The Fall of the Stars: Capítulo 4 - Alguém está mentindo
- AngelDark

- 14 de jul.
- 43 min de leitura
Volume 4 : Fragmentado
Parte 1
Do lado de fora da mansão, os dias corriam normalmente. Todos aproveitavam, indo de um lado para o outro como em mais um dia comum, sem imaginar o que acontecia dentro das paredes da mansão. Nesse momento, Bryan Scarlune e Nola Abrael conversavam enquanto aproveitavam seu encontro. Ambos estavam em um parque mais afastado do centro da cidade, conhecido como um lugar isolado e perfeito para namorados. Mas, apesar de estar acompanhado de sua amada, Bryan parecia simplesmente não conseguir sorrir nem se divertir.
— Por que você ainda está preocupado com isso? Você mesmo disse que não faria sentido eles te escolherem.
— É... mas, da última vez, até o Heitor foi um dos mais votados, e isso porque ninguém gosta dele! Eu não sei... Acho que todos estão com tanta dor de cabeça que vão colocar a coroa de líder no primeiro de quem se lembrarem que atenda aos requisitos.
— Mas por que você acha que vai ser justamente você?
— Você não entende! Nessas malditas eleições, quanto mais amigos e conhecidos você tiver, melhor. Todos sabem que só fazemos algumas interações com outros Scarlune nesses momentos, para que não fiquem em nosso caminho. Mas, droga, eu não tenho ninguém ao meu lado para me proteger!
A garota tentava acalmá-lo. Vendo um caminhão de sorvete, ela foi até ele, comprou um sorvete de casquinha e voltou até o homem, tentando tranquilizá-lo um pouco.
— Ficar quebrando a cabeça não vai te ajudar em nada. Tome um pouco e relaxe.
O homem ainda parecia nervoso, mas a voz de Nola conseguia relaxá-lo.
— Sério, como é que você me aguenta?
— Hum, não é nada fácil, principalmente nesta época do ano. Então, é melhor me recompensar depois.
— Ah, é... recompensar, é? Eu vou dar um jeitinho...
O homem a puxou e começou a fazer cócegas nela, que não podia se defender por estar segurando os sorvetes. De repente, um homem começou a caminhar até os dois e sentou-se ao lado deles. Sem jeito, Bryan parou, e Nola sentou-se ao seu lado, entregando-lhe o sorvete.
— Ah, isso não é perfeito? — o homem misterioso falou, tomando o sorvete.
— Bom, não sei dizer se é perfeito, mas realmente é um sorvete muito bom — Bryan respondeu.
— O quê? Ah, hahaha! Essa foi boa. Realmente tem isso, mas eu não estava falando do sorvete, estava falando dessa coisa de amor, de se apaixonar — o homem comentou, ouvindo a resposta de Bryan.
Já Bryan via o rosto jovem do homem de cabelos pretos e achava engraçado o fato de ele falar como se fosse um velho. Assim, continuou falando com ele, enquanto Nola parecia estranhar, porque de repente percebeu que aquele homem era um dos vendedores de sorvete do caminhão.
— Sim, realmente é muito bom.
— Sabe, eu amo o amor. Quer dizer, aqueles que terminam bem, já que, convenhamos, a maioria acaba de um jeito bem merda — o homem disse aquilo sem qualquer consideração pelos dois.
— Bom, mas nós seremos diferentes. Vamos ficar juntos para sempre — Bryan falou, abraçando Nola.
— Ah, que bonitinho! Isso mesmo, assim que tem que ser. Desejo que vocês se saiam melhor do que aquele cara.
— Aquele cara?
— Ah, é uma história antiga. Sabe, há muito tempo, teve um cara... sabe... cheio de ambições, e uma em particular bem problemática. Acredita que o cara queria ser imortal? — o homem falou como se fosse rir, e Bryan e Nola se afastaram um pouco, estranhando o comportamento dele.
— Bom, eu sou um Scarlune, então, acho que sei como algumas pessoas podem ser extremas por conta disso.
— Pois é, ele foi bem extremo. Fez coisas loucas como alterar o código genético, fazer transfusão de sangue com demônios, injetar em si medula óssea de elfos e, claro, comer carne de fadas! Onde esse cara estava com a cabeça?!
Bryan notou que o homem não parecia estar bem, mas, nessas situações, dependendo da reação, poderia acabar colocando mais lenha na fogueira e irritar o homem estranho sem necessidade se começasse a correr enquanto ele só estava contando sua história. Por isso, começou a discretamente fazer sinal para Nola se afastar sozinha.
— Opa, calma lá! Cheguem mais perto aí, a história está quase acabando.
De repente, os dois se aproximaram de novo, e o homem voltou a falar:
— Eu sei o que vocês estão pensando: "Mas que cara mais maluco, começou essa história bizarra sem qualquer conexão com o amor!". Bom, então... é que a história só não tem conexão nessa primeira parte dela, a mais conhecida. Só que, sabe, depois de muitos experimentos, o homem acabou estendendo sua vida, virando um monstro horrendo e deformado, mas, adivinha? Não conseguiu virar imortal, como se os próprios céus estivessem contra o seu progresso, hahaha!
O homem ria, falando com os dois, que ainda se sentiam desconfortáveis com tudo aquilo, mas não tentavam mais fugir.
— Aí, adivinha? Bang! O amor chegou, daquele tipo cheio de flores, fogos de artifício e tudo mais, dá pra acreditar?! Mesmo ele sendo um monstro, uma bruxa se apaixonou por ele e prometeu que o tornaria imortal. E podem não acreditar, mas ela conseguiu: criou uma maldição, ou sei lá o quê, que o impedia de morrer. E eles viveram felizes para sempre! Yeeee!
O homem começou a bater palmas, comemorando.
— A gente pode sair agora? — Nola comentou, suando frio.
— Calma, tem uma última parte que ficou totalmente escondida. Acontece que, apesar de a bruxa ter se apaixonado pelo monstro, o monstro nunca se apaixonou de verdade. Bom, vai culpá-lo? Ele nunca prometeu nada, ela apenas fez o que quis, por quem quis. Mas até que era um relacionamento que dava certo: ele ficava com ela, passando seu tempo eterno, e ela ficava feliz.
O homem começou a lamber os dedos após ter comido todo o seu sorvete, enquanto os dos dois namorados derretiam, sujando-os.
— Epa, calma lá! Nada de desperdício.
Ele pegou os dois sorvetes e começou a comer, enquanto continuava sua história. Os dois não faziam nada além de ficar sentados ao seu lado, impotentes, nervosos e suando muito, sentindo que algo ruim estava para acontecer, com uma forte dor no peito.
— Aí, então, tudo mudou! Quando finalmente o monstro imortal se apaixonou de verdade por alguém... ah, aí tudo mudou e foi por água abaixo. Porque, ao invés de, sei lá, tentar ficar com as duas, dizendo que as amava e fazendo um harém como alguém normal faria, o monstro burro decidiu falar a verdade: que nunca amou ou iria amar a bruxa. E adivinha? Ela era uma lunática raivosa que simplesmente se sentiu usada e descartada, hahaha! — Ele falou, gargalhando.
— Em resumo, a partir daí foi só ladeira abaixo. A a bruxa acabou descobrindo que estava ganhando chifres e não gostou nada. O homem tinha prometido para a mulher que amava que iria torná-la imortal para poderem viver juntos, mas antes disso, a bruxa os encontrou enquanto o homem tentava replicar seu feitiço, tornando sua amada imortal. Para se vingar, a bruxa realmente deu a imortalidade para a mulher, só para prendê-la dentro de um abismo gigantesco, arrancar sua pele e jogar seu monstro amado lá dentro, completamente enfurecido. Isso para que ele devorasse a mulher de novo e de novo, em um ciclo infinito, usando a pele dela como cordas para impedir o monstro de se mover totalmente, deixando apenas sua cabeça livre para poder devorar parte do corpo da mulher, mas deixando pedaços suficientes para ela se regenerar e voltar. Esse ciclo continuou até que a mulher implorasse pela morte, desistindo de seu amado e da imortalidade. A bruxa foi piedosa: acabou criando uma cura para a imortalidade, matando-a definitivamente. Depois, trouxe a racionalidade do monstro de volta só para ele ver sua amada pedindo para morrer, antes de matá-la. E aí deixou claro que jamais faria outra cura para a imortalidade, dizendo que deixaria o monstro embaixo da terra para sempre, vivendo eternamente longe de sua amada no pós-morte.
Na hora em que ele terminou de falar aquilo, Bryan começou a tremer, a suar; seu coração batia forte, sabendo o que era realmente aquela história. Nola tentava fazer com que ele parasse de ouvir, pedindo para ele apenas concentrar seus olhos nos dela, dizendo que tudo iria ficar bem. Mas Bryan não conseguia acreditar, sabendo que era impossível aquele homem saber aquela história, a menos que um Scarlune tivesse contado.
— Mas, sério, acho que tudo isso nem foi a atitude mais sádica que a mulher teve. Não, com certeza a mais sádica foi que, depois de sair do buraco, ela criou uma casa na beira dele, onde viveu junto de seus filhos, fazendo-os prometer que pelo menos um deles deveria ficar e permanecer naquela casa para serem os vigias eternos de seu pai.
— Por favor, só deixa a gente ir embora — Nola falou, tremendo, ainda sem conseguir se mover.
— Eu vou deixar, claro. Mas antes preciso confirmar uma teoria minha, sabe? — O homem pegou uma caneta e começou a riscar a própria mão. — É uma teoria simples: eu acho que essa bosta chamada amor é uma mentira. Mas, e vocês, o que me dizem?
— Eu acho que...
— Calma, Bryan, assim fica muito fácil. Eu quero mais do que palavras, eu quero ações. Sendo assim...
O homem enfiou a caneta na carótida de Bryan.
— Pronto. Agora vocês podem se mexer. E aí, o que vai fazer agora, Nola?
Bryan começou a cair no chão, com sangue saindo de sua boca, e seus olhos começaram a revirar. Ele não conseguia nem gritar. Nola ficou ao seu lado, sem saber o que fazer, desesperada: o coração acelerado, a ansiedade aumentando, sua cabeça girava, ela suava frio, respirava rápido e sua cabeça doía. Via as coisas balançando enquanto a voz do homem ressoava em sua mente. Começou a chorar quando, de repente, se levantou, afastando-se de Bryan, e começou a correr.
— Ah, eu sabia! Mas que merda, Bryan... Parece que teu amor também não era de verdade... Pensando bem, talvez isso não seja algo bom para você. Bom, mas você não vai reclamar, já está morrendo, né? Então, pelo menos um de nós, de preferência o que vai ficar vivo, devia comemorar — Ele falou, enquanto procurava Nola ao longe com os olhos. — Rapaz, ela correu com bastante pressa, né...
Nesse momento, carregando o corpo dela, uma garota com cauda de tubarão surgiu e largou Nola, já sem vida, ao lado de Bryan.
— Dá pra parar de brincadeira? Temos trabalho para fazer, já esqueceu, Rasputin?
— Qual foi, Ceto? Ainda temos tempo até o contato nos chamar. Só pensei em passar o tempo um pouco até lá.
E assim a Horizon fez sua chegada em Threshold.
Parte 2
No quarto de Lorelei, o silêncio era pesado, quase sólido. Jaziam ali dois corpos: o da imponente mulher de cabelos azuis e chifres e, próximo dela, o de um homem cujas vestes sóbrias de mordomo estavam agora manchadas de um carmesim profundo. Ambos mortos.
O corpo de Lorelei desafiava a gravidade, empalado contra a parede por uma longa espada de aço polido, cravada com força e precisão impressionantes diretamente no seu peito. Parecia quase uma instalação macabra, destacando-se dos demais móveis finos do cômodo. Em contraste, o mordomo encontrava-se caído perto da porta maciça de carvalho, a cabeça num ângulo não natural, a vida esvaída por um corte brutal e único na garganta. A poça de sangue ao redor dele ainda parecia fresca, quase brilhante sob a luz filtrada pelas cortinas de seda.
Surpreendentemente, o restante do quarto permanecia intocado. Nenhum vaso quebrado, nenhuma cadeira virada, nenhum sinal da fúria ou desespero que se esperaria de uma luta por sobrevivência. Essa calma imaculada no cenário contrastava violentamente com a brutalidade infligida aos corpos, um paradoxo que pairava no ar junto com o cheiro metálico de sangue e um leve odor ozonizado, quase imperceptível.
Love já havia relatado os fatos iniciais: de acordo com ele, a porta do quarto estava trancada por fora ao chegar, e o sangue ainda vívido indicava que pouco tempo havia se passado após o assassinato. As vítimas, apesar de mortas há pouco, já estavam frias ao toque, a consciência perdida muito antes da chegada de qualquer ajuda.
Agora, o quarto continha uma reunião silenciosa de investigadores: Beatrice, Heisen, o próprio Love ainda pálido, o visivelmente tenso Heitor, Bishamon, Dante e Bel. Cada um movia-se com um propósito silencioso, olhos varrendo cada superfície, cada sombra, em busca da peça que não se encaixava.
Quase de imediato, notaram a expressão estranhamente serena no rosto pálido de Lorelei, quase adormecida, não fosse pelo aço que a violava. Nenhum outro ferimento visível, nenhuma marca de defesa. Dante ajoelhou-se brevemente perto do mordomo. Seus olhos afiados percorreram o corte preciso na garganta – trabalho de uma lâmina menor e afiada, diferente da espada – e depois varreu o entorno do corpo. O mesmo semblante de surpresa paralisada do mordomo, cuja postura final sugeria um movimento interrompido, um ataque abortado em direção à porta.
Bel, por sua vez, examinava a fechadura da porta com atenção minuciosa. Confirmou o relato de Love: a porta estava trancada por fora. Ela conhecia o mecanismo interno, sabendo que as portas da mansão possuíam um sistema que, quando trancadas por dentro, tornava impossível a abertura pelo lado de fora, mesmo com a chave mestra. Ninguém, entretanto, parecia ter notado esse detalhe além dela.
Heisen detinha seu olhar na espada que prendia Lorelei. Avaliava o ângulo, a profundidade, a força necessária para tal feito. Uma força e precisão que poucos possuiriam. Seus olhos encontraram os de Dante por um instante fugaz; ambos sabiam das capacidades um do outro e de alguns presentes ali. O próprio Heisen sentiu um calafrio, não de medo, mas de reconhecimento da habilidade necessária. Então, seu olhar desviou-se para o mordomo e para o chão ao redor dele. Completamente seco. Estranho, considerando que aquele serviçal era conhecido por sua maestria elemental com a água. Nenhuma gota fora de lugar, nenhuma umidade residual nos tapetes persas caros ou no mármore polido do piso. Heisen guardou essa observação para si.
Enquanto isso, Heitor mantinha-se perto da janela imensa, que oferecia uma vista deslumbrante agora ignorada. Estava pálido, um suor frio brilhando em sua testa, apesar da temperatura amena do quarto. Suas mãos inquietas ajeitavam o colarinho, os olhos evitando a cena central, focando ora no lustre de cristal imponente, ora nas poltronas de veludo da área de estar. Beatrice notou seu desconforto, arquivando-o mentalmente. Bishamon, com sua calma habitual, inspecionava a própria lâmina da espada fincada na parede, talvez buscando uma marca do ferreiro, um detalhe ínfimo.
Dante levantou-se, passando os olhos pela cama king-size, apenas superficialmente desarrumada, pelos lençóis finíssimos e pelas almofadas decorativas que permaneciam no lugar. Nada ali parecia relevante. Seus instintos o levaram de volta à porta, ao mordomo, à ausência de água. Algo fundamental havia acontecido ali, algo que ia além da simples violência física. O ar continuava carregado, a atmosfera acolhedora do quarto luxuoso irremediavelmente corrompida não apenas pelo sangue e pelo cheiro de morte, mas por um mistério que se aprofundava a cada detalhe observado e a cada pista não compartilhada.
Após investigarem sem trocar uma palavra, o grupo caminhou em direção à sala principal onde todos os outros estavam reunidos. O ar era denso com uma tensão palpável. Vinte e quatro pessoas encontravam-se presas na mansão, seus olhares variando entre medo, desconfiança e uma mórbida curiosidade:
Dante Scarlune
Heisen Scarlune
Bishamon Scarlune
Ozymandias Scarlune
Heitor Scarlune
Hyori Scarlune
Akira Scarlune
Aquiles Scarlune
Belltrylis Ainsworth
Alana Undergard
Beatrice Dragonroad
Love Scarlune
Anna Lighthart
Asriel Scarlune
Kalluto Gallagher
Nova Sengrard
Mikasa Loufen
Baltimor Yormun
Lucis Kaiten
Mary
Blade Scarlune
Kai Scarlune
Ulter Amphored
Brighid Scarlune
O silêncio era opressor, cada segundo esticando-se no tempo. Ninguém ousava quebrá-lo, até que a impaciência de Heitor transbordou.
— Por quanto tempo vamos continuar com essa palhaçada? — Sua voz ressoou, tensa e alta demais.
— O que você quer dizer com "palhaçada", Heitor? Estamos diante de um assassinato duplo. — A voz de Bishamon era baixa, mas cortante, silenciando qualquer murmúrio.
— Como assim o que eu quero dizer? — Heitor gesticulou amplamente, o nervosismo evidente em seus movimentos. — É óbvio que o assassino só pode ser um desses idiotas de fora!
— Ah, então nos ilumine com o brilhante raciocínio que o levou a essa conclusão inevitável, por favor. — Heisen ofereceu um sorriso cínico, os olhos faiscando com desprezo mal disfarçado.
Dante observou a troca, notando como Heitor parecia genuinamente abalado, mais do que apenas irritado.
“Seria culpa ou apenas medo?”
— É óbvio! — insistiu Heitor. — Não importa o quanto nos odiemos aqui dentro, nenhum Scarlune teria motivo para fazer algo tão estúpido! Matar Lorelei, uma das líderes, antes da eleição? Que imbecil faria isso?!
— Se vai abrir a boca, tente não falar tanta merda. — A voz de Kai Scarlune era arrastada, entediada, mas com um fundo de ameaça. — Ou você é burro demais para perceber o óbvio? Matar Lorelei agora não beneficia ninguém, nem de dentro, nem de fora. Ela tinha pouca influência real, sua casa era a menor. O único ganho possível é obviamente... — Kai fez uma pausa deliberada, varrendo a sala com o olhar — ...atrasar a eleição.
— O que você quer dizer com isso?! Com quem você acha que está falando?! — Heitor deu um passo à frente, o rosto vermelho de raiva.
— Calma, Heitor. Por que toda essa energia? Ele só verbalizou o que muitos aqui devem estar pensando. — Ozymandias interveio, um sorriso divertido brincando em seus lábios, como se assistisse a uma peça teatral particularmente interessante. — Embora, sinceramente, não achei que você ficaria tão... agitado só por isso. Quase como se tivesse algo a esconder.
Nesse momento, correndo e quase tropeçando, Alana surgiu, colocando um prato cheio de sanduíches na mesinha em frente a Dante. A tensão na sala pareceu congelar por um instante.
— Hahaha, só pode ser brincadeira! A visão do cadáver da Lorelei te abriu o apetite, Dante? — zombou Aquiles, com uma risada forçada.
— Dava para ter escolhido uma hora melhor, não acha, Alana? — Blade observou a serva com um olhar frio de repreensão.
A garota encolheu-se, baixando a cabeça, os dedos se remexendo nervosamente. Dante, ignorando os comentários, pegou o prato de sanduíches e comeu tudo de uma vez, batendo o prato vazio de volta na mesa com um baque seco.
— Obrigado, Alana. Estava precisando. — Seu olhar varreu Aquiles e Blade, a irritação clara em sua voz. — Ei, vocês dois. Peço desculpas, com tudo isso acontecendo, esqueci de comer. Mas se querem reclamar com alguém, reclamem comigo. — Ele fez uma pausa, deixando a ameaça pairar no ar. — Isto é, se tiverem coragem.
Alana ficou vermelha, enquanto Aquiles e Blade apenas sustentaram seu olhar por um momento antes de desviarem. Hyori, do outro lado da sala, observava Dante com uma intensidade quieta, quase imperceptível, uma expressão indecifrável em seu rosto normalmente frio.
— Chega de distrações. — A voz de Heisen cortou o momento, trazendo todos de volta à realidade sombria. — Vamos focar no importante. E acho que todos precisam entender: o assassino é, quase obrigatoriamente, um Scarlune. Não estou subestimando nossas visitas, — ele lançou um olhar rápido para Beatrice e os outros — mas a cena do crime aponta inequivocamente para isso.
— Como assim a única resposta?! Que absurdo! — explodiu Heitor novamente.
— Pode provar essa sua teoria arrogante? — desafiou Ozymandias, o divertimento em seus olhos dando lugar a um interesse mais aguçado. Ele detestava quando Heisen agia como o único inteligente na sala.
— Mas é claro. É meu dever como... digamos, "Professor", dar atenção extra aos mais lentos. — Heisen ignorou Ozymandias e focou em Heitor, seu tom deliberadamente condescendente. — As pistas no quarto de Lorelei são claras: primeiro, matar um Scarlune, mesmo um menos poderoso como Lorelei, não é trivial. Exige habilidade ou oportunidade. Segundo, o quarto estava impecável, sem sinais de luta. Como? O rosto dela responde: estava sereno, quase adormecido, apesar da espada no peito. Isso significa que ela não viu o ataque chegando, não se defendeu. Foi pega de surpresa. Que Scarlune em sã consciência baixaria a guarda completamente para um estranho? Ela confiava em quem a atacou.
— Concordo com a análise do Mestre Heisen. — Belltrylis interveio, sua voz calma e firme. — E peço desculpas por minha companheira, Alana. Fui eu quem pediu que ela trouxesse a comida, preocupada por Mestre Dante não ter se alimentado. Mas preciso adicionar um ponto crucial que observei: como alguns devem saber, as portas dos quartos principais possuem um mecanismo de segurança interno. Quando trancadas por dentro, nem a chave mestra funciona por fora. Para entrar, seria preciso arrombar, quebrar a porta ou o mecanismo. — Ela fez uma pausa, seus olhos encontrando os de Dante e Heisen. — A porta estava intacta. O mecanismo, perfeito. Quem quer que tenha matado Lorelei e o mordomo, ou entrou com permissão, ou já estava lá dentro, e trancou por fora depois. Mas a entrada inicial só pode ter sido permitida pelas vítimas.
— O que vocês dizem faz sentido, — Beatrice Dragonroad falou pela primeira vez. — mas há um detalhe que esqueceram. A confiança de Lorelei poderia se estender aos servos ou... às fadas que servem esta casa. Por que elas não estão aqui como suspeitas também? E onde estão os outros dois líderes de casa, a propósito? Ninguém notou a ausência deles?
Um murmúrio percorreu a sala com a menção dos líderes ausentes.
— Permita-me esclarecer. — Love Scarlune adiantou-se, seu rosto marcado por uma tristeza genuína. Ele parecia o mais afetado pela morte de Lorelei. — As fadas que servem a Casa Scarlune o fazem sob um pacto antigo, ligado à própria essência deste território. Elas são magicamente impedidas de ferir ou matar qualquer membro da família dentro dos limites da mansão. É uma salvaguarda absoluta. Quanto aos empregados... sim, eles permanecem uma possibilidade, embora remota, considerando a natureza do ataque a Lorelei.
Love suspirou. — E há outra coisa que todos precisam saber. No momento em que encontrei Lorelei... eu ativei a Barreira de Contenção da mansão. É um protocolo para emergências extremas como esta. Ninguém pode sair e ninguém pode entrar até que a barreira seja desativada. Isso só pode ser feito pelas empregadas-chefes, e elas só o farão quando a situação for resolvida... ou seja, quando o assassino for encontrado. Estamos todos presos aqui juntos.
A notícia da barreira aumentou a tensão. Agora, estavam literalmente encurralados com um assassino.
— Beatrice pode ter se enganado sobre as fadas, — Heitor aproveitou a deixa, tentando desviar a atenção de si — mas ela tem razão sobre os empregados! E você, Heisen, foi muito rápido em apontar o dedo para um de nós! Isso é suspeito! Se não me engano, você demorou a chegar à reunião esta manhã. Estranho, você é sempre pontual. Onde estava exatamente?
— Eu estava na cozinha. A manhã toda. — A resposta de Heisen foi fria e direta.
— E tem alguém que possa confirmar isso ? — insistiu Heitor, quase desesperado.
— Eu estava com ele. O tempo todo. — Anna respondeu, sua voz baixa, mas firme. Ela não encontrou o olhar de ninguém.
Dante observou a interação, uma ponta de dúvida surgindo.
— Viu só, Heitor? Satisfeito por ter desperdiçado nosso tempo? — Heisen dispensou Heitor com um gesto. — Agora, que tal ficar em silêncio para que possamos realmente avançar?
— Hahaha, ei, Heisen, não acha que está exagerando um pouco nesse seu tom professor? — Ozymandias riu, claramente se deleitando com o confronto.
— E eu não acho que zombar de uma investigação de assassinato seja apropriado, Majestade. — Heisen rebateu, com a voz carregada de sarcasmo.
Enquanto os dois trocavam farpas veladas, Blade Scarlune falou, sua voz neutra como sempre:
— Pensando bem... esta manhã, creio ter visto Asriel. Correndo pelos corredores da ala dos dormitórios. Perto da hora do ocorrido.
Um silêncio caiu sobre a sala enquanto todos os olhares se voltavam para Asriel. Dante franziu o cenho.
— Agora que você mencionou, Blade... lembro-me de tê-lo visto também. Ele parecia apressado, perto da área do quarto de Lorelei, pouco antes de eu mesmo seguir para a reunião.
— O-o quê? O que vocês estão insinuando? Eu só... eu estava procurando algo! — Asriel gaguejou, o suor começando a brilhar em sua testa. Ele parecia ser, de longe, o mais nervoso de todos agora.
— Ei, ei, pessoal, vamos nos acalmar! Acusações não nos levarão a lugar nenhum! — Love tentou intervir novamente, a angústia evidente em sua voz. Ele odiava ver a família se voltando uns contra os outros.
— Não tente bancar o santo, Love. — A voz de Akira foi áspera. — Você também não está livre de suspeitas. Foi o último a vê-los vivos, o primeiro a encontrar os corpos. Conveniente, não?
— E você tem moral para falar alguma coisa, Akira? — Kai retrucou com um sorriso de escárnio. — O "Chefe do Submundo" reclamando de conveniência em um assassinato? Hilário.
As acusações voavam, a desconfiança crescendo a cada palavra.
— Silêncio.
A palavra de Bishamon não foi alta, mas carregava um peso que fez todos se calarem imediatamente. Ela se levantou lentamente, seus olhos varrendo cada rosto na sala. Ninguém ousava encontrar seu olhar por muito tempo. Sua força era tamanha que todos ali sabiam: se Bishamon quisesse alguém morto, não precisaria de subterfúgios, de veneno ou de ataques pelas costas. Ela simplesmente o faria, aberta e diretamente. Sua presença gigantesca era uma garantia silenciosa de que ela não tinha envolvimento nesse tipo de ato.
— Chega de acusações vazias e brigas inúteis. — Sua voz era calma, mas ressoava com autoridade. — Estamos presos aqui. Um assassino está entre nós. Precisamos de fatos, não de histeria. Dante, Heisen, vocês investigaram a cena. Apresentem o que sabem. De forma clara.
Heisen assentiu brevemente, mas foi Dante quem deu um passo à frente, aceitando o pedido implícito de Bishamon. Ele respirou fundo, organizando os pensamentos. Hyori endireitou-se sutilmente, seus olhos fixos nele.
— Certo dessa vez tentem se manter quietos até eu acabar. — A voz de Dante era firme, mas também zombeteira. — Vamos recapitular o que vimos e o que podemos deduzir. O quarto estava trancado por fora, mas a análise de Belltrylis sugere que a entrada inicial foi consentida. Lorelei foi morta por uma única estocada de espada, com força e precisão tremendas, lançando-a contra a parede.
Ele olhou brevemente para Heisen, que assentiu em concordância, Seu rosto estava sereno, como se já tivesse previsto isso de Dante.
— sem luta. Isso reforça a ideia de confiança no agressor, como Heisen apontou.
Ele continuou, o olhar percorrendo a sala.
— O mordomo, no entanto, foi morto de forma diferente: um corte preciso na garganta, feito por uma lâmina menor. Ele estava perto da porta, sua postura sugeria que ele tentava avançar, talvez para atacar o assassino ou para fugir, mas foi interrompido. E aqui está o ponto crucial que Heisen também notou e que me intriga profundamente: o mordomo era um mestre elemental da água. No entanto, não havia nenhum vestígio de água no chão ao redor dele. Nenhuma poça, nenhuma umidade, nada. Em uma luta pela vida, ou mesmo em um susto, seria instintivo usar seus poderes. A ausência total de água é... antinatural.
Dante fez uma pausa, deixando a informação assentar.
— Isso sugere algo além de um simples ataque surpresa. Sugere que, por algum motivo, o mordomo foi incapaz de usar seus poderes naquele momento crítico…
Ele forçou a parada de suas falas, como se sentisse que ainda não era hora de falar algo, assim ele olhou para todos, um por um.
— Portanto, o que temos é: um assassino em quem Lorelei confiava o suficiente para baixar a guarda. Alguém com força ou habilidade para usar a espada daquela maneira devastadora. Alguém que possivelmente tinha uma segunda arma menor e mais ágil. E, o mais importante, alguém capaz de, de alguma forma, impedir o mordomo de usar seus poderes antes de matá-lo. A cena não foi um simples ato de fúria, foi calculada, o que prova a inteligência do Assassino.
Ele concluiu:
— Infelizmente ainda não posso dizer quem fez isso.
Um silêncio pesado seguiu a explicação de Dante. Alguns rostos mostravam compreensão, outros, ceticismo. Hyori o observava com uma admiração contida, quase estudando seus métodos, embora sua expressão permanecesse controlada. Heitor parecia ainda mais pálido. Ozymandias tinha um brilho de genuíno interesse nos olhos, como se a complexidade do "quebra-cabeça" o agradasse. Heisen deu um leve aceno de cabeça, um raro sinal de concordância.
O silêncio que se seguiu à análise de Dante era pesado, carregado de novas perguntas e de uma compreensão mais sombria da situação. Os olhares que antes se focaram puramente em Asriel agora se dividiam, alguns avaliando a lógica apresentada, outros tentando encaixar as peças nos rostos ao redor. A tensão era quase física.
— Então... o que fazemos agora? — A pergunta de Love pairou no ar, ecoando a incerteza de muitos.
Heisen foi o primeiro a quebrar o impasse, seus olhos varrendo a sala com uma intensidade fria e pragmática.
— Ficar aqui parados debatendo não nos trará o assassino. Dante nos deu um perfil, uma metodologia, mas precisamos de mais. Mais pistas, mais contexto. A mansão é vasta. Proponho que nos dividamos.
A sugestão fez alguns hesitarem.
— Dividir ? — Love franziu a testa, a preocupação marcava seu rosto. — Com um assassino habilidoso e desconhecido entre nós? Não seria mais seguro permanecermos juntos?
— Juntos somos um alvo único e previsível, Love. — Heisen rebateu, seu tom desprovido de emoção. — E lentos. A barreira nos mantém presos aqui, de qualquer forma. Dispersos, mas em grupos pequenos, aumentamos a chance de encontrar algo relevante antes que o assassino possa se organizar ou planejar o próximo passo. — Ele fez uma pausa quase imperceptível, um brilho calculista em seus olhos. — Além disso... — ele deixou escapar, quase como um pensamento sombrio verbalizado — ...se o nosso convidado for do tipo covarde demais para agir contra um grupo grande, nos dividir em três poderá ser uma isca mais interessante.
A frieza da última declaração chocou alguns, mas a lógica por trás era difícil de refutar. Love estremeceu, claramente desconfortável com a ideia, mas não argumentou mais.
— Ah, dividir os jogadores pelo tabuleiro? — Ozymandias sorriu, um brilho divertido em seus olhos. — Uma estratégia clássica! Torna o jogo mais... imprevisível. Aprovo. A estagnação é terrivelmente entediante.
Bishamon assentiu lentamente, sua autoridade silenciosa selando a decisão.
— Está decidido. Trios. Cobriremos a mansão sistematicamente. Encontrem algo, qualquer coisa fora do comum. Comuniquem-se se descobrirem algo crucial, mas evitem a movimentação desnecessária.
A formação dos grupos começou, não por comando direto, mas por uma gravitação tensa e quase instintiva. Havia 24 pessoas; oito trios exatos.
Heisen não esperou. — Anna, Belltrylis, comigo. Vamos começar pela biblioteca e ala leste. — Anna Lighthart, que normalmente estaria ao lado de Dante em situações como essa, moveu-se rapidamente para junto de Heisen, sem sequer olhar na direção de Dante. Belltrylis Ainsworth juntou-se a eles, seu rosto analítico já focado na tarefa.
Dante registrou a escolha de Anna com uma leve surpresa interna, mas não demonstrou. Quase imediatamente, Hyori Scarlune posicionou-se perto dele, seu olhar quieto encontrando o dele por um instante. Kai Scarlune aproximou-se com um sorriso cínico — Ala oeste. Quartos de hóspedes e salões menores.
Bishamon fez um gesto para Love se aproximar. — Você vem comigo, Love. E Beatrice, sua perspectiva externa pode ser útil. Verificaremos os andares superiores, começando pela área próxima ao quarto de Lorelei novamente.
Blade Scarlune, com sua calma perturbadora, simplesmente começou a andar na direção de Asriel, que recuou instintivamente. Aquiles Scarlune riu e se juntou a eles. — Opa, parece que formamos o grupo da diversão! Vou garantir que nosso amigo Asriel não... tropece em nada suspeito. — O trio seguiu para a área dos jardins internos e estufas, locais onde alguém poderia tentar esconder algo.
Ozymandias observou a formação dos outros grupos com um ar de diretor de elenco. Apontou com um dedo para Heitor, que ainda parecia abalado. — Você, o nervoso. E você, — ele indicou Akira Scarlune — o mestre das sombras. Comigo. Vamos explorar as catacumbas e adegas. Lugares escuros para segredos escuros. — Akira estalou a lingua, mas seguiu, Heitor relutantemente atrás.
Os restantes se agruparam mais rapidamente uma vez que eram empregados da mansão e tinham familiaridade entre si e sabiam trabalhar juntos:
Kalluto Gallagher, Nova Sengrard e Mikasa Loufen formaram um trio e Decidiram verificar a ala de serviços e a cozinha principal.
Baltimor Yormun, Lucis Kaiten e Ulter Amphored, juntaram-se para cobrir o térreo principal, incluindo salões de baile e salas de estar.
Por fim, Brighid Scarlune, a jovem Mary e a ainda assustada Alana Undergard formaram o último trio, encarregadas de verificar os aposentos dos criados e áreas de armazenamento menores.
Em questão de minutos, a grande sala esvaziou-se. O silêncio tenso foi substituído pelo som de passos se afastando em diferentes direções, cada trio levando consigo uma fração da suspeita e da incerteza, agora espalhadas pelos corredores e sombras da vasta mansão Scarlune. A caçada por pistas – e pelo assassino – havia recomeçado, agora de forma fragmentada e ainda mais perigosa.
Parte 4
Do lado de fora, Mio e Diane, que tinham passado o tempo se divertindo na água, caminhavam até a entrada da mansão.
— Vamos ver se o Dante já acordou — disse Diane, sacudindo o cabelo úmido.
— E eu vou aproveitar para arrastar a Bea pra fora também hehe — Mio Respondia.
Quando elas chegaram em frente à imponente porta da mansão, notaram Levy e Vivian paradas do lado de fora, com expressões sérias.
— O que aconteceu? — perguntou Mio, a animação sumindo de sua voz ao sentir a tensão no ar.
Em frente à porta, imóveis como estátuas, estavam dois spriggans, seus corpos nodosos e cobertos de musgo quase se misturando à pedra antiga da mansão.
— Nós fomos informados por Love que surgiram problemas internos — disse um dos spriggans.
— Ele instruiu que a mansão não deve ser aberta até que a barreira de contenção seja desfeita pelas empregadas. Até lá, ficaremos aqui vigiando.
Os dois falaram sem mostrar qualquer sinal de que sairiam ou se moveriam.
— Alguma coisa bem séria deve ter acontecido lá dentro — comentou Levy, franzido a testa em preocupação.
Antes que pudessem especular mais, uma figura apressada surgiu, desviando de uma bolha de sabão flutuante e quase tropeçando num pequeno construto geométrico que varria a rua. Era Yuri, a secretária de Levy, ligeiramente ofegante e com o rosto corado.
— Capitã — chamou ela, ajeitando os óculos no nariz. — Desculpe a interrupção, mas... algo estranho está acontecendo na cidade.
Yuri hesitou, como se não quisesse alarmar sem provas concretas. — Pode ser só impressão, fofoca de rua, mas... ouvi múltiplos relatos de pessoas comentando sobre desaparecimentos. Coisa pequena, um conhecido que não apareceu pro trabalho, alguém que sumiu depois de sair à noite... nada confirmado, mas os rumores estão se espalhando rápido demais para ser normal.
Levy absorveu a informação, seu olhar tornando-se ainda mais focado. A situação na mansão já era preocupante; agora, algo estava acontecendo ao mesmo tempo na cidade. O instinto de levy assumiu o controle.
— Certo. Não podemos ignorar isso, mesmo com o problema na mansão. Yuri, preciso que você fique aqui. Se mais algum Scarlune chegar, explique a situação da mansão e os direcione para um dos hotéis próximos. Diga que a família cobrirá as despesas, se necessário. Mantenha a calma e evite pânico.
Yuri assentiu imediatamente. — Entendido.
Levy virou-se para as outras garotas.
— Nós vamos investigar esses rumores. Mio, você vai com a Diane. Vivian, você vem comigo. Vamos nos separar e cobrir mais terreno. Perguntem discretamente por aí, vejam se ouvem algo sobre pessoas sumidas ou qualquer coisa fora do comum, e mantenham contato.
Mio assentiu, tentando parecer responsável na frente de Levy, embora por dentro estivesse um pouco alegre com a perspectiva de que poderia estar acontecendo alguma coisa divertida. Diane deu um soquinho animado no ar como se dissesse “Bora la”, E Vivian apenas deu um sorriso que não alcançou seus olhos, parecendo mais entediada do que preocupada, mas concordou.
— Vamos começar pela área comercial perto da estação — decidiu Levy, já se movendo. Um mau pressentimento incômodo formigava em sua nuca, uma sensação que ela raramente ignorava.
Enquanto as duplas se separavam, a cidade de Threshold continuava seu ritmo vibrante e surreal. Gigantes passavam silenciosamente, carruagens puxadas por fadas-cavalo trafegavam pelas avenidas transparentes sobre os rios, e o ar permanecia perfumado e carregado de energia. As pessoas continuavam suas vidas, rindo, conversando, fazendo compras em lojas que pareciam esculpidas em cristal ou cultivadas a partir de árvores imensas. Apesar dos rumores sussurrados, a superfície da cidade era de uma alegria quase despreocupada.
Levy e Vivian começaram a perguntar em cafés e pequenas lojas. A maioria das pessoas encolhia os ombros, mencionando ter ouvido algo vago, mas descartando como fofoca. "Ah, sim, a vizinha da minha prima disse que...", "Ouvi dizer que Fulano sumiu, mas ele sempre foi meio irresponsável...". Nada concreto. Foi quando abordaram uma senhora idosa, com orelhas levemente pontudas e pele pálida, que vendia flores flutuantes em uma esquina perto do Parque Norte.
— Desaparecimentos, minhas queridas? — disse ela, a voz suave como seda. — Não ouvi nada muito sério. Mas... sabe o que achei estranho? Aquele caminhão de sorvete novo que apareceu lá no Parque Norte, perto do Mirante dos Amantes. Nunca o tinha visto antes, e ele tem uma música... um pouco diferente. Meio... hipnótica. Estava lá ontem e hoje de novo.
Levy agradeceu a informação, trocando um olhar com Vivian. Um veículo desconhecido, aparecendo repetidamente em um local específico, justo quando rumores de desaparecimentos surgem? Era uma pista.
— Vamos verificar esse parque — decidiu Levy.
Enquanto isso, Mio e Diane exploravam uma área diferente, mais próxima de um dos rios que cortavam a cidade, onde gigantescas rodas d'água giravam lentamente. Diane estava fascinada por um grupo de robôs que pareciam estar dançando sobre a água, enquanto Mio tentava manter o foco.
— Diane, presta atenção! Temos que procurar por coisas estranhas! — repreendeu Mio, tentando soar como Levy.“Se algo grande acontecer e eu resolver antes da capitã com certeza vou ganhar um adicional”
— Mas olha aquilo, Mio! aquela fada gigante será que também é um Scarlune ?
— Não era você quem deveria me responder isso ?
Foi então que Diane, apesar da distração, parou subitamente.
— Mio... você está sentindo isso?
Mio concentrou-se, tentando filtrar a mistura de ether da cidade. E então percebeu. Um rastro tênue, mas distinto, de éter. Mas não era o éter limpo e vibrante das fadas ou dos construtos da cidade. Era... distorcido. Levemente nauseante, como algo fora de sintonia.
— Sim... — sussurrou Mio. — De onde está vindo?
Diane apontou para baixo, em direção às grades que cobriam os canais subterrâneos que corriam sob a rua. — Parece vir... debaixo da cidade. É fraco, mas está lá. E é... esquisito.
No exato momento em que Diane apontava, um som completamente inesperado começou a ecoar pelas ruas. Uma música alta, festiva e estridente, diferente de tudo que ouviram até então, explodiu de algum lugar próximo. Antes que pudessem entender o que estava acontecendo, a rua à frente delas foi tomada por um desfile caótico e vibrante. Carros alegóricos bizarros surgiram, rodeados por figuras fantasiadas dançando freneticamente. Confetes e serpentinas choveram do céu, e o som aumentou, uma mistura de fanfarra, batidas eletrônicas e risadas amplificadas.
A população da cidade, pega de surpresa, pareceu mergulhar instantaneamente na celebração. Gritos de alegria, aplausos e danças espontâneas tomaram conta das ruas. Fogos de artifício começaram a explodir no céu nublado, pintando-o com cores vibrantes apesar da luz do dia – um espetáculo deslumbrante e ensurdecedor. A cidade inteira parecia ter sido subitamente engolida por um festival improvisado e avassalador.
No meio da cacofonia crescente, enquanto Levy e Vivian também eram surpreendidas pela erupção festiva que bloqueia seu caminho para o parque, Vivian franziu o cenho, não de alegria, mas de suspeita. Ela puxou o braço de Levy.
— Levy — disse ela, quase gritando para ser ouvida sobre a música. — Não havia nenhum festival programado para hoje. Nenhum desfile. Isso surgiu do nada.
Seu olhar percorreu a multidão exultante. Ninguém mais parecia achar estranho. Estavam todos hipnotizados pela folia, pela música alta, pelas luzes. Mergulhados na diversão inesperada, alheios a qualquer coisa que não fosse o espetáculo.
— Tem algo muito errado aqui — murmurou Vivian, mais para si mesma, seus olhos brilhando com uma mistura de irritação e um interesse sádico pelo caos que se desenrolava.
Bem no centro da explosão festiva, em um palco improvisado que parecia ter surgido do nada, a figura misteriosa, com seus cabelos bicolores e chapéu adornado, comandava o espetáculo. A cada gesto, a música aumentava, os fogos de artifício explodiam em padrões mais intrincados, e a multidão se entregava ainda mais à folia. Ela realizava truques de magia que desafiavam a lógica, tirando pombas de éter puro de seu chapéu, fazendo construtos dançarinos aparecerem e desaparecerem em um piscar de olhos, e até mesmo alterando as cores das chamas verdes dos postes, transformando-as em um caleidoscópio hipnotizante.
Seu charme era magnético, sua voz, amplificada por algum tipo de magia, prendia a atenção de todos. Seus movimentos eram graciosos e enigmáticos, ora sedutores, ora ameaçadores, como se estivesse brincando com um brinquedo perigoso. Seu público estava em êxtase, cada olhar fixo nela, cada palavra sua absorvida como um decreto divino.
— Senhoras e Senhores! — exclamou ela, um sorriso dançando em seus lábios, enquanto raios de luz distorcida emanava de suas mãos. — Este é apenas o começo! Nosso festival... nossa celebração... mal começou a revelar suas verdadeiras cores, por isso preparem-se meus amados, pois eu prometo que até o final toda Threshold, se curvará frente à nossa... diversão.
Ela fez uma pausa dramática, seus olhos brilhando com uma intensidade quase sobrenatural por trás da máscara de raposa que segurava em uma mão.
Enquanto ela desaparecia como se fosse mais uma ilusão sua risada, alta e melodiosa, se misturou ao estrondo dos fogos de artifício e à música frenética, selando o destino da cidade em um espetáculo que parecia não ter limites. A multidão, completamente cativada, gritou em resposta, ansiando por mais diversão.
Parte 4
Passado algum tempo, enquanto Mio e Diane investigavam o subterrâneo da cidade – um local que Diane conhecia bastante, pois vivia se aventurando por lá –, algo ainda a incomodava. Um sentimento estranho, um questionamento sobre por que alguém estaria ali, sabendo que facilmente chamaria a atenção de quem passasse. Talvez essa pessoa achasse que o festival atrapalharia a sua localização. Foi então que elas chegaram até uma área aberta e escura dentro das passagens. Algumas pessoas caminhavam por lá, com o olhar meio vazio e em um ritmo lento.
— O que você acha? — Mio perguntou.
— Acho melhor segui-las. A energia vem da mesma direção para a qual elas estão caminhando — respondeu Diane.
De repente, alguém as puxou pela mão, fazendo com que começassem a se desesperar, achando que tinham sido encontradas, quando uma voz as acalmou:
— Acalmem-se, vocês duas! Assim vão ser encontradas.
A dona da voz era uma elfa negra, bela, de olhos vermelhos e cabelo meio loiro platinado.
— Amarylis, é você? Quer me matar do coração, caramba! — Diane falou, respirando pesadamente.
— Eu poderia dizer o mesmo de vocês, aparecendo assim do nada no meio da minha investigação.
— Investigação? — Mio perguntou.
— Já faz um tempo que algumas pessoas andam se comportando de forma suspeita. Resolvi investigar por conta própria quando descobri que algumas estavam andando por aqui — relatou Amarylis.
— Espere, mas por que você não reportou isso para os Scarlune? — indagou Diane, enquanto continuava observando ao redor.
— Qual é… — Amarylis começou, dando um pequeno suspiro enquanto uma gota de água caía de uma estalactite no teto. — Não faria qualquer diferença. Não é como se algo assim fosse preocupar os Scarlune, ainda mais enquanto todos estavam ocupados com a eleição.
Diane não conseguia negar. O que Amarylis falava era um péssimo, mas verdadeiro, costume dos Scarlune. Mesmo supostamente sendo os líderes desta cidade, pouco se viam suas ações por aqui. Por isso, várias organizações, como a força policial da qual Amarylis fazia parte, foram montadas para resolver os problemas da cidade sem a intervenção deles.
— Se pelo menos um líder tivesse sido escolhido, as coisas teriam sido mais rápidas — comentou Diane.
— Na verdade, é exatamente isso que eu penso, Diane.
— Quê?
— Eu estava pensando há algum tempo... Mas as pessoas começaram a se mover de forma suspeita desde a primeira eleição, que acabou sem resultado, e desde então a situação veio piorando. Mas eu nunca consegui provar nada, mesmo indagando aqueles que agiram de forma suspeita. Eu tinha certeza de que se os Scarlune se envolvessem, as coisas poderiam ter sido resolvidas mais rapidamente, mas por conta do atraso da eleição, isso não aconteceu.
Mio e Diane começaram a acompanhar o raciocínio dela, entendendo aonde ela queria chegar. Assim, mudaram seus olhares para um tom mais sério, sabendo que o que Amarylis estava falando não era nem um pouco brincadeira ou algo leviano. Muitos perderiam a vida só por insinuar tal coisa.
— Tem certeza que esse atraso nas eleições realmente é só por ‘coincidência’?
Estava escrito nas entrelinhas daquelas palavras, mas mesmo tendo certeza, Amarylis ainda não teve coragem de verbalizar. Elas não queriam considerar esse cenário, mas ainda assim era uma hipótese válida. De repente, escutaram uma voz vinda de mais adiante no túnel:
— Pai, por favor! Você já está mal das costas, não pode sair andando assim…
Uma jovem garota tentava puxar o pai pela camisa para levá-lo embora, mas o homem continuava caminhando, ignorando-a. De repente, ele começou a ser puxado novamente e, irritado, virou-se e bateu na garota, derrubando-a.
— Não me atrapalhe.
Foi tudo que o homem disse antes de voltar a caminhar. A garota, com a bochecha vermelha, levantou-se com lágrimas nos olhos, mas continuou indo em frente, como se fosse segui-lo. De repente, Diane saltou em sua direção, segurando-a e escondendo-a. Na hora, Mio e Amarylis sentiram um frio na espinha, percebendo que por pouco não foram encontradas. Assim, caminharam até Diane.
— Mas que ideia é essa? Ficou louca? — perguntou Mio.
— Eu disse para não fazerem nada! — falou Amarylis.
— Eu sei, mas essa garota, a Koala, ela…
De repente, a garota, sendo abraçada com força por Diane, mordeu a mão dela que tampava sua boca.
— Ei! Que ideia é essa, Koala? — falou Diane.
— Eu é que digo isso! Por que está me atrapalhando, Diane? Eu preciso ajudar meu pai!
— Calma! Se você for, pode acabar em perigo! — alertou Diane, enquanto Amarylis observava o fundo do corredor, vendo que havia alguma espécie de sala no fundo, iluminada por uma luz alaranjada, como a de uma chama.
— Está tudo bem. Poderemos ajudar você e seu pai, e te levar até ele, se você contar tudo que sabe — Amarylis falou, olhando para a garota baixa de cabelos rosas e maria-chiquinha. A mesma ainda parecia desconfiada, mas acreditava em Diane, por isso resolveu contar.
— Eu também não sei muito bem, mas há alguns dias meu pai anda agindo de maneira estranha. Sempre que dá essa hora da tarde, ele sai de casa caminhando junto de outras pessoas e sempre vem para este local. Ele volta coberto de terra e esgotado. Uma vez, até veio machucado e com as mãos cheias de calos. Ele já não tem uma resistência física tão alta, e as fadas que o examinam sempre dizem para ele evitar se esforçar, mas ele nunca escuta. Sempre que vem para cá, acaba exagerando.
— Entendi. Isso casa bastante com o que eu descobri… — respondeu Amarylis, ao terminar de ouvir.
— O que vamos fazer agora? — Mio questionou, mas pensou: “Se ela disser que é melhor voltarmos e relatarmos, eu vou atrás daquelas pessoas mesmo que seja sozinha. Até parece que vou perder uma pista quente como essa!”
— Vamos em frente. Acho que já está na hora de pôr isso a limpo — falou Amarylis.
— Isso! Let’s go! — Mio falou animada, enquanto Diane e Koala caminhavam meio cabisbaixas.
O túnel era profundo e, de certa forma, novo. Diane disse que nunca havia passado por aquele túnel quando brincava durante a infância, e Amarylis falou que também nunca tinha visto aquele túnel em particular nas plantas do subterrâneo.
— Isso é porque este lugar foi feito recentemente, diferente dos túneis anteriores — falou Mio, enquanto colocava a mão na parede.
— O que você quer dizer com ‘recentemente’? — perguntou Diane, encarando-a.
— Não dou mais do que um ano para estas paredes. Elas foram feitas há pouco tempo, e não parece que foi por especialistas nem nada. Fizeram de um jeito bem amador, só cavando e pronto, mesmo correndo o risco de desabar sobre suas cabeças.
— Como você consegue dizer isso? — Amarylis falou, também pondo a mão na parede.
— É por causa da minha habilidade.
— Entendi... — Amarylis terminou a conversa, murmurando para si mesma, antes de as quatro ficarem completamente em silêncio, entrando assim na sala ao fundo e se escondendo atrás de algumas estalagmites da caverna, também feita recentemente. Lá dentro, o ambiente era úmido, iluminado por chamas de velas. Várias pessoas estavam curvadas frente a um homem relativamente jovem, de cabelos pretos, mas que passava uma sensação estranha, como a de um padre ou profeta. Os que não estavam ajoelhados frente a ele trabalhavam na caverna, ampliando-a e tirando os últimos destroços de frente de uma enorme porta de metal reforçado.
“Mas que porcaria é aquela?”
A porta de tamanho titânico era assombrosa. Mio não conseguia parar de pensar por que algo assim havia sido feito ali. Enquanto isso, Diane suava frio, nervosa, começando a tremer. Amarylis notou e queria perguntar o que havia acontecido, mas sabia que não podia; um mísero cochicho poderia acabar entregando a posição delas. Foi quando, de repente, Koala avistou seu pai e começou a se levantar, pisando e quebrando uma pedra no chão, cujo som ressoou aos ouvidos do homem à frente de todos.
— Oh, parece que temos um convidado inesperado.
No momento em que ele falou, Amarylis puxou Koala para junto de si, imobilizando-a e fechando sua boca. As três começaram a suar frio e a ficar em completo silêncio, esforçando-se até para não respirar.
— Parece que nosso camundongo é bom em esconde-esconde… Bom, vejamos… Atenção todos! Se vocês sabem sobre alguém que possa tê-los seguido até aqui, levantem a mão.
De repente, o pai de Koala levantou a mão, e o homem o chamou para perto.
— Pois bem, pode falar.
— Minha filha ficou preocupada com o problema nas minhas costas e me seguiu até aqui.
— Entendi... Que problemão, hein? E, caramba, problema nas costas deve ser um saco, ainda mais com você trabalhando na construção desta caverna e tal, levando pedras e minerando... Putz, deve ter doído.
O homem falava como se realmente se importasse, de tal forma que podia até convencer. Ainda assim, sua expressão mostrava um total desinteresse real naquilo, como se não desse a mínima para o homem ou seus problemas.
— É realmente uma pena. Se ela tivesse aguentado só mais um dia, não teria mais que se preocupar. Mas agora que ela viu coisas demais, não tem jeito, sabe como é.
Assim, o homem caminhou até uma cadeira, pegou seu chá e bebeu, enquanto observava ao redor. De repente, o pai de Koala começou a tossir e cuspir sangue de forma violenta. A garota, vendo aquilo, tentou usar a força para ir até seu pai, chorando.
“Calma! Você não pode sair agora! É justamente isso que ele quer! Se você sair, vai estar tudo acabado!” — Amarylis sussurrou, segurando-a com força.
— Nossa! Achei que a essa altura você já teria saído. Bom, já que não saiu, que tal eu explicar o que está acontecendo com o seu pai, já que ele parece meio indisposto? Hahaha!
O homem falava rindo, com total desinteresse na agonia ou sofrimento que estava fazendo a garota e seu pai passarem. Koala ainda tentava se soltar, usando toda sua força, enquanto as lágrimas não paravam de sair.
— Neste momento, estou usando uma magia para derreter os órgãos internos do seu pai, transformando órgãos, tripas e tudo mais em uma grande sopa quente. Eu acho que ele morre antes de a sopa estar pronta, sabe como é. Mas e você? Não quer sair e me dizer o que acha?
Ele falou, tomando mais uma xícara de chá, enquanto o pai de Koala caía no chão, vomitando muito sangue e outras coisas em volta de si mesmo.
A garota tentava forçar um grito, mas Amarylis continuava fechando sua boca.
“Me desculpe... me desculpe... mas você precisa aguentar... Você precisa aguentar, senão você também vai...” — Amarylis deixou lágrimas caírem enquanto segurava a garota.
Diane e Mio queriam muito ir até ele e socá-lo na cara. As duas estavam furiosas, mas sentiam que se fizessem isso abertamente, enquanto ele estava prestando atenção em tudo, elas só iriam para morrer.
“Droga! E que merda é essa? Nunca ouvi falar de uma magia que permitisse fazer algo assim!” — Mio pensou, fechando o punho com tanta força que sangrava.
— Por essa eu não esperava! Vai realmente deixar seu pai aqui para morrer sem me falar nada, tipo: ‘eu te odeio’, ‘eu vou te matar’ e tudo mais? Seu amor pelo seu pai era tão raso? Que piada! Parece que nem o amor paternal era real, no fim das contas.
De repente, o corpo do pai de Koala parou de convulsionar.
— Bom, acho que é isso. Ele morreu. Fazer o quê?
Assim, ele se levantou, deixando a xícara de chá na cadeira.
— Pois bem, comecem! — ele falou.
De repente, as pessoas ajoelhadas começaram a cantar duas canções: metade cantarolava um feitiço que, de repente, ergueu uma barreira na caverna, e a outra metade entoava algo que os fazia ficar indetectáveis. A cena era horripilante. Olhando de relance, Diane conseguia ver aquilo: pessoas ajoelhadas, cantando ou orando frente a um homem sinistro vestido de preto, em frente a um cadáver encharcado de sangue. A cena parecia uma missa negra perturbadora. Assim, o homem se comunicou por uma lácrima de comunicação:
— Está tudo feito, Ceto. Agora só preciso que ele abra a porta.
— Ei, seu idiota! Rasputin, o que é esse sangue no chão?
— Ah, uma brincadeira nova.
— Droga! Você realmente não pode agir sozinho.
— Bom, a minha parceira resolveu sair sozinha para brincar também.
— Você e a novata fazem uma péssima combinação. Vou ter que pedir para o Niklaus fazer uma mudança. Não dá para eu ficar prestando atenção em você toda missão.
— Acho que você vai ter que fazer parceria comigo então, Ceto!
— Prefiro evitar.
— Mas então, teve notícias dele?
— Sim. O plano parece estar caminhando como deve. Ele já conseguiu criar uma distração boa o suficiente para impedir o Rei e a Rainha de saírem do castelo. Agora, tudo que falta é achar um momento em que consiga ficar sozinho para abrir as portas.
— Bom, ficarei na espera. Tenho alguns brinquedos interessantes para brincar, de qualquer forma.
— Nem pense em matar mais ninguém! Eu não posso me teleportar até aí para levar mais pessoas, já esqueceu? E se o número diminuir muito, não conseguiremos continuar o ritual de ocultação. E assim, mesmo com a novata os distraindo, com certeza os Scarlune vão encontrar você. Não esqueça que a Levy está por aí. Mesmo não sendo tão problemática quanto a Rainha, um cavalo esperto pode facilmente vencer o jogo de xadrez.
— Tudo bem, tudo bem, já entendi. Não farei nada por enquanto, sendo assim.
Assim, eles desligaram a comunicação, e o homem voltou a sentar, tomando seu chá e esperando, como se fosse apenas mais um dia normal.
“Droga... Droga! Não pode ser! Amarylis tinha razão! Droga, como eu não percebi? Agora tudo faz sentido... Somente um Scarlune conheceria bem os corredores destas passagens subterrâneas para saber a localização desta porta... e o único que pode abri-la é um Scarlune... Embora haja uma maldição que impeça que nós possamos entrar... Se for o que eu estou imaginando, as pessoas da mansão estão em problemas sérios e nem imaginam... Droga! Dante, você precisa descobrir antes que seja tarde demais...!” — Diane pensou, mordendo o polegar com força, sentindo que as coisas ainda iriam piorar.
Parte 5
No parque afastado da cidade, próximo ao Mirante dos Amantes, Levy e Vivian vasculharam o local, envolta do caminhão de sorvete relatado pela senhora mais cedo, mas agora, sob a luz que começava a falhar, não encontraram nada incomum por ali. O veículo continuava estacionado, silencioso e estranhamente imóvel.
— Será que deveríamos mesmo ter dado ouvidos àquela velha? — Vivian comentou, a voz carregada de impaciência. Ainda estava incomodada por não terem investigado o desfile ambulante que passaram mais cedo.
— Não. Ela não parecia estar mentindo. — Levy respondeu, os olhos atentos varrendo a área. — Se ela sentiu algo estranho vindo daqui, vale a pena investigar. A intuição dela pode ter captado algo que nós não percebemos.
— Só espero que não estejamos perdendo nosso tempo... — Vivian suspirou. — Falando nisso, as outras duas ainda não tentaram entrar em contato?
— Não. Silêncio total. — Levy confirmou.
Continuaram a investigação por mais algum tempo, que pareceu se arrastar por horas sob a crescente escuridão, mas sem sucesso. Quando a esperança começava a crescer e a frustração começava a pesar, notaram algo que antes lhes escapara despercebido: ninguém, absolutamente ninguém, havia vindo retirar o caminhão de sorvete. Era como se tivesse sido abandonado ali. Perceberam também que a velha senhora talvez tivesse razão: aquele veículo tinha uma aura estranha, diferente dos caminhões coloridos e barulhentos que normalmente circulam pela cidade. Este era silencioso, quase sombrio.
Assim elas se aproximaram com cautela. Bateram na porta lateral, o som ecoando um pouco alto demais no silêncio do parque. Mas ninguém respondeu. Assim elas trocaram um olhar e, sem precisar de palavras, decidiram arrombar. Com um esforço combinado e um estalo metálico, a porta cedeu.
Ao conseguirem abri-la, recuaram instintivamente. Depararam-se com uma cena perturbadora: no interior escuro e com um leve cheiro adocicado e metálico misturado, os corpos de um casal de jovens jaziam sobre o piso frio do caminhão, claramente mortos. O sangue formava pequenas poças escuras ao redor deles.
— Mas que porcaria é essa?! — Vivian exclamou.
Levy aproximou-se um passo, os olhos fixos no rosto pálido do rapaz. — Esse garoto… ele… É o Bryan Scarlune.
— O quê? Espera aí... um Scarlune? — Vivian arregalou os olhos.
— A situação acabou de piorar drasticamente. Precisamos achar um jeito de avisar a todos, agora!
Enquanto Levy falava, a urgência clara em sua voz, uma outra voz, divertida e um pouco debochada, soou acima delas, vinda do teto do caminhão:
— 'Tá vendo? Foi por isso que eu disse para eles esconderem os corpos em um lugar melhor...
Elas então levantaram a cabeça e viram a figura que as observava: uma garota de cabelos bicolores (metade branco, metade preto), orelhas pontudas de raposa saindo por entre os fios, e vestida com roupas vermelhas complexas, adornadas com engrenagens e peças mecânicas que tilintavam suavemente. Ela carregava uma máscara de raposa estilizada sobre a cabeça, como um adorno.
— Quem é você? — Levy perguntou, a voz baixa e perigosa, fitando-a com um olhar sério e furioso. — Por acaso é a dona deste caminhão e... responsável por isso?
A garota sorriu, um sorriso afiado. — E se eu for? O que vão fazer a resp...
Antes que ela pudesse terminar a frase, num piscar de olhos, Levy explodiu em movimento. Impulsionada por chamas que irromperam de sua perna direita, ela surgiu atrás da garota-raposa no teto do caminhão. O chute flamejante acertou a cabeça da figura misteriosa com força total.
— Então desapareça! — Levy gritou.
Chamas violentas lamberam e consumiram a parte superior do caminhão enquanto a cabeça da garota voava pelo ar, separada do corpo. Levy aterrissou agilmente de volta ao chão, ao lado de Vivian, ambas observando atentamente enquanto o corpo decapitado tombou pesadamente sobre o teto metálico.
— 'Tá... — Vivian começou, incrédula com a rapidez da ação, mas logo recuperando a compostura. — Até parece que a gente vai cair numa armadilha tão óbvia assim. Foi fácil demais.
— Isso lá é jeito de falar, depois de terem arrancado a minha cabeça de forma tão rude? — A mesma voz zombeteira soou, agora atrás delas.
Viraram-se bruscamente. Ali estava a garota-raposa, completamente ilesa, apoiada na lateral do caminhão com um sorriso divertido, enquanto o corpo sem cabeça permanecia caído no teto, alguns metros acima e à frente.
— O que você acha? Ilusão ou multiplicação? — Vivian perguntou a Levy em voz baixa, sem tirar os olhos da adversária.
— Ainda é cedo para dizer. Trate como se fossem as duas coisas até conseguirmos confirmar. Fique atenta. — Levy respondeu no mesmo tom, já em postura de combate.
— Oh, você é realmente boa. — A garota-raposa elogiou, batendo palmas. — É uma ótima dica para uma batalha contra alguém como eu. Deve ser experiente... Talvez seja a famosa Levy de quem ouvi falar?
— Nós nos conhecemos? — Levy estreitou os olhos.
— Nós? Não diretamente. — A garota balançou a cabeça. — Mas ouvi dizer que você causou alguns probleminhas para o meu senpai.
O clima ficou pesado, carregado de uma tensão quase elétrica. Era palpável no ar, mesmo que nenhuma delas se movesse um centímetro. Embora parecessem estar apenas conversando, a hostilidade era tão densa que poderia ser cortada com uma faca.
— Se vocês saírem daqui agora, sabendo demais como sabem, vão acabar atrapalhando os planos... — A garota suspirou dramaticamente, seu sorriso desaparecendo e dando lugar a uma expressão mais séria. — Acho que não tem jeito. Vou ter que derrotá-las aqui mesmo.
— Ah? — Vivian retrucou, um sorriso desafiador surgindo em seus lábios. — Acha que consegue vencer nós duas tão fácil assim?.
— Sim. — A garota respondeu com simplicidade assustadora. — Eu posso.
Então, ela levantou a mão direita, formando um gesto intrincado que lembrava a silhueta de uma cabeça de raposa. Seus olhos, vermelhos penetrantes, fixaram-se nelas, e ela pronunciou uma única e ressonante palavra:
— Kon.
Foi só o que ela fez. No instante seguinte, a visão, os sentidos, a própria percepção da realidade de Vivian e Levy começou a se alterar, a se fragmentar. Sentiram o chão desaparecer sob seus pés, como se estivessem caindo vertiginosamente em meio a um caleidoscópio infinito de cores vibrantes, formas distorcidas e ecos desconexos.
"Droga! Não pode ser..." Vivian pensou em pânico, enquanto a vertigem a dominava. "Não me diga que aquela garota nos mergulhou numa black box sem nem precisar de um encantamento complexo, apenas com uma única palavra e um gesto?!"
Tudo ao seu redor se distorcia e se refazia caoticamente. Sua mente parecia se desprender, flutuando num delírio entorpecente. Sentia-se sendo agitada, contorcida, sua consciência fragmentando-se. A percepção viajava, quebrava-se em mil pedaços, até que a realidade familiar se dissolveu completamente num turbilhão surreal, onde o impossível tomava forma.
De repente, a queda cessou. Vivian 'acordou' ofegante, não mais no parque, mas em passagens subterrâneas escuras, úmidas e labirínticas. O ar era pesado e cheirava a mofo e terra molhada.
— Droga! O que aquela maldita fez comigo? Onde estou? Quanto tempo se passou…? — murmurou, olhando ao redor, desnorteada. A imagem da garota-raposa e sua palavra ecoavam em sua mente.
"Não! Nem pensar que vou deixar ela me vencer assim!"
Com um grito de raiva e determinação, Vivian invocou sua arma – a enorme tesoura mágica – e começou a correr pelos corredores escuros, buscando desesperadamente uma saída daquele pesadelo mental.
— Eu não vou perder de novo! Não aqui!
Ela correu por um tempo que não soube medir, até que, de repente, um arrepio percorreu sua espinha, a fazendo parar instintivamente, com o coração martelando contra as costelas, e saltou para trás. Ficando imóvel, o corpo rígido de tensão e um medo primordial que começava a sufocá-la.
"O que foi isso…? Quem está aí?"
Assim ela ouviu passos lentos, mas inexoráveis, ecoando pelo corredor à frente, aproximando-se com um éter dourado, que começou a emanar da misteriosa figura, se expandindo.
— O quê…? Não… não pode ser… — Vivian gaguejou, com os olhos arregalados de terror.
Emergindo da escuridão, a figura que assombrava seus piores pesadelos surgiu: a 'Mulher' que havia nascido no labirinto, O Avatar do Astreus da Vida. Ela caminhava calmamente em sua direção, seus olhos vazios fixos nela.
Vivian suou frio, completamente paralisada. Sua mente gritava para ela fugir, lutar, fazer alguma coisa, mas seu corpo não obedecia.
“Ainda não fiz os preparativos para lutar contra ela de novo… não estou pronta…”
Não, ela estava apenas se enganando. Ela Não se movia porque estava apavorada, petrificada pelo mesmo terror abjeto que sentira antes. Foi aquela mulher quem quase a matou, quem a fez sentir o medo visceral de um destino pior que a própria morte. Ela não queria sentir aquilo de novo, não queria reviver aquele horror.
O medo a dominou completamente. A mulher, indiferente ao seu pânico palpável, continuou caminhando até parar a poucos metros dela. E então, como da última vez, sinistras flores negras começaram a brotar do chão e do ar ao redor, envolvendo o corpo paralisado de Vivian, suas pétalas escuras exalando uma aura de decadência.
"Droga… de novo não… eu vou… morrer…", foi seu último pensamento consciente enquanto sentia seu corpo começando a se quebrar, a se fragmentar lentamente sob o toque profano das flores.
Do lado de fora, na realidade fria do parque, a garota-raposa observava Levy e Vivian. Ambas estavam ajoelhadas no chão de terra batida, imóveis como estátuas, os olhos abertos, mas vazios, perdidas nos pesadelos individuais que ela havia criado para elas.
— Hmmm, parece que já acabou… Foi mais rápido do que eu esperava. — murmurou para si mesma, um pouco desapontada.
Foi quando percebeu Levy murmurando algo quase inaudível. Curiosa, a garota-raposa inclinou-se, aproximando suas orelhas pontudas para ouvir melhor:
— Kaiser… me perdoa… eu sinto muito… me perdoa, Kaiser…
A garota achou aquilo interessante. A famosa e temida Levy, conhecida por sua força, estava presa em algum remorso profundo. Usando novamente o sinal de mão de raposa, ela concentrou-se e espiou dentro da mente de Levy, visualizando o cenário de seu pesadelo.
Viu Levy num terreno baldio e poeirento, reconhecível como os fundos do Colégio de Babylon. Ela estava ajoelhada na terra, segurando o corpo ensanguentado e sem vida de um rapaz. com lágrimas silenciosas que escorriam pelo rosto de Levy enquanto ela implorava perdão ao cadáver frio em seus braços.
— Entendi. — A garota-raposa disse suavemente, retirando-se da mente de Levy. — Parece que a 'garota indestrutível' não é tão inabalável assim... Todos temos nossos fantasmas, não é? Bom, de qualquer forma, agora que estão neutralizadas...
De repente, a perspectiva pareceu mudar, como se a câmera focasse em outro lugar. A mesma garota-raposa – ou talvez outra instância dela – estava agora de volta ao coração da cidade, bem no meio do festival vibrante, sobre um pequeno palco improvisado, aparentemente se apresentando ou interagindo com a multidão animada. E então, com um sorriso radiante e um olhar cintilante para a plateia, como se completasse a frase de sua outra 'eu' que ainda observava as garotas caídas no parque, ela exclamou para todos ouvirem:
— O show pode continuar!
Parte 6
Nos céus rarefeitos, muito acima das nuvens, uma ave titânica rasgava a imensidão azul em velocidade espantosa, sua trajetória apontando diretamente para o coração de Nocturia. Suas asas colossais batiam com força rítmica, impelindo-a adiante, indiferente ao perigo mortal do Abismo que se estendia como uma ferida aberta no continente abaixo – um cemitério aéreo que habitualmente reclamava qualquer coisa tola o suficiente para sobrevoá-lo.
Na proa da criatura alada, postada contra o vento cortante que açoitava suas vestes escuras, estava Hilda. Seus olhos, de um cinza profundo como aço polido, mantinham-se fixos no horizonte distante, carregando uma calma resoluta que parecia absorver a própria turbulência do voo. Havia uma autoridade silenciosa em sua postura ereta, a serenidade de quem compreende perfeitamente a própria força.
Atrás dela, mais abrigados do vento, dois homens observavam.
— O que acha, Razor? — comentou o primeiro, um homem de feições esguias, cabelos grisalhos desalinhados escapando sob óculos de aviação que lhe protegiam os olhos. Um sorriso rápido passou por seus lábios. — Será que eles ficarão surpresos em nos ver chegando tão cedo? A festa mal deve ter começado.
— Eu não sei. Mas a Chefe deve ter suas razões para querer acelerar as coisas e acabar logo com isso. — respondeu Razor, sua voz um baixo profundo que combinava com seu porte físico avantajado e músculos definidos. Seus próprios óculos escuros refletiam o céu veloz que passava..
O homem de cabelos grisalhos voltou seu olhar para a líder e depois para a mancha escura que crescia no horizonte. — Chefe Hilda, lembre-se de nos avisar o momento exato de saltar. Um erro de cálculo aqui em cima... e as coisas podem ficar bem complicadas lá embaixo.
Hilda não se virou, mas um leve aceno de cabeça indicou que ouvira. Seus olhos não se desviaram da silhueta escura e imponente de Threshold, que começava a se delinear contra o céu, emergindo das brumas como um desafio esperando para ser confrontado. A chegada deles seria, sem dúvida, um evento inesperado.



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