz de ouvir aquilo em silêncio.

— Mas que merda você quer dizer com isso? Não percebeu que eles fizeram tudo isso? Ainda temos que limpar o chão com a cara desses merdas!

— De qualquer forma, continuar com isso não faz mais sentido. Se perdermos mais tempo lutando, quantas pessoas morrerão por nosso egoísmo?

A visão de Bishamon era simples: os vivos se preocupariam em salvar outros sobreviventes, não em alimentar um ciclo de vingança sem sentido. Quando aqueles que precisassem de ajuda fossem socorridos, aí sim eles poderiam perder seu tempo fazendo os culpados pagarem.

Delta, esgotada, mas com um último truque na manga, liberou todos sob sua habilidade: Brighild e Belltrylis.

Aproveitando a distração e o breve cessar-fogo imposto pela presença de Bishamon, Delta, mesmo no limite de suas forças, viu sua brecha. Com um último sorriso para o grupo, Delta agarrou o braço de Rasputin.

— Nosso espetáculo por aqui termina. Espero que nos encontremos para terminar nossa aula depois, professor — anunciou Delta.

Rasputin, ajeitando o que restava de sua cartola, deu um sorriso zombeteiro.

— Que pena, a plateia era... interessante. Mas temo que o próximo ato exija nossa presença em outro palco. — Então, Delta esmagou a lágrima de Ceto em sua mão. Num piscar de olhos e com um último gracejo sussurrado por Rasputin – "Au revoir!" – os dois membros da Horizon desapareceram, consumidos por um líquido misterioso, deixando um vácuo de frustração e o eco de sua arrogância.

— Chega! — A voz de Bishamon cortou a tensão como uma lâmina, sua imponência preenchendo o salão. Todos se calaram. — Temos problemas maiores e mais urgentes. Dante, Beatrice e Akira precisam de cuidados médicos imediatos.

— Minha empregada também está precisando, se tiver algo em mente — disse Akira, nervoso, estancando o sangue de seu peito.

— E onde ela está?

— No andar de cima.

— Então, busque-a rápido. Vou levar vocês até onde possam se recuperar.

Assim, Akira começou a subir os andares, enquanto Bishamon encarava os demais.

— Formaremos duas equipes — continuou Bishamon, seu tom assumindo o de uma general em campo de batalha. — Heisen, Kai, vocês liderarão a primeira. Sua missão: vasculhar o que sobrou do continente, encontrar sobreviventes e trazê-los para cá. A mansão, mesmo em pedaços, é nosso ponto de encontro mais seguro por enquanto. Se possível, reúnam informações sobre o monstro que surgiu no centro do continente, mas não o enfrentem. Assim que pisarem fora da mansão, entenderão o porquê. E sobre o verdadeiro culpado por esta bagunça… lidaremos com ele também.

Ela se virou, seu olhar suavizando minimamente ao pousar nos feridos.

— Eu levarei Dante, Beatrice, Akira e Mikasa até Elisabeth. Nossa única esperança é que ela e o Poço das Fadas ainda estejam intactos. Se Elisabeth se foi, ou o Poço acabou destruído em meio a tudo isso... bem, digamos que nossas chances de sobrevivência diminuem drasticamente. Usarei o Louen para o transporte.

Bishamon tirou uma antiga moeda de bronze do bolso de seu uniforme militar.

— Louen! — chamou ela, jogando a moeda para o alto com um estalo dos dedos. A moeda brilhou com uma luz esverdeada suave e desapareceu no ar antes mesmo de começar a cair. Imediatamente, um círculo de vinhas espectrais e luz feérica começou a se desenhar no chão aos seus pés, crescendo até um diâmetro considerável.

Dentro de Nocturia, pedras de teletransporte perdem seus efeitos, assim como a maioria dos usuários de habilidades como teletransporte é incapaz de usar seus poderes com exatidão. Mas existem certas exceções, uma delas é Louen, uma fada da natureza conectada a todas as árvores dos continentes, capaz de se mover pelas raízes delas e, assim, se locomover enormes distâncias em segundos. A família Scarlune tem um pacto com ela que permite que utilizem desse artifício em troca de moedas que usam como oferenda e parte de seu éter.

— Capitã! — Hyori deu um passo à frente. — Eu vou com vocês.

Belltrylis, que até então pairava ansiosamente perto de Dante, também se adiantou, curvando-se levemente.

— Eu também devo acompanhar o Mestre Dante. Meus deveres como sua criada o exigem.

Bishamon as encarou por um momento, um brilho de compreensão nos olhos.

— Entendido. Subam a bordo. Quanto mais rápido chegarmos a Elisabeth, melhor. Não temos tempo a perder.

Enquanto Akira ajudava Mikasa a entrar na marca no chão, Heisen e Kai começavam a se mover. Heisen parecia saber exatamente para onde ir agora, enquanto Kai olhava para Dante.

“É melhor você não morrer fácil assim, seu lixo.”

Assim, várias vinhas espectrais apareceram, emitindo um brilho esverdeado. Hyori e Belltrylis seguiram imediatamente, posicionando-se ao lado de Dante.

A capitã lançou um último olhar para os três que ficariam.

— Heisen, você está no comando tático da equipe de busca. Kai, tente canalizar essa sua... energia... para algo produtivo. Brighild encontre um meio de comunicação, se possível. E reportem qualquer coisa significativa. E, façam um favor a todos, tentem não explodir o que resta do continente antes que eu volte.

Heisen apenas ficou quieto, enquanto Kai murmurou:

— Tsk. Babá de sobreviventes...

Bishamon deu um meio sorriso.

O círculo de luz intensificou-se, engolindo o grupo em um clarão esverdeado. Houve uma súbita sensação de deslocamento, como ser puxado por uma correnteza invisível, acompanhada pelo sussurro de mil folhas ao vento. Então, tão rápido quanto começou, cessou.

Parte 4

Delta caiu de joelhos assim que a lágrima de Ceto os despejou em um dos esconderijos pré-determinados da Horizon – uma caverna úmida e escura, protegida por sigilos. A exaustão a dominou, e ela ofegava o suor escorrendo por seu rosto pálido.

Rasputin, em contraste, embora claramente abalado e com o terno em frangalhos, conseguiu manter uma aparência de compostura. Ele ajeitou a cartola amassada e observou o ambiente com um ar de crítico teatral insatisfeito.

— Bem, a saída foi um tanto… apressada. Faltou o impacto dramático de uma cortina final, não acha, minha cara Delta? Mas admito que a reviravolta com Avalon foi… inesperada. Haha, por alguns minutos confesso que até achei que iria morrer.

Delta o fuzilou com o olhar.

— Cale a boca.

Rasputin riu, um som seco e desprovido de humor.

Enquanto os dois trocavam farpas, Ceto se aproximou deles.

— Olhem só quem é vivo sempre aparece, não é? — Ceto falou com uma cordialidade forçada, a irritação mal contida em sua expressão.

— Minha cara dama, veio elogiar nossa peça? — Rasputin falou, com seu sorriso habitual estampado no rosto, quando Ceto, subitamente, puxou de um portal aquoso que se materializou no ar um machado enorme, golpeando-o na cabeça.

— Isso aconteceu porque você ficou brincando quando não devia, IDIOTA! — A garota atacava repetidamente com seu machado, como se quisesse extravasar sua fúria.

— Tempo, calma! Espera aí, se continuar assim você com certeza vai me matar de verdade! — Rasputin falava, caído no chão, cada vez que ressuscitava.

— Então, o que faremos agora? — Delta, ao lado, perguntou.

— Nada. Um time de infiltração como vocês não conseguiria fazer nada em um lugar como aquele agora. Love e Lucia ainda estão por lá para ver se conseguem mais alguma coisa antes de voltar… Apesar dos pesares, a missão foi um sucesso — Ceto respondeu, parando de atacar Rasputin.

— Está vendo? Olha o lado positivo.

— Calado!

As duas falaram ao mesmo tempo, mas um arrepio cortante silenciou qualquer outra palavra. A temperatura na caverna despencou, e as sombras nas paredes pareceram se aprofundar, contorcendo-se como se ganhassem vida própria. Um som rítmico e perturbador começou a ecoar da escuridão mais densa adiante – não exatamente passos, mas algo que se arrastava, com uma regularidade fantasmagórica. Delta sentiu um terror primordial lhe gelar o sangue e paralisar seus músculos. Seus olhos arregalaram-se, fixos na escuridão que parecia pulsar. Rasputin e Ceto, por outro lado, ficaram tensos, uma familiaridade sombria em suas expressões.

Então, uma voz ressoou da penumbra, como o vento cortando lápides, cada sílaba carregada de uma frieza perturbadora.

— Então, esta é a novata.

A figura de Maicon Dates, o Poltergeist que caminhava junto aos vivos, pareceu deslizar para fora das sombras mais densas. Seus contornos eram difíceis de focar, como se a própria escuridão relutasse em libertá-lo completamente. Um frio não apenas físico, mas que tocava a alma, emanava dele.

— Há quanto tempo você estava aí? — Ceto respondeu, com uma intensidade quase palpável nos olhos.

— Relaxa. Não importa o que eu tenha visto ou ouvido, não planejo me envolver com as missões dos outros. Apenas apareci para dizer que Layla e eu já terminamos nossa missão e recrutamos aqueles dois em quem Nicklaus estava interessado.

— O quê? Mais membros? — Rasputin reagiu à fala de Maicon.

— Ele não te contou? O objetivo de Nicklaus é reunir dezesseis membros — Maicon avisou.

— Dezessete — Ceto, ainda o encarando, falou.

— É verdade, ainda tem o garoto… Ah, que triste. Gostaria de ter ido para poder tê-lo encontrado novamente — Maicon falou com cinismo na voz.

— Espera, por que dezessete? — Delta, alheia, perguntou.

— Não é tão difícil imaginar. Sermos dezessete e existirem dezessete Astreus… De qualquer jeito, acredito que ele não vai gostar de saber sobre o que aconteceu com o continente de Nocturia…

— Não se meta — Ceto o encarou, agora deixando clara sua irritação com ele.

— A menos… que consigam informações sobre o projeto dele… Como qualquer cientista, saber sobre os avanços de seu projeto sempre o animará… Descubram como Dante Scarlune está e relatem para ele… Aproveitem que a reunião da organização vai acontecer e o parceiro dele vai ser decidido para relatar o progresso do mesmo. Se fizerem isso, ele nem vai ligar para a bagunça de vocês.

Dito isso, Maicon não se virou para ir embora; ele pareceu simplesmente recuar com seu sorriso cínico estampado no rosto, assim foi lentamente absorvido pelas sombras das quais viera, levando consigo a sensação opressora de morte e o frio que gelava os ossos.

— Eu não gosto daquele cara… Nunca consigo dizer o que ele realmente está pensando… Mas não acho que foi uma má ideia — Assim, Ceto começou a tentar contatar os membros restantes que continuaram no continente.

Parte 5

Despertando em pânico, Dante acordou sem saber onde estava ou o que estava acontecendo. Saindo de dentro da água, assustado, observou à sua volta: o local era uma grande piscina de águas quentes, como uma enorme e luxuosa fonte termal, cercada por uma vegetação verdejante e estruturas arquitetônicas imponentes com detalhes em azul, branco e dourado. Diversas pessoas, algumas com trajes de banho e outras com asas de fada, estavam espalhadas pela área; umas nadavam, outras caminhavam ou relaxavam nas bordas da piscina. Mais ao fundo, ele observava cascatas que caíam de estruturas elevadas, grandes tecidos azuis translúcidos que adornavam o ambiente e uma iluminação que sugeria um dia ensolarado ou um brilho mágico.

Dante, observando tudo confuso, começou a tentar fugir, procurando por Beatrice enquanto tentava se lembrar do que havia acontecido. Mas, no momento em que fazia barulho na água, uma mulher apareceu diante dele.

— Tente ficar mais calmo, garoto. Aqui é uma sala de recuperação e repouso, não quero ninguém agitado atrapalhando o clima do lugar.

Enquanto a mulher falava, Dante só conseguia vê-la, sentindo um estranho zumbido no ouvido. Assim, tentando passar à força, ele avançou. Só que, no mesmo instante, sentiu uma intenção assassina vindo da mulher, percebendo que, se desse mais um passo, estaria morto. Então, ele se virou para o lado, tentando escapar por outra passagem, mas, quando estava no meio do ar, uma garota saltou, o prendeu e então falou:

— Bom, já que não quer se acalmar, vamos ter que ir para o plano B.

Assim, o garoto sentiu seu pescoço quebrando e apagou no meio da escuridão novamente.

— E lá vamos nós de novo.

E assim mais um tempo se passou.

Novamente despertando do meio da escuridão, submerso, Dante começou a se levantar em pânico, sem saber onde estava ou o que estava acontecendo. Mas, dessa vez, quando tirou a cabeça da água, deu de cara com várias garotas nuas usando as termas, algumas com toalhas se cobrindo e outras sem nada. De repente, Dante caiu para trás com a visão e com o nariz sangrando.

— Assim também já é provocação!

Dante falou, tentando olhar para cima, esperando os ataques e aceitando seu destino. No entanto, nada aconteceu. Assim, a mulher que o havia abordado antes se aproximou.

— Bom, parece que funcionou.

Dante tentava virar os olhos para observá-la. A mulher de cabelos pretos, corpo curvilíneo e chifres na cabeça era, na verdade, alguém que ele conhecia muito bem, mas sua cabeça estava tão embaçada que antes não fora capaz de reconhecê-la.

— Espera… Liz… então aqui é…

— Sim, bem-vindo à Fonte das Fadas, idiota.

Ela falou enquanto pisava em uma parte sensível que incapacitava completamente qualquer homem, independentemente de quão forte ele fosse. Dante, sentindo uma dor tão destruidora por todo o corpo, ficou imóvel em posição fetal até conseguir tirar a cabeça de volta da água. A maioria das garotas começou a sair, deixando apenas Elizabeth e Homura.

— Droga, isso foi golpe baixo!

— Foi a única forma de impedir que você tentasse fugir de novo. Sabe quantas vezes a Homura teve que te deter quebrando o seu pescoço?

— Quebrando o quê?!!!

— Entendi, então o senhor Dante acordou? — Belltrylis o observava da parte de cima de outra terma, usando apenas uma toalha.

— Professora, olha lá, tem sangue saindo dele. Acho que ele vai precisar usar a terma de novo.

Homura falava com Elizabeth. Homura era uma garota de pele escura, bronzeada, com lindos cabelos brancos e corpo esbelto, mas também definido.

— Relaxa, Homura, esse sangue é outra coisa.

Assim, o grupo começou a se reunir. Elizabeth levou todos até uma sala separada onde poderiam conversar, e Hyori explicou para Dante sobre o que aconteceu no tempo em que ele e Beatrice ficaram de fora. De acordo com as informações que Dante deu, junto com as de Belltrylis, provavelmente Dante e os demais foram selados por algum poder da mulher chamada Delta. Não deveria ser algo como uma "black box", pois foram espaços diferentes, e também a própria usuária não entrou. Belltrylis falou que suas memórias sobre o ocorrido começaram a desaparecer, o que ela achava que aconteceria com Dante também, mas poderia não acontecer, já que a saída dos dois foi diferente: Dante conseguiu sair da prisão, enquanto Bell teve que ser liberada. Elizabeth avisou para eles se concentrarem no importante, pois, se quisessem discutir isso, seria melhor ao lado de Heisen, que devia ter descoberto os poderes de sua inimiga enquanto lutava. Assim, percebendo a prioridade, Hyori explicou como o continente estava agora: misturado a Avalon, várias pessoas acabaram mortas, embora algumas tivessem sido previamente evacuadas. Com sorte, a fonte, que está cercada por uma barreira mágica, não foi impactada pela mudança, até porque ela sempre foi mais conectada às fadas, o que fazia sentido a falta da necessidade de se misturar a Avalon. Depois de confirmar isso, Bishamon começou uma investida sozinha para os andares abaixo para confirmar sobreviventes nas cidades subterrâneas, caso exista algum, e também Kai, Heisen e Brighild estão à procura de sobreviventes do lado de fora.

— Tá, mas e a Beatrice? — Dante interrompeu a explicação e perguntou.

— Relaxa, ela também está sendo tratada na fonte. O corpo de vocês está reagindo de forma engraçada à fonte, que parece ter dificuldade em limpar a contaminação em seus corpos por algum motivo. Ainda assim, ela ficará bem.

— Entendi. Então é melhor eu ir indo. — Dante falou, se levantando.

— Espera, você não ouviu? Nossa missão agora é recuperar os sobreviventes! — Hyori comentou.

— Bell e Homura, ainda há mais sobreviventes na mansão. Os supostamente mortos por Heisen não estão mortos. Vocês precisam trazê-los para cá usando Louen. — Dante começou a procurar sua roupa enquanto falava.

— Não é a sua, mas tem uma roupa que vai servir aí na escrivaninha. A sua estava completamente contaminada. — Elizabeth falou, sem dar muita importância.

— Ei, não o ajude! Precisamos decidir como agir!

— Hyori, você usou seus olhos para me registrar e assim copiar as minhas habilidades, né?

Hyori ficou quieta, sem saber como responder.

— Você sabia?

— Isso não importa agora. Converse com as fadas, veja se tem alguma com quem você possa fazer um pacto e criar um sistema de comunicação. Isso vai ser o mais importante agora, ou então todos agindo separados vão ser como baratas tontas. — Dante falava enquanto colocava sua camisa.

— Espera, mas e você? Para onde vai? Não me diga que está indo buscar vingança contra a Horizon!

— ...Não, tem algo mais importante me esperando… Tem uma garota que eu preciso ver. — Dante falava sorrindo, já se preparando.

— Bom, se é uma ordem do mestre... Mas devo dizer que, se sair falando assim, vai me deixar com ciúmes. — Belltrylis o provocava.

— Não fique me provocando!... Mas é sério, Bell, estou preocupado com a Alana também. Encontre-a.

— É claro.

— Tá tudo bem, eu faço isso… Mas só se me deixar ir junto. — Hyori falou.

— Mas precisamos de alguém para gerenciar tudo.

— Sim, mas já que vamos usar as fadas para nos comunicar, eu não preciso necessariamente estar aqui.

Dante a escutava, sem conseguir pensar em uma boa resposta.

— Tá certo. Só vamos logo, estou com um mau pressentimento por algum motivo.

Assim, Dante e Hyori usaram Louen para voltar à superfície. Dante se concentrou, tentando sentir em sua mente onde Anna estava. Assim, conseguindo senti-la através de sua conexão, ele disparou em alta velocidade atrás dela. Enquanto fazia isso, conseguia sentir muito bem alguém no centro da ilha, parecendo querer chamar atenção, e outras coisas espalhadas por ela, também parecendo bem perigosas.

“Parece que o clima no continente vai esquentar.”

Parte 6

A chuva desabava, esfriando o corpo de Anna, encolhida no chão. O céu, escuro e fechado, derramava lágrimas como aquelas que agora escorriam pelo seu rosto.

— Então é assim... o céu quando chora... — murmurou, mais para si do que para o nada. As gotas geladas escorriam por seu rosto, confundindo-se com as lágrimas silenciosas que ela nem percebia derramar. — Diziam que era triste... mas há uma estranha beleza nisso.

Enquanto falava consigo mesma, uma parte de seu corpo se aquecia: o lado caído no chão, aquecido pelo seu sangue que escorria e avermelhava o solo à sua volta. Ela mal podia ver agora, ouvir ou sentir; imersa em uma fria solidão, começava a recordar que já havia sentido essa mesma sensação.

Desde que se lembrava, a garota era uma espectadora solitária e, em sua percepção, inútil.

Ela não tinha propósito, não tinha motivos; apenas existia lá e observava o mundo humano, com suas cores vibrantes, suas alegrias e tristezas — um espetáculo hipnotizante, uma profusão de sensações quentes e doces, enquanto ela era apenas uma observadora, pairando na escuridão.

Tudo o que era diferente dela possuía um encanto. Enquanto isso, ela era o intervalo, o silêncio entre as notas da canção do universo. Nem pessoa, nem coisa, talvez nem mesmo um "eu". Apenas uma observadora quieta e distante.

Se a inexistência era um fato, a existência, por pura teimosia do equilíbrio, também deveria ser. E ali, na fronteira frágil entre o ser e o não-ser, flutuava ela: a "possibilidade". Algo que era e não era, um talvez suspenso no mar frio do vazio. Por ser esse talvez, não podia pertencer plenamente à existência, não podia trilhar os mesmos caminhos que seus irmãos, partilhando risos e experiências com a humanidade que tanto a fascinava. Seus pés não tocavam o mesmo chão.

Mas, por ser "algo", tampouco se dissolvia no vazio absoluto da inexistência. Era fadada a uma solidão eterna, não importava o quanto quisesse morrer, observando de uma distância que doía sem que ela soubesse nomear a dor. Sua essência era esse espaço entre, o berço de todos os talvez. E nesse oceano de possibilidades, a única que lhe parecia real era a de assistir – ou assim ela se convenceu.

Então, surgiram eles, os humanos. Pequenas centelhas teimosas no grande livro da vida, desafiando as correntes do destino, zombando da morte, escarnecendo da finitude da vida e ousando tocar o infinito com suas mãos. Até seus irmãos, mais próximos dessa dança caótica, não conseguiam desviar o olhar, sentindo um misto de curiosidade e uma inveja sutil daquela liberdade selvagem.

E ela desejou. Oh, como desejou! Ser como eles. Sentir o ardor da raiva queimar a garganta, o frio cortante da tristeza perfurando seu peito, a doçura do amor desabrochar como uma flor.

Buscando ser como eles, com o tecido da "possibilidade", teceu para si um arremedo de aparência, sua primeira máscara, que lhe pareceu interessante, uma tentativa de ser menos invisível. Mas a máscara era fria e, por baixo dela, sua solidão persistia, um lembrete constante de que era apenas uma imitação, uma sombra pálida da verdade que tanto almejava.

Tudo só mudou quando um humano rasgou os céus, fez o impossível acontecer, abriu uma fresta para o seu mundo. Um sonho febril tornando-se palpável. Agora, ela podia sentir o calor de uma mão, o som de uma voz próxima, tropeçar na doçura e na amargura de ser quase humana.

Mas o universo não lhe deu um manual. Para poder ser aceita e viver ao lado deles, ela precisou de mais máscaras, cuidadosamente moldadas à semelhança deles. Com essas máscaras, ela achava que estava protegida. Mal imaginava que um dia seu coração se estilhaçaria por dentro.

Assim como desejara, sentiu a tristeza ao ver o sofrimento de Dante, uma pontada que era quase sua; um anseio doloroso quando ele falava do futuro, um futuro onde ela desejava desesperadamente ter um lugar; e uma raiva impotente contra aqueles que roubaram a luz dos olhos dele. E foi nesse turbilhão, nessa cacofonia de sentimentos recém-descobertos, que um outro, mais insidioso e desconhecido, emergiu das profundezas.

Medo. Um medo cru, infantil. Aqueles sentimentos por Dante – preciosos, cálidos, luminosos – eram também a fonte de um pavor que a paralisava. E se tudo acabasse? E se, um dia, ele olhasse para ela e visse não a Anna que tentava ser, mas quem ela realmente era por baixo de todas aquelas máscaras? Afinal, foram suas preces ingênuas, seus desejos egoístas, que invocaram o milagre que era também a maior tragédia dele. O dia mais feliz da sua existência era, para ele, o epicentro de uma perda irreparável. Como ele a veria quando essa verdade viesse à tona?

Anna sabia que sua mera presença atrairia mais Astreus, mais perdas, mais dor para ele e para os que ele amava. Ela não seria capaz de protegê-lo. A ideia de que ele pudesse morrer por estar ao seu lado era uma farpa cravada em sua alma.

Quanto mais pensava, mais o medo a devorava. O ar se tornava rarefeito, um nó invisível apertava sua garganta, a cabeça latejava sob o peso de pensamentos que ela não conseguia articular. Queria chorar, gritar, desfazer-se. Mas não podia. Não podia mostrar a ele essa fratura, essa fraqueza. Em vez disso, ergueu outra máscara: a da Anna forte, a da Anna de que ele precisava, a da Anna que ele talvez não abandonasse. Cada nova camada a sufocava um pouco mais, esmagando a pequena chama que ainda tremeluzia lá dentro, a chama que ansiava ser vista, ser cuidada. Uma parte dela, infantil e teimosa, sussurrava um pedido desesperado para que ele visse através da fachada, para que ele não a deixasse ir, mesmo que seus lábios dissessem o contrário.

— Seria esse o meu castigo por ter desejado tanto vivenciar emoções?

Foi então que aquele homem surgiu, como uma sombra calculada.

— Você é um Astreus, não é?

O homem do tapa-olho. Heisen. O professor de Dante.

— E se eu for? — A voz dela mal passava de um sopro.

As memórias emprestadas de Dante gritavam perigo, alertavam para não confiar, para não ficar sozinha com ele. Contudo, havia algo em seu olhar, uma promessa de entendimento, ou talvez apenas o reflexo do seu próprio desespero, que a fez ignorar os alarmes.

— Como filósofo, é uma dedução lógica. Quero estudar um Astreus. Desde a transmissão do Titanic, perguntas borbulham em minha mente, e sinto que apenas você pode fornecer as respostas. Peço que me ajude a preencher as lacunas do conhecimento humano.

— E o que eu ganharia? — A pergunta soou mais vazia do que pretendia.

— Desde que esteja ao meu alcance, não hesitarei. Mesmo que peça minha própria vida.

Naquele instante, uma semente escura brotou em sua mente: a traição. Uma negação de cada palavra, de cada promessa feita a Dante. Mas o medo, a dúvida corrosiva, a sensação de ser uma farsa prestes a ser desmascarada, a empurraram para o abismo.

— Você conseguiria... desfundir alguém? E fundir essa pessoa com outra?

Ali, antes mesmo que o próximo trem anunciasse sua chegada, o plano covarde tomou forma. Heisen a colocaria no corpo imortal de Morrigan, a primeira Scarlune. Em troca, ela seria seu espécime.

— Este... este é o preço, então. O que eu mereço. — A chuva parecia lavar a última cor de sua esperança. — Pedi a Dante que confiasse em mim... mas acho que fui eu quem nunca confiou em ninguém. Nem em mim mesma.

E o céu continuava a chorar, testemunha silenciosa da sua mais profunda e solitária rendição.

De repente, passos foram ouvidos ao seu lado, caminhando em meio à chuva. Zênon chegava até ela com seu olhar vazio, sentindo apenas nojo de como algo que considerava belo e incrível havia decaído para algo tão próximo de um humano.

— Acho que, no fim, esperei demais de alguém que era metade humano.

“Pelo menos agora tudo irá acabar… quando eu desaparecer, não vou ter mais nada a desejar, nem a temer”, Anna pensava. Sua cabeça pesada agora se esvaziava; o som da chuva a impedia de ouvir qualquer outra coisa.

— Relaxe, tudo já vai acabar.

Assim, o homem criou uma espada de gelo que avançou em direção ao peito de Anna. Sangue começou a espirrar e a cobrir o rosto dela. Um som de respiração ofegante foi ouvido. Anna abria lentamente os olhos. No entanto, não era seu peito perfurado que via. Diante dela, parado à sua frente, estava Dante, segurando a lâmina de gelo com a mão.

— Saia da minha frente! — a fada ancestral falou, emanando sua aura.

Mas Dante simplesmente o ignorou por completo, atingindo-o com um chute e lançando-o para trás. A fada enfureceu-se com o fato de ter se sujado com o chute de Dante.

— Por que… por que você veio? — Anna, no chão, falou.

Dante a encarava com uma expressão fechada e furiosa. Aquilo fez Anna tremer.

“Eu sabia… ele…”

O medo de ter causado o que mais temia, de ter feito Dante odiá-la de verdade, agora a fez colocar de novo sua máscara para se proteger.

— Entendi. Veio me matar pessoalmente ou percebeu que pode me usar de isca…

“Não pare… não é isso que eu quero dizer…”

— Bom, você sempre foi um bom detetive, mas vai ter que acabar com esse idiota se quiser me levar.

“Não peça desculpa, diga a ele a verdade, por que o enganou e mentiu.”

As máscaras da garota entravam em conflito. Enquanto falava, tremia, não conseguindo nem manter sua pose, caída no chão.

— Entendi, então era nele que estava pensando enquanto lutava contra mim? Estava com medo dele, é? — Zênon falou, afastado. — Interessante. Se ele veio te matar, acho que nem preciso agir.

Ele continuou com seu tom cínico, observando a cena, enquanto Dante, ainda encarando a garota, fechava o punho com força.

— Está com raiva?... Então veio me matar… Se for isso, então faça logo. De qualquer jeito, eu não tenho muito tempo…

“Pare logo! Diga a verdade! Diga o que realmente quer.”

Assim, Dante, cansado de apenas ouvir os dois, finalmente falou, bem baixo inicialmente:

— … Para o inferno…

— Hahahaha!

Sua frase foi tão baixa que só uma parte deu para ouvir. Quando Zênon a escutou, começou a gargalhar, enquanto a garota parava de tremer e sua expressão se tornava mais fria.

— Entendo… é justo você querer isso, então-

— Para o inferno com essas suas bobagens!

Assim, todos ficaram quietos e começaram a escutá-lo.

— Se vou te usar, se vou te matar… até quando vão ficar aí falando tanta bobagem?! — Dante falou, com a voz embargada de raiva.

— Mas eu te traí! Não entendeu? Eu te enganei e te usei!

— Sim, me traiu, me usou. Até onde eu sei, tudo, desde que conversamos pela primeira vez, pode ser uma mentira.

— Então por quê?

— Porque sei que suas lágrimas são de verdade…

Quando ele falou aquilo, mais lágrimas caíram do rosto de Anna. Agora, finalmente, ela percebia que estava chorando.

— O desejo de ver este mundo, o desejo que me contou, a vontade de comer doces, as risadas que deu no nosso primeiro dia de aula juntos… todos esses sentimentos eram de verdade.

— Mas ainda assim-

— Ainda assim você me traiu e me decepcionou.

Dante pausou a fala, e uma feição triste surgiu no rosto de Anna.

— Mas acha mesmo que o que sinto por você é tão pequeno que uma mera traição me mudaria?

A garota começou a chorar. Finalmente, sentia que nenhuma máscara a dominava. Ela deixava suas lágrimas caírem, sem conseguir parar.

— Espere aí por mim. Assim que eu acabar com esse idiota, ainda teremos muito para conversar.

Zênon, ouvindo tudo aquilo, ficou com uma expressão irritada.

— Acha que um mero humano-

Mas, antes que ele terminasse de falar, Dante já estava em cima dele com um chute, lançando-o para trás, e começou a se mover por entre as árvores.

Parte 7

A tempestade rugia, açoitando o pântano lamacento com uma chuva gélida. O ar fedia a decomposição. Dante, com um brilho selvagem nos olhos, encarava Zennon. A fada ancestral, normalmente impecável, estava suja de lama e fúria. O toque profano de Dante em seu ser era uma afronta imperdoável.

— Humano imundo... você ousa me tocar! — A voz de Zennon era um rugido gelado, carregada do Éter puro que emanava de sua própria respiração.

Dante sorriu, um sorriso largo e provocador.

— Ah, se não aguentou esse tapinha, é melhor dar o fora enquanto pode, fadinha. — Dante falava sentindo o corpo ainda vibrando com o poder recém-despertado de seu treinamento infernal. Seus músculos, mais densos e rápidos, ansiavam por ação.

Zennon não esperou. Com um gesto desdenhoso, a lama do pântano ganhou vida. Tentáculos grossos e pegajosos chicotearam na direção de Dante.

Dante, no entanto, já não estava lá. Seu olho direito brilhou com um leve tom vermelho, seu Éter infundindo sua visão com vislumbres do futuro imediato. Ele se moveu com uma fluidez coreografada, deslizando pela lama escorregadia como se fosse um tablado. Um tentáculo passou raspando por suas costas, outro buscou agarrar seu tornozelo, mas Dante girou no último instante, impulsionando-se com um chute poderoso no tronco de uma árvore morta coberta de limo. O impacto lançou estilhaços de madeira podre para todo lado.

— Muito lento! — provocou Dante, aterrissando com leveza a metros de distância. Seu Éter crepitava ao redor de seus punhos e pés, assumindo a forma de chamas elétricas, quase plasmáticas.

Zennon rosnou. A arrogância do humano era irritante. Com um comando mental, a água pútrida do pântano começou a congelar em padrões intrincados. Estacas de gelo afiadas como navalhas irromperam do chão, buscando empalar Dante.

Dante não recuou. Pelo contrário, avançou. Ele tecia entre as lanças de gelo com uma velocidade estonteante, seus movimentos deslizando pelas brechas das lanças. Usando a superfície escorregadia do gelo recém-formado a seu favor, ele patinou, girou e saltou, cada movimento calculado para evitar o perigo e se aproximar do inimigo. Um lapso momentâneo do futuro mostrou uma estaca surgindo sob seus pés; Dante chutou-a no meio do trajeto, o impacto imbuído de seu Éter plasmático fazendo-a explodir em uma chuva de cristais cintilantes.

Ele se aproximou o suficiente para desferir uma saraivada de chutes. O primeiro, Zennon bloqueou com um escudo de gelo negro que surgiu instantaneamente. O segundo, uma finta, fez a fada hesitar. O terceiro, um chute giratório potente, carregado de Éter, acertou em cheio o flanco de Zennon, quebrando a barreira de gelo e lançando a fada ancestral pelos ares.

Zennon colidiu com um emaranhado de raízes retorcidas, a lama espirrando com o impacto. Levantou-se, a fúria distorcendo suas feições perfeitas. O humano era mais rápido, mais... adaptável do que ele previa. Aquele Éter elétrico era estranhamente potente.

— Você é uma praga persistente, humano… — Murmurou Zennon, o Éter ao seu redor ondulando com poder sombrio. — Mas toda praga deve ser erradicada do nosso novo lar!

O pântano tremeu. Das profundezas lamacentas, formas esqueléticas começaram a se erguer. Guerreiros mortos-vivos, com armaduras corroídas e armas enferrujadas, suas órbitas oculares vazias brilhando com uma luz esverdeada sinistra. Eram dezenas, depois centenas.

Mas Zennon não parou por aí. A lama borbulhou violentamente, e duas figuras colossais emergiram. Dragões feitos de lodo e ossos, com escamas de terra endurecida e olhos flamejantes. Eles rugiram, um som hediondo que fez a chuva parecer silenciar, e de suas goelas abertas, jorrou um fogo pútrido e destrutivo, com a consistência de piche em chamas, incinerando árvores e fazendo a água do pântano ferver.

— A festa está completa, hein? Sentiu que não aguentava sozinho e quis chamar os amiguinhos, é? — Dante falou sem tirar os olhos da fada.

Um dos dragões de lama investiu. Dante, prevendo o ataque, saltou para o lado, o calor do fogo pútrido passando perto de seu cabelo e chamuscando-o. Os esqueletos avançavam, lentos, mas implacáveis.

Ele precisava de mais. Seu corpo estava forte, mas a quantidade de inimigos era esmagadora.

— Está certo, chega de brincadeira! 

Liberar Arquivo: Segundo Modo - Deus da Velocidade!

Uma onda de energia elétrica visível, quase palpável, emanou de Dante. Seu cabelo pareceu eriçar levemente, e faíscas vermelhas dançavam sobre sua pele. Seus olhos brilhavam intensamente. O mundo ao seu redor pareceu desacelerar para uma fração de sua velocidade normal. Os sinais elétricos de seu cérebro agora contornavam os processos normais, disparando diretamente para seus músculos. Seu corpo reagia antes mesmo que sua mente consciente precisasse processar completamente a ameaça.

O dragão de lama que o atacara ainda completava seu movimento quando Dante já estava sobre ele. Ele correu pela lateral da criatura colossal, seus pés usando eletromagnetismo no minério de ferro contido dentro das escamas de terra do dragão para se mover em um ângulo que desafiava a gravidade.

Dante alcançou a cabeça do dragão. A criatura tentou mordê-lo, mas para Dante, era como se um gigante sonolento tentasse pegá-lo. Ele saltou, girando no ar, e desferiu um chute imbuído de Éter plasmático diretamente no olho flamejante da besta. O dragão urrou de dor, cambaleando para trás e colidindo com uma horda de seus próprios esqueletos.

Agora, Dante era um borrão vermelho no campo de batalha. Ele sentia o cheiro da terra molhada, do ozônio da magia de Zennon, do fedor dos mortos-vivos. Sua visão captava cada gota de chuva, cada movimento sutil de seus inimigos. Sua intuição o guiava, e sua capacidade de aprendizado acelerado permitia que ele previsse e se adaptasse às táticas de Zennon quase instantaneamente.

Ele tecia entre os ataques de fogo pútrido do segundo dragão, usando os troncos das árvores como plataformas de impulso, esmagando crânios de esqueletos com chutes precisos e socos carregados de plasma. Cada golpe e esquiva era perfeitamente cronometrado; ele apostava sua vida em seus cálculos e previsões, sabendo que um erro seria sua morte.

Zennon observava, incrédulo. A velocidade do humano era... divina. Seus exércitos, suas criações poderosas, estavam sendo desmanteladas por um único ser. A fúria deu lugar a um frio assassino.

— Não fique se achando, seu humano insolente! — a voz de Zennon ecoou, distorcida pela raiva e pelo poder crescente.

Uma explosão de Éter glacial emanou de Zennon. O ar ao redor dele caiu dezenas de graus. Uma armadura de gelo negro, espessa e angulosa como obsidiana, cristalizou-se sobre seu corpo. Espinhos de gelo cobriam seus ombros e antebraços, e um elmo com chifres ocultava parcialmente seu rosto. Tudo ao seu redor – a lama, as árvores, até mesmo a chuva que caía – congelava instantaneamente ao alcance de sua aura gelada. Seu corpo, já resistente, tornou-se mais duro que diamante.

Zennon avançou, não mais flutuando aristocraticamente, mas correndo com uma fúria bestial. Ele se tornou um redemoinho de ataques corpo a corpo, seus punhos e garras de gelo buscando esmagar Dante. Os dragões de lama restantes e os esqueletos reagrupados atacavam em conjunto, forçando Dante a uma defensiva desesperada.

Um golpe de Zennon raspou o braço de Dante, o gelo queimando sua pele e desacelerando seus movimentos momentaneamente. Um dos dragões cuspiu fogo pútrido, forçando Dante a saltar para trás, direto para o caminho de um grupo de esqueletos que perfuraram suas costas e pernas com espadas. Ele repeliu o exército de esqueletos, saltando para frente, pegando uma pedra que atravessou anéis de magia e assim acelerou como uma railgun ou um tiro de bazuca. Mas, mesmo se livrando dos esqueletos, sua situação não havia mudado; a pressão era imensa. A armadura de gelo de Zennon era incrivelmente resistente; os ataques de Dante, mesmo no modo Deus da Velocidade, mal arranhavam sua superfície.

— Você não pode me vencer, verme! — Zennon gargalhou, desferindo um soco que Dante bloqueou com os antebraços cruzados. O impacto o fez recuar vários metros, seus braços latejando.

Dante sorriu, apesar da dor. — É o que veremos, Picolé!

Ele precisava de algo mais forte. Assim, lembrou-se de uma técnica que desenvolveu com Beatrice, uma aposta arriscada.

Ele se concentrou, puxando quase todo o seu Éter disponível para seu punho direito. As chamas de plasma vermelho começaram a ter um centro azulado na parte da frente da mão enquanto ele cobria o punho com a outra mão, levando-a para trás. Assim, as chamas em sua mão intensificaram-se, tornando-se quase um fogo azulado e vermelho, crepitando com um poder instável. Seu corpo, fora daquele punho, ficou completamente desprotegido.

E Zennon percebeu.

— Tolo! Concentrar todo o seu poder em um único ponto? Assim você só está deixando seu corpo exposto! — A fada ancestral avançou, garras de gelo prontas para rasgar Dante em pedaços.

Mas Dante estava preparado. No instante em que Zennon se comprometeu com o ataque, Dante se moveu. Não foi apenas velocidade, foi uma série de manobras imprevisíveis e perfeitamente cronometradas. Ele usou um esqueleto que se aproximava como trampolim para se aproximar de Zennon, que tentava segui-lo com os olhos. Assim, Dante continuou até conseguir se aproximar. Quando Zennon deu seu soco direto, tentando espetá-lo com suas garras, Dante novamente se esquivou, deslizando por baixo do braço. A ponta gélida roçou seu cabelo e cortou uma parte de seu rosto, mas ele conseguiu a abertura perfeita, usando a própria fúria de Zennon contra ele.

E então, ele estava lá. Cara a cara com o torso blindado de Zennon. Com um grito que rasgou a tempestade, Dante desferiu o soco.

CHRONOS BREAK!

O punho carregado de Éter atingiu o estômago da armadura de gelo, e uma explosão de impacto começou a destruir toda a armadura de cristal, enquanto um dragão de chamas elétricas saía das costas de Zennon, atravessando-o, até que a armadura de gelo de Zennon explodiu de dentro para fora em uma miríade de estilhaços brilhantes.

Zennon foi arremessado para trás, tossindo um líquido de... Éter escuro? Ele aterrissou de joelhos, ofegante, sua forma de gelo desfeita. Mas ele não caiu. Ele se levantou, trêmulo, um sorriso maníaco nos lábios.

— Ainda... ainda não acabou, humano!

Dante sentiu um arrepio. A resiliência da fada era absurda. Ele sabia que Zennon ainda tinha cartas na manga. Ele teria que usar tudo. Preparando-se para sua próxima jogada.

— Está bem, confesso que subestimei você, fadinha.

Dante então começou a emanar mais Éter ainda. Chamas vermelhas, um plasma crepitante e instável, começaram a emanar das costas de suas mãos. Ele fechou os punhos, erguendo os braços em forma de X na frente do rosto, o ar ao redor dele começando a superaquecer.

"Agora você vai ver o que é poder de verdade..."

Liberar Arquivo: Terceiro Modo - Deus Dragão!

Quando estava prestes a liberar sua nova transformação, duas figuras surgiram da tempestade com uma velocidade que rivalizava com a sua no modo Deus da Velocidade. Uma era uma fada ancestral com feições felinas e uma agilidade surpreendente; a outra possuía grandes asas de morcego coriáceas e uma aura sombria.

— Zennon, basta! — A voz da fada-gato era firme, mas com uma nota de preocupação. Ela e a fada-morcego pousaram ao lado de Zennon, tocando-o suavemente nos ombros. No instante em que o fizeram, Zennon, que parecia prestes a retaliar, desabou inconsciente.

— Vamos levar nosso companheiro — disse a fada com asas de morcego, sua voz um sussurro grave. — Esta luta termina aqui.

Dante relaxou sua postura, as chamas vermelhas recuando. Ele olhou para as duas recém-chegadas. Eram poderosas, ele podia sentir. E ele estava exausto, seu Éter perigosamente baixo após a última técnica e a preparação para a nova transformação. Mais importante, Anna ainda precisava dele.

— Então, levem-no — disse Dante, ainda tentando parecer no controle.

As duas fadas assentiram brevemente, ergueram Zennon e desapareceram na tempestade tão rapidamente quanto surgiram.

Dante ficou sozinho no pântano devastado, a chuva fria lavando a lama e o sangue de seu rosto. Ele se virou, mancando levemente, e começou a caminhar em direção a onde havia deixado Anna.

“Aquelas duas… eram ainda mais fortes que Zennon.”

Parte 8

Diante da Grande Árvore, como um monarca em seu trono ancestral, Daemon Scarlune observava o reino que se curvava à sua mera presença. À sua frente, dois vórtices de poder puro se encaravam. De um lado, as fadas ancestrais, seres de beleza etérea e força primeva: Gamon, o cavaleiro de armadura argêntea reluzente, cuja lança parecia carregar o peso de eras, seus cabelos um misto de ébano e geada; Garlick, o loiro impecável em seu terno, a calma em seu semblante ocultando um maestro da própria realidade; e Guren, cujos longos cabelos azuis caíam como uma cascata gélida sobre uma expressão de apatia que mal continha a tempestade interior. Do outro lado, o sangue fervente dos Scarlune: Ozymandias, o Rei dos Reis, músculos como montanhas forjadas em incontáveis batalhas, um sorriso de escárnio adornando o rosto de quem via o universo como seu Coliseu particular; e ao seu lado, Raikou, a Besta Indomada, cujos olhos faíscavam com a pura e insana alegria da carnificina iminente, a personificação do caos faminto por um desafio.

— Vejo que a mexida continental trouxe para luz os insetos que se escondiam em Avalon — a voz de Ozymandias, grave e trovejante, destilava desprezo sobre as fadas.

— Um humano cuja arrogância precede uma queda inevitável... — replicou Garlick, a voz suave como seda, mas afiada como uma navalha.

Daemon, impassível, ergueu-se, sua figura emanando uma autoridade que silenciava a própria natureza.

— Meus filhos, enfim atendem ao meu chamado. E vocês, fadas... imaginei que sua ambição fosse conquistar este continente, então por que continuam aqui?

No instante em que as palavras de Daemon ecoaram, qualquer dúvida se dissipou. Aquele era, inegavelmente, Daemon Scarlune, o Progenitor.

— Meu Senhor — a voz de Gamon, embora respeitosa, carregava a frieza do aço temperado —, nosso respeito por vossa magnitude é incomensurável. Recusamo-nos a permitir que mãos humanas o maculem com um fim indigno. Se a morte é vosso desejo, que seja concedida por aqueles que verdadeiramente compreendem vossa grandeza.

— Hum… uma lógica peculiar, devo admitir. Se anseiam por me enfrentar, quem sou eu para negar-lhes tal honra? Digam-me seus nomes, fadas de coragem.

Gamon, Guren e Garlick, cada nome uma promessa de poder.

— Ah, mas quem disse que precisamos da interferência de insetos tagarelas? — Ozymandias interrompeu, estalando os nós dos dedos, o som reverberando como pedras se chocando. — Se nosso querido ancestral busca o esquecimento, não há lâminas mais afiadas nem punhos mais dignos que os de sua própria linhagem para tal feito.

— Calado, humano insolente! Considere sua mera presença um marco de sorte! — A voz de Guren, antes um sussurro gelado, agora era um rosnado, seus olhos começando a brilhar com uma luz azulada sinistra.

A tensão tornou-se palpável, uma entidade invisível que comprimia o ar. As fadas e os Scarlunes, predadores alfa de suas respectivas espécies, mediam-se com olhares que prometiam aniquilação.

— Hum, por que tamanha animosidade? — Daemon inquiriu, um leve traço de diversão em seu tom. — Em minha perspectiva, se compartilham do mesmo objetivo final, a colaboração seria o caminho mais sensato para me destruírem.

— Compreendemos vossa lógica, meu Senhor — Garlick curvou-se levemente —, mas nossa honra e princípios nos impedem de cooperar com estes... bárbaros, ou de lhes conceder a satisfação de sequer tocar em um fio de vosso cabelo.

— Mas que pena. Porque nós não temos a menor intenção de ceder nosso lugar na fila — Raikou deu um passo à frente, um sorriso selvagem repuxando seus lábios, sua mão pairando sobre o cabo de sua lâmina de madeira, que parecia vibrar em antecipação.

— Receio que não haverá escolha. Serão eliminados antes que possamos prosseguir com nosso dever — Gamon declarou, sua lança apontando para os Scarlunes, a ponta brilhando com uma luz fria e concentrada.

— Oh, isso será um espetáculo digno de minha atenção! Assistirei ansiosamente vocês tentarem.

Com a derradeira provocação de Ozymandias, o campo de batalha explodiu. O éter de cada combatente irrompeu como supernovas individuais, suas auras colidindo, distorcendo a realidade ao redor, o ar crepitando com poder bruto. A própria Grande Árvore parecia recuar levemente diante da magnitude das energias liberadas.

— Então, irão se digladiar pelo privilégio de me enfrentar? Uma abordagem... peculiar. Mas permito. Mostrem-me o ápice do poder que meus filhos e estes antigos guardiões alcançaram!

Um silêncio ensurdecedor, o último suspiro antes da tempestade.

O primeiro a se mover foi Ozymandias. Com um urro que misturava escárnio e êxtase de batalha, ele impulsionou seu corpo para frente. O chão rachou sob a força de seus pés. Seus punhos se tornaram epicentros de pura energia cinética, o ar ao redor deles vibrando tão intensamente que distorcia a luz. Ele mirava Gamon, o cavaleiro, vendo nele o pilar defensivo das fadas.

— Morra como o inseto que é!

Gamon, no entanto, era a personificação da calma estratégica. Em vez de recuar, ele fincou a base de sua lança no chão. Uma onda de éter fluiu dela, e instantaneamente, nuvens densas e turbulentas surgiram do nada, envolvendo Ozymandias. Não eram nuvens comuns; elas tinham a solidez do granito e a frieza do gelo eterno.

—Sua força bruta é inútil contra a névoa da perdição, humano!

O primeiro soco de Ozymandias, carregado com o poder de demolir montanhas, impactou uma parede de nuvem solidificada. Uma onda de choque cataclísmica explodiu, pulverizando o solo em um raio de dezenas de metros e arrancando árvores menores pela raiz. A nuvem tremeu, rachou, mas absorveu uma porção significativa do impacto.

Enquanto Ozymandias era momentaneamente engolfado pela estratégia de Gamon, Raikou explodiu em movimento. Sua agilidade era sobrenatural, um borrão indistinto que ziguezagueava pelo campo de batalha. Sua lâmina de madeira, aparentemente inofensiva, cortava o ar com um silvo agudo, carregada por uma força física que desmentia sua aparência. Seu alvo: Guren. Ele sentia a bestialidade nela, um espírito afim.

— Mostre-me sua fúria, fada!

Guren, com um rosnado que era mais animal do que humanoide, aceitou o desafio. Seus olhos azuis brilharam com intensidade selvagem. "FORMA BESTIAL!" Uma aura azul escura e crepitante explodiu de seu corpo. Suas feições se tornaram mais predatórias, garras surgiram em suas mãos e sua velocidade e força foram catapultadas a um novo patamar. Ela encontrou a investida de Raikou com um golpe de garra que parecia capaz de rasgar o próprio espaço.

A lâmina de madeira de Raikou e as garras de Guren colidiram. Faíscas de éter puro jorraram do ponto de impacto, cada uma com o potencial de obliterar um guerreiro menor. O som foi como o de duas estrelas cadentes se chocando, uma melodia de destruição pura. Raikou sorria, um maníaco em seu elemento, enquanto Guren atacava com uma ferocidade crescente, cada golpe uma fração mais rápido, uma fração mais forte que o anterior, conforme sua habilidade começava a se manifestar.

Nesse ínterim, Garlick não estava ocioso. Com a elegância de um concertista em meio ao caos, ele sacou um violino de aparência antiga, feito de uma madeira escura que parecia absorver a luz. No instante em que o arco tocou as cordas, uma melodia impossivelmente bela e terrivelmente poderosa preencheu o campo de batalha. Não era apenas som; era a própria realidade sendo reescrita.

Uma onda sonora translúcida emanou do violino, envolvendo Gamon. As nuvens do cavaleiro fada tornaram-se mais densas, quase impenetráveis, e pequenos redemoinhos cortantes começaram a se formar dentro delas, ameaçando retalhar Ozymandias. Simultaneamente, outra camada da melodia, uma dissonância sutil, fluiu em direção a Raikou. Seus movimentos, antes perfeitamente fluidos, sofreram um leve, quase imperceptível atraso, uma minúscula quebra em seu ritmo frenético.

— Que a harmonia da criação seja sua ruína, ou a canção de seu triunfo, meus companheiros.

Ozymandias, dentro do turbilhão de nuvens de Gamon, riu.

— Engenhoso, pequeno cavaleiro! Mas você subestima muito os humanos para uma mera mariposa!

Ele bateu os punhos um contra o outro. Desta vez, a vibração não se concentrou apenas em seus punhos, mas emanou de todo o seu corpo em uma onda omnidirecional. Era uma frequência específica, projetada para desestabilizar a estrutura etérea das nuvens de Gamon. As nuvens começaram a vibrar erraticamente, perdendo sua coesão. Ozymandias então liberou uma segunda onda de vibração, uma pulsação devastadora que explodiu as nuvens enfraquecidas de dentro para fora, revelando-o com um sorriso triunfante.

—Nenhuma gaiola me contém!

Ele avançou novamente, mas Gamon já havia recuado, sua lança agora brilhando com uma luz branca ofuscante, preparando um feixe de energia concentrada.

Enquanto isso, a dança mortal entre Raikou e Guren se intensificava. Guren, cada vez mais imersa em sua fúria bestial, começou a pressionar Raikou. Seus golpes eram como martelos de demolição, cada um deixando crateras no chão onde erravam o alvo. Raikou, apesar do leve debuff de Garlick, movia-se com uma graça insana, sua lâmina de madeira desviando, aparando e contra-atacando com uma precisão milimétrica. Ele estava se divertindo imensamente, o vício da batalha correndo em suas veias.

— Isso! Mais forte! Mais rápido! Foi por esse tipo de diversão que eu aceitei tudo isso, afinal! — ele gritava, seus olhos brilhando com uma luz febril.

Guren respondeu com um uivo que fez o chão tremer, e um de seus golpes de garra finalmente roçou o ombro de Raikou. Não foi um corte profundo, mas a força do impacto o fez cambalear levemente, e ele sentiu o poder corrosivo da fada. Ela estava se adaptando, seus ataques buscando não apenas ferir, mas aniquilar.

Daemon Scarlune observava tudo com um leve sorriso. A terra tremia, o ar estalava, e a sinfonia da destruição tocava para ele. Seus filhos e as fadas ancestrais estavam, de fato, demonstrando um poder que transcendia o ordinário. Ninguém estava em desvantagem clara.

Garlick, percebendo a pressão sobre Raikou e a momentânea libertação de Ozymandias, alterou sua melodia. Uma nota aguda e penetrante cortou o ar. O ambiente ao redor de Ozymandias pareceu ficar mais pesado, o próprio ar resistindo a seus movimentos, como se ele estivesse se movendo através de melaço. Para Raikou, a melodia trouxe uma súbita clareza, uma espécie de previsão de curto alcance, permitindo-lhe antecipar os ataques frenéticos de Guren com uma fração de segundo a mais de precisão.

Ozymandias rosnou, sentindo a resistência imposta pela música de Garlick.

— Ah, se isso é tudo que pode fazer, é melhor não desperdiçar seu tempo, mosquito!

Ele mudou seu foco momentaneamente, preparando-se para lançar uma onda de vibração concentrada na direção de Garlick.

Mas Gamon não permitiria. "Seu oponente sou eu, Rei Arrogante!" Ele disparou o feixe de energia de sua lança, um raio branco cegante que rasgou o ar em direção a Ozymandias.

Então, Ozymandias parou de apenas sorrir. Uma risada genuína e profunda escapou de seus lábios ao ver os dois ataques convergindo. Foi o prelúdio. Sua verdadeira aura de éter explodiu para fora, uma detonação de poder que arremessou as árvores menores do campo de batalha para longe como se fossem gravetos. As fadas, mesmo em meio ao combate, sentiram a mudança drástica na pressão espiritual, uma emanação tão vasta que as impressionou e as alertou: o poder dele havia escalado subitamente, de forma quase inconcebível.

— Droga! Aquele idiota decidiu lutar sério? Mas se ele for para valer, vou perder minha diversão rápido demais — resmungou Raikou, fincando sua espada de madeira no chão e usando-a para se apoiar, evitando ser varrido pela aura que continuava a aumentar.

— Foi mal, Raikou, mas não dá mais para me segurar. Esses caras até são interessantes, mas não consigo me conter sabendo que aquele homem está tão perto de mim.

Um brilho febril acendeu nos olhos de Ozymandias, e por um instante, a imagem da Grande Árvore se sobrepôs em sua mente à de uma antiga mansão. Ele se lembrou...

"Naquele momento, eu estava começando a me entediar. Mesmo que tivesse sido interessante, sabia que era só um passatempo, nada que realmente valesse meu tempo. No instante em que senti que o assassino havia ficado desesperado, quando notei a neblina surgindo, simplesmente pensei em acabar com tudo e todos. Mas foi naquela hora que ele apareceu..."

— Ozy... tenho uma proposta a lhe fazer...

"Love... Eu tinha minhas dúvidas, mas relutei em acreditar que ele fosse o assassino. Logo ele, que era o mais apegado àqueles sentimentos tolos."

— Ah, e que proposta é essa? Não quer que eu o entregue? — falei, mais com o objetivo de escutar o porquê de ele ter feito aquilo do que realmente pensando se o entregaria ou não.

— Não. Quero saber se você não gostaria de lutar contra o verdadeiro Scarlune mais forte da história...

— Está falando da Bishamon? Se for, terei que recu...

— Não é nada disso. Estou falando daquele que nos deu origem, o único Scarlune conhecido por ter derrotado até mesmo a Morte.

"Quando ele me falou aquilo, tudo se encaixou. Não podia ser outra coisa. Love nunca teria começado tudo isso ou brincado com algo assim. Não tinha como eu recusar: batalhar com o homem que conseguiu registrar seu nome de forma indelével na história!"

Enquanto a lembrança passava como um relâmpago, a aura de Ozymandias atingiu seu pico e, subitamente, condensou-se sobre ele, implodindo em um único ponto de poder inimaginável.

"Eu, aqui e agora, gravarei o meu nome na história de uma vez por todas, mostrando que estou acima do primeiro e de todos os outros reis Scarlunes! Apenas eu, o Rei dos Reis!"

Ele disparou. Não houve som, apenas o vácuo deixado por seu avanço. Em milésimos de segundo, Ozymandias estava atrás de Gamon, o punho direito armado.

— Destrua o Mundo: Carimbo do Rei!

Uma onda sísmica de vibração pura, concentrada em uma esfera de éter quase invisível na frente de seu punho, colidiu com a espinha de Gamon. O impacto foi silencioso, mas suas consequências, cataclísmicas. O corpo do cavaleiro fada começou a se desintegrar de dentro para fora, uma explosão contida que o aniquilou em menos de um segundo. Embora Ozymandias não tivesse verbalizado o nome da técnica em voz alta, Garlick, que observava com crescente horror, pareceu escutar as palavras ressoando em sua mente, carregadas pela intenção esmagadora:

"Agora é a sua vez."

No instante seguinte em que o pé de Ozymandias tocou o chão novamente, o que restava do corpo ensanguentado de Gamon foi arremessado em direção à floresta profunda. Um tremor sísmico, com força para abalar um pequeno país, varreu o local. E antes que a poeira do primeiro impacto baixasse, Ozymandias já estava diante de Garlick. Para o maestro, o punho de seu algoz avançava em uma câmera lenta aterradora; uma fração de segundo em que tentou desesperadamente orquestrar as energias ao seu redor, tecer uma dissonância na realidade que o salvasse, mas a velocidade e a pressão da aura de Ozymandias eram absolutas, esmagando qualquer tentativa antes mesmo de nascer. Paralisado, ele viu o golpe chegar. Um novo abalo foi sentido no instante em que a cabeça da fada suporte foi completamente obliterada.

— Hahahahah! Quem diria? Por essa eu não esperava! Parece que meus filhos progrediram bem. O que significa... que a vitória foi dos humanos — gargalhou Daemon, observando a cena com evidente satisfação.

Guren virou o rosto, o ressentimento pela derrota de seus companheiros e pela decisão de Daemon estampado em sua face. Mas ao cruzar seu olhar com o do Progenitor, o brilho perigoso e ancestral nos olhos dele transformou o ressentimento em um medo primordial. Ela não hesitou; girou nos calcanhares e correu, desaparecendo na vegetação densa.

— Agora, venham vocês dois! — bradou Daemon, sua voz ecoando com poder renovado. — Sem mais preliminares! Vamos logo ver até onde podem ir.

Enquanto isso, os observadores no meio da floresta eram Kai e Heisen.

Parte 9 

Após se separarem de Bishamon, Kai e Heisen tinham ido para o lado de fora, mas acabaram sendo atraídos pela aura intensa e extrema de Daemon. Eles sentiam a necessidade de descobrir a origem de todo aquele poder. Contudo, quando chegaram, não esperavam encontrar fadas ancestrais em sua forma verdadeira, menos ainda assistir ao combate entre elas, Ozy e Raikou. No entanto, tudo aquilo estava dentro dos cálculos e previsões de Heisen, que havia cogitado essa possibilidade no momento em que não sentiu mais o éter de Ozy pela mansão.

— Agora isso vai ser complicado… — Heisen falou, observando.

— Do que você está falando? — Kai perguntou, em dúvida.

— Simples. Se Ozy lutar a sério contra Daemon, tudo estará perdido.

— Por que você diz isso?

— Não viu o tremor há pouco? Digamos que ainda existam sobreviventes no subterrâneo. Se Ozy continuar a lutar, e lutar a sério, causando mais abalos e terremotos assim, o que acha que vai acontecer com as cidades lá de baixo?

— Então temos que ir lá!

— Fazer o quê? Não faria diferença alguma, não podemos detê-lo. Temos que esperar reforços, como Dante ou Hyori, chegarem.

— …Está dizendo que eu preciso da ajuda do Dante?

— O quê, por acaso não me ouviu? Ou é daqueles alunos burros que só escutam o que querem das aulas?

Ignorando aquilo, Kai teleportou-se para perto do campo de batalha, de onde uma chuva de éter emanava.

Lá no campo de batalha, Daemon começou a emanar mais de sua aura. Quanto mais ele liberava, mais dourada ela ficava e mais marcas douradas apareciam por seu corpo.

— Venham, crianças. Vamos começar!

— Não precisa pedir.

Ozy avançou com seu poderoso soco, mas, de repente, foi atingido por um pé que aparece pisando em seu rosto. Surgindo do completo nada, Kai invadiu o campo de batalha, acertando o pé na cara de Ozy, deixando todos os observadores incrédulos. Cada um reagiu de um jeito diferente àquela audácia:

Daemon gargalhava, uma risada genuína que sacudia seus ombros largos. 

— Hahahahaha! Que pirralho insolente! 

Raikou, com a espada de madeira ainda fincada no chão, assobiou. 

— Esse moleque tem mais culhões do que juízo. 

Um suor frio, porém, brotou em sua testa. Aquele nível de imprudência era admirável e apavorante.

Heisen estalou a língua, um som seco e irritado. "Tsk, entendi… Ele é genuinamente estúpido." Ele ajeitou os óculos, seus olhos calculando as novas variáveis com uma velocidade estonteante. 

Ozymandias, recompondo-se com uma velocidade sobre-humana, o filete de sangue no canto da boca já desaparecendo, encarou Kai com uma fúria fria. 

— Até quando vai ficar em cima de mim ?

— Ah, foi mal,— Kai cuspiu, saltando para trás com uma cambalhota ágil. — Estava tão distraído que não notei que estava pisando em lixo.

“Eu não preciso do Dante… Eu não preciso da Bishamon… Eu posso impedir os dois sozinho e pronto!” O pensamento ardia na mente de Kai, uma chama de teimosia e orgulho ferido. Ele não daria o braço a torcer, não importava se a sua frente estivesse lendas encarnadas. A palavra "impossível" era um insulto pessoal.

Kai explodiu em movimento. Cobrindo seu corpo em éter, ele encurtou o espaço entre ele e Raikou, aparecendo instantaneamente à sua direita, o punho envolto em uma distorção espacial que visava as costelas do espadachim. 

— Primeiro o mais fraco!

Raikou, cujos instintos eram tão afiados quanto sua lâmina invisível, girou, a espada de madeira subindo em um arco para interceptar. O choque foi brutal. Ondas de choque visíveis distorceram o ar, e o chão sob eles rachou em teias de aranha.

— Fraco? Moleque, você não sabe com quem tá falando!

Raikou sorriu, seus olhos brilhando com selvageria. Ele empurrou Kai para trás e avançou, sua velocidade uma miragem. A espada de madeira cantava no ar, cada golpe carregado com força suficiente para pulverizar rochas.

Kai teleportou-se freneticamente, o ar estalando a cada desaparecimento e aparição. Ele tentava embuir o solo com seu éter, buscando criar armadilhas espaciais, mas a concentração de poder dos três oponentes era tão densa que o espaço ao redor deles resistia à sua manipulação direta.

— Desapareça, Idiota! 

Ozymandias surgiu atrás de Kai, um borrão luminoso. Seu punho, vibrando com uma energia quase invisível, desceu como uma montanha. Kai sentiu a pressão esmagadora e, por puro instinto, esticou o espaço entre ele e o punho de Ozymandias no último microssegundo. O golpe passou a centímetros de seu crânio, mas a onda de choque o arremessou violentamente contra uma formação rochosa, que se desintegrou com o impacto.

— Merda! — Kai tossiu sangue, levantando-se com dificuldade. — Filho da puta…

Heisen observava com interesse clínico. 

— Normalmente —ele murmurou para si mesmo, mas alto o suficiente para que o som viajasse na quietude tensa entre os estrondos. —o impacto desses golpes, especialmente as vibrações de Ozymandias, já teria liquefeito esta área. As cidades subterrâneas seriam meras lembranças. Mas parece que Kai… enquanto luta, ele está ativamente usando sua manipulação espacial no próprio solo, criando uma espécie de buffer dimensional, absorvendo e dispersando a maior parte da energia destrutiva que iria para baixo. Ele está literalmente comprando tempo para os sobreviventes.

Daemon, até então um espectador divertido, deu um passo à frente, as marcas douradas em seu corpo brilhando com mais intensidade. —Chega de brincadeiras. Eu já cansei de apenas observar.

Antes que qualquer um pudesse reagir, Raikou disparou na direção de Daemon, ignorando Kai.

 —Você é o prato principal, velhote! 

Sua espada de madeira tornou-se um ciclone de golpes, cada um visando um ponto vital com precisão bestial. A velocidade era alucinante, superando até mesmo a percepção de Ozymandias por um instante.

Para surpresa de todos, exceto talvez Heisen, a espada de madeira de Raikou estava machucando Daemon. Pequenos cortes, quase insignificantes individualmente, começaram a aparecer na pele do Progenitor, e lascas de madeira voavam como estilhaços mortais a cada impacto. Daemon não recuava, mas um brilho perigoso acendeu em seus olhos.

— Você tem espírito, criança. —Daemon rosnou, e uma de suas mãos disparou, agarrando a espada de madeira de Raikou. O som de ossos se partindo ecoou quando a mão de Daemon se fechou, mas foi a espada que estalou, e não os dedos de Raikou. Contudo, uma onda de choque dourada percorreu a espada e atingiu Raikou em cheio, arremessando-o para trás, o corpo deslizando dezenas de metros e abrindo um fissura na terra.

Ozymandias se irritou por ter seu alvo principal atacado por outro, enquanto ele continuava a perder tempo. Assim ele se virou para Kai. 

— Você é uma distração persistente.

Ozymandias avançou, e desta vez, Kai não conseguiu acompanhar. A diferença de poder era um abismo. Cada soco de Ozymandias carregava a força de um terremoto. Kai teleportava, distorcia o espaço, tentava criar escudos dimensionais, mas a pura força bruta e a quantidade avassaladora de éter de Ozymandias simplesmente rasgavam suas defesas. Um gancho poderoso de Ozymandias, envolto em vibrações que faziam o ar ondular como água, pegou Kai em cheio no estômago.

O ar foi expulso dos pulmões de Kai em um arquejo doloroso. Ele sentiu seus órgãos internos serem esmagados. O mundo girou. O próximo golpe, um martelo descendente, o enterrou no chão, abrindo uma cratera fumegante com dezenas de metros de diâmetro.

Kai jazia no fundo da cratera, o corpo quebrado, sangue escorrendo de múltiplos ferimentos, manchando o solo que ele inconscientemente protegia. A poeira e os detritos choviam sobre ele. Acima, a silhueta imponente de Ozymandias bloqueava a pouca luz que restava.

— Patético, mais era o que eu já esperava. —a voz de Ozymandias ressoou, fria e desdenhosa, enquanto ele descia lentamente na cratera. — O parabenizo por ter aguentado um pouco mais do que eu esperava, devo admitir. Conseguiu me irritar. Mas no final, você é apenas isso... —Ele parou diante de Kai, que tentava inutilmente se levantar, os membros tremendo.

— Só um clone mal feito. —Ozymandias continuou, cada palavra um martelo. —Uma cópia barata de Ryu, incapaz de sequer arranhar a superfície do verdadeiro poder. 

Kai cerrou os dentes, sangue e terra escorrendo por seu queixo. 

— Cala... a boca... seu... merda...

Ozymandias então se ergue e retorna prontamente ao confronto contra Daemon, abandonando o corpo ensanguentado de Kai onde estava. A cabeça de Kai latejava tanto que sua visão mal alcançava; ela se turvava progressivamente, tingindo-se de vermelho devido à hemorragia interna que inundava seu olho com sangue.

— Merda, mesmo tendo sido só de raspão naquela hora? — pensou Kai.

À medida que a consciência de Kai se esvaía em meio ao vermelho, suas memórias começavam a emergir.

— Droga… tão vermelho quanto daquela vez…

Parte 10 

Quando acordei, tudo era vermelho, coberto por um líquido da mesma cor. Eu não sabia quem era, por que estava lá ou o que estava acontecendo. Algum tempo depois, descobri que aquilo era uma incubadora onde fui gerado e que a mulher que continuamente me olhava do outro lado do vidro era minha mãe. Quando fui solto da incubadora, tempos depois, demorou somente uma hora até que eu descobrisse e entendesse tudo, já que eles implantaram as informações na minha cabeça através de uma máquina. O motivo? Eles queriam continuar o projeto “Dante”. Nossa mãe, particularmente, estava muito curiosa com ele. Assim como alguns outros, Dante era um dos casos de Scarlunes fora da curva, que não se comportavam como os demais; ele mesmo até havia abandonado sua casa e sua família, algo nunca antes visto. Todos estavam curiosos para entender o motivo e para onde suas escolhas o levariam, mas, infelizmente, ele morreu antes do projeto demonstrar os resultados esperados. Foi assim que eu nasci.

Anos depois, eu também fui considerado um fracasso. Agora eu fazia missões, mas meu comportamento era totalmente diferente do de Dante. Mesmo sendo um clone exato, eu não tinha problemas em fazer as missões que me eram encarregadas; na verdade, eu gostava. Apenas odiava o fato de receber ordens, mas adorava ver a barreira chamada "impossível" sendo esmagada pelos meus pés. Só que, por conta disso, logo fui descartado pelos Scarlunes que esperavam algo, pela minha mãe, por todos. Fui deixado no time de Vivian, minha irmã mais nova, apenas para protegê-la. Eu nunca me importei com isso, nunca dei a mínima, pois sempre soube que estava fazendo apenas o que queria. Só houve uma única vez em que talvez essas escolhas me abalaram.

Sala de reuniões.

— Tem algo a falar, Vivian?

— Até quando você vai ficar me perguntando isso sempre que eu voltar de uma missão, Senhorita Rani?

Vivian respondia com uma cara entediada e irritada.

— Então você também não vai me chamar de mamãe?... Me pergunto por que todos os meus filhos acabaram sendo assim.

Rani Scarlune respondia.

— Não sei do que está falando. Kai não te chama por outra coisa além de mãe.

Vivian dizia, tentando apenas se opor à afirmação dela.

— …

E Rani respondia a isso com o silêncio.

— Você sabe que ele também é seu filho, não é? Se não queria isso, não deveria tê-lo criado.

Vivian, mais irritada, a acusava.

— Concordo… Realmente não deveria ter feito isso. Apenas não consegui aceitar o fato do meu projeto anterior ter acabado antes de poder colher os resultados. Devia saber que não poderia substituí-lo, mesmo querendo.

Rani falava como um diagnóstico de um médico, com uma voz fria e afastada de qualquer emoção.

— Quer que sintamos algo por você!? Alguém que só nos vê como projeto?

Vivian, irritada, se levantava, batendo na mesa entre elas.

— Eu queria saber as diferenças entre vocês. Por algum motivo, todos os meus filhos nasceram tão carregados de sentimentos: Dante, Blade e você. Olha como você parece se importar com isso, é realmente muito interessante… O que os torna tão diferentes para Kai ter acabado sem isso, mesmo que todas as células estejam lá?

Rani falava mais para si mesma do que para Vivian à sua frente.

— Eu realmente te odeio muito.

— Eu sei. Mas entenda, minha filha, seja amor ou ódio, eu me interesso demais por esses sentimentos para me incomodar. E é por não possuí-los com tanta intensidade que sei que será impossível para Kai substituir Dante.

Naquele momento, Vivian pareceu ter percebido que eu estava escutando tudo que acontecia lá, embora eu não saiba se minha mãe tivesse percebido ou se teria feito alguma diferença caso tivesse ou não. Essa não foi a primeira nem a última vez que escutei algo assim. Independentemente do treino ou da missão, eu sempre escutei: "É impossível ele conseguir ser como Dante". Se eu fosse rebelde, seria apenas o segundo a ser assim, enquanto Dante continuaria sendo o primeiro. Se eu não fosse e tentasse ser obediente, seria apenas uma falha, só mais um Scarlune como qualquer outro. A resposta do que fazer não existia. Enquanto vivesse, teria que encarar a placa na frente do meu caminho dizendo “impossível”.

Sala de estar da mansão.

— Você tentou quebrar o recorde de missões da geração anormal e agora está competindo sempre que pode com Blade… Tem um motivo?

Vivian perguntava sem olhar.

— Você sabia? Estão dizendo que a tal Bishamon é a Scarlune mais forte desta geração…

Kai respondia com outra pergunta.

— E onde isso se encaixa no que eu disse?

— Ah, é simples. Isso significa que, mesmo que os Scarlunes não liguem para nada além de seus objetivos, eles ainda respeitam os fortes… O que você acha que vai acontecer quando eu mostrar que sou mais forte? Mais forte que a Bishamon, mais forte que todos?

— Está tentando fazer a Rani reconsiderar o fato de ter te rotulado como falha?

— Errado! Eu não ligo para como ninguém me rotula. Só imaginei como seria divertido quando eu chutar a canela de todos, provando o quão errados eles estavam ao me dizerem que algo era impossível, quando tiverem que reconhecer que eu sou mais forte que todos eles.

— Oh, se for assim, talvez até seja interessante.

“Dante pode ter me vencido e sido o primeiro a ser rebelde, ficando na minha frente em tantos sentidos. Eu entrego a primeira vitória, mas ele nunca ganhou esse título, ele nunca chegou perto de ser o mais forte. Ou seja, eu não irei perder para ele de novo. Da próxima, provarei que, mesmo perdendo a batalha, eu ainda posso ganhar essa maldita guerra.”

É verdade, foi naquela época que começou. Naquele dia, eu defini para mim mesmo Dante, alguém que todos achavam que estava morto, como meu rival e inimigo, e jurei que nunca mais iria perder…

— Hahahaha!

De repente, Kai se levantava da cratera onde havia sido jogado e começava a caminhar, sua aura de éter irrompendo do chão.

De repente, Ozymandias, Raikou e Daemon pararam de se mexer, sentindo uma aura demoníaca e crepitante percorrer suas espinhas; seus instintos avisavam o perigo.

“É óbvio… eu já sabia… Eu sou fraco e eles, fortes. Mas quem se importa?… Eu já sabia disso há muito tempo e não vai ser agora que isso vai me parar.”

— Vocês sabiam?... Sabiam que para um humano vencer um deus… ele precisa virar um demônio? E que para alguém sem talento vencer o talentoso, ele precisa virar um monstro?… Hahaha! — Ele gargalhava ainda mais. — Que sorte a minha que eu sou a porra de um monstro copiado, então!

Heisen, então, observando afastado, pensava sozinho:

“Aqueles que nascem com grande domínio do éter, uma grande quantidade, sempre terão vantagem e serão poderosos como Ozy, Bishamon e até Love… Mas existe um segredo para a força que nenhum deles que nasceu forte percebeu… O éter é uma energia instável e incontrolável. Mesmo que você consiga manipulá-la, sempre que a imbui em seu corpo, existe o risco dela acabar passando por uma alteração espontânea, causando a sua morte. Todos aqueles que usam uma energia tão perigosa e com tantos riscos precisam ter um parafuso a menos. E esse é o segredo para realmente ser forte quando se usa éter: quanto mais louco e mais disposto a correr riscos alguém é… mais essa pessoa, no fim, se tornará forte.”

Parte 11

A campina, antes um tapete verdejante sob a sombra da colossal Árvore da Fantasia, transformava-se rapidamente num inferno de poder bruto. A própria atmosfera crepitava com a energia liberada pelos quatro combatentes, cada um deles empurrando seus limites para além do concebível.

Raikou, com um urro que ecoava como o trovão, movia-se com a velocidade de um relâmpago encarnado. Sua lâmina, antes uma extensão de seu braço, agora parecia um cometa rasgando a realidade. Com um golpe ascendente de puro poder:

— Assim você me deixa realmente animado, garoto!

O ataque direto voa na direção de Kai, que, liberando seu éter, espera o ataque chegar em cima dele e, assim, o dano é completamente redirecionado até uma montanha distante no horizonte, que foi partida ao meio. O pico desliza lentamente antes de desabar numa nuvem colossal de poeira e rocha. O ar deslocado pelo golpe varreu o campo de batalha, arrancando árvores menores na orla da floresta densa como se fossem meros gravetos.

— Acho que finalmente os aquecimentos acabaram. —Ozymandias, virando seus olhos para Daemon, seus punhos vibravam com uma frequência invisível, mas devastadora.

Daemon recebia o golpe sem se mexer, enquanto Ozymandias continuava uma sequência furiosa e sem descanso. Mas o homem aguentava tudo e continuava a rir. Sentindo-se provocado, Ozy condensava ainda mais de seu éter no punho, pronto para dar mais um soco.

Assim, ao mover o braço, o ar e a própria estrutura molecular da formação rochosa do chão se desfizeram em uma cascata de areia fina, que cobriu todo o campo de batalha. Além disso, no mar, ondas de enormes magnitudes começavam a aparecer, mas Ozy ainda não parava, continuando sua sequência de socos sem hesitar. Elevando sua ressonância, Ozymandias começou a afetar a própria realidade ao seu redor. O chão tremia violentamente, ondas de choque percorriam a terra e, ao longe, sons monstruosos indicavam o despertar de tsunamis e maremotos, a natureza curvando-se à sua vontade vibracional.

Mas, naquele instante, aparecendo entre ele e Daemon, Kai surgia chutando o queixo de Ozymandias e o arremessando para o alto.

— Seu merda, já disse para não fazer bagunça só porque não estou olhando!

No mesmo instante, ele se virou e deu de cara com Daemon, que realizava um soco imbuído com um éter dourado e roxo. A colisão com o chute de Kai e seu éter rubro criava vendavais violentos e pintava o céu com a cor da aniquilação. Com um gesto amplo, as nuvens se partiram como um véu rasgado, revelando um breu cósmico que se alastrava, engolindo a luz do dia e mergulhando o campo de batalha numa penumbra sinistra. A pressão atmosférica despencou, e uma sensação de pavor primordial emanava de sua figura, que parecia crescer em poder a cada segundo que a batalha se estendia.

Enquanto Kai cuspia mais sangue e suas feridas se abriam, seu olho, coberto pelo vermelho do hematoma interno, continuava a encará-lo sem medo. Na visão de Daemon, o pequeno pirralho se opondo agora parecia uma besta faminta. Ele não era apenas um guerreiro, e sim uma força selvagem da natureza, uma pantera que rugia tentando amedrontar sua caça.

De repente, Ozymandias, em queda, começava a gargalhar.

— Isso, garoto, finalmente conseguiu ficar interessante! Mas agora que entrou no mundo dos adultos, é melhor não ceder.

Black Box: Reign of the Great Earthquake Fault!

Naquele momento, todos começaram a encarar sem acreditar quando foram engolidos por uma enorme quantidade de éter que engolfou a realidade à sua volta. Kai se afastou de Daemon, enquanto Daemon sorria, prevendo algo grande.

Dentro da Black Box, nos primeiros 10 minutos, Ozy se tornava incapaz de gerar qualquer vibração ou capacidade e estava obrigado a lutar usando apenas sua força física. No entanto, o mesmo estava absorvendo toda energia cinética e marcando seus alvos. Cada movimento efetuado naquela sala gerava um acúmulo de movimento e, se em cerca desses 10 minutos Ozy não fosse derrotado, cada acúmulo de movimento seria convertido em vibração, e o combustível que realizava a vibração era o éter do próprio adversário, sendo realizado de forma espontânea no corpo do próprio marcado. Ao adentrarem em sua Black Box, suas regras e funcionamento eram automaticamente colocados na mente dos demais como regra autoimposta, para dar uma fraqueza ao seu poder, mas que no final lhe concederia ainda mais poder.

Sem pensar duas vezes, Kai foi frenético na direção de Ozy, juntamente com Daemon. Os dois, que estavam se atacando, agora desferiam uma enxurrada frenética de ataques, sem hesitar. Dentro daquele local, que parecia um deserto cercado por pirâmides, Ozy continuava a receber os ataques, aproveitando para socar enquanto também se esquivava, fazendo-os sempre ficar em movimento.

“Quando estão dentro da minha Black Box, a reação natural das pessoas se divide em duas categorias: há aqueles que logo chegam à conclusão de que, para escapar dos efeitos da minha Black Box, devem evitar completamente qualquer movimento, achando que poderão escapar, como o próprio Raikou está fazendo; e há aqueles como esses dois, que percebem instantaneamente que a única forma de deter minha Black Box é me matando o mais rápido possível.”

Ozymandias falava sorrindo, encarando os ataques dos dois. A pressão do éter de Daemon era tão grande que só de passar de raspão pelo corpo de Ozy já deixava vários hematomas e partes roxas.

— Hahaha! O que foi, progenitor? Isso é tudo que tem?

Ozy gargalhava enquanto continuava a atacar.

De repente, por puro instinto, o corpo de Raikou se moveu e começou a correr na direção de Ozy também.

“Droga... merda! Como eu não percebi?”

Já sua mente demorou alguns segundos a mais para perceber o que seus instintos haviam percebido: mesmo que Raikou ficasse parado, isso não significava que ele não seria marcado e conseguiria acúmulos de movimentos, pois, independente de quão parado alguém ficasse, não mudaria o fato de que seu corpo está em movimento. Seus pulmões se moviam, inflando e desinflando sempre que respirava; seu coração se movia quando bombeava sangue; seus neurônios moviam sinais elétricos pelo corpo através do pensamento.

“É impossível ficar completamente imóvel estando vivo.”

Assim, Raikou se juntou ao ataque com uma investida de sua espada de madeira, mas, já esperando isso, Ozy saltou, desviando com facilidade, agora conseguindo lutar contra os três ao mesmo tempo.

— Hahaha! Hora de entenderem por que eu sou o mais forte!

Mas, naquela hora, quando o mesmo se envergou para esquivar do soco direto de Daemon, Kai se jogou na frente do soco. Os três, surpresos, demoraram a reagir, reagindo completamente tarde demais quando Kai trocou ele e Ozy de lugar, fazendo com que o soco o atingisse e, logo em seguida, golpeando-o com um chute. O mesmo começou a cuspir sangue, voando na direção de Raikou, que poderia terminar tudo com sua espada. Mas, ao chegar a milímetros de ser atingido, os dez minutos se passaram e, assim, abalos sísmicos começaram a acontecer não só pelo chão, mas por dentro do corpo dos combatentes, que começaram a vomitar sangue, enquanto o mesmo saía de todos os seus orifícios. Várias paradas internas começavam enquanto, em pé, vendo todos ajoelhados, o rei dos reis sorria.

Sua confiança em sua Black Box era tanta que o mesmo nem se importou de fechar os olhos, tornando-se cego para o soco de Daemon, que atingiu diretamente seu rosto, quebrando alguns dentes e causando enormes rachaduras em seu crânio.

Ozy, sem entender, levantou-se instantaneamente, achando que sua Black Box havia sido quebrada, mas, notando que a mesma estava em perfeitas condições, ele via Daemon agora com chifres de cervo saindo da cabeça. As marcas douradas pelo corpo ficavam negras, mas seu éter ainda era dourado, assim como a íris de seus olhos.

Ozymandias ergueu-se, sangue escorrendo de um corte na testa e por sua boca, seus olhos queimando com fúria. "Vibração da Realidade!", ele urrou, e o próprio tecido do espaço ao seu redor começou a distorcer-se, ondas de pura destruição emanando dele, criando fissuras na terra e levantando pedregulhos como se não tivessem peso.

A luta se tornou um borrão de destruição. Daemon era atingido, mas as marcas douradas ficavam negras e seu éter aumentava, junto com seu poder. Movendo-se como um berseker imparável, ele correu na direção de Ozy novamente, socando-o na cara.

“Impossível! Todos os átomos do corpo dele estão vibrando e tremendo! Seus órgãos deveriam começar a ser destruídos, e quanto mais ele se mexe, mais acúmulos ganha! Então, como?”

Ele pensava, mas não conseguia fazer nada, pois, no segundo em que seu corpo iria atingir o chão, Daemon estava na frente dele, pegando sua cabeça e arrastando-a pela área desértica, depois saltando para o céu e jogando seu corpo na direção de Kai e Raikou.

Kai, ainda coberto de sangue e raiva, sentindo seus órgãos vibrando e explodindo, sentia que não tinha mais nada a perder. Assim, ele sorriu um sorriso macabro e perturbador e, enquanto Ozy vinha em sua direção, ele decidiu liberar algo novo, algo que sentia borbulhar dentro de si, um poder caótico que ele mal compreendia, mas que o preenchia com um orgulho sombrio.

Black Box: Reign of Chaos!

Uma quantidade colossal de Éter irrompeu de Kai, e a realidade ao redor deles começou a se desfazer. O chão sob os pés de Ozymandias e Raikou curvou-se para cima, tornando-se o céu. Direções perderam o sentido; a distância entre os combatentes mudava aleatoriamente. Corredores que pareciam levar a lugar nenhum surgiam do nada. A gravidade tornou-se um conceito relativo, puxando-os para os lados, para cima, ou simplesmente desaparecendo. Era um pesadelo não euclidiano, uma armadilha sensorial projetada para quebrar a mente.

Uma Black Box era uma técnica de alto nível que consistia em várias regras e refinamentos em uma realidade própria e separada, e o fato de criar esse espaço e realidade era, de fato, o fator mais complexo da habilidade, pois a mesma seguia regras que Kai não conseguia compreender. Mas Kai abusou dessa lacuna: ele usou a própria Black Box de Ozy, que já havia formado um espaço separado que seguia as regras da superposição quântica. Assim, era possível reciclar esse espaço já feito, dominando-o e agora acrescentando suas regras. Esse fenômeno poderia ser visto como impossível para a maioria das pessoas e até mesmo para Kai antigamente, mas dois fatores tornaram esse fenômeno possível.

Primeiro, foi o fato de Kai ter poderes que permitiam a ele manipular e controlar o espaço, conseguindo sentir as regras e a textura da nova realidade dentro da Black Box de Ozy no momento em que entrou e teve uma explicação sobre a mesma embutida em sua cabeça.

E o segundo é que a manipulação de éter se tratava muito da visualização daquilo que queria ser feito. Era impossível para as pessoas visualizarem algo que consideravam impossível, como por exemplo, tomar uma Black Box de outra pessoa para si. Mas, graças a ter presenciado os eventos do labirinto no incidente da turma -13, Kai conseguiu ver algo como isso acontecendo com seus próprios olhos, fazendo a visualização disso ser possível em sua mente. Essa soma de fatores acabou permitindo que Kai dominasse parte da Black Box de Ozymandias, ativando assim uma forma de Black Box incompleta e imperfeita.

Ozymandias, pego de surpresa pela súbita instabilidade de tudo ao seu redor, ainda em queda livre, foi rapidamente jogado contra o céu, que agora era o novo “chão”, por uma força gravitacional que esmagava seus ossos. Enquanto Kai, movendo-se com uma familiaridade perturbadora dentro de seu próprio caos instável, gritou com sua voz rouca e distorcida, com sangue em sua boca:

— Distorça a Trajetória: Rei do Caos!

Assim, ele controlou os destroços de pedra das pirâmides em ruínas e os jogou com a força de meteoros em Ozymandias, que era completamente esmagado, seu corpo vibrando erraticamente uma última vez antes de silenciar, derrotado.

Assim, fora do controle de Ozy, a loucura da Black Box aumentava ainda mais, mergulhando em um frenesi. Kai, aproveitando todo o caos e da distorção, avançava na direção de Daemon para continuar sua sequência de ataques sem hesitar, mesmo com o corpo destroçado, seus golpes selvagens e instintivos.

Mas, saindo de dentro da cortina de areia, fumaça e destroços, saltando em meio aos tornados e ao vento cortante, Raikou partia em direção a Kai e Daemon novamente. Sua investida alucinante ignorava os vetores do mundo e da gravidade, dando uma estocada direta que Kai acabou tendo que se teleportar para desviar, mas atingindo o abdômen de Daemon diretamente, perfurando-o e lançando-o para o outro lado do solo. A cada movimento, seus tendões e músculos eram cortados, seus ossos estalavam, mas seu sorriso feroz e completamente preenchido de felicidade atormentava Kai, que mal aguentava mais se manter em pé. O sangue de Raikou jorrava, mas novamente ele se lançava em uma velocidade frenética. Kai usava o caos do ambiente e seus teleportes para se manter afastado, mas Raikou não recuava, sempre estando mais perto de atingir Kai, como se pudesse ler perfeitamente seus movimentos. Mas de seu sangue jorrava, pintando o chão distorcido com um vermelho vívido. Mesmo quebrado, ensanguentado e terrivelmente ferido, Raikou lutava.

Finalmente, com um grito que era mais animal do que humano, Kai concentrou o que restava de seu Éter num último e devastador assalto, uma força que puxou Raikou em sua direção enquanto ele saltava contra ele, usando a gravidade e uma força espacial oposta que o lançava na direção de Raikou.

Os dois voaram em uma velocidade extrema até que Kai o atingiu com um soco e assim gritou:

— Impacto Sísmico!

Nesse instante, todos os ossos do corpo de Raikou se quebraram e sangue saiu de todo o seu corpo, mas, ainda sorrindo, ele olhava para sua espada, que ele ainda conseguiu fincar no ombro de Kai. Assim, ambos começavam a cair enquanto o campo de batalha se desmanchava e quebrava.

Depois de caírem, Kai cambaleou, erguendo-se devagar e retirando a lâmina de madeira do ombro, quase caindo para trás, com o Éter em seu corpo completamente exaurido e a consciência desaparecendo.

Heisen, que havia ficado de fora, não conseguia dizer o que havia acontecido, mas, observando o estado de Ozy e Raikou no chão e Kai em pé, só podia dar parabéns e admitir que estava errado.

“Parece que até um idiota tem suas serventias… Você realmente conseguiu.”

Foi nesse momento de vulnerabilidade absoluta que Daemon, que havia pairado acima, observando e acumulando um poder aterrorizante, decidiu atacar. Uma lança de trevas puras, densa e faminta, materializou-se em sua mão.

— Você fez bem, garoto… Mas agora acabou. — Assim, Daemon arremessou-a contra o exausto Kai.

O tempo pareceu congelar. Kai, sem Éter, sem forças, só pôde observar o golpe final vindo em sua direção.

Mas, no último instante, uma figura surgiu. Vivian, seus olhos determinados e cheios de uma fúria fria, apareceu como um raio, suas gigantescas tesouras de Éter materializando-se em suas mãos. Com um movimento preciso e poderoso, ela interceptou a lança de Daemon, uma explosão de luz e sombras irrompendo no ponto de impacto. Ao mesmo tempo, com uma agilidade surpreendente, ela amparou o corpo inconsciente de Kai, segurando-o protetoramente enquanto encarava Daemon.

— Parece que você brincou bastante com o meu irmão… não é?


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