The Fall of the Stars : Capítulo 2 - O Apostador
- AngelDark

 - 27 de out
 - 62 min de leitura
 
Volume 8: Desafio das Coroas
Parte 1
07 de Setembro, 23:15 da Noite - Grande Biblioteca de Babylon
A Grande Biblioteca de Babylon era um santuário de silêncio, um mausoléu onde o conhecimento repousava em prateleiras que se erguiam como torres para o céu. Àquela hora da noite, o vasto salão estava envolto em uma quietude quase sagrada, quebrada apenas pelo farfalhar ocasional de uma página ou pelo zumbido suave de um terminal de dados que pulsava como um coração mecânico. A luz da lua se infiltrava pelos vitrais altos, lançando mosaicos prateados no chão de mármore, enquanto partículas de poeira dançavam preguiçosamente nos feixes de luz.
Em uma alcova remota, escondida nas profundezas da biblioteca, Luck estava isolado do mundo. Uma única lâmpada de leitura projetava um círculo de luz fria sobre a mesa abarrotada, iluminando pilhas de livros antigos, pergaminhos amarelados e hologramas que flutuavam como fantasmas digitais. Seus olhos, cansados mas afiados, percorriam linhas de texto com uma determinação feroz, como se cada palavra pudesse ser a chave para desvendar um mistério que o consumia. Desde o retorno de Dante daquela reunião de família fatídica, Luck transformara aquelas noites solitárias em uma cruzada pessoal, mergulhando em relatórios de missões, biografias obscuras e registros fragmentados, tudo em busca de um único nome: Horizon.
O motivo era uma semente de dúvida, plantada pela intuição de Dante, que agora crescia como uma árvore venenosa em sua mente.
"Ela me lembrava você, Luck."
As palavras de Dante ecoavam, repetindo-se como um mantra cruel. Não eram uma observação casual. Dante conhecia sua história — as cicatrizes que Luck carregava, as perdas que moldaram quem ele era. A menção à garota chamada Delta não era sobre uma semelhança superficial; era uma sugestão que carregava um peso esmagador, uma possibilidade que misturava terror e esperança em doses iguais. E se Delta fosse mais do que uma estranha? E se ela fosse... família? A ideia era uma lâmina de dois gumes, cortando-o com a promessa de respostas e o medo do que elas poderiam revelar.
Mas a Horizon era uma fortaleza de segredos, um enigma envolto em camadas de desinformação e sigilo. Mesmo para um caçador como Luck, treinado para desvendar mistérios e rastrear alvos, as informações eram escassas, como migalhas espalhadas em um deserto. Tudo o que encontrava eram fragmentos: menções vagas à líder de fachada, a princesa Priscilla, e rumores de operações clandestinas que ninguém conseguia provar. Cada pista levava a um beco sem saída, cada documento parecia zombar dele com sua inutilidade.
Naquela noite, enquanto folheava um tomo pesado sobre a genealogia da realeza de Elysium, algo inesperado aconteceu. Um pedaço de papel deslizou de entre as páginas, caindo silenciosamente sobre a mesa. Era uma carta, simples, sem remetente, selada com cera preta que parecia absorver a luz ao seu redor. O coração de Luck acelerou, um instinto primal alertando-o de que aquele não era um acidente. Com dedos cuidadosos, ele quebrou o selo e abriu o envelope.
A caligrafia era elegante, as letras traçadas com uma precisão quase artística, mas as palavras eram diretas, cortantes como uma lâmina:
Participe do jogo. Vença, e você descobrirá mais sobre sua irmã.
O ar pareceu abandonar seus pulmões. Por um momento, o mundo ao seu redor — os livros, os hologramas, o silêncio da biblioteca — desapareceu. Tudo o que existia era aquela frase, pulsando em sua mente como um farol em meio à escuridão. Sua irmã. A possibilidade que ele temia e desejava com igual intensidade. Seus olhos percorreram a carta novamente, procurando pistas, mas não havia assinatura, apenas um símbolo sutil no canto inferior: uma coroa estilizada, partida ao meio.
A mente analítica de Luck entrou em ação, como uma máquina calibrada para dissecar cada detalhe. Ele já tinha ouvido Dante falar sobre isso. Cartas anônimas, convites para jogos... em 70% dos casos, eram armadilhas. Dante havia usado esse mesmo truque no passado, atraindo os corruptos de Babylon para expô-los. Era uma tática antiga, projetada para explorar a fraqueza dos desesperados, para manipular aqueles que não tinham mais nada a perder.
E, naquele momento, Luck era exatamente isso: um homem desesperado.
Mas havia 30%.
Uma chance, por menor que fosse, de que a carta fosse verdadeira. De que Delta fosse quem Dante suspeitava. De que, após anos de solidão e perguntas sem resposta, ele pudesse encontrar um pedaço de sua família perdido no tempo. A lógica gritava para ele ignorar, para jogar a carta no lixo e continuar sua busca metódica. Mas o coração — aquele traidor incansável — sussurrava que ele não podia se dar ao luxo de ignorar.
Luck se recostou na cadeira, o couro velho rangendo no silêncio opressivo da biblioteca. Seus dedos tamborilaram na mesa, o som ecoando como um metrônomo marcando o ritmo de sua decisão. Um sorriso cansado, quase resignado, curvou seus lábios.
— Eu aqui, tentando evitar esse Jogo das Coroas... — murmurou para a sala vazia, a voz carregada de ironia. — Mas, pelo visto, o jogo não consegue me evitar.
Ele fechou o tomo à sua frente com um baque surdo, o som reverberando como um ponto final em sua busca passiva. A pesquisa havia terminado. A carta, com seu convite enigmático, era um chamado que ele não podia ignorar, mesmo sabendo que era, muito provavelmente, uma armadilha. A possibilidade de respostas — de encontrar Delta, de desvendar a Horizon — era um risco que ele estava disposto a correr.
Com uma determinação nova e perigosa brilhando em seus olhos, Luck se levantou. Os hologramas piscaram e se apagaram, como se respeitassem sua decisão. Ele guardou a carta no bolso interno do casaco, o peso dela contra seu peito uma lembrança constante do que estava em jogo. Sem olhar para trás, ele deixou a alcova, os passos ecoando pelo corredor de mármore como os de um caçador marchando para a batalha.
O ar da noite o recebeu quando ele saiu da biblioteca, frio e cortante, carregado com o aroma de ervas do jardim próximo. O céu estava claro, as estrelas brilhando como olhos vigilantes. Luck não hesitou. O convite indicava um local — uma ruína abandonada nos arredores de Geonova — e uma hora: meia-noite. Ele sabia que estava caminhando para o que poderia ser sua ruína, mas a alternativa — viver com a dúvida, com a possibilidade de ter deixado sua irmã escapar — era insuportável.
Enquanto atravessava o campus de Babylon, a escuridão parecia viva, sussurrando promessas e ameaças em igual medida. Luck apertou o passo, a carta queimando em seu bolso, sua mente já traçando estratégias, antecipando emboscadas, calculando riscos. Ele era um caçador, afinal, e caçadores não se curvavam ao medo.
Mas, no fundo de sua alma, uma voz suave e incerta perguntava: E se for verdade? E se ela estiver lá?
Com essa esperança frágil, mas inquebrantável, Luck seguiu em direção ao local marcado, pronto para enfrentar o que quer que o aguardasse. Um caçador caminhando voluntariamente para a mais óbvia das armadilhas, movido por uma verdade que ele não podia mais ignorar.
Parte 2
08 de Setembro, 07:30 da Noite - Labirinto Fantasma, Ilha Flutuante Apocalypse
A ilha flutuante Apocalypse era um mundo à parte, um colosso suspenso nos céus que abrigava florestas densas, uma cidade pulsante e o imponente Colégio Babylon. Mas sua verdadeira grandiosidade não estava apenas na superfície reluzente; ela se escondia em suas profundezas, onde corredores esquecidos e segredos antigos sussurravam nas sombras. Vários andares abaixo do solo, o Labirinto Fantasma reinava como a obra-prima dos professores — uma dungeon de treinamento que desafiava a lógica e testava os limites de qualquer caçador. Durante o dia, era um campo de provas para os mais corajosos. À noite, suas portas se trancavam, pois o labirinto possuía uma peculiaridade: todas as noites, ele se desfazia como um castelo de areia e se reconstruía, suas paredes, armadilhas e andares rearranjando-se em uma configuração completamente nova, como se o próprio lugar tivesse vida própria.
E, ainda assim, a carta anônima que queimava no bolso de Luck o havia conduzido até ali.
A entrada da terceira dungeon, no terceiro andar subterrâneo, era uma boca de pedra esculpida com runas antigas, exalando um frio úmido que parecia sugar o calor do corpo. Quando Luck chegou, o cenário o surpreendeu: uma multidão já se aglomerava, um mar de rostos confusos e tensos, cada um segurando uma carta idêntica à sua. A desconfiança pairava no ar como uma névoa, os olhares se cruzando em busca de respostas que ninguém tinha. Quem havia planejado aquilo? Por que todos ali, de tantas origens e motivações diferentes, haviam sido chamados?
Luck deslizou pela multidão em silêncio, sua presença quase imperceptível, como uma sombra entre as tochas tremeluzentes. Mas o silêncio não durou. Sussurros o seguiram, uma trilha de murmúrios que ele já conhecia bem. "Ei, aquele não é o Luck Kennedy?" "Sim, o aluno da Classe -13. Nossa, ele é tão bonito." "É, mas aposto que é só mais um arruaceiro problemático." "Não, não ouviu? Ele só tem uma coroa. Deve ser protegido pelo oitavo lugar do ranking."
Os comentários eram facas, mas Luck os ignorava com a facilidade de quem já havia aprendido a viver com cicatrizes. Seus olhos, frios e analíticos, permaneciam fixos à frente, sua mente focada na carta e no que ela prometia. Ele não estava ali por vaidade ou por coroas. Estava ali por ela — a possibilidade de Delta, a chance de encontrar sua irmã.
De repente, ele trombou com duas figuras familiares, uma colisão que o fez parar. Leona, com seus cabelos brancos como neve e olhos de um azul glacial, ergueu o olhar para ele. Ao seu lado, Asuna, tímida como sempre, se encolheu atrás da guerreira, seus olhos arregalados de nervosismo. As mãos de Leona se moveram em uma dança precisa de gestos, a linguagem de sinais transmitindo sua mensagem com clareza: "Nós também fomos chamadas. A carta dizia que poderia resolver nossos problemas, se vencêssemos o jogo."
Luck absorveu as palavras, a compreensão caindo sobre ele como uma pedra. Ele olhou ao redor, observando os rostos na multidão — caçadores de todos os tipos, de novatos ansiosos a veteranos endurecidos. Cada um deles carregava um peso, um desejo ardente que os havia atraído até ali. As cartas não eram apenas convites; eram iscas, projetadas para fisgar o ponto mais vulnerável de cada um: a esperança.
Antes que pudesse responder, um estalo de estática cortou o ar. Dezenas de monitores embutidos nas paredes da dungeon ganharam vida, suas telas piscando com uma imagem granulada, como um filme antigo danificado por riscos e queimaduras. Uma mulher excêntrica apareceu, seus óculos extravagantes refletindo a luz enquanto um sorriso maníaco curvava seus lábios. — Luzes, câmera... AÇÃO! — exclamou, a voz chiando pelos alto-falantes com um fervor teatral. — Olá, meus protagonistas! Meu nome é Greta Spielberg, e estou aqui porque desejo criar o melhor filme de todos os tempos, gravando a jornada de vocês em um jogo de vida ou morte!
A multidão ficou em silêncio, absorvendo a presença dela. Greta gesticulou dramaticamente, como uma maestra regendo uma orquestra invisível. — Eu convidei todos vocês, aqueles que se encaixam no arquétipo de protagonista, para participarem do meu jogo! É muito simples: atravessem esta dungeon, superem todos os desafios que preparei, e o primeiro a chegar ao final será o vencedor! O prêmio? Todas as coroas dos derrotados... e a resposta para a grande pergunta que arde em seus corações!
— Injusto! — gritou um aluno, a voz cortando a tensão. — Nós arriscamos nossas vidas e nossas coroas, enquanto você só assiste?
Greta soltou uma gargalhada, o som ecoando como sinos desajustados. — Assisto? Queridos, eu sou a produtora! E estou investindo pesado! — A câmera se afastou, revelando um contador digital ao seu lado. O número era absurdo, um peso que fez a multidão engolir em seco: 5.237 coroas.
Ao lado, um segundo contador, igualmente visível, exibia o número de participantes com uma frieza brutal: 200. Duzentos protagonistas para o seu filme sangrento.
— Existe uma regra especial — continuou ela, claramente se divertindo com o choque coletivo. — Caso o jogo termine e ninguém seja derrotado, o vencedor, além de ter sua pergunta respondida, receberá todas as minhas coroas. Os demais não sofrerão penalidade alguma.
— E como alguém é classificado como “derrotado”? — perguntou outro aluno, a voz carregada de desconfiança.
Greta inclinou a cabeça, o sorriso se alargando. — É óbvio, querido! Se alguém morrer, estará automaticamente derrotado!
A implicação caiu sobre a multidão como uma guilhotina. Se cooperassem e sobrevivessem, poderiam sair ilesos, com o vencedor levando um prêmio inimaginável. Mas a palavra “morte” pairava no ar, um lembrete do preço real do jogo. Para caçadores, no entanto, a morte era uma velha conhecida. Eles estavam acostumados a dançar na beira do abismo. Para muitos, era apenas mais uma dungeon.
Um a um, eles aceitaram, a determinação superando o medo.
— Maravilhoso! O elenco está completo! — comemorou Greta, batendo palmas. A câmera girou, revelando uma cena bizarra: ao lado dela, sentada em uma cadeira de veludo vermelho cercada por balões coloridos e ursos de pelúcia, estava uma garotinha segurando uma boneca. Seus olhos, vazios como poços, encaravam a câmera sem piscar. — Agora, só precisamos do aval oficial. Pode nos dar a honra, querida juíza?
A garotinha, Nastacia Crow, uma Juíza do Crepúsculo, apenas assentiu, o movimento lento e mecânico. Um selo holográfico dos Juízes brilhou na tela, sua luz fria selando o destino de todos ali.
Naquele instante, duas verdades ficaram claras. Primeiro: a filmagem era em tempo real, cada movimento sendo capturado por olhos invisíveis. Segundo: aquele era um jogo oficial, sancionado pelos Juízes, e não havia mais como voltar atrás.
— EU QUERIA TER DESISTIDO! — gritou Asuna, o pânico explodindo em sua voz enquanto ela se agarrava ao braço de Leona.
Luck e Leona trocaram um olhar. Eles haviam esquecido momentaneamente da presença dela, mas agora era tarde. As enormes portas de pedra da dungeon se abriram com um rugido grave, revelando a primeira sala como uma boca faminta.
— E que comece o primeiro ato! — anunciou Greta, a voz vibrando com excitação. — O jogo da primeira sala é simples: uma escolha. Qual porta vocês pegarão? A da frente, a Porta A? Ou a da esquerda, a Porta B? Façam suas apostas!
A Primeira Sala
A multidão avançou, os competidores adentrando a primeira sala com uma mistura de cautela e urgência. O ambiente era um cubo perfeito de pedra cinzenta, as paredes úmidas exalando um cheiro de mofo e ozônio. Tochas presas em arandelas de ferro tremeluziam, lançando sombras dançantes que pareciam zombar dos intrusos. À frente, uma porta de carvalho maciço, a letra A entalhada em relevo. À esquerda, uma porta idêntica, marcada com um B. No centro da sala, um pedestal de mármore repousava, solitário, como um altar esperando um sacrifício.
Luck, com os instintos afiados por anos de jogos de alto risco, começou a analisar o ambiente imediatamente. Seus olhos percorreram cada detalhe — as rachaduras nas pedras, o brilho das tochas, a textura das portas. Algo naquela sala parecia errado, como um tabuleiro de xadrez com peças fora de lugar. Leona cruzou os braços, os olhos semicerrados enquanto avaliava as duas saídas, claramente desconfiada.
Um aluno impaciente, um jovem de cabelo desgrenhado e olhos ansiosos, avançou até o pedestal e pegou o pergaminho. Ele o desenrolou com mãos trêmulas e leu em voz alta, sua voz ecoando pela sala: — "O caminho do recomeço se abre para aqueles que buscam a segunda chance. A primeira escolha nem sempre é a que prevalece. Vire à esquerda para o novo começo."
A mensagem foi como um gatilho. — Vire à esquerda! — gritou alguém. — É a Porta B! — exclamou outro. Em um instante, a maioria dos competidores correu em direção à porta da esquerda, empurrando-se em uma onda de desespero e impulsividade.
Asuna, pega pelo pânico da multidão, deu um passo à frente, mas o braço firme de Luck a segurou.
— Não — disse ele, a voz calma, mas firme como aço.
Luck sentiu outro olhar sobre si, tão intenso quanto o medo de Asuna. Era Leona. Seus olhos, normalmente calmos e focados, saltavam entre a Porta A e a porta agora fechada, onde o silêncio era assustador. Seus dedos se crisparam ao lado do corpo, e ela fez um gesto rápido para Luck, quase um tapa no ar, a linguagem de sinais afiada e urgente:
"Temos que escolher. Agora."
Não era uma sugestão, era uma ordem carregada de uma urgência que beirava o pânico. Luck viu a ansiedade nela. Ele não a conhecia há tanto tempo, mas conseguia ver que aquela ansiedade não deveria ser normal, já que não combinava com a fachada de aço que a garota possuía.
"Isso não é bom, ela parece estar muito ansiosa também. Acho que vou ter que tomar conta das duas…" — Luck pensava, a encarando.
De repente, a Porta B se fechou com um estrondo, selando os que entraram em um silêncio mortal. Nenhum som veio de lá de dentro — nem gritos, nem passos, apenas o vazio.
— Por que paramos? — sussurrou Asuna, o medo tremendo em sua voz. — Precisamos correr, ou os outros vão chegar primeiro!
— Então você também notou? — A voz suave de Miko, a sacerdotisa de Sakura, soou ao lado deles. Vários permaneceram na sala — Luck, Leona, Asuna, Miko, Riana, Aslo e um punhado de outros — e trocaram olhares, um reconhecimento silencioso passando entre aqueles que haviam resistido ao impulso.
Miko se aproximou do pedestal, tocando o pergaminho com a ponta dos dedos. — O texto é contraditório. A parte inicial, "a primeira escolha nem sempre é a que prevalece", implica que você já tomou uma decisão impulsiva e agora deveria reconsiderá-la. É um truque psicológico.
Enquanto isso, Riana, que se mantinha silenciosa, aproximou-se da Porta A. Ela se ajoelhou, passando os dedos pela base da porta e depois pela maçaneta. — Olhem. — chamou ela, a voz baixa. — A maçaneta está polida pelo uso. A da Porta B estava coberta de ferrugem. E aqui... — Ela indicou arranhões sutis na pedra, sob a porta. — Esta foi usada. Muitas vezes. A outra, não.
Aslo, o demi-humano lobo, fungou o ar, seu focinho tremendo. Ele apontou com a cabeça para a Porta A sem dizer uma palavra. As chamas das tochas, quase imperceptivelmente, inclinaram-se naquela direção, movidas por uma corrente de ar sutil — o sinal de uma passagem viva.
Luck se virou para Asuna, que ainda parecia confusa, e explicou em voz baixa.
— Era uma armadilha, Asuna. O poema foi feito para ser óbvio demais. "Vire à esquerda" é uma instrução direta, e a menção a uma "segunda chance" associada à letra B serve para reforçar essa escolha. Mas, como Miko disse, a chave era a primeira frase. Um labirinto mortal não recompensa "segundas chances". Ele premia quem acerta de primeira. A nossa primeira escolha, a letra primordial... sempre foi a A.
Com uma confiança renovada, o grupo empurrou a pesada porta de carvalho, o ranger da madeira ecoando como um convite. A escuridão os engoliu, deixando para trás a sala da falsa esperança e o silêncio sepulcral daqueles que escolheram errado.
Parte 3
A grande porta de carvalho se fechou com um baque pesado, um trovão grave que selou o destino dos competidores. Na sala de controle, Greta Spielberg batia palmas, os óculos extravagantes refletindo a luz dos monitores enquanto seu rosto se iluminava com um deleite sádico.
— E os nossos protagonistas provaram seu valor! — narrou ela, a voz vibrando com entusiasmo para Nastacia Crow, que permanecia impassível, segurando sua boneca. — Eles escolheram a porta da sabedoria! Quanto aos outros... bem, digamos que o caminho da esquerda os levou a um “recomeço” um pouco mais... permanente.
No monitor principal, o contador de participantes, que antes marcava 200, agora piscava em um vermelho cruel: 87. Mais da metade do elenco eliminado no primeiro ato.
A tela principal mudou, exibindo o interior da sala B. O que antes era uma promessa de vitória agora era um túmulo. Corpos de dezenas de competidores jaziam espalhados, alguns empalados por espetos de aço que haviam surgido das paredes, outros dissolvidos pela névoa de gás ácido que ainda pairava, corroendo o chão de pedra. A cena era um massacre silencioso, horripilante, um lembrete cruel do preço da impulsividade.
Nastacia observava, os olhos vazios fixos na tela.
— Tsc. Impulsivos — murmurou, a boneca em seu colo parecendo compartilhar seu desdém.
Greta riu, girando na cadeira. — Oh, querida juíza, é isso que torna o show tão emocionante! A linha entre heróis e tolos é tão tênue... — Ela inclinou a cabeça, os olhos brilhando com malícia. — Vamos ver quanto tempo nossos protagonistas duram.
Dentro da nova sala, a atmosfera era enganadoramente bela, um contraste brutal com o horror que acabara de ser revelado. O grupo de Luck se viu em um vasto observatório circular. O chão de mármore negro polido refletia o teto como um espelho, uma cúpula altíssima pintada com um céu noturno tão realista que parecia pulsar com vida. Estrelas prateadas cintilavam, e constelações desenhavam histórias esquecidas no firmamento. No centro, uma máquina magnífica dominava o espaço: o Oratório Celestial. Anéis de latão giravam lentamente, incrustados com gemas que pulsavam com luzes suaves. Do outro lado da sala, uma enorme porta circular de bronze permanecia selada.
Luck sentiu um calafrio. A voz de Dante ecoou em sua mente: "Preste atenção aos detalhes que ninguém mais vê." Ele caminhou até a base do Oratório. Uma placa de latão, quase escondida, continha um enigma. Ele o leu em voz alta:
"O coração da paixão foge do seu oposto e se banha na primeira luz.
A joia da inveja chora no ponto mais baixo do ciclo sem fim.
A alma do oceano profundo repousa onde o dia se despede."
Um silêncio tenso caiu sobre o grupo. Riana levou a mão ao queixo, pensativa. — É um código... mas baseado em quê?
— Na sala — murmurou Luck, olhando para a cúpula estrelada e depois para os anéis do Oratório. — A sala é um relógio. Cada gema é um ponteiro.
Miko pareceu entender. — "Coração da paixão"... rubi vermelho. "Primeira luz" é o leste... três horas!
— "Joia da inveja" é a esmeralda verde — continuou Riana. — "Ponto mais baixo" seria o sul. Seis horas.
— E "alma do oceano" é a safira azul — concluiu Luck. — "Onde o dia se despede" é o oeste. Nove horas. Leona!
A guerreira entendeu o comando implícito. Com uma força que desafiava sua figura esguia, ela se aproximou do Oratório, suas mãos movendo as pesadas gemas ao longo de suas órbitas com uma precisão quase sobrenatural. O rubi foi posicionado às três horas, a esmeralda às seis, a safira às nove. Cada movimento era acompanhado por um clique metálico.
Quando a última gema se encaixou, o Sol de cristal no centro do Oratório brilhou intensamente. Três raios — vermelho, verde e azul — dispararam, cada um iluminando um ponto diferente da sala: um vitral carmesim, uma tapeçaria esmeralda e um pilar de mármore azul.
— Ótimo! Agora só precisamos... — A frase de Luck foi cortada por um grito agudo.
Um competidor impaciente havia corrido até a base do Oratório e puxado uma alavanca de bronze sem hesitar. A máquina rangeu. As estrelas no teto começaram a tremer.
— IDIOTA! — gritou Miko.
As estrelas se soltaram. Eram esferas de metal incandescente, caindo como uma chuva de meteoros. O caos explodiu. Gritos de agonia cortaram o ar. Leona agiu como um raio, empurrando Asuna para baixo do Oratório e usando seu próprio corpo como escudo, as esferas ricocheteando em sua Aura. Outros não tiveram a mesma sorte.
Asuna, em pânico, tropeçou para trás, colidindo com o pilar de mármore. O impacto revelou entalhes invisíveis até então — um padrão de ondas do mar, iluminado pelo raio azul da safira.
Quando a chuva mortal cessou, o chão estava manchado de sangue e cinzas. Metade dos competidores restantes havia perecido.
Luck fez uma contagem rápida dos rostos atordoados ao redor. O massacre havia sido brutal. Dos oitenta e sete que entraram na sala, agora... talvez restassem 40. O jogo afunilava a uma velocidade assustadora.
Antes que a poeira assentasse, Leona não esperou por ordens. Ela saltou em direção ao Oratório Celestial, os olhos varrendo os anéis e as gemas com uma intensidade febril. Ela agarrou um dos anéis de latão, pronta para girá-lo à força, movida por uma necessidade crua de fazer alguma coisa.
— Leona, espere! — A voz de Luck foi firme, cortando o ar tenso.
Ela congelou, a mão ainda no mecanismo. Virou a cabeça lentamente, e o olhar que lançou a Luck era uma mistura de fúria e súplica. Um olhar que dizia: "Não temos tempo para isso!"
Luck se aproximou, o rosto sério. — Agir sem pensar foi o que matou os outros. Foco. — Ele disse, e por um instante, a tensão entre os dois era palpável. Ele via o desespero dela em encontrar uma resposta, qualquer resposta, queimando em seus olhos. Ela, por sua vez, viu a lógica fria dele como um obstáculo. Finalmente, com um suspiro que pareceu carregar o peso do mundo, ela recuou, cedendo o controle.
— Temos que nos apressar — disse Luck, agora com a voz mais branda, reconhecendo a luta interna dela. Ele rapidamente designou as tarefas.
— Riana, o vitral. Leona, a tapeçaria. Asuna, o pilar.
Riana encontrou um símbolo de chama no vitral vermelho. Leona rasgou a tapeçaria verde, revelando um símbolo de árvore. Asuna, ainda tremendo, apontou para o pilar, onde o símbolo de onda agora pulsava com luz. Eles giraram os anéis de símbolos no Oratório, alinhando-os. O mecanismo emitiu um zumbido harmônico, mas a porta de bronze permaneceu fechada.
— O que falta? — perguntou Asuna, a voz fraca.
A voz de Dante ecoou novamente na mente de Luck. Ele correu até a porta de bronze e encontrou uma pequena placa gravada:
"Quando os céus se alinharem em ordem, ofereça um pulso de criação para revelar o caminho."
— A alavanca — sussurrou Luck. Ele voltou ao Oratório. A pressa do outro custou vidas. Mas ele não era impulsivo. Ele havia calculado cada passo. Com um movimento firme, ele puxou a alavanca.
O Oratório ganhou vida, e um único raio de luz branca atingiu a porta de bronze, traçando o contorno de uma fechadura. Com um som grave, a porta começou a se abrir.
Enquanto caminhavam para a escuridão, Asuna puxou a manga de Luck. — Eu não entendi. Por que a alavanca funcionou com você, mas não com ele?
Luck parou por um instante. — Porque ele usou a alavanca como um interruptor, esperando um resultado imediato. Mas a pista dizia para oferecer um 'pulso de criação'. A alavanca não era o primeiro passo, era o último. Era o comando para ativar a máquina depois que todas as outras peças — as gemas e os símbolos — estivessem alinhadas. Ele tentou forçar a fechadura; nós usamos a chave.
Os sobreviventes encararam a nova passagem, o preço da sabedoria pago com o sangue dos tolos.
Parte 4
Na Sala de Controle
— Esplêndido! Absolutamente esplêndido! Como eu previ, a elite intelectual sobreviveu! — A voz de Greta ecoava, carregada de uma satisfação venenosa. Ela girou nos calcanhares e fixou os olhos em Nastacia. — O primeiro jogo foi um filtro de coragem. O segundo, de raciocínio. Mas agora... agora as coisas mudam. — O sorriso que se formou nos lábios de Greta era uma lâmina.
Nastacia mantinha uma calma gélida. — Você tem péssimos gostos — murmurou ela, mas com um toque de curiosidade. Ela apontou para a tela que focava em Luck. — Mas há algo de estranho. O garoto Kennedy foi quem se destacou, mas muitos dos outros não pareciam confusos. Pareciam... estar esperando. Deixando-o resolver o desafio por algum motivo.
— Talvez, talvez! — Greta riu, inclinando-se sobre a mesa de controle.
— Qual será o próximo jogo? — Perguntou Nastacia.
— Será melhor ver por si mesma... — Seus olhos brilharam com prazer.
Na Dungeon
A nova câmara era um tribunal de obsidiana polida, as paredes negras brilhando com um reflexo cruel. O ar ali era frio, quase cortante. No centro, três poços de oferenda — Balança, Coroa e Adaga — erguiam-se como altares. Em três paredes, três portas de pedra idênticas, marcadas com símbolos de Sol, Lua e Estrela. Na parede oposta, uma inscrição prateada pulsava.
Cada competidor recebeu uma bolsa com 5 Orbes de Essência. Luck leu a inscrição: 12 orbes para destravar as portas. Falhar significa morte. Oferendas secretas. Apenas o jogador com mais orbes sobrevive. Ele engoliu em seco. É uma armadilha, pensou. Não é sobre cooperação. É sobre traição.
Foi Algoz quem quebrou o silêncio, a voz calma. — O mais importante é não morrer. A meta é 12. Se todos nós colocarmos nossos 5 orbes na Balança, atingiremos a meta com folga e todos recebemos algo de volta. É o único jeito.
Miko, a sacerdotisa, reforçou a ideia: — A união faz a força. Devemos confiar uns nos outros.
Luck sentiu o peso do olhar de Leona sobre ele, um aviso silencioso. Eles estão nos manipulando. Ele olhou para Asuna e Riana, que também pareciam hesitantes.
Quando chegou o momento das oferendas, o silêncio era absoluto. Cada um mantinha a mão dentro da bolsa, escondendo suas intenções. Luck trocou um olhar com Leona, Asuna e Riana — um acordo silencioso de confiança mútua.
As oferendas foram feitas. Um pilar de luz explodiu dos poços. A meta de 12 foi ultrapassada. Mas então, o verdadeiro julgamento começou.
Gritos de horror cortaram o ar. As paredes de obsidiana se moveram, esmagando aqueles que haviam zerado seus contadores de orbes. O som de ossos quebrando era insuportável. No centro da carnificina, Algoz permanecia intocado.
Enquanto os gritos se silenciavam, os contadores de orbe desapareceram, substituídos por um único número holográfico que pairava no centro da sala, banhando os sobreviventes em uma luz fantasmagórica:
SOBREVIVENTES: 18
De duzentos, restavam menos de dez por cento.
Luck fez as contas mentalmente, e o sangue gelou em suas veias. Com a traição de Algoz, o saldo deles deveria ser perigosamente baixo, talvez até zero. Eles seriam os próximos. Ele olhou para os contadores que se materializaram sobre cada jogador. O dele marcava 2. O de Leona, 2. Riana, 2. E Asuna, 1. Eles sobreviveram por pouco. Mas como?
Então, a atenção de Luck foi atraída para a garota de cabelos rosas, que até agora havia passado despercebida. Ela estava parada, imóvel. Seu contador mostrava 4 orbes. Ao lado dela, o corpo esmagado de um competidor que havia confiado em Algoz. O contador final daquele competidor não era zero... era -1. Luck entendeu num instante. A garota não havia apostado alto. Ela colocou apenas um orbe na Adaga, e o seu alvo foi um jogador que ela sabia que Algoz iria trair e zerar. Ela não roubou para vencer, mas para criar um déficit no total de orbes da vítima. Esse único orbe, transferido para ela, foi o que impediu que a soma do grupo de Asuna, que apostou na Balança, chegasse a um valor fatal. Um movimento cirúrgico e quase invisível que os salvou.
— Fascinante — disse Algoz, um sorriso fino curvando seus lábios. Ele caminhou até as portas, gastando seus orbes para comprar todas as pistas. Sol, um deserto escaldante. Lua, um labirinto de armadilhas. Estrela, um abismo de pontes frágeis. Com o conhecimento absoluto, ele escolheu a porta da Estrela e a atravessou sozinho, desaparecendo nas sombras.
Luck, Leona, Riana, Asuna e a garota de cabelos rosas se entreolharam. Estavam vivos, mas à mercê de um jogo cruel, diante de três caminhos mortais e sem nenhuma informação. A genialidade fria de Algoz os havia encurralado, e o jogo de Greta estava apenas começando.
Parte 5
09 de Setembro, 08:30 da Manhã - Fundo do Colégio Babylon, (Esconderijo da Criminal Moon)
Enquanto o jogo mortal de Greta se desenrolava nas profundezas de Babylon, em um antigo prédio de culinária agora impecavelmente limpo, um tipo diferente de desafio acontecia. O ar estava carregado com o cheiro residual de ervas secas e temperos antigos, misturado ao leve zumbido de energia etérea que pairava como uma névoa sutil. As paredes, outrora cobertas de poeira, agora reluziam sob a luz filtrada pelas janelas embaçadas, criando um santuário improvisado para o que viria a ser uma sessão de treino exaustiva.
Dante estava de pé no centro da sala, os olhos fechados em profunda concentração, o suor escorrendo por sua testa e pingando no chão de madeira rangente. Seus músculos tremiam levemente com o esforço, e ele respirava de forma irregular, como se cada inspiração fosse uma batalha contra o ar rarefeito. Uma faísca de Ether vermelho-sangue surgiu em sua mão, tremeluzindo instável, como uma chama lutando contra uma brisa invisível. Ele tentou dar-lhe forma, moldá-la com os dedos crispados, imaginando as linhas curvas de um arco se materializando... mas ela se desmanchou no ar, como fumaça ao vento, deixando apenas um rastro de calor residual que queimava sua pele.
— Droga! — Ele coçou a cabeça, a frustração evidente em seu rosto corado, os olhos se abrindo para fitar o vazio onde sua criação deveria estar. Ele balançou a mão, como se pudesse afastar o fracasso, e deu um passo para trás, tropeçando levemente em uma irregularidade no piso.
Do sofá, onde estava sentada lixando as unhas com uma lima improvisada de metal reluzente, Kouka soltou uma gargalhada afiada, o som ecoando pelas paredes como um eco zombeteiro. — É óbvio que você teria dificuldade. Olha só pra você, todo suado e perdido como um filhote de cachorro tentando caçar a própria cauda.
Ela se levantou e, para a surpresa de Dante, deu um tapinha paternal em sua cabeça, o gesto leve mas inesperadamente afetuoso, como se ela estivesse testando os limites de sua paciência – ou talvez a dela própria. Dante piscou, olhando para cima com uma mistura de irritação e curiosidade, sentindo o calor de sua mão por um instante a mais do que o necessário. — Ei, vai com calma aí. Eu não sou uma criança.
Kouka ignorou o protesto, seus olhos amarelos brilhando com uma mistura de diversão e algo mais profundo, talvez um traço de respeito relutante. — O arco da Leticia não é um poder Gifted, nem uma magia que se aprende em um livro. É uma demonstração de pura e complexa manipulação de Ether. Vamos tentar de novo, mas dessa vez, escute de verdade.
Ela começou a andar ao redor dele, a professora improvável explicando a lição com gestos amplos, como se estivesse pintando o ar com suas palavras. Dante seguiu seus movimentos, virando o corpo ligeiramente para acompanhá-la, sentindo o ar se mover com ela, carregado de uma energia sutil que o fazia se sentir exposto.
— Pense nisso. Para criar o arco, ela usa três Fundamentos. Primeiro, Emissão, para projetar o Ether de forma física. Depois, Transformação, para moldar essa energia na forma de um arco. E por fim, Aprimoração, para reforçar a estrutura e dar à flecha um poder de perfuração descomunal. E isso é antes mesmo de imbuir sua habilidade pessoal, a Failnaught, na ponta.
Dante ouvia, a mente trabalhando furiosamente, franzindo a testa enquanto tentava visualizar cada passo. Ele ergueu a mão novamente, imitando os gestos dela, e uma faísca fraca surgiu, mas vacilou quase imediatamente.
— Tá bom, Emissão primeiro... como se eu estivesse liberando a aura, mas controlada. — Ele grunhiu, o suor agora escorrendo para seus olhos, ardendo. Kouka parou atrás dele, ajustando sua postura com um toque firme nos ombros, o contato enviando um arrepio inesperado por sua espinha.
— Não force tanto. É sobre fluxo, não sobre bruteza. Relaxe os ombros, ou vai explodir como uma panela de pressão.— Ela falava agora de forma mais séria. — Para um Gifted como você, isso é extremamente difícil — continuou Kouka, agora caminhando para frente dele, cruzando os braços enquanto o observava tentar novamente. A faísca surgiu, mais estável dessa vez, tremeluzindo por alguns segundos antes de se dissipar. Dante sorriu fracamente, e Kouka ergueu uma sobrancelha, notando o progresso sutil. — Vocês recebem um "tutorial" de como usar sua habilidade direto na cabeça. É intuitivo. Aprender Fundamentos que fogem do seu escopo natural é como aprender a escrever com a outra mão. Sua habilidade, por exemplo, permite que você controle o tempo de tudo que imbui com seu Ether. Basicamente, é uma técnica que usa Aprimoração e Manipulação, e eu teorizo que talvez até alguns aspectos de Regulamentação. O arco e flecha está totalmente fora disso.
A cabeça de Dante começou a latejar, uma dor pulsante atrás dos olhos, como se os conceitos estivessem se chocando dentro de seu crânio. As palavras, os conceitos... eram demais. Uma pequena e visível nuvem de fumaça começou a sair de seus ouvidos, como se seu cérebro tivesse sobrecarregado. Ele cambaleou ligeiramente, apoiando-se na parede próxima, e Kouka riu novamente, mas dessa vez com um tom mais suave, estendendo a mão para ajudá-lo a se equilibrar. — Ei, não desmaie agora. Você está pegando o jeito, devagarinho.
— Talvez ensinar isso para ele seja impossível — disse Inori, que estava deitada no chão, lendo uma revista de moda, virando-as preguiçosamente. Ela ergueu os olhos, um sorriso malicioso nos lábios, e acenou para Dante. — Ou talvez ele precise de uma motivação extra. O que acha, Dante? Uma recompensa se você conseguir formar pelo menos uma flecha fraca?
— Será que sou eu quem está ensinando errado? — perguntou-se Leticia, preocupada, levantando-se do canto onde observava em silêncio. Ela se aproximou, tocando o braço de Dante gentilmente, um gesto reconfortante que o fez relaxar um pouco. — Vamos tentar passo a passo. Mostre o que você entendeu até agora. Eu posso demonstrar de novo.
De repente, Dante estalou os dedos. O som ecoou na sala, cortando a tensão como uma lâmina afiada. Um brilho de epifania substituiu a confusão em seus olhos, e ele se endireitou, a fadiga momentaneamente esquecida.
— Espere um minuto... — disse ele, um sorriso lento se formando, virando-se para Kouka com uma energia renovada. — Mas isso também significa que... se eu aprender esses Fundamentos que fogem do meu escopo, eu posso criar novas técnicas com a minha habilidade que eu não conseguiria antes.
O sorriso de Kouka desapareceu. Ela o encarou, séria, inclinando a cabeça ligeiramente como se o reavaliando. — Exatamente — disse Leticia, com um aceno de cabeça, sorrindo para ele com orgulho evidente. — Essa é a meta dos Gifteds que treinam os Fundamentos, para começo de conversa. Você captou rápido, Dante.
Ele até que foi bem rápido para entender isso, pensou Kouka, surpresa, observando como ele já tentava novamente, a faísca agora se alongando em uma forma rudimentar de arco, tremendo mas persistindo por mais tempo. Talvez ele tenha um pouco mais de inteligência do que eu imaginava. Ou talvez algo mais... Ela balançou a cabeça, disfarçando o pensamento com um suspiro exagerado. — Tá, não fique todo animado. Vamos praticar isso antes de você sonhar alto.
Naquele momento, a mente de Dante estava a mil. Emissão... o básico para fazer o arco. É diferente da minha aura, que eu sempre emano. É como os meus raios, mas eles sempre foram desgovernados. Emanar Ether de forma controlada para manipulá-lo... é muito mais difícil. Ele sabia que precisava dominar aquilo. As possibilidades eram infinitas. O que ele poderia fazer ao usar a Emissão junto com sua habilidade, Chronos? Ele ergueu a mão mais uma vez, concentrando-se, e dessa vez o Ether se formou em uma linha fina, como uma corda instável. Kouka assentiu quase imperceptivelmente, cruzando os braços enquanto o observava. — Melhor. Continue assim.
Ele poderia... projetar o tempo? Disparar uma rajada de "tempo acelerado" que envelheceria o alvo até virar pó? Ou uma de "tempo parado" que o congelaria no lugar? Ele poderia criar um campo de tempo, emitir... milhares de possibilidades passaram por sua cabeça até que derrepente.
Sua mente parou. Um vazio enorme se formou. Depois de alguns segundos, ele voltou a refletir, os olhos arregalados de confusão, mas logo sacudiu a cabeça e tentou de novo, a forma se mantendo por mais tempo dessa vez.
— Espera... como eu iria projetar o tempo? — murmurou ele, para si mesmo, mas alto o suficiente para as outras ouvirem. Kouka se aproximou, dando um empurrão leve em seu ombro. — Um passo de cada vez, gênio. Foque na Emissão primeiro. Você já está melhor do que há dez minutos.
Seu rosto ficou branco. A fumaça voltou a sair de seus ouvidos.
“Déjà vu?” — As três garotas pensaram em uníssono o encarando.
Parte 6
09 de Setembro, 09:30 da Manhã - Colégio Babylon, (Sala -13)
A atmosfera na Sala -13 era, como sempre, carregada, mas hoje o ar parecia vibrar com uma tensão quase palpável, como se o próprio ambiente soubesse que algo mais profundo estava em jogo. As paredes de pedra polida refletiam a luz fria dos hologramas, e o leve zumbido do sistema de projeção misturava-se ao som abafado de canetas riscando cadernos e ao ocasional sussurro entre os alunos. A energia caótica usual da classe, cheia de provocações e risadinhas abafadas, estava contida sob o olhar frio e penetrante de Vlad. Ele parou de escrever no quadro holográfico, o marcador digital pairando no ar, e se virou lentamente, os olhos varrendo os alunos como um predador avaliando sua presa. Seu olhar pousou em uma cadeira vazia, depois em outra, e em outra, a expressão endurecendo a cada ausência notada.
— Williams — disse ele, a voz cortante como vidro quebrado, cada sílaba carregada de desdém. — O que está acontecendo com seus colegas? Não basta o idiota do Scarlune faltando, agora até o Kennedy e a Beltris também? A incompetência é contagiosa?
Charlotte, sentada com uma postura impecável, o uniforme imaculadamente alinhado, encontrou o olhar dele sem vacilar, seus olhos castanhos calmos, mas firmes. — Eu não tenho informações sobre o paradeiro deles no momento, professor — respondeu ela, a voz clara e controlada, mas com um leve tom de desafio que fez Kai, sentado duas fileiras atrás, erguer uma sobrancelha e reprimir um sorriso.
Vlad estalou a língua, um som de puro desprezo que ecoou pela sala silenciosa. — Sabia que não podia esperar muito desses idiotas. — Ele se virou de volta para o quadro, o movimento brusco de seus ombros sugerindo uma irritação que ia além das faltas. O som de seu marcador digital riscando a tela holográfica era agressivo, quase como se ele estivesse esculpindo as palavras com raiva. — Vamos começar. E, por favor, tentem não me fazer perder o pouco de paciência que me resta.
— O tópico de hoje é a geopolítica atual — anunciou Vlad, sem se virar, sua silhueta destacada contra o brilho azul do holograma. — Um estudo sobre o clima tenso em que nosso mundo se encontra. E Williams... — ele olhou por sobre o ombro, o olhar perfurando-a mais uma vez — ...lembre-se de ensinar sobre isso para os outros idiotas do seu dormitório. É um assunto importante, e eu não estou nem um pouco a fim de repetir.
— Sim, professor — respondeu Charlotte, a caneta já preparada sobre o caderno, seus dedos movendo-se com precisão enquanto anotava. Ela trocou um olhar rápido com Sophi, sentada ao seu lado, que revirou os olhos discretamente, murmurando algo sobre “professores que adoram drama”. Charlotte disfarçou um sorriso, mas voltou a atenção ao quadro, determinada a absorver cada palavra.
— O mundo de Hortus Parvus vive sob uma paz tênue — começou Vlad, sua voz agora a de um general dando um briefing de missão, cada palavra carregada de peso. — Uma calmaria que mal disfarça as cicatrizes da Primeira Grande Guerra. Tudo começou quando uma entidade que chamamos de Lúcifer, o Rei Demônio da Luz, caiu das estrelas e aterrissou em Umbra. Ele unificou os demônios e anjos caídos e marchou para conquistar toda a existência. A vanguarda da resistência foi o reino de Alexandria, liderada pelo lendário Rei Arthur e seus Cavaleiros.
Ele pausou, deixando o silêncio se instalar, e apontou para o holograma, que exibia uma representação estilizada de Umbra, com suas torres escuras e céus crepusculares. — Eles lutaram em Gaia — continuou Vlad, com um tom cínico que fez alguns alunos se remexerem desconfortavelmente. — E no fim, Arthur e seus cavaleiros morreram para derrotar Lúcifer. Um sacrifício nobre, que não resolveu nada.
Kai bufou, recostando-se na cadeira com os braços cruzados, o cabelo bagunçado caindo sobre os olhos. — Típico de heróis. Morrem e deixam a bagunça para os outros.
— Exatamente, Pirralho. — concordou Vlad, surpreendendo a todos com o tom de aprovação. Ele apontou para Kai, um raro brilho de diversão em seus olhos. — E você, Kai, o que acha que aconteceu depois? Quer tentar adivinhar, ou sua cabeça só serve para fazer comentários sarcásticos?
Kai deu de ombros, mas um sorriso travesso curvou seus lábios. — Aposto que virou um caos. Sempre vira, não é? Alguém morre, outro quer o poder, e bum, guerra.
— Não está totalmente errado — disse Vlad, voltando ao holograma. — Com os protetores de Alexandria mortos, os demônios remanescentes continuaram a ser uma ameaça. Os Dragões se ergueram para proteger o reino e forjaram um tratado de paz. Anos depois, os cavaleiros de Arthur reencarnaram, mas encontraram os Dragões no poder, que se recusaram a ceder o controle. Resultado: a divisão de Alexandria e uma amarga guerra civil que dura até hoje. Uma lição sobre vácuos de poder.
Ele mudou o slide no holograma, exibindo um mapa detalhado dos reinos, suas fronteiras marcadas por linhas pulsantes de energia. — Enquanto isso, Elysium enriqueceu vendendo armas, Sakura se isolou para sobreviver, e Gaia, traumatizada por ser o campo de batalha, desenvolveu um ódio profundo por tudo que fosse sobrenatural. O que nos leva ao segundo grande erro: Asmodeus.
Vlad explicou a ascensão do Rei Mago, a recusa dos outros reinos em ajudar Gaia, e a consequência desastrosa. Ele gesticulava com precisão, como se estivesse dissecando a história com uma lâmina. — Elysium, em sua arrogância, criou uma solução: os Seraphins. Armas biológicas que, de fato, mataram Asmodeus, mas que ganharam consciência e se tornaram uma das raças mais perigosas do mundo. A solução se tornou um novo problema.
Charlotte anotava tudo, mas parou por um momento, franzindo a testa. Ela levantou a mão, hesitante. — Professor, os Seraphins... eles ainda são uma ameaça ativa? Ou estão sob controle?
Vlad a encarou, como se estivesse avaliando se a pergunta valia seu tempo. — Boa pergunta, Williams. Para variar. — Ele cruzou os braços. — Os Seraphins estão espalhados, alguns integrados, outros em esconderijos. São uma ameaça latente, mas ninguém sabe quantos ainda existem. Elysium jura que os controla, mas... — Ele deu um sorriso frio. — Acreditar em Elysium é como confiar em um lobo para guardar ovelhas.
A história continuou, um rosário de erros e consequências: o ódio de Gaia se intensificando, a criação do "Trono de Deus", a escravidão dos Meio-Elfos e sua subsequente rebelião. Vlad narrava com uma mistura de desdém e fascínio, como se estivesse contando uma tragédia inevitável. — E para impedir que todos se aniquilassem — concluiu ele —, a União da Rosa-Cruz nasceu em Elysium, uma organização diplomática que estabeleceu a ordem mundial que conhecemos hoje, após mediar a guerra pelos direitos dos Autômatos.
Ele se virou para a turma, os olhos brilhando com uma intensidade que fez todos se calarem. — Perguntas?
Daiki, levantou a mão timidamente. — Professor, por que precisamos aprender isso? Babylon é neutra. Não nos envolvemos com os reinos "de baixo".
— Justamente por isso, seu idiota — retrucou Vlad, o tom afiado fazendo Daiki se encolher na cadeira. — Por sermos um "quinto reino" neutro, com privilégios que escapam às leis deles, temos que seguir regras especiais e muito mais rígidas. As Leis de Preservação. A proibição de sequestro, que é uma infração mais grave que o assassinato, existe para que um de nós não sequestre um nobre e inicie uma nova guerra. Nossas ações têm consequências globais.
Megumi, levantou a mão. — Então... a nova tensão no mundo... é por nossa causa? Por causa do Jogo das Coroas?
Vlad inclinou a cabeça, considerando a pergunta. — Em parte, sim — admitiu ele, surpreendendo a sala com a franqueza. — O Jogo das Coroas é um catalisador. Mas o principal motivo é outro. — Ele ampliou o mapa holográfico, focando no Reino de Sakura. — Recentemente, Sakura declarou que seu líder é o avatar de um Astreus. E, além disso, o reino, antigamente um lar de tranquilidade, começou a se tornar uma potência armamentista. Estão se preparando para a guerra.
Um murmúrio chocado percorreu a sala, cadeiras rangendo enquanto os alunos se inclinavam para frente, trocando olhares alarmados. Kai assobiou baixo, murmurando: — Isso é... intenso. — Charlotte assentiu, os dedos apertando a caneta com mais força.
— Isso deixa todos desconfiados — continuou Vlad, a voz grave, quase como um trovão distante. — E ninguém pode fazer o primeiro movimento. Se um reino atacar Sakura preventivamente, será retirado da proteção da União da Rosa-Cruz. E os outros reinos, famintos por território, aproveitarão essa brecha para conquistar o agressor. É um impasse. Um barril de pólvora esperando por uma faísca.
Ele desligou o holograma com um gesto brusco, mergulhando a sala em uma penumbra que parecia amplificar o peso de suas palavras. O silêncio era quase sufocante, quebrado apenas pelo som de respirações contidas e do leve farfalhar de papéis. — É por causa dessas várias possibilidades que o mundo de hoje vive sob um estado constante de tensão. Anotem isso.
Os alunos, agora escreviam freneticamente, as canetas dançando sobre os cadernos enquanto tentavam capturar cada detalhe. Charlotte trocou outro olhar com Lila, que sussurrou: — Acho que nunca vi a sala tão quieta. — Kai, ouvindo, riu baixo, mas até ele estava anotando, o que fez Charlotte erguer uma sobrancelha em surpresa.
Vlad caminhou até o centro da sala, os braços cruzados, observando seus alunos com uma expressão que misturava desdém e uma ponta de satisfação. — Agora lembre-se desse peso que vocês carregam, sempre que saem em missão. Cada decisão, cada movimento, pode acender a faísca. Não se esqueçam disso.
Ele fez uma pausa, deixando as palavras pairarem, antes de apontar para Charlotte. — Williams, resuma o que acabei de dizer em uma frase. Agora.
Charlotte piscou, mas respondeu sem hesitar: — O mundo vive em uma paz frágil, onde cada ação, especialmente em Babylon, pode desencadear uma guerra global. — Sua voz era firme, mas ela sentia o peso de cada palavra.
Vlad assentiu, quase imperceptivelmente. — Nada mal. Agora, todos vocês, escrevam um parágrafo sobre como as ações de Babylon poderiam afetar esse equilíbrio. Entreguem antes de saírem. E não me façam ler lixo.
Enquanto a sala se enchia do som de canetas e murmúrios, Charlotte olhou para o caderno, sentindo o peso do futuro que Vlad descrevera.
Parte 7
Na sala de controle, envolta em penumbras pulsantes de luzes azuis e vermelhas dos monitores, Greta Spielberg exibia um sorriso cruel, uma curva afiada que não escondia sua falta de escrúpulos. Seus olhos, brilhando com um prazer quase sádico, fixavam-se na juíza impassível à sua frente. — E então, querida Nastacia, o que achou dos plot twists? — cantarolou ela, a voz doce e venenosa, como mel envenenado. — Primeiro, um teste de coragem, afiado como uma lâmina. Depois, um desafio de inteligência, tortuoso como um labirinto. E, por fim, um julgamento de moralidade, onde cada escolha pesava como chumbo. Tivemos traição, sacrifício, alianças frágeis que se desfaziam como castelos de areia... foi satisfatório, não acha? Mas agora... — Ela fez uma pausa teatral, inclinando a cabeça com um brilho maníaco nos olhos. — Estamos prestes a alcançar o grande ápice que eu sempre sonhei. O Jogo Final.
Nastacia, com os braços cruzados, observava os monitores com uma expressão de pedra, seus olhos escuros refletindo as imagens frenéticas dos competidores. Sua voz, fria e cortante, rompeu o entusiasmo de Greta. — Você tem péssimos gostos, Spielberg. Qual é o próximo jogo?
Greta girou em sua cadeira, o movimento fluido como o de uma predadora prestes a atacar. Seus dedos tamborilavam no console, e seus olhos faiscavam com uma excitação quase febril. — Oh, este é especial, minha cara. Um espetáculo que separa os fracos dos lendários. Aqui, a velocidade é essencial, mas a observação é a verdadeira chave. A sorte pode te levar longe, mas apenas a lógica te coroará vitorioso. Vamos ver de onde nosso verdadeiro protagonista emergirá... — Ela se inclinou para a frente, os lábios entreabertos em antecipação, como se o próprio destino estivesse prestes a se revelar diante dela.
Na dungeon, um labirinto de pedra e fogo onde o ar cheirava a enxofre e metal queimado, Algoz avançava com uma determinação fria e metódica. Ele estava à frente do grupo, sua silhueta alta e magra movendo-se com a precisão de uma máquina. Seus olhos, duros como obsidiana, brilhavam com um único propósito: descobrir a identidade de "Moriarty".
Ele assim como os demais jogadores recebeu uma carta que prometia sanar suas duvidas. Ele sabia que podia ser uma armadilha — uma possibilidade que não o intimidava. Se fosse o caso, bastaria eliminar o tolo que ousara manipulá-lo. E se, no caminho, pudesse esmagar os Corvos, que cruzavam seu trajeto, seria um bônus delicioso, um prazer quase indulgente.
Enquanto isso, Miko, com seus cabelos negros caindo como uma cortina sobre os ombros, avançava com passos hesitantes, seu coração pesado pela culpa do último jogo. Ela repetia para si mesma, como um mantra, que não havia outra escolha. Tinha que vencer. A resposta sobre o paradeiro da filha exilada do antigo shogun de Sakura era sua única esperança. Foi por isso que se matriculou em Babylon.E se aquele jogo pudesse lhe devolver sua irmã de criação, ela estava disposta a qualquer coisa — até mesmo a sacrificar sua própria humanidade.
A disputa entre Algoz e Miko era feroz, uma dança mortal de estratégia e instinto. Aslo, o demi-humano lobo, com sua pelagem cinzenta brilhando sob a luz rubra da dungeon, chegou a ganhar vantagem com sua velocidade sobrenatural. Seus músculos se flexionavam como molas, e seus olhos dourados brilhavam com a adrenalina da caçada. Mas sua impaciência, um traço que ele nunca conseguira domar, foi sua ruína. Confiante demais, ele saltou para um piso que parecia sólido, apenas para vê-lo se dissolver em uma cascata de luz etérea. Seu rugido de fúria foi curto, abafado pelo brilho incandescente da piscina de magma que o engoliu abaixo, suas chamas lambendo o ar com um rugido faminto.
— E assim mais um candidato a protagonista nos deixa — exclamou Greta, na sala de controle, batendo palmas com um entusiasmo infantil. Sua voz ecoava pelos alto-falantes da dungeon, reverberando nas paredes de pedra. — De dezoito, restam apenas dez! Quem será o próximo?
Um a um, os últimos sobreviventes caíam, sucumbindo à pressão implacável ou a erros fatais. A dungeon não perdoava hesitação, nem piedade. Até que, do fundo da sala, emergindo da misteriosa porta da Lua que haviam escolhido, o grupo de Luck reapareceu, como fantasmas saídos de uma névoa.
Eles se encontraram diante de um abismo de tirar o fôlego. À frente, uma grade retangular de pisos flutuantes se estendia sobre um mar de magma borbulhante, cada onda de calor distorcendo o ar. No final do caminho, reluzindo como um farol em meio à escuridão, estava a "Plataforma da Vitória", um pedestal de obsidiana polida. A voz de Greta, amplificada e carregada de um deleite sádico, ecoou pela caverna.
— Bem-vindos ao meu grand finale, queridos! — anunciou ela, o tom vibrante com uma energia teatral. — Apresento-lhes a Ponte de Éter! Cada um de vocês receberá um 'Número da Sorte' secreto, que determina quantos passos podem dar a cada turno. Alguns pisos exibem 'Números de Éter' visíveis; parem neles, e poderão trocar seu número, se ousarem. Mas cuidado... muitos desses pisos são ilusórios, prontos para trair seus pés confiantes. E, a cada rodada, a última fileira da ponte desaba, engolida pelo fogo. Corram, pensem, sobrevivam! Que o espetáculo comece!
O jogo era brutal, uma sinfonia de tensão e desespero. Luck, agora o protagonista improvável, sentia o peso de suas responsabilidades como uma corrente em seus ombros. Algoz e Miko, já avançando pela ponte, moviam-se com uma velocidade imprudente, confiando na sorte e na astúcia. Mas Luck, ao lado de Riana, Leona e Asuna, permaneceu para trás, seus olhos estreitados enquanto estudava o tabuleiro mortal à sua frente.
— Temos que ir agora! — exclamou Asuna, sua voz trêmula com ansiedade. Seus cabelos rosados estavam desgrenhados, e suas mãos tremiam enquanto segurava a bainha de sua roupa, como se buscasse âncora na realidade.
— Ainda não — respondeu Luck, sua voz firme, os olhos fixos na ponte como um predador analisando sua presa. Ele observava cada movimento, cada erro dos outros competidores.
Um competidor corpulento, com músculos que pareciam esculpidos em pedra, tentou alcançar um "Número de Éter" 6. Ele pisou em um piso com confiança, apenas para vê-lo se desfazer em uma explosão de luz. Ele cambaleou, mas conseguiu se agarrar a um piso seguro, seu rosto contorcido em frustração. Luck anotou mentalmente as coordenadas: Fila 2, Coluna 5. 2+5=7.
Leona, a força bruta do grupo, movia-se com a graça de uma pantera. Sua constituição atlética e sua habilidade de saltar grandes distâncias, carregando Asuna quando necessário, davam ao grupo uma vantagem única. Mas mesmo sua força era inútil contra um piso falso, e ela sabia disso. Seus olhos castanhos brilhavam com determinação, mas também com cautela.
Asuna, por outro lado, parecia guiada por uma mistura de coragem e desajeito. Em um movimento impulsivo, ela tentou dar um passo à frente, tropeçando e caindo com a mão espalmada em um piso que Luck suspeitava ser uma armadilha. Para surpresa de todos, o piso brilhou, mas permaneceu sólido. O piso ao lado, onde ela planejara pisar, dissolveu-se em luz, revelando o magma abaixo. Sua falta de jeito, por puro acaso, salvara o grupo, confirmando a teoria de Luck.
Ele observava, calculando em silêncio. Aslo caiu na Fila 3, Coluna 4. 3+4=7. O competidor corpulento, Fila 2, Coluna 5. 2+5=7. O piso que Asuna quase tocou, Fila 1, Coluna 6. 1+6=7. Um padrão emergia, claro como cristal em sua mente.
— O Número do Vazio... — sussurrou Luck, sua voz quase inaudível sob o rugido do magma. — É 7.
Enquanto isso, na frente, a carnificina continuava. Competidores, movidos pelo desespero e pela velocidade, pisavam em armadilhas, seus gritos ecoando enquanto caíam no abismo flamejante. A ponte se desfazia atrás deles, fileira por fileira, o calor escaldante subindo como uma ameaça constante.
Miko e Algoz, apesar de sua rivalidade feroz, eram mestres em sua própria crueldade. Eram gênios egoístas, usando os outros competidores como peões em um tabuleiro mortal. Observavam onde os outros pisavam, deixando que os mais fracos revelassem as armadilhas antes de fazerem seus próprios movimentos.
Algoz, com seu poder de Entropia, viu uma oportunidade. Seus olhos se estreitaram, e ele sussurrou uma maldição em direção a Miko. Que de repente sentiu uma dor excruciante percorrer sua perna, como se seus ossos estivessem se desintegrando. Ela tropeçou, caindo em um piso falso que se dissolveu sob seu peso. O grito foi breve, engolido pelo magma. Algoz sorriu, um sorriso frio e satisfeito, como o de um caçador que abateu sua presa.
Luck observava tudo, a traição e a crueldade se desenrolando como uma peça de teatro macabra. Ele não podia jogar aquele jogo. Não daquele jeito. Com o conhecimento do padrão — evitar os pisos cuja soma das coordenadas resultava em 7 —, eles começaram a avançar. Lentos, mas metódicos, cada passo cuidadosamente calculado.
Mas a lentidão estava corroendo Leona por dentro. Cada passo metódico de Luck parecia uma eternidade. Seus olhos estavam fixos na Plataforma da Vitória, o brilho da obsidiana chamando por ela como um farol de esperança. Ela viu Algoz e os outros se distanciando e sentiu o pânico subir pela garganta.
Então, ela viu uma rota. Um atalho. Um salto perigoso por três pisos, um dos quais estava perigosamente perto de uma coordenada '7'. A chance de falha era alta, mas cortaria o caminho pela metade.
Luck, que a observava pelo canto do olho, viu a mudança sutil em sua postura. Os músculos de suas pernas se tensionaram, preparando-se para o impulso. A expressão em seu rosto não era de confiança, mas de uma aposta desesperada. Ela ia saltar.
Sem pensar, Luck estendeu o braço e segurou-a firmemente pelo pulso. O toque foi o suficiente para quebrar o feitiço. Leona se virou para ele, o desespero estampado em seu rosto, a pergunta silenciosa: "Por quê?".
Luck apenas balançou a cabeça, um "não" silencioso que era mais poderoso que qualquer palavra. Seu olhar dizia: "Juntos. Ou não chegaremos."
Ela relaxou os ombros, a tensão abandonando seu corpo em uma onda de exaustão. Assentiu, uma única vez. A partir daquele momento, ela seguiu seus passos sem hesitar, a confiança dela não mais no caminho, mas nele.
A Ponte de Éter tornou-se um campo de batalha caótico, onde o ar vibrava com o calor do magma e os ecos dos gritos dos caídos. A traição e a lógica fria haviam dizimado mais da metade dos competidores, mas agora uma nova emoção tomava conta do jogo: a fúria.
— Eu vou encher a cara daquele merda de socos — rosnou Luck, sua voz normalmente calma agora carregada de uma raiva primal. A injustiça, a crueldade calculista de Algoz, havia despertado o antigo delinquente que ele enterrara sob uma fachada de gentileza. Seus olhos, antes analíticos, agora ardiam com uma fúria incandescente, como brasas prestes a explodir em chamas. Ele abandonou o plano, a estratégia, tudo. Movido por um desejo visceral de confrontar seu oponente, ele avançou, usando os pisos seguros que memorizara para saltar pela ponte com uma velocidade vertiginosa.
Algoz o viu se aproximar, um sorriso fino e provocador nos lábios. Ele ergueu uma mão, lançando uma maldição de Entropia — uma onda de energia sombria que deveria apodrecer o piso à frente de Luck, transformando-o em pó. Mas Luck não desviou. Seus pés, envoltos em chamas etéreas azuis, queimaram a maldição antes que ela pudesse tocar o chão. O confronto explodiu como uma tempestade.
Era um choque de estilos opostos. Algoz, insidioso e cruel, lançava feitiços de agonia que atacavam o sistema nervoso de Luck, tentando paralisá-lo com uma dor lancinante. Mas a fúria de Luck era um fogo incontrolável, consumindo a dor e transformando-a em combustível. Ele ativou uma nova habilidade, um ritmo de combate frenético que fazia o ar ao seu redor crepitar.
— Socos no Jogo de Dardos! — gritou ele, sua voz ecoando pela caverna.
Números etéreos começaram a surgir no corpo de Algoz, como alvos em um tabuleiro sobrenatural. Luck desencadeou uma barragem de socos, cada golpe imbuído de seu Ether flamejante. 20. 15. 18. Cada acerto no "número" correto fazia o próximo golpe ser exponencialmente mais rápido, mais forte. O corpo de Algoz tornou-se um alvo em um jogo de dardos mortal, e Luck, em sua raiva cega, não errava um único lance. O som dos impactos ressoava como trovões, e o chão tremia sob a força de cada golpe.
Enquanto os dois titãs se chocavam, os outros competidores aproveitaram a distração. Com a atenção dos mais fortes desviada, eles avançaram, e alguns, mais cruéis, voltaram seus olhos para o grupo de Luck, agora vulnerável sem seu líder.
Leona, com sua força física incomparável, tornou-se o escudo do grupo. Ela se movia como uma leoa, bloqueando projéteis com seus braços, empurrando Riana para pisos seguros e puxando Asuna para longe da borda. Mas os inimigos eram muitos, e a pressão era esmagadora. Ela não podia desviar o olhar por um único segundo.
Foi nesse instante que o desastre aconteceu. Um competidor, manipulando uma rajada de vento arcano, desequilibrou Asuna. Ela gritou, seus pés escorregando na beirada de um piso de obsidiana. Por um momento, seus olhos se fixaram no abismo abaixo: a piscina de magma fervente, um inferno líquido que parecia pulsar com vida própria. O terror era absoluto, uma força que fragmentava sua consciência. Seus olhos se fecharam, e seu corpo pareceu ceder à gravidade.
E então, eles se abriram novamente.
Mas não eram os mesmos olhos. A inocência e o medo haviam desaparecido, substituídos por uma frieza gélida e um brilho de divertimento sádico. Um sorriso que não pertencia ao rosto de Asuna se espalhou por seus lábios, cruel e afiado como uma lâmina.
Ela não caiu. Com uma agilidade que nunca demonstrara antes, girou no ar e firmou os pés no piso. O ar ao seu redor tornou-se gélido, e flocos de neve começaram a cair, sibilando ao tocar o calor escaldante que subia do abismo.
— Que descuido o seu — disse a "nova" Asuna, sua voz suave, mas com um tom cortante que fazia a espinha gelar. Ela encarou o competidor que a atacara, seus olhos brilhando com uma promessa de retribuição.
Com um gesto elegante, ela estendeu a mão. O chão sob os pés do agressor congelou instantaneamente, transformando-se em uma placa de gelo liso. Ele escorregou, os braços se agitando em pânico, e caiu gritando no magma, seu corpo engolido pelas chamas líquidas.
Leona e Riana a encararam, atônitas. Aquela não era Asuna. Não mais.
Com uma graça letal, a nova Asuna começou a se mover pela ponte. Não havia mais desajeito em seus passos; ela deslizava como uma patinadora no gelo, criando pontes de gelo para cortar caminho, disparando estacas afiadas que eliminavam competidores com uma precisão cirúrgica. Ela congelava pisos sob os pés de seus oponentes, enviando-os para a morte com uma eficiência aterradora. E, durante todo o tempo, seu rosto exibia uma expressão de puro e sádico divertimento, como se o caos fosse sua verdadeira casa.
Na sala de controle, Greta se inclinou para a frente, os olhos arregalados fixos na tela que exibia a carnificina gelada de Asuna. Sua respiração estava acelerada, e suas mãos tremiam de excitação. — Sim, Sim, Sim... sim! — sussurrou ela, a voz carregada de um êxtase. — Quando jogado em uma situação sem salvação, quando jogados contra o desespero! É nesse momento que as máscaras caem! E os verdadeiros protagonistas aparecem!
Ela girou para Nastacia, o rosto brilhando com uma alegria profana, como uma deusa cruel contemplando sua criação. — Você não sente? O clímax está aqui!
Na Ponte de Éter, o caos atingia seu auge. Algoz, seu corpo coberto de queimaduras e contusões, se ergueu mais uma vez, recusando-se a ceder. O sangue escorria pelo canto de sua boca, mas seus olhos ardiam com uma determinação inquebrantável.
— Como um membro... da Verbrechen der Evolution... — arfou ele, sua voz rouca, mas cheia de veneno. — Não posso perder... de um jeito tão patético.
Sua mente voltou a uma viela chuvosa, anos atrás. Ele, um garoto magro e ferido, mas vitorioso, cercado pelos corpos ensanguentados de delinquentes que ousaram desafiá-lo. A chuva caía como lâminas, lavando o sangue de suas mãos. Foi então que uma figura emergiu das sombras: Noitora, com seu casaco preto e um sorriso enigmático. Ele estendeu a mão. "Venha comigo. Eu vou criar o mundo que você sonha." Aquele era o mundo prometido — um mundo onde os fortes governavam e os fracos eram esmagados. Algoz não podia falhar, não agora.
Luck viu a determinação nos olhos de seu oponente. Aquilo não era mais um jogo. Era uma batalha de vontades, uma colisão de destinos. Ele precisava terminar isso.
— Jackpot! — rugiu ele, sua voz ecoando como um trovão.
Uma máquina caça-níqueis etérea surgiu atrás dele, os rolos girando em uma velocidade vertiginosa, as luzes piscando em um frenesi hipnótico. ♠️... ♠️... ♠️! O alinhamento perfeito. Maré de Chamas Azuis!
Durante a chuva de socos que ele desferiu no jogo de Dados, seus golpes eram críticos e acertavam partes vitais do oponente. Graças a isso, ao utilizar o Jackpot, o acúmulo de três acertos críticos já era contabilizado, permitindo que a roletagem fosse feita sem atrasos. No entanto, o acúmulo incessante de chamas das duas habilidades usadas em sequência fazia com que Luck exaurisse toda a sua força após o uso de um único golpe.
— Impacto Supernova!
Com um último esforço, Luck concentrou todo o seu Ether restante em seu punho. Uma esfera de chamas azuis, intensas e voláteis, envolveu seu braço, pulsando com uma energia que fazia o ar crepitar. Ele avançou, o chão tremendo sob seus pés, e desferiu o golpe. O soco atingiu Algoz em cheio, uma explosão avassaladora de luz e calor. Algoz foi arremessado como uma boneca de pano, voando por toda a extensão da ponte e se chocando contra a parede de pedra no início do jogo. O impacto foi brutal; seus dentes se quebraram, e seu corpo desabou, derrotado.
Luck caiu de joelhos, o corpo exausto. Ele ofegava, o suor escorrendo por seu rosto, ele sentia os músculos do braço se puxando como se fossem rasgar.
A ponte estava finalmente silenciosa, exceto pelo borbulhar do magma. Da multidão inicial de duzentos, o jogo se resumia a eles. Quatro sobreviventes em um campo de batalha de ilusão e morte.
Vendo seu protetor fora de combate, Leona sabia que precisava agir. A "nova" Asuna ainda estava em um frenesi, eliminando os últimos competidores com uma crueldade glacial. Leona avançou, tentando contê-la, segurando seus braços com força.
— SAIA! — gritou Asuna, sua voz distorcida, como se várias vozes falassem ao mesmo tempo. Uma dor de cabeça súbita a atingiu, e ela pareceu confusa, lutando para afastar Leona. Com um grito de agonia, ela perdeu o controle. O teto da caverna tremeu, e uma chuva de estalactites de gelo, afiadas como lanças, caiu sobre elas, rasgando o ar com um silvo mortal.
Não havia mais para onde correr. Leona estava encurralada, o tempo escoando como areia por entre os dedos. De repente, cortando a tensão como uma lâmina, um borrão de fogo azul irrompeu pela ponte, um cometa de pura energia impulsionado por uma reserva final de poder. Asuna e a figura de fogo trocaram um único e significativo olhar, e o ar crepitou com a iminência do que estava por vir.
Quase que instantaneamente, suas auras explodiram em uma sinfonia de poder elemental. As chamas azuis dançaram ao redor de Leona, um casulo protetor de fogo místico. Porém, a fusão de elementos opostos se provou catastrófica. O calor infernal vaporizou os fragmentos de gelo de Asuna, desencadeando uma explosão térmica que abalou as fundações da ponte. A onda de choque foi brutal, arremessando Asuna e seu adversário para lados opostos como bonecos de pano.
Nesse instante caótico, a pura força de vontade de Luck o impeliu. Ele se tornou um borrão, seu único objetivo era Leona. Com um esforço sobre-humano, ele a agarrou, puxando-a para longe do epicentro da explosão e protegendo-a com o próprio corpo no momento exato do impacto. A adrenalina o abandonou assim que ele a colocou no chão, e ele caiu, exaurido. O som da batalha cessou, dando lugar a um silêncio profundo e ensurdecedor que pairava sobre a devastação.
— Eu... confio... em você para o resto — murmurou ele, sua voz fraca, antes de desabar, inconsciente, no chão frio de obsidiana.
Leona e Riana se entreolharam, os rostos marcados pela exaustão e pelo peso do que haviam testemunhado. Com um esforço hercúleo, elas carregaram seus dois companheiros caídos — Luck e Asuna —, pisando juntas na Plataforma da Vitória, o pedestal brilhando sob seus pés como uma promessa agridoce.
Na sala de controle, Greta estava em êxtase, seus gritos de júbilo ecoando pelas paredes metálicas. — QUE PARTIDA INTENSA! QUE FINAL EMOCIONANTE! — exclamava ela, batendo palmas como uma criança em um circo. Seus olhos brilhavam com uma mistura de orgulho e insanidade, como se ela própria tivesse moldado cada momento daquele caos.
Mas no rosto de Leona, agora na Plataforma da Vitória, não havia celebração. Apenas exaustão, tristeza e uma raiva contida. Seus punhos estavam cerrados, os nós dos dedos brancos, enquanto ela encarava o vazio.
— Ora, vamos, querida, comemore! — zombou a voz de Greta, ecoando pela plataforma como um veneno sonoro. — Pelo menos vocês não morreram. Isso já é alguma coisa, não é?
Uma tela se acendeu ao lado deles, projetando uma imagem cruel. Os últimos competidores, feridos e abandonados na ponte, eram sistematicamente jogados na piscina de magma por drones de segurança, suas formas mecânicas brilhando com uma eficiência fria. Era a limpeza do cenário.
Greta apareceu diante deles, agora como um holograma em tamanho real, sua figura imponente e seu sorriso predatório dominando o espaço. — Vocês venceram — declarou ela, a voz carregada de uma falsa suavidade. — Provaram ser os verdadeiros protagonistas. E agora...
Seu sorriso se alargou, um corte de pura malícia em seu rosto, como o de um predador prestes a devorar sua presa.
— ...o que irá acontecer?
Parte 8
A floresta nos fundos de Babylon, oculta atrás do prédio de culinária, agora uma ruína tomada por trepadeiras e musgo, estremeceu com um rugido primal. As árvores, antigas e retorcidas, pareciam se curvar sob a pressão de uma força invisível, suas folhas sussurrando segredos ao vento.
BOOM!
Uma explosão de energia escarlate rasgou o solo já castigado, abrindo uma nova cratera fumegante. O cheiro de terra queimada e ozônio pairava no ar. Leticia, de pé na borda do buraco, observava o fundo com um misto de exasperação e preocupação. Seus cabelos loiros dançavam com a brisa, e ela cruzou os braços, soltando um suspiro pesado.
— Ele falhou de novo. — Sua voz carregava um tom de cansaço, mas também uma pitada de humor. — Desse jeito, a Kouka vai acabar com ele antes que ele consiga acertar alguma coisa.
A poucos metros dali, sob a sombra de um carvalho centenário, Inori estava sentada a uma mesa improvisada de madeira rústica, as pernas cruzadas com elegância. Diante dela, um tabuleiro de xadrez exibia uma partida tensa. Seu oponente, um Dante de aparência confiante, movia um cavalo com precisão, o clique da peça contra a madeira ecoando no silêncio momentâneo.
— Eu não consigo deixar o arco estável — disse o Dante da mesa, os olhos fixos no tabuleiro, mas a voz carregada de frustração. — Ele sempre explode. É como tentar segurar um trovão. Xeque.
Inori franziu a testa, estudando o movimento com atenção, seus dedos tamborilando levemente na borda da mesa. — Xeque, é? Você é melhor nisso do que com o arco, pelo menos.
Leticia, ainda de olho na cratera, ignorou o jogo e se virou para o Dante da mesa. — Mesmo assim, seu progresso é assustador, Dante. Para alguém que mal conseguia projetar o Ether, você já está formando o arco. Isso não é pouca coisa. Você tem talento. — Ela elogiava Dante, feliz com seu próprio progresso como professora dele, mas logo perdia a concentração olhando para as nuvens.
O Dante da mesa riu, um som leve. — Bom, sobre ter Talento, Eu não sei. — Ele apontou para o tabuleiro com um sorriso presunçoso. — Mas fico feliz em ver que a Inori ainda não venceu uma única partida contra mim.
Inori revirou os olhos, mas um leve rubor coloriu suas bochechas. — Não se gabe tanto. Estou quase te alcançando. — Ela moveu uma torre, tentando recuperar o controle do jogo, mas a expressão de Dante sugeria que ele já havia previsto o movimento.
Antes que a discussão pudesse continuar, um novo estrondo veio do fundo da cratera. Poeira e fumaça subiram em espirais, e uma figura cambaleante emergiu. Era outro Dante, este coberto de fuligem, os cabelos desgrenhados e o uniforme rasgado, exibindo arranhões e hematomas recentes. Ele caiu de joelhos, ofegante, o peito subindo e descendo com dificuldade.
Logo atrás, Kouka saiu do buraco com a graça de um predador, seus cabelos roxos brilhando sob a luz filtrada pelas copas das árvores. Ela estalou os nós dos dedos, um sorriso afiado curvando seus lábios. — Desse jeito, você nunca vai nem encostar em mim, Dante. — Sua voz era uma mistura de provocação e impaciência, os olhos faiscando com um desafio não dito.
O Dante coberto de poeira se levantou, limpando o rosto com o dorso da mão. — Não é fácil, tá? Você é rápida demais! E toda vez que o arco explode, eu sou o único que leva o impacto! — Ele apontou para as marcas de queimadura em seu braço, a frustração evidente em cada palavra.
Kouka não deu tempo para ele se recuperar. Num piscar de olhos, ela avançou, o pé cortando o ar em um chute preciso. Dante tentou se esquivar, o Ether brilhando em torno de suas mãos numa tentativa desesperada de formar o arco mais uma vez. Mas, antes que o golpe conectasse, uma voz fria e cortante atravessou a clareira como uma lâmina.
— Te achei.
O tempo pareceu congelar. Kouka parou no meio do movimento, o pé ainda suspenso. O Dante da cratera girou a cabeça, os olhos arregalados. Até mesmo o Dante da mesa de xadrez levantou o olhar, a peça que segurava esquecida entre os dedos. Todos se voltaram para a origem da voz.
Lá estava ela: uma garota de cabelos pretos com mechas azuis brilhantes, amarrados num rabo de cavalo que balançava ao vento. Sua roupa preta, com uma saia que contrastava com botas pesadas, emanava uma aura de autoridade. Yuki. Seus olhos, frios como gelo, fixaram-se no Dante da cratera, que instintivamente recuou, tentando se esconder atrás de uma árvore.
— Yuki... — Sua voz tremia, um misto de culpa e pavor. Ele parecia um animal encurralado.
— É melhor você ter uma muito boa desculpa — disse Yuki, a voz perigosamente calma, cada sílaba carregada de uma ameaça velada. Ela cruzou os braços, o olhar perfurando Dante como se pudesse enxergar através dele.
O Dante da mesa de xadrez soltou um suspiro teatral, reclinando-se na cadeira. — Duvido que você fosse escutar, mesmo que eu tivesse uma explicação convincente.
Yuki piscou, o olhar saltando entre os dois Dantes. Sua expressão, antes fria e controlada, rachou em uma máscara de pura confusão. — Dois... Dantes?! — Ela deu um passo para trás, como se tentasse decidir se aquilo era uma ameaça ou uma alucinação.
Um tempo se passou. A tensão inicial havia se dissipado, e o grupo agora descansava em um círculo improvisado, sentado sobre troncos caídos e rochas musgosas. O sol poente tingia a floresta de tons dourados e alaranjados, lançando sombras longas que dançavam sobre o chão. Dante, o original, estava caído no chão, esgotado e destruído, enquanto o clone, ainda presente, parecia assustado com a presença dela, mas descansado.
— Então... — Yuki começou, ainda lançando olhares desconfiados para o Dante original. — Você esteve treinando esse tempo todo, se escondendo de todo mundo, e esse foi o resultado? Dois de você?
Dante respirando pesadamente e ofegante falava. — É um jeito de ver as coisas.
— Essa é a minha nova técnica: Lapso Temporal. Um clone retirado de um segundo atrás no tempo. Ainda não está perfeito, mas… — O clone falava com uma voz confiante e Orgulhosa.
— Perfeito? — Kouka interrompeu, cruzando os braços com um sorriso debochado. — Quando vi ele fazer isso pela primeira vez, achei que ele era um gênio. Mas até agora, ele não conseguiu disparar uma única flecha com esse arco instável. — Ela deu de ombros, como se o esforço de Dante fosse apenas uma perda de tempo. — E esses clones dele têm várias desvantagens. Ele só conseguiu fazer dois, sendo que o segundo ficou estável por pouquíssimo tempo. No fim, todo esse treinamento foi meio... inútil."
— Não é verdade! — Leticia interveio, apontando um dedo acusador para Kouka. — Ele está muito à frente do que qualquer um esperava. Formar um arco de Ether já é um feito enorme, e essa técnica do clone? É algo que ninguém aqui já viu antes! — Seus olhos brilhavam com uma mistura de orgulho e determinação de uma professora. — É só uma questão de tempo até ele dominar isso.
— Mas então, Yuki, o que veio fazer aqui? Não é só pra me dar bronca, né? — Dante se apoiava para conseguir ficar sentado enquanto olhava para ela.
O rosto de Yuki endureceu, a leveza do momento evaporando como orvalho ao sol. — Esqueci de contar? — Sua voz baixou, carregada de gravidade. — Charlotte e os outros estão furiosos com você. Foi você quem fez aquela aposta idiota com os Juízes, e na reta final, você simplesmente... sumiu.
Dante engoliu em seco, coçando a nuca novamente, um hábito nervoso. — Foi mal... Eu não queria deixar ninguém na mão.
— Não é só isso — Yuki continuou, o tom agora mais sombrio. Ela se inclinou para frente, os olhos fixos nos dele, como se quisesse gravar cada palavra em sua mente. — Tem algo mais preocupante. Algo urgente.
O ar ao redor do grupo pareceu ficar mais pesado. As sombras da floresta se alongaram ainda mais, e o canto distante dos pássaros cessou, como se a própria natureza pressentisse o peso do que estava por vir. Yuki respirou fundo, o olhar firme, e começou a contar.
Parte 9
09 de Setembro, 02:30 da Madrugada - Labirinto Fantasma, Ilha Flutuante Apocalypse
Luck despertou com o corpo gritando de dor, cada músculo protestando como se tivesse sido esmagado por uma bigorna. A exaustão pesava sobre ele, uma mortalha que parecia sugar o ar de seus pulmões. Seus olhos se abriram lentamente, encontrando o teto abobadado do observatório, onde estrelas falsas brilhavam em um mosaico artificial, pulsando com uma luz fria e prateada. Ele piscou, confuso, a mente enevoada tentando reconstruir o que havia acontecido. Então, a realização o atingiu como um raio: eles haviam vencido.
Com um sobressalto, ele se sentou, o movimento brusco enviando uma onda de dor por suas costas. Seus olhos varreram a plataforma de pedra polida, procurando pelos outros. A poucos metros, Nastacia estava ajoelhada ao lado de Asuna, que permanecia desmaiada, o rosto pálido contrastando com os cabelos rosas espalhados pelo chão. A expressão de Nastacia era indecifrável, os olhos fixos na garota inconsciente.
Do outro lado da plataforma, sob a luz tremeluzente das estrelas falsas, Leona e Riana trabalhavam juntas, amarrando uma Greta Spielberg que se debatia com fúria. Suas cordas cortavam o ar enquanto ela gritava, os olhos brilhando com uma mistura de raiva e desespero.
— O que...? — Luck conseguiu murmurar, a voz rouca, arranhada como se tivesse engolido areia. — Como...?
Nastacia não desviou o olhar de Asuna, mas sua voz cortou o ar com precisão clínica. — Ela não tem força física ou habilidade de batalha. Assim que vocês venceram e o Jogo da Coroa terminou, a autoridade dela como anfitriã evaporou. — Ela fez uma pausa, ajustando uma mecha de cabelo que caía sobre o rosto de Asuna. — Foi fácil para Leona e Riana a imobilizarem.
Luck franziu o cenho, a confusão nublando seus pensamentos. Ele se apoiou numa coluna próxima, o frio da pedra contra sua palma ajudando a ancorá-lo. — Mas... você não vai ajudá-la? Vocês não eram amigas?
Os olhos de Nastacia finalmente encontraram os dele, vazios de qualquer emoção, como um lago congelado sob a luz da lua. — Eu não sou amiga dela. — Sua voz era firme, desprovida de calor. — Eu estava cumprindo meu papel como Juíza, supervisionando um Jogo da Coroa válido. Esse papel acabou no momento em que vocês venceram.
— TRAIDORA! — A voz de Greta irrompeu como um trovão, ecoando pela câmara. Ela se contorcia contra as cordas, o rosto contorcido em uma máscara de fúria. — Você vai pagar por isso, Nastacia!
Riana, com um brilho de satisfação nos olhos, apertou as cordas com mais força, ignorando os protestos de Greta. — Nós a capturamos porque ela é a responsável pelos Jogos de Sombra. — Sua voz era firme, carregada de uma justiça fria.
Greta soltou uma gargalhada histérica, o som cortante e dissonante, como vidro se quebrando. — Sua burra! — Ela cuspiu as palavras, os olhos brilhando com desdém. — Eu não sou a responsável por esses jogos! — Apesar da provocação, ela se recusou a dizer mais, os lábios se fechando em um sorriso enigmático que irritou Riana ainda mais.
— De todo jeito — disse Riana, endireitando-se e limpando as mãos como se quisesse se livrar da presença de Greta —, vamos levá-la ao Comitê de Disciplina. Eles vão saber o que fazer com ela.
Luck se virou para Asuna, o coração apertado ao vê-la tão vulnerável. Ele ainda não conseguia processar o que havia testemunhado: a Asuna desajeitada, sempre tropeçando nas próprias palavras, escondia um poder avassalador... e uma fúria que ele nunca imaginara. Seus pensamentos foram interrompidos por Leona, que se aproximava lentamente, o rosto marcado pela exaustão. Seus olhos, no entanto, brilhavam com uma gratidão silenciosa. Ela moveu as mãos em gestos precisos, a linguagem de sinais fluindo com uma emoção contida.
Obrigada. Por me salvar.
Luck balançou a cabeça, um sorriso cansado surgindo em seus lábios. — Não precisa agradecer. — Sua voz era suave, carregada de uma honestidade crua. — Você também me salvou, Leona. Sem você, eu não teria chegado até aqui. Não teria nem passado da primeira etapa.
Sob a luz prateada do observatório, o rosto de Leona corou, um tom quente que contrastava com a frieza do ambiente. Ela desviou o olhar, claramente sem saber como lidar com o elogio.
A tensão foi quebrada pela voz de Greta, agora carregada de um sarcasmo venenoso. — E então? De quem será a pergunta que devo responder? — Ela fez um beicinho exagerado, os olhos brilhando com malícia. — Eu só prometi dar a resposta para o “protagonista”.
Leona não hesitou. Com um movimento rápido, apontou para Luck, seus gestos firmes declarando: Ele merece.
Riana deu de ombros, desinteressada. — Não ligo. Só estou aqui para capturar bandidos para a Dona Emilia. — Sua voz tinha um tom prático, quase entediado, mas seus olhos brilhavam com a satisfação de uma missão cumprida.
Para surpresa de todos, Luck balançou a cabeça, firme. — Não. Eu recuso. — Ele olhou diretamente para Leona, seus olhos carregados de respeito. — Foi você quem chegou até o fim da linha, Leona. Você foi a verdadeira vencedora. Eu... — Ele fez uma pausa, a culpa pesando em suas palavras. — Eu, movido pelos meus próprios sentimentos, acabei desmaiado, depois de ter falado tudo aquilo para você. Você merece a resposta.
Leona tentou protestar, suas mãos se movendo em gestos rápidos, mas Luck apenas sorriu, um sorriso exausto, mas genuíno. Em sua mente, um pensamento o confortava, como uma luz tênue em meio à escuridão: Se Greta realmente vai responder a uma dúvida, então ela não estava mentindo. A parte da carta que dizia que a tal Delta poderia ser minha irmã... deve ser verdade. Essa certeza, por mais frágil que fosse, trouxe-lhe uma paz inesperada.
Após muita insistência, Leona cedeu. Ela se virou para Greta, os olhos ardendo com uma determinação feroz. Suas mãos dançaram no ar, formando a pergunta que queimava em seu coração. Luck, com a voz firme, traduziu: — Onde está Miriam?
O sorriso de Greta se alargou, quase predatório. De repente, sua habilidade se ativou, e uma onda de energia psíquica invadiu as mentes de todos. O observatório desapareceu, substituído por um “filme clássico” que se desenrolava em suas consciências. Imagens do continente sombrio de Umbra surgiram, uma terra envolta em névoa e escuridão, onde o céu parecia engolir a luz. A visão se estreitou, revelando uma cidade gótica, opressiva, com torres retorcidas e ruas cobertas de sombras. A voz de Greta ecoou em suas cabeças, fria e clara: — É lá onde sua amiga foi parar. A cidade de Zan, depois de ser sequestrada por demônios locais.
A visão se desfez abruptamente, deixando todos atordoados. Luck sacudiu a cabeça, tentando dissipar o zumbido em seus ouvidos. Leona, com o punho cerrado com tanta força que os nós de seus dedos estavam brancos, parecia uma estátua de fúria e resolução. Seus olhos brilhavam com um propósito renovado, mas também com uma dor que cortava o coração de quem a observava.
Ela abriu a boca, as mãos começando a formar outra pergunta, mas ao olhar para o lugar onde Greta estava, percebeu que ela havia desaparecido. As cordas que a prendiam estavam caídas no chão, frouxas, como se nunca tivessem segurado ninguém.
— O que aconteceu?! — exclamou Luck, o coração disparando.
Nastacia, ainda ajoelhada ao lado de Asuna, respondeu com uma calma gélida: — Depois de fazer vocês verem aquilo, uma garota de cabelos rosas apareceu e a levou. — Sua voz não traía nenhuma emoção, como se o evento fosse apenas um detalhe insignificante.
Luck sentiu a raiva subir à garganta. Ele se lembrou da garota de cabelos rosas que os ajudara, uma figura enigmática que parecia estar sempre um passo à frente. — E por que você não a impediu?!
Nastacia ergueu o olhar, os olhos tão frios quanto o teto estrelado acima deles. — Não era minha responsabilidade.
Antes que Luck pudesse retrucar, um brilho súbito chamou sua atenção. Os contadores de coroa em seus pulsos piscaram, os números subindo vertiginosamente. As cinco mil coroas de Greta haviam sido divididas entre eles, um prêmio inesperado que parecia zombar de sua exaustão.
A vitória tinha um gosto amargo. Eles estavam ricos em coroas, Leona tinha uma pista sobre Miriam, e Luck, uma confirmação sobre Delta. Mas seus corpos estavam machucados, suas mentes exaustas, e o Jogo da Coroa os havia deixado com mais perguntas do que respostas. Enquanto se preparavam para deixar o observatório, carregando uma Asuna ainda desacordada, Luck não conseguia afastar a sensação de que haviam se tornado peças em um jogo muito maior. Quem era aquela garota de cabelos rosas? E que tipo de ameaça pairava sobre eles?
Parte 10
Algumas horas haviam se passado desde o caos do labirinto ensanguentado, onde a exaustão e o desespero dos competidores ainda ecoavam como um pesadelo distante. Agora, na opulenta suíte situada no pináculo de um dos arranha-céus de Elysium, uma calmaria enganadora reinava. A cidade lá embaixo pulsava com luzes neon, um mar de cores artificiais que contrastava com o silêncio quase sagrado do ambiente. A suíte, decorada com móveis minimalistas de linhas elegantes e janelas que se estendiam do chão ao teto, oferecia uma vista panorâmica da metrópole, como se os ocupantes fossem deuses observando um tabuleiro de xadrez vivo.
No centro do aposento, diante de um espelho de moldura prateada, a garota de cabelos rosas — a salvadora silenciosa de Luck e a libertadora de Greta — movia-se com precisão calculada. Com um gesto prático, ela removeu a peruca, revelando um cabelo preto e curto, cortado em ângulos modernos e afiados que emolduravam seu rosto como uma lâmina. A expressão dócil e enigmática que usara antes dissolveu-se, dando lugar a um semblante de cansaço misturado com uma irritação contida, como se o peso de sua fachada fosse uma corrente que ela carregava por tempo demais.
— Eu não gosto desse disfarce — disse ela, a voz agora mais grave, direta, desprovida do tom melífluo que usara no labirinto. Ela jogou a peruca sobre uma mesa de vidro próxima, onde o reflexo da cidade dançava na superfície polida.
— Oh, não seja tão chata, Mo-chan! — cantarolou Greta, reclinada em um sofá de couro branco, uma taça de vinho tinto girando em sua mão. A luz suave da suíte fazia o líquido brilhar como sangue fresco. — Não tínhamos escolha. Dois membros da Alvorada não podem ser vistos tão facilmente, sabe? Seria como acender um holofote em cima de nós.
A garota, Moriel, virou-se lentamente, o movimento carregado de uma precisão quase felina. Seus olhos, agora livres da máscara de ingenuidade, brilhavam com uma inteligência afiada e uma pitada de impaciência. — O que você descobriu? — perguntou, a voz cortante, indo direto ao ponto.
Greta sorriu, um sorriso satisfeito que parecia saborear cada segundo do momento. Ela tomou um gole do vinho, deixando a taça pairar perto dos lábios antes de responder. — Exatamente o que Moriarty previu. — Sua voz era leve, quase provocadora, mas carregada de uma certeza venenosa. — Eu vi a memória de todos que importavam. A Verbrechen der Evolution realmente não tem uma Arma do Apocalipse. Mas, agora que sabem que estão sendo observados, estão caçando nosso querido fantasma. — Ela fez uma pausa, os olhos brilhando com um prazer quase infantil. — É como assistir a ratos correndo em círculos.
Moriel cruzou os braços, o rosto impassível, mas seus olhos eram como gelo. — Que pena — disse ela, a palavra desprovida de qualquer emoção genuína, como se estivesse recitando um fato trivial.
Greta ergueu uma sobrancelha, intrigada. — Pena? Por quê?
Moriel se aproximou da janela, o reflexo da cidade dançando em seus olhos enquanto ela falava. — Porque se eles nos atacarem, não teremos escolha a não ser contra-atacar. — Sua voz era fria, cada sílaba cortando o ar como uma lâmina. — E isso é uma pena, porque eu havia indicado eles como possíveis aliados. — Ela deu de ombros, o gesto casual contrastando com a ameaça implícita em suas palavras. — Mas qualquer cachorro que morde a mão do dono precisa ser punido.
Greta soltou uma risadinha, o som borbulhante como o vinho em sua taça. — Você é tão malvada às vezes, Moriel. — Ela se levantou do sofá, o vestido esvoaçante acompanhando seus movimentos com uma graça teatral. — Mas é por isso que te adoro.
Moriel ignorou o comentário, pegando um comunicador prateado que repousava sobre a mesa. Seu rosto se transformou numa máscara de profissionalismo, os traços endurecendo como se ela tivesse vestido uma armadura invisível. Ela discou um número com movimentos precisos, a luz do dispositivo refletindo em seus olhos.
— Sim, sou eu, Moriel — disse ela, a voz agora formal, quase militar. — Estou aqui com a Greta. Terminamos o trabalho. Já pode expor as informações sobre eles. Sim... a Verbrechen não será útil.
Ela fez uma pausa, ouvindo a voz do outro lado da linha, o comunicador emitindo um leve zumbido. Greta, no entanto, não resistiu à tentação de interromper. Sua voz explodiu em empolgação, como uma criança que não conseguia guardar um segredo. — Ah! É verdade! Conte para ele também que eu descobri a localização de DUAS Armas do Apocalipse de uma só vez!
O ar na suíte pareceu congelar. Moriel ficou paralisada, o comunicador ainda colado ao ouvido. Lentamente, ela virou a cabeça, os olhos se estreitando em fendas perigosas, como os de um predador prestes a atacar. — O quê? — sibilou ela, a palavra cortante o suficiente para fazer Greta recuar um passo. — Espere um segundo — disse ao comunicador, antes de desligar a chamada com um clique seco.
Ela se virou completamente para Greta, o olhar tão intenso que parecia capaz de perfurar a alma. — Por que você não me falou isso antes?!
Greta piscou, surpresa, mas logo recuperou o sorriso travesso. — Ora, Mo-chan, não é tão grave assim! Eu só... esqueci de mencionar. — Ela deu de ombros, mas o brilho em seus olhos traía a satisfação de ter causado um impacto.
Moriel respirou fundo, o punho cerrado com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos. Enquanto as luzes de Elysium brilhavam lá embaixo, a suíte ficou envolta em um silêncio tenso, quebrado apenas pelo som distante do vento contra as janelas. O próximo movimento estava sendo traçado, e o mundo inteiro seria o palco.
Parte 11
12 de Setembro, 09:30 da Manhã
Na manhã seguinte, a frágil paz que pairava sobre Babylon foi estilhaçada, não por uma explosão ensurdecedora ou o toque estridente de um alarme, mas por algo muito mais insidioso: uma torrente de informações que se espalhou como veneno. Cada tela no campus — dos imensos monitores holográficos que dominavam os pátios arborizados aos celulares nas mãos trêmulas dos alunos — piscou em uníssono, substituindo propagandas e avisos rotineiros pelo selo vermelho e dourado do Conselho Estudantil. O que veio em seguida foi uma avalanche de revelações que chocou a academia, arrancando suspiros de horror e sussurros de fúria.
Imagens granuladas de câmeras de segurança surgiram, mostrando sequestros brutais em becos escuros de Elysium, onde figuras encapuzadas arrastavam vítimas para as sombras. Documentos confidenciais, redigidos em fontes frias e técnicas, detalhavam experimentos humanos desumanos, com descrições de cobaias submetidas a horrores inimagináveis em nome de um progresso distorcido. Mapas digitais de Geonova brilhavam nas telas, com alvos marcados em vermelho vivo, indicando planos para ataques terroristas que fariam tremer as fundações do mundo. A verdade sobre a Verbrechen der Evolution, antes oculta nas profundezas da conspiração, agora estava exposta como uma ferida purulenta, aberta sob a luz impiedosa do sol.
A reação foi imediata e visceral, como uma onda sísmica atravessando o campus. O medo se espalhou como fogo selvagem: a possibilidade de Babylon ser vista como inimiga pelos outros reinos era uma ameaça que pairava como uma guilhotina. Em questão de minutos, cartazes digitais de "Procurado" começaram a piscar em todas as telas, exibindo os rostos dos membros da Verbrechen der Evolution — figuras sombrias cujas nomes agora eram sinônimos de traição. As recompensas em coroas oferecidas por suas capturas eram astronômicas, números que fariam até o mais cauteloso dos caçadores salivar. A ordem oficial de caçada ao grupo foi dada, e o campus, antes um refúgio de aprendizado e rivalidade, transformou-se em um campo de batalha iminente.
No topo da torre principal, no escritório do diretor, a atmosfera era tão densa que parecia sufocar o ar. Aleister, o diretor de Babylon, estava recostado em sua cadeira de couro negro, a luz da manhã filtrada pelas janelas de vitral lançando sombras coloridas em seu rosto. O ar brincalhão que costumava defini-lo havia desaparecido, substituído por uma seriedade fria, quase cortante. Seus olhos, normalmente cheios de um brilho astuto, agora carregavam o peso de uma decisão inevitável. Diante dele, Blade, o Presidente do Conselho Estudantil, permanecia de pé, os ombros retos, mas a tensão visível nos músculos de sua mandíbula.
— Dê um fim nisso, Blade — disse Aleister, a voz baixa, mas carregada de autoridade. Cada palavra parecia uma sentença final.
Blade inclinou a cabeça, o olhar firme, como o de um soldado recebendo ordens antes de uma guerra. — Considere feito — respondeu, a voz tão afiada quanto uma lâmina.
De volta à sua própria sala no prédio do Conselho Estudantil, Blade caminhava de um lado para o outro, o som de seus passos ecoando contra o piso de mármore polido. A sala, decorada com estantes de livros antigos e mapas estratégicos, parecia pequena diante da magnitude do que estava por vir. Ele se sentou à sua mesa, os dedos tamborilando sobre a superfície de madeira escura enquanto sua mente traçava as linhas de uma batalha que ainda não havia começado. Era hora de mobilizar os dois grupos mais voláteis de Babylon: os Corvos, conhecidos por sua imprevisibilidade e ferocidade, e os Juízes, cuja disciplina fria contrastava com o caos dos adversários. A caçada à Verbrechen der Evolution seria o campo de provas final para a competição entre eles, um teste que definiria o futuro da academia.
Blade abriu seu comunicador, preparando-se para enviar a mensagem oficial que soltaria os cães de caça. Mas antes que pudesse começar, uma voz suave, quase etérea, cortou o silêncio da sala.
— Os Corvos vão adorar essa notícia.
Blade parou, a mão ainda suspensa sobre o dispositivo. Ele virou a cabeça, confuso, e seus olhos encontraram sua assistente, uma pequena garota de cabelos pretos que estava parada em um canto da sala, organizando uma pilha de arquivos com uma precisão metódica. Seus movimentos eram tão silenciosos que ele quase esquecera sua presença. Ela não o olhou, continuando a alinhar os papéis com uma calma desconcertante.
— Do que você está falando? — perguntou Blade, a testa franzida, a voz carregada de uma desconfiança instintiva.
A garota, sem desviar os olhos de seu trabalho, respondeu com um tom factual, como se estivesse comentando o clima. — Eles devem querer vingança, não é?
Blade a encarou, o cenho ainda mais franzido. Ele conhecia sua assistente havia tempo suficiente para saber que ela nunca falava sem motivo. Suas palavras, aparentemente inocentes, sempre escondiam camadas de significado. — Vingança pelo quê? — perguntou, o tom agora mais firme, exigindo clareza.
Pela primeira vez, a garota ergueu o olhar, seus olhos escuros encontrando os de Blade com uma intensidade que parecia atravessar sua alma. O silêncio que se seguiu foi pesado, carregado de uma promessa de revelações. — Porque ontem, uma das membras da Verbrechen der Evolution parece ter atacado uma das Corvos. — Sua voz era calma, mas cada palavra parecia cuidadosamente escolhida. — Uma garota chamada Sophi Pencilgon.
O nome atingiu Blade como um golpe. Ele ficou imóvel, os dedos ainda pairando sobre o comunicador, enquanto a informação se assentava em sua mente.



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