The Fall of the Stars: Capítulo 1 - Uma escolha
- AngelDark

- 14 de jul.
- 30 min de leitura
Volume 5: Amor
Parte 1
— Se fosse você, que escolha faria?
Uma voz gentil, masculina, calma e terna falava.
Imagine-se, então, na seguinte situação: um dia, você simplesmente é arrancado do conforto de sua casa em meio a uma tempestade violenta e gélida. Você é conduzido a um destino incerto para uma missão incerta. A carruagem enviada para buscá-lo balançava e rangia, e o frio cortante que entrava pelas frestas era tão grande que parecia atravessar suas vestes. Junto com ele, um mal-estar o invadia, mesmo que seu corpo estivesse habituado a longos trajetos. Além disso, um silêncio incômodo o cercava, vindo de seus acompanhantes, uma sensação sinistra que se entranha em você. Mas, finalmente, a jornada árdua termina no momento em que você chega ao local designado. Assim, tudo que restava era esperar por ordens. Mas, em vez de informá-lo sobre o exato lugar aonde você havia chegado, você é guiado por um novo caminho: uma descida ao porão imundo de uma prisão. Ali, no antro fétido e úmido reservado para interrogatórios brutais, seus olhos encontram uma mulher. Seu corpo, devastado por uma violência indescritível, mal parece capaz de sustentar a vida, completamente vulnerável, e em seu olhar não há traço de hostilidade, apenas um vazio. Então, sem qualquer preâmbulo ou explicação, as figuras que o cercam proferem as seguintes palavras:
“Sua missão é executá-la”.
— E agora, pergunto novamente: o que você faria?
Parte 2
10 de janeiro de 19946
Anos antes daquele dia, um novo grupo de Scarlunes foi formado a partir das novas crianças daquela geração. Entre eles estavam Heitor, Heisen, Moriel, Love e Lorelei. O grupo conseguiu realizar um grande número de missões, mesmo com pouca idade, revelando uma boa quantidade de prodígios naquela geração. Mas havia algo que os tornava diferentes e um tanto incomuns: em nenhuma das missões para as quais foram enviados houve qualquer morte, seja entre os membros do grupo, como também entre seus inimigos. Sempre as missões eram concluídas sem a necessidade de uma morte. Não era uma obrigação matar os adversários, mas aquela foi realmente a primeira vez, em todas as gerações, que algo assim acontecia.
O garoto observava, no chão, uma pequena formiga que caminhava alheia a tudo e todos. Enquanto isso, sentado na cadeira à frente dela, ele a observava com uma expressão tranquila. Mas, então, um dos outros garotos ao seu lado perguntou:
— Ao menos está escutando, Love? — Heitor reclamou, irritado.
— O quê? — Love respondeu, como se tivesse viajado em seus próprios pensamentos.
— Droga! Por que você tem que ser assim? É por conta disso que sempre acabamos do mesmo jeito! — Heitor falou, levando as mãos ao rosto e sentando-se.
Todos à sua volta pareciam acostumados com aquilo: tanto com as brigas e desavenças entre os dois, quanto com aquele corredor cheio de cadeiras, como se não fosse a primeira vez que pisavam lá.
— Podem entrar.
Uma mulher de cabelos pretos presos em um rabo de cavalo, corpo esbelto e pele branca chamou os garotos para dentro de sua sala. Eles entraram sem nem prestar atenção, completamente no automático, sentando-se nas cadeiras de sempre, pegando os doces que lhes eram deixados e esperando a mulher se sentar diante deles.
— Então, o que querem me dizer? — a mulher perguntou de forma enigmática, não explicitando o que queria que dissessem, mas deixando claro que gostaria de ouvir algo.
— Por que todo esse rodeio? Por que só não pergunta logo por que nós agimos de forma tão idiota em todas as missões e não matamos ninguém? — Heitor disse com raiva, mas, obviamente, sua raiva não estava direcionada à mulher, e sim a um de seus colegas.
— Até quando vai ficar latindo nos meus ouvidos, Heitor? — Heisen falou, sem nem desviar o olhar.
— Se não gosta, por que se senta ao meu lado todas as vezes? E por que não coloca logo juízo nessa cabeça do seu irmão? — Heitor mudou seu foco para Heisen agora.
— Que dor de cabeça! Vocês têm sempre que repetir isso todas as vezes! — Lorelei disse, tampando os ouvidos.
Enquanto conversavam, Love continuava com o olhar baixo, fitando o chão sem focar seus olhos nos de ninguém. Viu então a pequena formiga que notara antes, do outro lado da sala, entrando numa fenda e se reunindo com algumas outras. De repente, Love sorriu, apenas a observando. Mas, notando isso, Heitor não gostou nada.
— Droga, presta logo atenção!
Então, ele se levantou e foi na direção das formigas para esmagá-las com o pé. Love ficou paralisado, mas Moriel interveio e o parou.
— Calma, Heitor, vamos nos acalmar.
Heitor então se sentou, acalmando-se, e todos continuaram sentados diante da mulher que observava tudo.
— Tem algo a falar, Love? — a mulher disse, olhando-o diretamente. De repente, todos na sala voltaram seus olhos para Love, tentando escutar o que ele iria falar.
— Me desculpe, senhorita Rani.
Todos reagiram como se já esperassem aquela resposta, como se não tivesse sido a primeira vez. Então, Rani os liberou.
— Nós nos veremos de novo após a próxima missão.
Assim, o grupo saiu da sala e começou a ir até o enorme salão da mansão. Love ainda continuava com o mesmo olhar, sem falar nada. Chegando lá, todos se sentaram em algum lugar para conversar, enquanto Love, ainda de pé, correu até um canto da sala, pegou um regador e começou a regar todas as plantas, como de costume, colocando algumas onde havia mais luz do sol e trocando outras de lugar. Mas ninguém demonstrou qualquer reação, continuando a agir como sempre.
— Então, quando vai ser a próxima? — Heitor questionou.
— Acho que vai ser depois de amanhã — Moriel respondeu.
— Então não venham me encher o saco até lá — Heitor comentou, enquanto virava de costas e se afastava do grupo.
— Odeio concordar com aquela subespécie, mas também estarei ocupado. Agora estou perto de desenvolver uma teoria sobre o que separa os olhos que realmente se tornam Devil Eyes daqueles que falham e viram mutações — Heisen disse, voltando para seu quarto.
— Entendo. Só tome cuidado com esses experimentos — Moriel acrescentou, mas Heisen nem se virou, parando apenas uma única vez para falar.
— Tenha uma boa noite, irmão. — Uma frase solta, direcionada a Love, antes de voltar a caminhar. Love o encarou de longe com um sorriso, mas não disse nada.
— E vocês dois, vão fazer algo? — Moriel perguntou para os últimos dois na sala.
Mas, sem parecer querer responder, Lorelei começou a caminhar em direção à saída, e assim a porta atrás dela se fechou.
— Já devia ter esperado — Moriel murmurou para si mesmo, enquanto seus olhos percorriam a sala. Então, vendo Love, aproximou-se e disse:
— Olha, eu sei que o Heitor é daquele jeito, mas, é sério, ele não faz por mal. — Moriel falou, sem saber como Love estava se sentindo.
— Está tudo bem, Moriel. Eu entendo isso. Amo a minha família, mesmo sabendo como eles são. Não vão ser uns gritinhos que vão me fazer ficar bravo com ele — Love respondeu, sem se virar.
— Entendi. Então, tudo bem. Vou indo nessa também. Até mais, Love.
Assim, Moriel saiu, deixando Love sozinho naquele enorme salão.
Enquanto terminava de colocar os vasos de flores, ele percebeu mais formigas agora trilhando o mesmo caminho e divagou, como se estivesse falando com elas:
— Moriel é tão incrível! Ele sempre se impõe e intervém, sempre dá para confiar nele.
Love disse, sorrindo, enquanto se dirigia para fora da mansão.
O garoto então foi até as jaulas dos animais no fundo da mansão para alimentá-los. Ele sempre conversava com os animais como se fossem capazes de entendê-lo. A maioria dos animais nas jaulas não era dele, e sim dos outros membros de sua família, mas isso fazia parte do cotidiano de Love.
— E aí, coelhinho, a Nina anda te dando bastantes abraços? Calma, senhor Lobo, eu vou levar a sua carne já, já. É só que vou abrir a janela só depois, para os engraçadinhos do fundo não fazerem barulho.
Ele contava histórias sobre os parentes que viu durante o dia e fazia perguntas. Sempre que falava sobre sua família, um brilho surgia nos olhos de Love. De repente, o saco de cenouras para os coelhos gigantes de Nina acabou antes que ele conseguisse encher a tigela de um deles.
— Acho melhor eu ir pegar um pouco mais no armazém.
Ele saiu então, todo animado. De repente, viu as crianças mais novas da casa. Normalmente, elas ficavam nos andares de baixo, mas de vez em quando subiam para brincar na superfície. Atualmente, pareciam ter se reunido ao lado da mansão para jogar bola. Ver aquilo causou um brilho nos olhos de Love. Ver seus primos brincando de bola sem motivo, apenas porque queriam... Assim, ele se escondeu atrás de uma moita para observar de longe, com seu sorriso e brilho nos olhos. Ele se animava quando os via marcar gols, ficava triste ou irritado quando aconteciam substituições – coisas normais de se sentir assistindo a um jogo. A questão era que isso acontecia para os dois lados; ele não estava torcendo para um time específico, mas parecia que apenas queria vê-los se divertindo.
De repente, uma das crianças chutou a bola forte demais, e ela começou a ir em direção ao penhasco do abismo. Uma das garotas correu atrás da bola e saltou tentando pegá-la. Conseguiu alcançá-la bem na beirada, mas, de repente, o chão cedeu, e a garota começou a cair. Desesperado, Love correu na direção dela antes mesmo de perceber; seu corpo se moveu por conta própria. Ele a pegou no meio da queda e protegeu o corpo da garota com o seu. Felizmente, a queda não era direta, mas sim com alguns patamares – algo de que ele, no meio do desespero, havia se esquecido. Assim, só se machucou, mas não caiu direto no abismo.
— Você está bem? — Love perguntou, olhando para a garota.
— Droga, a bola estourou! — a garota disse, olhando a bola murcha em suas mãos, parecendo nem se importar com a queda.
— Ei, Luka, o que aconteceu? Consegue jogar a bola de volta? — uma das crianças no topo gritou.
— Não, a bola estourou! Devem ter chutado ela com muita força!
As crianças no topo então começaram a brigar, enquanto a pequena garota saiu de cima de Love, agradeceu-lhe e voltou a subir. Love, sem falar nada, subiu também, completamente em silêncio. Chegando ao topo e se aproximando da mansão, deu um último olhar para as crianças, que agora brigavam.
— Você não consegue entender, né? — Lorelei disse, aproximando-se de Love, que encarava as crianças com uma expressão estranha.
— Elas nem se preocuparam, nem chamaram ninguém, só aceitaram.
— Isso porque para eles... para nós, isso é o normal.
— Mas... mas... nós somos família...
— Sim, somos... Mas isso realmente faz alguma diferença? São só outras pessoas com quem convivemos, às vezes conversamos e brincamos... Não é diferente de qualquer outra pessoa.
— Ainda assim! Mesmo que fosse só outra pessoa!
— Mesmo assim você acharia que o certo era fazer algo, tentar ajudar.
Ao ouvir aquilo, Love voltou a olhar para baixo, com uma expressão triste e desanimada.
— Realmente, você é muito esquisito... — Lorelei disse, e pensou: “Mas talvez seja isso que te torne especial.” — ...enquanto voltava a andar. Love continuava parado no mesmo lugar quando ela chamou sua atenção:
— Então, você vem?
— O quê?
— A comida para os animais... ainda tem alguns que você não alimentou, não é?
Love então sorriu e, junto com Lorelei, voltou a ir em busca das cenouras para alimentar os coelhos.
Parte 3
Um dia e algumas horas depois, o grupo havia novamente se reunido para cumprir a nova missão. Como sempre, todos esperavam em fileira. Mesmo Heitor, que costumava causar confusão nessas horas, apenas observava quieto, esperando por suas ordens sem questionar.
— Quais foram as ordens? — Heisen perguntou.
— Uma criança da nossa família foi sequestrada. Nossa missão é ir ao seu resgate — Love disse.
— Vamos acabar com esse desgraçado! — Heitor murmurou.
— Eu já disse, não vamos matar ninguém — Love afirmou.
— Espere! Mas ele está sequestrando um de nós! Até você deve ficar puto com isso. Não é sempre você que fala sobre como a família é importante? — Heitor questionou.
— Mesmo assim, podemos recuperá-la em segurança sem precisarmos derramar sangue. Não é você que diz como é forte? Deve ser fácil para você, Heitor — Love respondeu calmamente.
— Tsk! Se é a ordem do líder, não é como se eu pudesse dizer outra coisa — Heitor resmungou.
Assim, o grupo agia com calma e diligência descomunais. Mesmo com suas diferenças, naqueles momentos ninguém falava nada; todos apenas obedeciam às ordens do prodígio mais destacado da família em anos, Love Scarlune. E assim, enquanto o brilho da lua refletia sobre eles no meio da madrugada, o grupo se movia em direção ao sequestrador.
O que começou com uma simples missão se desdobrou em eventos que nenhum dos membros daquele grupo poderia prever. O grupo que havia sequestrado a criança, na realidade, estava planejando ser seguido; estava querendo capturar bem mais Scarlunes do que apenas uma mísera criança, para transformar em escravos e em armas vivas supremas. Sabendo quão fortes eles eram, mas que também a própria família não mostrava qualquer apego entre si, eles se concentraram em sequestrar uma criança e deixar seus rastros para que seus perseguidores (crianças da família que normalmente são enviadas para missões) viessem atrás deles. Com um exército de Shapers poderosos, eles planejavam capturá-los, sabendo que os Scarlunes mais velhos não iriam persegui-los apenas por causa de crianças. Assim, eles conseguiram realizar seu plano com extremo êxito: levaram Shapers acostumados a batalhas contra monstros de nível alto e com táticas de guerra, além de mercenários, sabendo que, se conseguissem vender um Scarlune no mercado de escravos, conseguiriam riquezas para uma vida toda, e ainda sobraria.
— Não vai dar, droga! Love, pegue a Lorelei e o Heitor e dê o fora daqui! — Heisen gritava com o olho direito ensanguentado.
— Eu não vou deixar você e o Moriel para trás! — Love gritava ao seu lado.
— Olha a situação! Não há nada que possamos fazer! — Heisen continuava a gritar enquanto os mercenários atiravam com armas de fogo e esferas de fogo, destruindo ainda mais a única pedra que eles conseguiam usar como abrigo. Love via o estado de Heisen ensanguentado, Lorelei caída quase morrendo, e Heitor com o braço quebrado e a garganta roxa e Moriel havia sido capturado. Ele sentia tudo desacelerar: o cheiro de pólvora crescia, junto com a fumaça; os batimentos de seu coração aceleravam, com o som sobrepujando os gritos de Heisen.
Os instintos de Love já sabiam, antes mesmo de ele admitir para si mesmo: se nada fosse feito, todos morreriam. Assim, com lágrimas nos olhos, ele se levantou, andando em meio aos tiros e chamas sem temor.
— Não! Para onde você está indo, LOVE?!
Enquanto Love andava, as habilidades de todos à volta se desativaram sem motivo aparente. Quando as balas das armas de fogo começaram a atingir o corpo de Love, marcas negras apareceram pelo corpo dos mercenários e, de dentro de seus corpos, enormes espinhos retorcidos saíam. Um a um, eles começavam a morrer. Sem parar ou hesitar, apesar dos machucados, Love continuava seguindo sempre em frente, com seu olhar triste e desolado. Mais e mais pessoas à volta começavam a morrer. E então, ele chegou àquele que parecia estar liderando toda aquela investida. O homem caiu, tentando se afastar, e continuava a se mover para trás sem tirar os olhos de Love, tremendo apavorado, sem conseguir acreditar que aquele garoto magrelo e frágil, sozinho, sem mover uma única mão, matou todos os seus mercenários e destruiu por completo seus planos. Ele observava os olhos de Love profundamente: olhos que carregavam dor e tristeza sem fim.
— Era isso que você queria? Não tinha mesmo outro jeito? Somos todos humanos, então por que ainda assim...? — Love falava enquanto lágrimas escorriam de seus olhos.
— Han?... Ha... hahaha! Do que você está falando, seu monstro?! Vocês, Scarlunes, são apenas aberrações em forma humana! Não se façam de vítimas agora! — o homem falava, puxando uma pistola de sua cintura e tentando atirar, mas, nesse segundo, Love cortou a mão do homem com um único movimento e assim colocou a espada em sua garganta.
— Entendo… então… morra para esse monstro que você ajudou a criar — Love falou sem hesitar. Mas quando a carteira do homem, que havia caído de seu bolso, se abriu com o vento e fotos de sua família apareceram, na hora Love hesitou e suas mãos ficaram trêmulas. O homem, percebendo isso, começou a chorar.
— Por favor, não me mate! Eu juro que nunca mais farei isso de novo, eu juro! Por favor, tenha piedade, eu tenho família me esperando!
O homem se ajoelhou e suplicou por misericórdia. Na hora em que as mãos de Love ficaram frouxas e sua espada desceu, o homem percebeu, pegou a pistola com a outra mão e tentou atirar na cabeça de Love quando, de repente, Heisen apareceu, enfiando uma lâmina no peito do homem, que caiu e disparou, errando Love.
— Heisen!
Ainda assim, a bala acabou pegando Heisen de raspão e piorando sua situação.
— Droga, seu idiota… não baixe a guarda tão… fácil… — Heisen falou antes de perder a consciência, deixando Love novamente sozinho, cercado por diversos corpos, sangue e morte. "Por quê?" Aquilo era a única coisa que passava pela cabeça de Love. E assim o tempo passou. Love conseguiu levar alguns de volta à mansão e pediu ajuda para resgatar os demais. Ninguém do grupo de Love acabou morrendo, apenas a criança que havia sido sequestrada, pois os mercenários não confiavam em ter uma refém tão perto deles enquanto armavam a emboscada. Mesmo que ela fosse só uma criança e não pudesse vencê-los, se ela entregasse a posição deles, poderia comprometer o plano, por isso resolveram matá-la. Love só conseguia se perguntar "por quê?" na frente da ala médica da mansão, onde seus amigos estavam. Assim, Rani foi até ele e então perguntou:
— Então, o que quer me dizer?
Começando a chorar, se perguntando se havia sido culpa dele, Love falou:
— Eu não vou… eu não vou mais. Não importa o que aconteça comigo, eu não vou mais fazer essas missões…
— Entendo. Então, o que planeja fazer agora?
Aquele foi o momento em que Love descobriu que, diferente do que acreditava, nenhum Scarlune era forçado a realizar aquelas missões. Eles apenas as designavam, e os membros só precisavam fazê-las até que alguém pedisse para parar, conseguisse determinação o suficiente para dizer que não queria mais; assim as missões acabariam. E, para piorar, Rani sempre achou que ele iria desistir logo, tendo em vista que parecia que ele mesmo não gostava de realizar aquelas missões. Ela tinha certeza de que os demais já teriam desistido normalmente, mas continuaram a segui-lo, preocupados com o que poderia acontecer com Love se ele continuasse a fazer aquelas missões sozinho.
— Acho que, no final, você foi aquele que mais acreditou que não podia existir um mundo onde você não fosse mandado para lutar, não é?
Love percebeu a verdade e também que o estado de seus companheiros não era culpa de ninguém além dele mesmo. Ao entender isso, Love caiu no chão de joelhos, chorando e colocando as mãos no próprio rosto. Ele então observou novamente uma formiga no chão; dessa vez, elas estavam indo em direção a uma formiga que havia morrido na trilha que costumavam usar. Elas a carregavam e levavam para longe – necroforese. Mesmo as formigas, grandes trabalhadoras em equipe, ainda assim descartavam os mortos, priorizando a eficiência para manter sua colônia limpa.
— Esse mundo… essa porcaria de mundo…
Naquele momento, Love entendeu que não era questão de os Scarlunes serem frios e ele ser diferente. Mesmo as pessoas de fora sequestravam e matavam crianças; os animais e insetos descartavam seus iguais. O mundo que ele almejava ou queria simplesmente não existia, porque aquele mundo frio não se importava com ninguém.
Parte 4
8 de agosto de 20018
Um homem de cabelos bagunçados, com óculos de aviação na cabeça, aplicava uma técnica de cura em duas garotas inconscientes, deitadas à sombra de uma árvore. De repente, uma delas acordou, olhando em volta, sem saber o que havia acontecido. Seus olhos estavam vermelhos e inchados; os lábios, levemente ressecados e rachados. Ao seu lado estava Vivian. Assim, pouco a pouco, Levy foi se lembrando do que ocorrera. À sua frente estava Nolan, um dos membros da polícia da cidade e subordinado de Hilda.
— Nolan? Argh!
A garota tentou se mexer, mas sua cabeça doía; ainda estava zonza.
— Calma, é melhor não se mexer ainda.
— O que aconteceu?
— Eu é que queria saber. Quando chegamos, a cidade estava sob ataque e precisamos evacuar os civis. A comandante está cuidando de um dos inimigos, mas não conseguimos entrar em contato com a mansão.
— Droga! As coisas realmente foram nessa direção… Argh!
A cabeça de Levy continuava a girar, e ela não conseguia entender. Mesmo se forçando, não conseguia levantar.
— Ei, eu já disse, pode ficar aí. A comandante já está cuidando de tudo.
"De novo desse jeito. De novo não serei capaz de fazer nada, apenas assistir."
A garota sentia-se frustrada por não conseguir se levantar. Sentia um formigamento na perna quando notou uma pequena formiga caminhando sobre ela. Começou a sentir que estava perdendo a consciência enquanto começava a se lembrar.
Certo tempo atrás, Levy era apenas uma criança sem nome e sobrenome, que vagava pelas ruas do Terminal Cinza acompanhando sua mãe. Ela apenas a seguia, já que sua mãe nunca lhe pedia nada e raramente olhava para ela. Desde que se lembrava, essa era sua vida: uma vida cheia de miséria e fome, onde dormir era um luxo, já que, se ficasse muito tempo no mesmo lugar, bandidos e vendedores de escravos apareciam para tentar fazer coisas ruins com elas. A garota sempre viu a vida como algo sem sentido e vazio. Ela era como as formigas na rua: esforçavam-se e trabalhavam para conseguir sua comida, seguindo os mesmos caminhos que outras, mas suas preciosas vidas, que tanto se esforçavam para manter, eram vãs e podiam acabar de uma hora para outra.
Vivendo nas ruas do Terminal Cinza, uma cidade cheia de bordéis e mulheres que vendiam seus corpos, Levy estava acostumada a escutar a palavra “amor”, mesmo que ela mesma não fosse capaz de entendê-la. Talvez porque, de fato, nunca tivesse recebido esse tal amor de sua mãe, ou talvez porque fosse uma boneca quebrada, diferente das outras crianças desde que nasceu. No fundo, Levy talvez quisesse saber se seria capaz de entender aquela palavra que parecia trazer tanta felicidade para as pessoas.
Ela sempre desejou perguntar o significado dessa palavra para sua mãe, mas esta, que sempre fora violenta com Levy e às vezes apenas tentava fugir dela, abandonando-a, poderia reagir de um jeito ruim se fosse perguntada. Por isso, a pequena garota nunca perguntou. Apenas no dia em que estava ao lado de sua mãe moribunda – magra, suja, seca de fome – ela, que estava da mesma forma, reuniu coragem para perguntar, acreditando que não fazia mais sentido temê-la, já que logo ambas estariam mortas e livres daquela existência vã. Mas o que ela não esperava é que a reação de sua mãe àquela palavra seria algo tão maravilhoso quanto realmente foi.
— O amor? Cof… cof… O amor, sim, o amor.
A mulher, mesmo tossindo muito a ponto de sair sangue de sua boca, mesmo fraca ao ponto de não poder mais se mover, sorria ao ouvir aquelas palavras e fazia uma expressão pura e gentil que sua filha nunca vira antes.
— O seu pai… eu realmente o amava… cof cof… meu doce cavaleiro encantado…
Novamente, aquela palavra parecia dar um brilho que ela era incapaz de entender, fazendo uma mulher fria e sombria, encharcada pela podridão e feiura do mundo, sorrir feliz e gentilmente. Aquele sentimento, aquela palavra, Levy queria muito entender. Mas, como uma piada de mau gosto do destino, após aquilo, após ter dado aquele sorriso, a mãe da garota morreu com uma expressão de pura felicidade, deixando a garota sozinha com suas dúvidas no coração.
E a garota não pôde fazer nada, apenas observar.
O tempo passou, e a garota, imóvel, vendo o corpo de sua mãe apodrecer, se perguntava quando seria sua vez, quando finalmente a morte viria levá-la e retirá-la daquele mundo vazio. Mas, por mais que o tempo passasse e ela se perguntasse, a morte não vinha, e a garota continuava a viver. Sem entender o motivo disso, a garota continuou, até entender que não iria morrer, até sua fome a incomodar ao ponto de não poder mais ficar parada, até o cheiro de podridão vindo do cadáver de sua mãe a afastar.
A menina vagou e vagou, sem rumo, sem objetivo e sem destino, até o dia em que outra criança de rua a encontrou e a carregou, levando-a até seu esconderijo e dividindo sua comida. A garota finalmente pôde comer e fazer com que aquela dor em suas costas, dos órgãos que pareciam estar até tentando se devorar, acabasse, fazendo com que o barulho agudo que tocava em sua mente sem fim sumisse. A garota que a havia salvado se chamava Sumire, e, junto com seu irmão Blaine, vivia ali. Eles haviam sido abandonados e cresceram vivendo nas ruas.
— Por que vocês me ajudaram? — a pequena garota sem nome perguntava.
— Eu também queria saber. Essa idiota insistiu, mesmo eu dizendo para não fazer — Blaine falava na frente da garota, sem cerimônia.
— Eu não conseguiria dormir à noite sabendo que deixei alguém na mesma situação em que eu fui deixada — Sumire falava.
Mesmo ouvindo a explicação da garota, ela não era capaz de entender. O que aquilo deveria significar? Ela não conseguiria dormir à noite? Era uma afirmação sem sentido algum para a garota, mas foi exatamente por isso que ela pareceu ter se interessado. Talvez o motivo de ela não entender fosse porque esse sentimento que Sumire havia sentido estivesse de alguma forma ligado ao amor. Se, assim como sua mãe, ela entendesse o amor, conseguiria viver com um sorriso como o dela. A garota quis entender, mesmo parecendo difícil, o que era aquele sentimento.
Depois daquilo, a garota passou a seguir os dois irmãos a todo lugar, não importava onde. No começo, Blaine parecia incomodado, achando que ela só os atrasava, mas certo dia, após uma tentativa deles de roubar comida acabar em fracasso, a garota, com extrema facilidade, conseguiu roubar na feira onde os dois tiveram dificuldade e trouxe com ela muito mais comida do que conseguiriam em um mês. Assim, Blaine começou a tolerar a presença da garota, enquanto Sumire se impressionava e começava a respeitá-la.
A garota era forte, rápida e cheia de agilidade. Blaine achava que ela havia nascido destinada a ser uma ladra, ou até a maior ladra que já existiu, enquanto Sumire achava que ela um dia conseguiria se tornar uma aventureira. Mas para Levy isso não importava, pois ela só havia começado a roubar para dar comida para os irmãos, para que eles deixassem ela ficar por perto, para poder entender o que era o amor – algo muito mais importante que comida e que poderia devolver o sorriso de alguém que estava para morrer. Com isso em mente, ela continuou os ajudando de novo e de novo, até se tornar líder de uma gangue de ladrões que Blaine formou, usando-a e sua fama.
Mas era uma líder tão de fachada que nem aparecia nas reuniões, e poucos membros conheciam seu rosto, já que a maior parte do tempo ela apenas passava ao lado de Sumire em seu quarto, observando-a. Atualmente, a garota sem nome tinha dezesseis anos, e ambos os irmãos, achando inconveniente ela não ter um nome, a chamaram de Levy.
— Ei, Levy, você não fica irritada com meu irmão? Ele sempre pagando de líder, mas nós sabemos que é você quem sempre está lá para nos ajudar, e é a você que os ladrões respeitam — Sumire falava, deitada em sua cama ao lado de Levy.
— Eu não ligo, assim é até mais fácil, pois não preciso me preocupar em mandar na organização — Levy respondia, encarando-a.
— Sei, mas a verdade é que você nem queria criar essa organização. Eu sei que foi tudo ideia daquele cabeça de vento.
Sumire falava enquanto Levy levava sua mão ao rosto da garota e a fazia encará-la também. No momento em que Sumire a olhava nos olhos, sua expressão ficava vermelha, e ela fechava os olhos de vergonha.
— Que ideia é essa?... Não é legal ficar encarando as pessoas assim, sabia? — Sumire falava envergonhada.
— Mas eu sei que você também fica me encarando… principalmente quando acha que eu não estou te olhando.
— Você!... Agh! — a garota, alarmada, acaba batendo a cabeça na parede.
— Desde quando você sabia…?
Mas Levy não lhe respondia, apenas fazia carinho em sua cabeça e aproximava o rosto de Sumire do seu. O coração de Sumire acelerava, e ela ficava ainda mais vermelha.
— Ei, o que você está fazendo…
— Se você não quer isso, é só me afastar.
— Do que você está falando? Você é muito mais forte que eu.
Levy assim parava, bem quando seus rostos pareciam que iriam se encontrar.
— Então eu não vou fazer nada. Eu ficarei parada bem aqui e deixarei você decidir… Mas antes, vou dizer só uma vez, então preste atenção.
Assim, Levy sussurrava no ouvido de Sumire:
— Está tudo bem, pode fazer como quiser.
Sumire a encarou, ainda mais envergonhada. Seu coração parecia que iria sair pela boca, e o nervosismo a consumia. Assim, ela levou sua mão até os lábios de Levy e mexeu neles com um olhar cheio de desejo, aproximando mais seu rosto do dela.
A noite avançava, e Blaine, que queria conversar com as duas, no momento em que chegou à porta do quarto, mesmo sem abri-la, apenas pelos sons conseguia distinguir o que estava acontecendo do outro lado.
"Tenham paciência! Ao menos coloquem uma gravata na maçaneta da porta ou sei lá."
Mais e mais o tempo passava. Os dias quentes do verão abriam espaço para o clima alaranjado e cheio de folhas pelo chão do outono. Essa foi a época em que a organização de criminosos mais cresceu e agiu – a época dourada, assim como as folhas que cobriam o chão. Mas, assim como as coisas chegam ao seu momento mais alto, também é quando costumam cair.
Em um dia, enquanto o chão estava coberto de neve, as ruas estavam manchadas de vermelho ao invés de branco. Isso porque, com tantas organizações crescendo e se expandindo pela cidade, isso levou ao inevitável destino que era a guerra, quando Zefar autorizou que a Família Salazar fizesse a limpa em sua cidade. Assim, uma carnificina sem igual aconteceu pela cidade. Várias organizações menores tentaram aproveitar o caos para eliminar organizações concorrentes, e logo toda a neve da cidade se converteu em frios cobertores vermelhos de sangue.
— Levy, rápido, acabe com eles agora! — Blaine, com o braço cortado, gritava, atirando contra seus inimigos naquele campo de guerra cercado pela neve vermelha, fumaça, o cheiro de pólvora e o som de disparos. Mas, mesmo gritando o mais alto que podia, sua voz não chegava aos ouvidos de Levy, que observava em seus braços o corpo de Sumire, ensanguentado, imóvel e frio.
"Mas o que é o amor… eu ainda não consigo entender… O que eu senti por você realmente foi amor?"
As lágrimas de Levy escorriam. Novamente, ela se viu incapaz de fazer nada, apenas assistir. Assim, quando as lágrimas começaram a parar de cair, após ouvir o corpo de Blaine cair, Levy agiu, atacando seus inimigos com suas pernas embuídas em chamas, mas com o olhar frio e vazio, de forma brutal e desleixada, como se quisesse morrer no confronto. Ainda assim, isso foi impossível, pois no final todos os seus inimigos morreram, enquanto ela ficou sem um braço, com um dos olhos destruído junto de um ouvido, com feridas por todo o corpo, mas ainda respirando.
Dias depois, a famosa Levy do Terminal Cinza foi dada como morta. No mesmo dia em que duas lápides foram construídas na beira do Precipício da Desilusão. Naquele dia, a garota encarou o precipício antes de fechar seus olhos para relembrar mais uma vez aquele sorriso de sua mãe e o rosto de Sumire. Assim, ela começou a andar, ainda com os olhos fechados, em direção ao precipício, quando um homem que passava a segurou e a puxou de volta.
— Não acha que morrer aqui seria sem sentido? — o homem falava com uma voz casual.
"O que é o amor?" — aquela pergunta moldou sua vida.
"Será que eu realmente o senti?" — Aquela outra era um resumo dessa vida moldada.
E uma terceira pergunta moldou seu futuro. No entanto, essa não foi feita por ela mesma, e sim pelo homem que a salvara.
— Se você está se sentindo culpada a ponto de tentar se matar por não saber se realmente a amou ou se apenas a usou, acho que essa é uma grande prova de que a amou de verdade. Mas se quer tanto descobrir por conta própria: "Por que não viver para provar que é capaz de amar?"
Naquele momento, um brilho ressoou nos olhos da garota, como se algo dentro dela tivesse mudado, e algo frio, assim como a neve do inverno, tivesse começado a derreter. Naquele momento, ela criou seu próprio objetivo.
— 'Tá certo, Levy Scarlune. Viva e encontre o que precisa para provar. Mas, a partir de agora, não apenas observe. Mesmo que morra, proteja o que lhe é importante, para que, se um dia acabar descobrindo que ama alguém, não acabe perdendo isso sem perceber.
Aquele homem era Charlos Scarlune. Ele foi quem contou a verdade sobre Levy: sobre o fato de ela, na realidade, ser uma Scarlune, filha de algum membro que acabou dormindo com sua mãe. Assim, ele a levou até a mansão e lhe deu um novo lar e uma nova família. Uma família que ela decidiu que protegeria e sempre ajudaria, para que, se um dia descobrisse que realmente os amava, jamais perdesse isso sem perceber.
Assim, a garota novamente acordava, deitada sob a árvore, e começava a se levantar, mesmo com a cabeça zonza.
— Ei, eu já disse que a comandante...! — Nolan falava, preocupado.
— Mesmo assim, eu tenho que ir… Já cansei de observar parada…
"Afinal, apenas eu posso dar um sentido à minha existência neste mundo."
Assim, mesmo com dificuldades, a garota caminhava, indo em uma única direção, sem temer ou hesitar.
Parte 5
Dentro do subterrâneo, abaixo da cidade, à frente da grande porta que Rasputin queria abrir, agora estavam Love, Raikou e Ozymandias. Os três se encaravam, deixando claro que algo havia acontecido. Rasputin, que devia estar agora lutando com Raikou, já não estava mais lá, e Love, junto de Ozymandias, que deveriam estar na mansão, agora estavam ali.
— Você está falando sério sobre isso? — Raikou perguntava com uma expressão de dúvida.
— Acha mesmo que eu brincaria com isso…? — Love respondia.
— Não o julgue. É que, para nós, você seria o último a propor algo tão… diferente assim — Ozymandias falava e, pela primeira vez, ele parecia mais sério que o normal.
Após perceber que haviam descoberto sua identidade na mansão, Love havia levantado uma pequena neblina para separar todos. No entanto, aquilo não foi uma ação desesperada, como todos acreditavam. No momento em que percebeu que as coisas começavam a desandar, ele sabia exatamente o que deveria ser feito. Assim, Love foi em direção a Ozymandias e lhe fez uma proposta que ele sabia que alguém que via tudo como um grande espetáculo jamais poderia recusar.
— Quando você apareceu e me disse aquilo, eu realmente cheguei a duvidar que fosse realmente você. Achei que poderia estar sendo controlado ou que era alguém transformado, mas quando percebi que fazia sentido ter sido você quem matou Lorelei, minhas dúvidas sumiram — Ozymandias, encarando-o, comentava sua opinião.
— Se você realmente vai fazer isso, não vejo motivos para não ajudar. Estava mesmo querendo achar alguma diversão nova e empolgante… Mas ainda assim, espero que você entenda que, se realmente fizer isso, não terá volta — Raikou adicionava.
— Eu sei disso melhor do que ninguém.
Assim, Love caminhava até a porta e a abria.
Aquela sala funcionava com um mecanismo engraçado: a porta possuía vários selos que impedem sua abertura por alguém que não seja da família, mas, mesmo que a porta se abrisse fisicamente, havia outras barreiras. Estas, porém, eram especiais: impediam a entrada de qualquer Scarlune e, se alguém de fora entrasse, uma barreira seria criada em sua mente para impedir que divulgasse a um membro da família o que descobriu. Por isso, aquela porta jamais fora aberta. Não fazia sentido: os únicos curiosos para abri-la seriam os Scarlunes, mas, se um deles a abrisse, ainda assim nunca descobriria o que estava do outro lado ou conseguiria fazer algo a respeito lá dentro; apenas ajudaria outra pessoa de fora da família.
Esse conjunto de regras foi feito para evitar que um dia essa porta fosse aberta e alguém entrasse.
Além disso, a pessoa que a construiu também tomou outra atitude para que a curiosidade de nenhum Scarlune chegasse ao ponto em que ver ou alcançar o outro lado da porta se tornasse uma ambição: sempre deixou claro para todos eles, seus filhos, o que havia do outro lado — a terra encantada das fadas, Avalon.
Assim, Ceto atravessou um espelho de água.
— Originalmente, o plano era abrir a porta pela mansão para que Rasputin passasse sem que o sistema de defesa fosse ativado — Ceto falava sem se virar.
— Eu entendo que a situação saiu de seu controle… Infelizmente, já fomos longe demais para parar agora… — Love falava, mantendo-se neutro, mas com os olhos meio tristes.
Assim, Ceto entrou pela porta, desaparecendo fisicamente da frente de seus olhos.
— Se o sistema de defesa realmente for o que está escrito na mansão…. — Raikou comentava, observando a reação de Love.
— Se for verdade, eu já estou pronto para arder no inferno após conseguir o que queria.
Ao ouvi-lo dizer aquilo sem hesitar, ambos perceberam que ele estava realmente sério no que havia decidido. Assim, três garotas começaram a sair de dentro da porta. As três eram jovens: a mais velha parecendo ter 19 anos, a do meio 16, e a mais nova 13. Todas eram ruivas e carregavam uma feição angelical e pura, com cabelos vermelhos de tonalidades diferentes. A mais velha tinha o olhar puro e ingênuo, parecendo que nem sabia por que estava ali; a do meio tinha um olhar astuto e perverso, parecendo ser alguém que mentia sem um propósito específico, apenas por diversão; e a mais nova parecia gentil e sábia, com um olhar maternal como de uma mãe. Assim, as três falaram ao mesmo tempo:
— Bem-vindos, filhos da Rainha.
E os três, sem entender, apenas as observavam, logo percebendo que elas não eram humanas como aparentavam, e sim fadas – mas diferentes das que se viam pela cidade: não estavam em suas formas abstratas, que ganhavam ao vir para este plano, e sim em suas formas puras e verdadeiras, emanando éter só de respirar.
— Por acaso estão aqui para nos deter ou nos matar? — Love falava, encarando-as.
— Poderia ser uma possibilidade, mas a Rainha, durante todos esses anos, observou e assistiu seus filhos a um ponto que seu amor por eles cresceu muito mais do que por seu marido. Assim, ela decidiu que queria ver até onde seus sonhos os levariam, até onde vocês poderiam voar — a do meio falava.
— Por isso estamos aqui, para testemunhar até onde as escolhas e os sonhos dos filhos da Rainha vão os levar.
Assim, as garotas desapareceram. Cada uma surgiu em um local diferente do continente: uma nas florestas, outra na cidade e a terceira ainda no subterrâneo. De repente, o éter delas brilhou como um pôr do sol carmesim, e as três começaram a dançar e cantar. Uma voz celestial, pura, de criança, foi a primeira a ser ouvida, seguida pela de sua irmã, e logo as três se misturaram como um coral. Todos os Scarlunes por toda a cidade começaram a escutar aquela voz e, sem entender o motivo, suas marcas espalhadas pelos corpos começaram a brilhar e ressoar.
— O que está acontecendo? — Raikou perguntava, vendo aquilo.
— Acho que está para começar…
Os civis que foram evacuados para navios em torno do continente começavam a escutar a música, e um sentimento triste começou a tomá-los. Assim, todo o continente começou a tremer, enquanto, dentro de um lugar dourado cercado por flores, Ceto avistava uma caixa presa por correntes douradas de éter. Ela foi até a caixa e, ao segurá-la, sentiu um desconforto, uma tristeza e um frio profundos. A irmã do meio apareceu atrás de Ceto, ainda cantando e falando em sua cabeça:
"Vocês vieram até aqui para pegar isso, então não tema. Por que hesitar? Mostre até onde o desejo de vocês pode chegar."
Ceto respirava mais forte e mais rápido. Aquele sentimento desconfortável a fazia hesitar por um motivo desconhecido, mas ainda assim ela puxou a caixa, arrancando-a de suas correntes. E assim tudo começou a desmoronar. A garota correu para o lado de fora apenas para ver os tremores continuarem. Todos observavam: os túneis, a cidade, as florestas, tudo tremia. E assim a cidade começou a desmoronar. O coral das fadas assumia uma voz mais triste e profunda, alcançando o coração daqueles que o ouviam, e estes começavam a chorar. Os animais à volta paravam, e as pessoas ficaram pasmadas, sem acreditar. Como se o abismo clamasse pela cidade, ela começou a cair e afundar nos andares abaixo. As pessoas que nada sabiam e não foram evacuadas só podiam observar, incrédulas, vendo o céu sobre elas desabar. Os gritos de medo e desespero se misturavam à canção e desapareciam. E assim aquela tragédia prosseguiu.
O chão tremia com mais força. Abaixo da cidade que desabava, nos vários níveis subterrâneos onde muitos viviam, o teto começava a ceder. Gritos ecoavam pelos túneis escuros, não apenas de medo, mas de uma dor profunda enquanto a terra engolia seus filhos. As luzes artificiais piscavam e morriam, uma a uma, e o som da rocha se partindo era como o choro de um gigante. Famílias abraçavam-se uma última vez, o pó da destruição cobrindo lágrimas silenciosas. A canção das três fadas, doce e triste, penetrava até mesmo ali, como um último acalanto para os que partiam, suas vozes parecendo guiar as almas perdidas na escuridão que se tornava eterna.
Em meio ao caos, pequenas luzes começaram a surgir, não das lâmpadas falhas, mas de frestas que se abriam nas paredes de pedra. Eram luzes suaves, coloridas, como vagalumes dançantes. As fadas, em número cada vez maior, atravessavam o véu entre os mundos. Não eram mais apenas as três mensageiras; eram incontáveis seres de pura energia, suas formas verdadeiras brilhando intensamente. Elas não tentavam salvar, nem destruir. Apenas observavam, e sua presença mudava o ar, tornando-o mais leve, quase etéreo, mesmo enquanto toneladas de terra desabavam.
No centro do continente, onde antes havia um abismo profundo, uma fenda escura que muitos temiam, algo novo acontecia. Do seu coração, uma árvore titânica começou a crescer. Suas raízes, mergulhando no desconhecido, quebravam o chão e criavam feridas que destruíam as casas pela gigantesca cidade, enquanto seu tronco subia aos céus em uma velocidade espantosa. Seus galhos se abriam como braços acolhedores, e deles desabrochavam flores imensas, de um rosa vibrante que tingia o céu. A árvore pulsava com uma luz suave e, em seus galhos, mais fadas surgiam, como se a própria árvore fosse um portal.
A paisagem do continente era dominada pela árvore colossal, cujas raízes pareciam fundir-se com o vasto território. À sua volta, o solo, que quebrava e afundava em camadas, recontorcia-se em torno da árvore como se ela o puxasse. Assim, do novo solo, surgiam vários biomas: desde áreas verdes e exuberantes, passando por cadeias montanhosas, até regiões desérticas e vulcânicas. Corpos d'água, como oceanos e rios, delimitavam e serpenteavam por essa imensa massa de terra.
No centro de tudo, a árvore titânica erguia-se majestosamente, com suas folhas e flores róseas emanando – para qualquer um que olhasse de fora – um encanto fantasioso e éter cintilante. Seu tronco robusto e retorcido elevava-se em direção ao céu, culminando numa copa vasta e abundante que parecia tocar as nuvens.
O mundo já não era o mesmo. A dor da perda era palpável, o silêncio dos mortos pesava, mas a beleza que emergia era de tirar o fôlego. As casas destruídas tornavam-se o alicerce para florestas de luz. As ruas rachadas davam lugar a rios de água cristalina que refletiam um céu agora adornado por duas luas: uma prateada e familiar, outra de um tom azul e mágico. O antigo reino estava perdido, mas um novo nascia: vibrante, selvagem, uma pintura onde o físico e o onírico dançavam juntos. As três fadas – uma no coração da nova floresta, outra sobrevoando a cidade submersa, e a terceira no subterrâneo agora transformado em grutas de cristal – continuavam seu canto, uma melodia que contava a história da queda e do renascimento, da dor e da esperança, para sempre ecoando no novo mundo que desabrochava.
E, no centro de tudo, um homem estava deitado sobre o tronco da imensa árvore, abrindo seus olhos e encarando a luz do mundo após anos incontáveis de escuridão.
Entrelinhas
— Olá, olá! Eis-me aqui novamente. O que acharam sobre este começo, hein? Por acaso, sentiram um vazio com a minha ausência no volume anterior? E bom que a resposta seja um sim!
— Bom, e então... o que acharam deste prelúdio? Eu, particularmente, adorei bastante. Especialmente aquela última parte, conhecendo os bastidores de tudo o que vai acontecer... Mas, vocês sabem, segredos são segredos por aqui... Hahahaha!
— Infelizmente, nenhum dos meus queridos irmãos dará ira aparecer nesse arco. Contudo, eu... eu precisava vir, observar aquela árvore. sim é um hobby meu ver coisas diferentes, tambem confesso, uma pontinha de tristeza me cutucou. Quem não acharia estranho quando o verdadeiro protagonista da história decide não aparecer, não é mesmo?
— Oh, querem saber o que é aquela árvore?... Hummm, chame-a de... a Árvore da fantasia por enquanto. Não, não é assim que eles a batizarão, mas você pode chamá-la dessa forma.
— E para você, qual é a sua definição de amor? Existe alguém que faz seu coração errar as batidas? Uma paixão, uma esposa, ou uma querida amiga? Se a resposta for sim, o que realmente define esse laço? Como pode ter certeza de sua autenticidade? E, sendo autêntico, qual elo se provaria mais inquebrável: o amor por essa pessoa ou aquele que o liga às suas raízes, seus pais? Questões intrigantes, não?
— Ademais, se eu fosse você iria procurar entender melhor a verdadeira razão da Horizon estar... digamos... "operando" por estas bandas. Opa, acho que vou deixar essa pista no ar: eles não vieram para semear este pandemônio, nem mesmo para... "cultivar" aquela árvore. Ainda assim, quebrem a cabeça se desejam mesmo alcançar a verdade por trás do véu. Devo surgir novamente ao longo deste arco, então... até uma próxima.



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