The Fall of the Stars: Capítulo 2 - Colisão de Mundos
- AngelDark

 - 3 de ago.
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Volume 6: Antologias do Destino
Parte 1
A luz era uma constante suave, um brilho dourado filtrado pela cúpula colossal que aprisionava um céu artificial sobre a cidade. Lá fora, para além do vidro reforçado, a paisagem de Marte se estendia em um silêncio ocre e desolado. Aqui dentro, no entanto, a vida pulsava através de corredores brancos e imaculados, artérias de um organismo construído sobre a lógica e a ambição. Este era o Reino dos Números, o coração da União da Rosa-Cruz.
Em uma das vastas salas de aula da Universidade do Pensamento, o ar crepitava com uma energia quase palpável. Sob um teto onde constelações holográficas giravam em uma dança lenta e silenciosa, uma mulher estava de costas para a plateia de jovens mentes vindas de todos os quatro reinos. Com um sorriso enigmático que parecia prometer segredos e paradoxos, ela se virou.
Era Da Vince.
— Bom dia, mentes curiosas. — Sua voz, um contralto melodioso e cheio de autoridade, preencheu o auditório sem esforço. Com um gesto displicente da mão, as complexas equações que flutuavam na lousa holográfica se dissolveram em poeira de luz. — Hoje, vamos falar sobre a matéria-prima da criação. O que vocês chamam de magia.
Ela caminhou até a beira do palco, seus olhos passando pela diversidade de alunos. — Definições são para os livros. Quero que sintam a verdade. Esqueçam a energia, esqueçam a magia. Pensem no princípio.
Da Vince ergueu a mão aberta. No centro de sua palma, uma minúscula gota de líquido prateado começou a se formar, coalescendo do próprio ar. Pulsava com uma luz interna, viva.
— No alvorecer do tempo, uma colisão de forças inimagináveis deu origem ao Ether. Ele não nasceu no universo; o universo nasceu dele. É a substância que conecta tudo. Esta mesa. O ar. O metal de suas próteses. — Seu olhar encontrou o de um jovem de Gaia, que se encolheu ligeiramente. — E o sangue em suas veias. Cada mudança, cada ciclo, cada batida de coração nesta sala... gera mais Ether. É uma fonte que se autoalimenta.
A gota prateada flutuou de sua mão e pairou no centro do palco, expandindo-se em uma teia de luz que imitava uma galáxia.
— Dentro de vocês, este poder reside como um oceano adormecido. Mas alguns... — ela sorriu, um brilho travesso em seus olhos — ...alguns aprendem a acender um fogo.
Ela estalou os dedos. Em sua outra mão, uma xícara de chá fumegante materializou-se do nada. O aroma de jasmim encheu o ar.
— Seu corpo é o recipiente. Sua Força de Vontade é o fogo. Quando a vontade aquece o Ether adormecido, ele se torna vapor. A aura que vocês veem em usuários poderosos? É o "vapor" desse poder, a prova de que a máquina interna está funcionando. E uma vez que está quente... — Ela tomou um gole elegante do chá antes de fazê-lo desaparecer com outro estalar de dedos. — ...ele se torna maleável. Pronto para ser moldado.
Ela limpou o quadro holográfico com um aceno, o sorriso enigmático de volta. — Aqueles que dominam essa arte são os Shapers. Mas os caminhos para moldar a realidade são distintos. Existem os Magos, os Gifteds e... os Anômalos. Mas isso, crianças, é assunto para a nossa próxima aula. Dispensados.
O murmúrio dos alunos encheu a sala enquanto eles se levantavam. Da Vince permaneceu no palco, observando-os sair, até que uma explosão de energia caótica irrompeu pela porta.
— Com licença! Passando! Urgente!
Newton, com seus cabelos negros e uma pilha de painéis de dados nos braços, não viu a figura alta que saía do palco. A colisão foi inevitável.
Os painéis voaram, espalhando-se pelo chão. Newton, no entanto, não caiu com força. Um pulso sutil de força distorceu o ar ao seu redor por uma fração de segundo, diminuindo a inércia de ambos e transformando o que seria uma queda dolorosa em um pouso desajeitado, com ela embolada aos pés de Da Vince.
— Ai... — gemeu Newton, olhando para cima.
Da Vince a encarou de cima, uma sobrancelha perfeitamente arqueada. Um sorriso lento e perigoso se formou em seus lábios.
— Bem, bem... — sua voz era um ronronar divertido. — Não é todo dia que uma colega literalmente se joga aos meus pés com tanto... entusiasmo. E ainda usa suas habilidades de gravidade para garantir um pouso suave. Que atencioso da sua parte.
Newton corou violentamente, do pescoço à raiz dos cabelos. — D-desculpe, Professora Da Vince! É que é urgente! Einstein mandou a notícia!
Ela se levantou em um pulo, o rosto em chamas enquanto tentava reunir os painéis. Da Vince se agachou para ajudá-la, sua mão roçando a de Newton de forma deliberada, fazendo a garota gaguejar.
— A notícia? — perguntou Da Vince, sua voz agora mais séria, embora o brilho divertido não tivesse deixado seus olhos.
— Sim! A nave com os convidados de fora está chegando! E os outros reinos confirmaram a presença por holograma! A reunião... já pode começar os preparativos!
Da Vince se endireitou, pegando um dos painéis e lendo-o rapidamente. Um suspiro escapou de seus lábios. — Tão cedo... Isso complica as coisas. Não temos nem metade das provisões para recepcioná-los.
Ela olhou para Newton, que vibrava no lugar, uma bola de energia nervosa. Uma ideia pareceu ocorrer a Da Vince.
— Newton. Você me deve uma por quase amassar meu vestido. — Ela entregou à garota um cartão de crédito e um pequeno painel com uma lista. — Preciso que vá à feira na cidade baixa e compre tudo isso. Seja rápida e discreta. Com a chegada deles, não queremos chamar atenção desnecessária.
— S-sozinha? Mas a feira é enorme!
— Então encontre ajuda. — Da Vince piscou para ela. — Use essa sua energia para algo produtivo, querida. Agora vá.
Com a mesma velocidade com que chegou, Newton disparou pelo corredor, deixando Da Vince sozinha com um sorriso satisfeito.
A cena corta para o nível inferior da cidade, um contraste vibrante com os corredores estéreis da universidade. A feira era um caldeirão de sons, cheiros e cores. Lojas vendiam de tudo, desde frutas exóticas cultivadas em estufas hidropônicas até componentes tecnológicos de segunda mão. Newton, com a lista em mãos, sentia-se um peixe fora d'água. A tarefa era grande demais.
Seus olhos vermelhos varreram a multidão, procurando um rosto amigável, alguém que não parecesse um contrabandista ou um burocrata mal-humorado. Foi então que ela a viu.
Encostada em uma barraca de sucos, observando o caos com uma calma divertida, estava uma garota de cabelos brancos como a neve e olhos amarelos profundos. Ela usava roupas simples, mas havia uma aura de mistério ao seu redor, uma quietude que se destacava em meio à agitação.
Tomando coragem, Newton se aproximou.
— Com licença... — começou, a voz um pouco incerta. — Meu nome é Newton. Eu sei que é estranho, mas... você poderia me ajudar?
A garota de cabelos brancos virou a cabeça lentamente, e seus olhos amarelos focaram em Newton com uma intensidade que a fez prender a respiração. Um pequeno sorriso brincou em seus lábios.
— Depende — respondeu a garota, sua voz suave como seda, e um sorriso brincalhão — O que você precisa, Newton, a garota que cai do céu?
Parte 2
Os corredores imaculados do Reino dos Números zumbiam com uma energia sem precedentes. O ar, normalmente preenchido apenas pelo sussurro de sistemas de ventilação e o clique suave de sapatos em pisos polidos, agora vibrava com uma cacofonia de personalidades. Cada grupo de recém-chegados era uma ilha de cultura e poder, navegando pelo mar de arquitetura lógica da Rosa-Cruz.
Zero, o Caçador Número Um, movia-se como um fantasma em seu terno branco impecável. Ele não caminhava; ele fluía. Ao seu lado, Catherina, a Número Três, observava tudo com olhos analíticos, sua postura a de uma predadora em território desconhecido. Quando um estudante da União, com um sorriso nervoso, tentou oferecer-lhes um painel de dados com o itinerário, Zero simplesmente passou por ele, as mãos nos bolsos, o olhar fixo em um ponto que só ele parecia ver. Foi Catherina quem pegou o painel com um aceno de cabeça quase imperceptível, sua presença fria o suficiente para congelar o sorriso do jovem guia.
— Ele não é muito de formalidades — ela disse, a voz um sussurro gélido. — Apenas nos mostre o caminho.
Em outro corredor, a delegação de Umbra era uma tempestade contida. Lu Bu, com sua armadura ornamentada refletindo a luz artificial, ria alto, um som gutural que parecia deslocado naquele ambiente estéril.
— Hahaha! Então esta é a famosa fortaleza dos pensadores? — ele bradou, batendo com a mão enluvada no ombro de Wu Zetian, que mal se moveu com o impacto. — Parece mais uma tumba de luxo! Diga-me, Imperatriz, acha que eles têm algo aqui que possa sequer arranhar a minha pele?
Wu Zetian, com uma calma imperial que contrastava com a bravata de Lu Bu, apenas ajustou a manga de seu vestido de seda.
— A força que não se vê é frequentemente a mais perigosa, General. Sugiro que guarde sua energia para a reunião. Não queremos assustar nossos anfitriões antes do jantar. — Seu olhar, no entanto, varria cada câmera de segurança, cada selo rúnico nas paredes, analisando, calculando.
Não muito longe, Gaap, a Rainha Demônio, flutuava em vez de andar, seu vestido revelador parecendo desafiar as leis da física e da decência daquele lugar. Ela parou em frente a uma estátua holográfica de um filósofo antigo, inclinando a cabeça com curiosidade.
— Que rostinho sério! — ela disse, cutucando a imagem com um dedo, fazendo-a tremeluzer. — Aposto que ele nunca conheceu a verdadeira alegria de uma batalha até a morte. Não é, Carmilla, querida?
Carmilla, a Rainha Vampira, observava das sombras, seu guarda-chuva escuro parecendo absorver a luz ao redor.
— Alguns encontram seu êxtase em equações, outros no sangue. Não julgue os passatempos alheios, Gaap. É falta de educação. — Sua voz era seda e veneno, e seu olhar estava fixo em Helena, do Trono de Deus, que passava no corredor oposto, uma colisão silenciosa de poder arcano e fé dogmática.
A chegada mais ruidosa, no entanto, foi a de Vodka, o novo mestre do Terminal Cinza. Ele não chegou em uma nave elegante, mas em um cargueiro modificado que parecia ter atravessado um campo de asteroides. Seus homens, uma coleção de ciborgues remendados e mercenários de várias raças, olhavam para a arquitetura limpa com uma mistura de desprezo e cobiça.
— Ei, gracinha! — Vodka gritou para uma estudante da União que tentava guiá-los. — Onde fica o bar mais próximo? E espero que tenham algo mais forte que chá de flores! Se não, teremos que providenciar nosso próprio entretenimento!
A estudante empalideceu, mas antes que pudesse responder, uma figura imponente bloqueou o caminho de Vodka. Era Galentine, o representante dos Gigantes, seu corpo maciço fazendo o corredor parecer subitamente pequeno.
— Se busca por problemas, pequeno homem — a voz de Galentine era um trovão baixo —, talvez devesse procurar alguém do seu tamanho.
Vodka olhou para cima, um sorriso lento e perigoso se espalhando por seu rosto.
— Ora, ora... parece que a festa vai começar mais cedo do que eu pensava!
A tensão foi quebrada por uma risada cristalina. "Paracelso", a representante dos Scarlune, aproximou-se, seus olhos cianos brilhando com um divertimento puramente científico.
— Que espécimes fascinantes! — ela disse, seu olhar passando de Vodka para Galentine. — A interação entre um ecossistema caótico e uma força de estabilidade primordial... Adoraria coletar amostras de ambos depois. Para pesquisa, é claro.
Enquanto as facções mediam forças em encontros fortuitos, Priscilla, líder da Horizon Acompanhada de Arcanum e Nicklaus, caminhavam, o Líder Secreto do Grupo movia seus olhos observando tudo com um carisma que era ao mesmo tempo convidativo e profundamente ameaçador. Seus olhos encontraram os de Zero por um breve instante do outro lado de um vasto átrio. Não houve palavras, nem gestos, apenas um reconhecimento silencioso entre dois predadores. Um entendimento de que, naquele tabuleiro de xadrez cósmico, eles eram os reis de cores opostas.
A cena se encerra com Da Vinci em uma sala de controle, observando múltiplos monitores que mostravam a chegada e as interações dos convidados. Um leve sorriso brincava em seus lábios.
— Realmente — ela murmurou para si mesma, enquanto um holograma no centro da sala exibia um cronômetro. — Dessa vez, as coisas estão ficando muito interessantes.
[FALTAM 2 HORAS PARA A REUNIÃO COMEÇAR]
Parte 3
A feira na cidade baixa de Marte era um organismo vivo, um labirinto pulsante de sons, cheiros e cores que contrastava violentamente com a serenidade estéril dos corredores da universidade. Newton, com o painel de dados de Da Vince em uma mão e o cartão de crédito na outra, sentia-se como uma partícula subatômica em um acelerador, bombardeada por estímulos de todas as direções.
— Então... você é daqui? — perguntou Newton, quase gritando para ser ouvida sobre um vendedor de autômatos de estimação que anunciava seu "periquito-drone com personalidade customizável".
— Não nasci aqui, se é o que pergunta — respondeu a garota de cabelos brancos, navegando pela multidão com uma graça que Newton invejava. — Meu nome é Layla. Estou só de passagem.
— A trabalho?
— Algo assim — Layla sorriu, um brilho enigmático em seus olhos amarelos. Ela pegou uma fruta exótica de uma barraca, uma esfera que mudava de cor lentamente. — Vim visitar uma amiga que estuda aqui. Teremos uma grande reunião em breve, tipo um encontro de família. Sabe como é, colocar o papo em dia, rever velhos rostos, planejar o futuro...
Newton assentiu, alheia ao duplo sentido. — Entendo perfeitamente! Com essa reunião de líderes, estou atolada em tarefas. Mal tive tempo de calibrar os sensores de gravidade do meu laboratório.
Elas continuaram a maratona de compras, Layla provando-se uma negociadora surpreendentemente astuta, conseguindo descontos em tecidos de Alexandria e especiarias raras de Umbra, enquanto Newton, com sua mente lógica, otimizava a rota de compras para máxima eficiência. A dinâmica entre a calma misteriosa de Layla e a energia nervosa de Newton funcionava de forma inesperadamente bem.
Foi quando estavam saindo de uma loja de cristais de éter que o caos irrompeu.
BOOM!
Uma explosão ensurdecedora sacudiu a rua. A vitrine de uma joalheria do outro lado da praça se estilhaçou para fora em uma chuva de vidro e metal precioso. Gritos de pânico ecoaram enquanto a multidão se dispersava. Do buraco fumegante na loja, um homem com olhos selvagens e cabelos em chamas saiu cambaleando.
— FIQUEM LONGE! — ele rugiu, e uma onda de fogo saiu de suas mãos, forçando todos a recuarem ainda mais. — O próximo que se aproximar vira churrasco!
Newton instintivamente se colocou em uma postura defensiva, a preocupação vincando sua testa. — Droga! Um pirocinético descontrolado! E logo agora, com tantos dignitários na cidade... se isso escalar...
Ela deu um passo à frente, pronta para intervir, para usar sua habilidade de manipular a gravidade e conter o assaltante. Mas antes que pudesse agir, o som de um motor de alta frequência cortou o ar.
Do alto de uma passarela, uma motocicleta aerodinâmica saltou, aterrissando com precisão milimétrica entre o Shaper e a multidão. Dela, desembarcaram duas figuras em uniformes que lembravam os de policiais, mas com uma elegância e tecnologia distintas.
— Cidadão, em nome da Ordem da Rosa-Cruz, largue o que roubou e cesse suas atividades hostis imediatamente — disse o autômato masculino, Lucis, sua voz calma, mas com um tom de autoridade inquestionável. Ele bateu o pé no chão, e o pavimento de metal sob o pirocinético se contorceu, erguendo-se para formar uma gaiola de barras grossas ao seu redor.
O Shaper, encurralado, lançou uma torrente de fogo contra eles. A autômata feminina, Sakura, moveu-se. Com uma velocidade que Newton mal conseguiu acompanhar, ela sacou uma katana cuja lâmina era feita de pura luz azul. A lâmina não cortou as chamas, mas as dissipou, e com um único e preciso golpe, Sakura cortou o ar, criando uma onda de choque sônica que atingiu o assaltante, fazendo-o desmaiar instantaneamente.
A multidão aplaudiu enquanto os dois policiais prendiam o homem.
Newton e Layla se aproximaram. — Ótimo trabalho, oficiais. A resposta de vocês foi impecável.
Lucis assentiu. — Agradecemos, professora Newton. A situação está sob controle. Hoje as coisas estão mais corridas que o normal.
— Penetras? — perguntou Newton.
— Exatamente — confirmou Sakura, guardando sua katana de laser. — A reunião está atraindo todo tipo de atenção indesejada. Grupos aproveitando a segurança focada nos convidados para se infiltrar em Marte. Estamos fazendo o possível para manter a ordem.
— Eu sei bem como é. Também estou cheia de tarefas por causa disso — disse Newton, com um suspiro cansado.
Enquanto a conversa terminava e os policiais levavam o criminoso, o olhar de Layla se desviou. Sua atenção, aguçada e predatória, não estava na comoção, mas nas sombras. Em um beco escuro, do outro lado da praça, ela viu. Figuras encapuzadas, movendo-se com um propósito furtivo, trocando sinais discretos antes de desaparecerem nas entranhas da cidade subterrânea. Ninguém mais pareceu notar.
Um leve sorriso tocou os lábios de Layla. A reunião de "família" seria, de fato, muito interessante. As peças já estavam se movendo nas sombras do Reino dos Números.
Parte 4
Em um dos dormitórios assépticos reservados para os estudantes visitantes, a atmosfera era tudo menos acadêmica. O quarto, minimalista e funcional, com paredes brancas e mobília de design lógico, servia como um palco incongruente para a reunião de três das figuras mais voláteis da Horizon.
Adam estava dobrado ao meio, rolando de tanto rir. Lágrimas genuínas escorriam por seu rosto enquanto ele apontava para Kali, que estava parada no meio do quarto, visivelmente desconfortável.
— Hahahaha! Eu não acredito! — ele engasgou, batendo no chão. — Um uniforme colegial! Kali, a ceifadora de deuses, a lâmina silenciosa de Niklaus... vestida como uma estudante transferida de um anime de romance! Isso é ouro! Onde está a Ceto quando se precisa dela para registrar um momento histórico como este?
Kali fuzilou-o com um olhar que teria congelado o magma. Uma aura escura e pesada começou a emanar dela, fazendo o ar do quarto ficar denso, mas ela a suprimiu com um esforço visível, os punhos cerrados ao lado do corpo.
— Se você não calar a boca nos próximos cinco segundos, Adam, eu juro que vou arrancar essa sua língua e te forçar a engoli-la — ela sibilou, a voz baixa e perigosa. O nervosismo dela não vinha do traje ridículo, mas da vulnerabilidade imposta. Ali, no coração do território inimigo, liberar sua aura para calar a boca de Adam seria como acender um sinalizador no meio da noite.
— Mas quando exatamente a nossa reunião vai acontecer? — perguntou Katsuragi, a terceira figura na sala, alheia à tensão. Ela tomava um suco de maçã de caixinha, observando a cena com uma curiosidade quase infantil.
Kali virou-se para ela, a irritação claramente direcionada. — Você já esqueceu as ordens de Niklaus de novo, Katsuragi? A reunião da Horizon acontecerá no Reino dos Números após a cúpula científica da União.
Ela fez uma pausa, ajeitando a gola do uniforme que a sufocava. — Niklaus aparecerá publicamente como guarda-costas e parceiro de Neo... quer dizer, de Priscilla — ela se corrigiu, o nome da líder oficial da Horizon soando estranho em sua boca. — Ele usará essa proximidade para descobrir o que será discutido nesta grande reunião. Com base nisso, ele nos dará novas ordens. Até lá, nosso papel é observar e não sermos notados.
Katsuragi sugou o resto de seu suco ruidosamente. — Eu ainda não entendo como a União consegue fazer essas reuniões sem que Marte exploda. Eles chamaram Reis Demônios, os caçadores mais fortes... como eles mantêm todos na linha?
— É justamente por isso que funciona, sua ingênua — Adam interveio, finalmente se recuperando da crise de riso, embora um sorriso zombeteiro ainda dançasse em seus lábios. — Eles convidam forças tão opostas e poderosas que todos se auto monitoram. Ninguém pode dar um passo em falso, porque não podem confiar em ninguém além de si mesmos. E, para garantir, eles chamam os caçadores do topo do ranking, como o Zero, para dizer nas entrelinhas: "Se você causar problemas, eu contrato o único cara que pode baixar a sua bola". É um equilíbrio de poder genial e suicida.
Ele se tornou sério por um momento, o olhar perdido na paisagem marciana através da janela. — Mas a verdadeira questão é: por que agora? Em tempos bizarros como estes, onde até o Amaimon "morreu" e o Behemoth desapareceu, até o Reino dos Dragões hesitou em fazer seu festival. Mas a Rosa-Cruz, sem hesitar, convoca a maior reunião de potências da história. Que descoberta eles fizeram para justificar um movimento tão arriscado?
Katsuragi deu de ombros. — Falando em riscos, e o pessoal que estava em Threshold? Eles não vêm para a reunião?
— Se tudo sair conforme o previsto, eles devem conseguir voltar a tempo — respondeu Kali, seu olhar também se voltando para a janela.
— E desde quando as coisas com o nosso grupo saem como o previsto? — Adam riu, mas a risada não tinha mais humor.
Kali não respondeu. Seus olhos se estreitaram, focando em uma figura solitária que caminhava por um dos jardins suspensos do lado de fora. Uma garota de cabelos pretos com detalhes vermelhos... Havia algo nela, uma familiaridade que a incomodou, uma memória que se recusava a vir à tona.
— Adam, mensagem da Layla — disse Katsuragi, lendo um painel de dados. — Ela diz que viu figuras encapuzadas se movendo pelos becos da cidade baixa.
Kali virou o rosto por uma fração de segundo, a menção de Layla e de uma possível complicação quebrando sua concentração.
— Onde exatamente? — ela perguntou.
Quando ela voltou a olhar pela janela, o jardim estava vazio. A garota de cabelos vermelhos e pretos havia desaparecido, deixando para trás apenas a sensação perturbadora de um enigma não resolvido.
Parte 5
A sala de confraternização era uma obra-prima da bioengenharia da Rosa-Cruz, um oásis de calma projetado para apaziguar os egos mais inflamados. Uma cascata suave corria por uma parede de cristal vivo, e o teto era uma projeção holográfica do tranquilo céu terrestre. No entanto, a serenidade do ambiente era uma fina camada de verniz sobre uma tensão que podia ser cortada com uma lâmina.
Carla Sagan, com a eficiência de uma general em campo, monitorava discretamente os convidados através de painéis de dados quase invisíveis, garantia que as taças estivessem sempre cheias. Em um canto, Einstein, através de um holograma, com os cabelos ainda mais desgrenhados pela frustração, reclamava com Da Vinci.
— Atrasada? — ela sibilou, a voz baixa, mas carregada de urgência. — Leonard, temos Reis Demônios e o Imperador de Gaia respirando o mesmo ar reciclado! "Atrasada" é o eufemismo do milênio!
Da Vinci apenas sorriu, pegando uma taça de vinho da bandeja de Carla. — A paciência é uma virtude, Albert. Além disso, um bom espetáculo precisa de um pouco de antecipação.
Do outro lado da sala, a conversa era menos sobre ciência e mais sobre economia de guerra.
— A queda do Terminal Cinza abriu novos e... lucrativos mercados em Umbra — comentou Lu Bu, sua voz um trovão contido, para Oda Nobunaga. — Seus portos agora recebem nossas caravanas sem intermediários. Um benefício mútuo.
Nobunaga, abanando-se lentamente com um leque de ferro negro, sorriu. — A ordem nasce do caos, General. Alguns impérios precisam ruir para que outros, mais... eficientes, possam prosperar.
A conversa foi abruptamente interrompida pela chegada de duas figuras que fizeram o ar ficar visivelmente mais pesado. Gid Lovecraft, o presidente de Gaia, entrou com a postura rígida de um homem que se considera o centro do universo, seguido de perto pelo Imperador Cezar, dos Neo-Romanos, cujo olhar pragmático parecia calcular o valor de cada objeto e pessoa na sala.
— Um tanto... exótico para o meu gosto — Lovecraft comentou para Cezar, o desdém em sua voz mal disfarçado enquanto olhava para os chifres de Lu Bu.
O clima, já tenso, tornou-se gélido. Foi quando uma voz, clara e com um toque de impaciência real, cortou a quietude.
— Por que estamos perdendo tempo com essas trivialidades?
Todos os olhares se voltaram para Alice Lindell, representante do País das Maravilhas. Seu vestido azul parecia simples, mas seu olhar era afiado como vidro quebrado. Ao seu lado, seu guarda-costas, Samuel Mathers, tentou colocar uma mão calmante em seu ombro.
— Minha Rainha, talvez devêssemos esperar...
— Não! — Alice o afastou. — A reunião principal vai demorar. Se vamos ficar presos nesta sala, deveríamos focar na pergunta mais importante.
Argus, o Rei Dragão, que até então apenas observava com seus olhos ancestrais, soltou uma baforada de fumaça que cheirava a enxofre e satisfação. — Deixe-a falar, mago. Se for a pergunta que estou imaginando, ela será a primeira a ter coragem de fazê-la em público.
No exato momento em que Nefertari, a discípula de Cleópatra, entrava na sala com a graça de uma deusa, Alice se levantou. Ela não apontou para um, mas para dois alvos.
— Quando vocês vão começar a se explicar? — sua voz ressoou, silenciando qualquer murmúrio. Ela olhou para Vlad, o representante de Babylon, e depois para Oda Nobunaga. — Que história é essa de Babylon ainda ser gerenciada por Aleister Crowley, quando todos nesta sala sabem que ele está morto há décadas? E essa lenda sobre a "Criança da Destruição"? Já não está na hora do Reino de Sakura se pronunciar formalmente sobre o Astreus que abrigam?
O silêncio que se seguiu foi absoluto. Cada figura de poder na sala congelou. A pergunta não era uma acusação; era uma declaração de guerra diplomática.
Nobunaga sorriu, um sorriso lento e perigoso. — Não vejo motivos para me pronunciar. Aqueles que precisam saber a verdade, já a conhecem. Se os outros reinos são lentos em sua coleta de informações, não é um problema de Sakura.
Vlad, com sua frieza habitual, concordou. — O mesmo vale para nós. Se todos têm tanta certeza de que Aleister está morto, não há por que se preocupar. Significa apenas que nosso líder atual é um idiota se passando por um mago velho. Mas, caso ele não estivesse... — Vlad fez uma pausa, seu olhar encontrando o de Alice. — ...isso continuaria não sendo da conta de ninguém.
O cabelo loiro de Alice começou a flutuar, adquirindo uma tonalidade avermelhada à medida que sua raiva crescia. Ela estava prestes a explodir quando uma figura se interpôs.
— Calma, crianças.
Da Vinci surgiu no meio da sala, sua presença carismática dissipando a tensão como o sol dissipa a névoa.
— Os preparativos para a reunião estão quase prontos. Por agora, seria melhor se todos se acalmassem e aproveitassem o banquete que preparamos. Discutir os segredos do universo de estômago vazio é terrivelmente improdutivo.
Relutantemente, as facções recuaram. A promessa de comida e a autoridade inquestionável de Da Vinci foram suficientes para evitar um confronto aberto. Enquanto os líderes se dirigiam para um salão adjacente onde um banquete os esperava, Da Vinci permaneceu para trás por um instante, um suspiro cansado escapando de seus lábios.
— Lidar com tudo isso será tenso — ela murmurou para si mesma, olhando na direção da feira na cidade baixa. — Newton, querida... por favor, seja rápida.
Parte 6
O último caminhão de carga, agora repleto de suprimentos, deslizou silenciosamente por um tubo de transporte pneumático, desaparecendo na direção dos níveis superiores da cidade. Newton soltou um suspiro que pareceu carregar o peso de todo o planeta Marte, seus ombros caindo em exaustão.
— Finalmente... acabou — ela murmurou, encostando-se na parede fria de uma das docas de carga. — Sério, Layla, muito obrigada. Sem a sua ajuda, eu ainda estaria na metade da lista, provavelmente chorando em um canto.
Layla deu um pequeno sorriso, terminando de beber o suco que havia comprado mais cedo. — Não foi nada. E eu também tirei proveito. Consegui uma ótima visita turística pelas lojas de Marte, e não é sempre que se pode conversar com um dos professores legados da União.
Newton corou, o cansaço dando lugar a um leve constrangimento. Ela ajeitou os óculos, um gesto nervoso. — Ah, isso... eu ainda não consigo me dar bem com esse título de "legado". Parece... grande demais.
— Eu também não entendo muito bem como funciona — admitiu Layla, a curiosidade genuína em seus olhos amarelos.
— Bem, é um sistema antigo — começou Newton, encontrando conforto em explicar algo que conhecia. — A União é liderada por "Legados". Tirando Da Vinci, a atual líder suprema, muitos dos outros membros de alto escalão são pessoas que carregam o nome e o posto de seus ancestrais. Eu, por exemplo, sou a 15ª Newton a ocupar a cadeira que meu ancestral, Isaac Newton, teve em sua época.
Layla pareceu fascinada. — Que intrigante. É incrível que seus descendentes sempre sigam o caminho acadêmico.
Newton riu, um som genuíno e um pouco cansado. — Nem sempre. Houve gerações em que nenhum membro da família se interessava por ciência ou pesquisa. É por isso que é recomendado que o chefe da família tenha, pelo menos, uns dezesseis filhos.
— Dezesseis? — Layla repetiu, e um brilho sonhador e distante surgiu em seu olhar. — Dezesseis é um número legal. Eu gostaria de ter uns dezesseis filhos com o cara de quem eu gosto.
Newton a encarou, surpresa. — Nossa... eu não esperava que você fosse desse tipo. De garota que gosta de romances e coisas assim.
Layla pareceu sair de seu devaneio, um leve rubor em suas bochechas. — Normalmente não tenho muita chance de falar sobre isso... mas me sinto à vontade com você agora.
Um sorriso caloroso surgiu no rosto de Newton. — Fico feliz em ouvir isso.
— Já que terminamos, poderíamos andar mais um pouco pelas ruas? — sugeriu Newton. — Quando a reunião começar de verdade, eu terei que sair, mas eles darão um aviso público antes. Até lá, estou livre.
— Eu adoraria — respondeu Layla, e as duas começaram a caminhar lado a lado, deixando a agitação da feira para trás e entrando em uma das praças mais tranquilas da cidade baixa.
Enquanto caminhavam, Layla, distraída com a arquitetura flutuante de um jardim suspenso, esbarrou em alguém que dobrava uma esquina apressadamente. O impacto foi leve, mas o suficiente para desequilibrá-la.
Antes que pudesse olhar para a pessoa, um cheiro familiar e uma aura que fez seu coração disparar a atingiram. Era ele. Tinha que ser. Ela se virou, um sorriso de puro alívio e incredulidade surgindo em seus lábios, a meia palavra já se formando.
— Dan...
A palavra morreu em sua garganta. Parada à sua frente não estava Dante. Era uma mulher. Uma mulher com os mesmos cabelos vermelhos vibrantes e os mesmos olhos azuis intensos que assombravam suas memórias.
— Oh, me desculpe! — disse a mulher, a voz melodiosa e genuinamente preocupada. Ela se abaixou e ajudou Layla a se levantar com uma gentileza que era dolorosamente familiar.
Newton correu até elas. — Layla, você está bem? Ei, vocês se conhecem?
— Não, eu nunca a vi antes — respondeu a mulher misteriosa, olhando para Layla com uma expressão confusa.
— Mas... você disse "Dan-" — começou Newton.
— Eu... eu me confundi de pessoa — Layla interrompeu, forçando um sorriso que não alcançou seus olhos. O choque era um nó frio em seu estômago. — Realmente, não a conheço. Me desculpe pelo esbarrão.
A mulher, que se apresentou como Dani, sorriu. — Não foi nada. A culpa foi minha, estava com pressa. Ainda tenho trabalho a fazer. — Ela fez uma pequena reverência e se afastou, desaparecendo na multidão.
Newton e Layla ficaram paradas em silêncio por um momento.
— Você tem certeza de que está tudo bem? — perguntou Newton, preocupada.
Layla não respondeu. Seus olhos estavam fixos no ponto onde a mulher havia desaparecido, sua mente um turbilhão. A semelhança era impossível, absurda. A aura, o cheiro, até a forma como ela se movia... tudo era um eco perfeito.
"Por que...?", ela pensou, o coração ainda martelando contra as costelas, uma pergunta aterrorizante se formando em sua mente. "Por que aquela mulher é idêntica ao Dante?"
Parte 7
Nas profundezas de Marte, muito abaixo da cidade polida e da lógica da União da Rosa-Cruz, existia um segredo. Um laboratório subterrâneo, um santuário de pesquisas tão avançadas e eticamente questionáveis que sua existência era negada até mesmo nos círculos mais altos. Ali, o ar não cheirava a flores ou ozônio, mas a desinfetante, metal frio e ao odor sutil e adocicado de matéria orgânica sendo manipulada.
— Gostaria de poder assistir à reunião principal — murmurou um cientista para o outro, enquanto ajustava os parâmetros de um scanner. — Dizem que o próprio Zero estará lá.
— Podemos ver as gravações depois — respondeu seu colega, sem desviar os olhos dos dados. — Nosso trabalho aqui é mais importante. Não podemos abandonar o posto.
Vultos encapuzados moviam-se pelos corredores de serviço como fantasmas, seus passos silenciosos absorvidos pelo zumbido constante da maquinaria. Eles passavam por salas de observação de vidro reforçado, cada uma um diorama de horrores e maravilhas proibidas.
Em uma delas, dezenas de tubos de contenção alinhavam-se em fileiras perfeitas. Dentro de cada um, suspensa em um líquido âmbar, flutuava uma garota loira, idêntica em cada detalhe, os olhos fechados como se em um sono pacífico. Eram clones, cópias em massa de um original desconhecido, cada uma um recipiente para um propósito oculto.
Em outra sala, armas de aparência alienígena e relíquias arcanas estavam presas em campos de força, bombardeadas por feixes de radares e scanners que mediam suas emissões de éter e radiação. Os vultos passaram por uma câmara de contenção ainda maior. Lá dentro, atrás de camadas de vidro à prova de radiação, cientistas em trajes de proteção moviam-se em torno de uma tenda de acampamento improvisada.
— Os registros do dia são estáveis — disse um dos cientistas, a voz metálica pelo comunicador. — A carne da criatura continua a não apodrecer, e a emanação de éter é constante. A aproximação segura ainda é impossível além de setenta quilômetros. Mantenham a guarda e o monitoramento constante, especialmente antes da tentativa de enviar o novo grupo com o equipamento atualizado.
O grupo de infiltrados continuou, o silêncio quebrado apenas pelos gritos abafados que vinham de uma cela de observação mais adiante.
— ME MATEM! POR FAVOR, APENAS ME MATEM!
Através do vidro, eles viram a fonte da agonia. Um homem, ou o que restava dele, estava preso a uma maca, seu corpo uma paisagem grotesca de horror biológico. Raízes grossas e escuras irrompiam de buracos em sua carne, e insetos de carapaça iridescente rastejavam para dentro e para fora de suas feridas abertas.
— Ele contraiu uma "praga" do Void durante a última exploração — explicou um cientista a um assistente apavorado, do outro lado do vidro. — Uma planta simbiótica começou a crescer dentro dele. As raízes se alimentam de sua carne e sangue, enquanto as larvas e insetos se alimentam da planta. É um ecossistema vivo que tenta preservar a árvore a todo custo. Sempre que tentamos matar o hospedeiro para estudar a planta, os insetos o curam para impedir que a árvore morra.
— O Void realmente não é um lugar qualquer — comentou o assistente. — Este já é o vigésimo espécime de doença exótica que os exploradores trazem de lá. Como os Scarlune conseguem ir tão longe sem voltar assim?
— Isso é o que todos nós queremos saber. Mas estou mais curioso sobre os Kami. Se as pesquisas de Flinders forem comprovadas, a maioria deles foi para o Void após a grande guerra. Imagina o que poderíamos aprender...
Os vultos encapuzados seguiram em frente, deixando para trás os gritos e as maravilhas profanas, seu objetivo claro em suas mentes. Eles chegaram a uma ala no fundo do complexo, esta guardada não por tecnologia, mas por soldados de elite em armaduras de combate.
Uma das figuras encapuzadas, menor e mais esguia, deu um passo à frente. Os guardas imediatamente ergueram seus rifles, lasers de mira vermelhos focando em seu peito.
— Parada! Identifique-se!
A figura não respondeu com palavras. Ela começou a retirar o capuz lentamente. Uma fragrância sutil, doce e inebriante, espalhou-se pelo ar. Os guardas hesitaram, suas posturas tensas relaxando, os rifles baixando alguns centímetros. A figura revelou seu rosto: uma mulher de beleza estonteante, com cabelos rosa chiclete e lábios pintados em um tom provocante. Seus olhos encontraram os dos guardas, e eles congelaram, os rostos vazios, perdidos em um devaneio induzido.
Enquanto ela os mantinha hipnotizados, as outras figuras passaram por eles como sombras, invadindo a sala selada.
Lá dentro, no centro de um laboratório imaculado, estava o prêmio. Suspenso em um cilindro de contenção cheio de um líquido azulado e conectado a uma miríade de tubos e fios, estava um braço. Um braço direito, decepado na altura do ombro, perfeitamente preservado. Mesmo desconectado de um corpo, ele parecia pulsar com uma energia latente.
O líder do grupo misterioso deu um passo à frente, sua voz um sussurro rouco e triunfante que ecoou na sala estéril.
— Finalmente... te encontramos.
Parte 8
A transmissão começou.
Do caos metálico de Elysium às florestas ancestrais de Alexandria, de Geo Nova York em Gaia aos postos avançados sombrios de Umbra, o mundo parou. Em telas holográficas gigantes que flutuavam entre os arranha-céus, em cristais de som que zumbiam nas praças de vilarejos remotos, uma única imagem se materializou: a passarela de luz sólida que levava ao grande salão de reuniões no coração da União da Rosa-Cruz, em Marte.
Uma repórter da Rede Global de Notícias, com um sorriso profissional que mal escondia a magnitude do momento, narrava o evento com a voz embargada de admiração e temor.
“Boa noite, Hortus Parvus. O que estamos prestes a testemunhar é, sem dúvida, o evento diplomático mais significativo da nossa era. Líderes, guerreiros, lendas... e monstros. Todos reunidos sob o céu artificial de Marte para uma cúpula que promete redefinir o nosso futuro. E os convidados... começam a chegar.”
Em um bar lotado em Galis, Alexandria :
Um caçador de recompensas com um braço cibernético bateu sua caneca na mesa, fazendo a cerveja barata espirrar.
— Olhem só para isso! — ele rosnou para seus companheiros. — A realeza de todos os reinos desfilando, enquanto nós aqui lutamos por migalhas. Aposto que essa reunião não vai mudar nada para gente como a gente.
— Cale a boca, Jax — retrucou uma maga sentada ao lado, os olhos fixos na tela. — Você não entende. Se eles não chegarem a um acordo... não haverá mais migalhas para lutar.
A câmera focou em Argus, o Rei Dragão, e sua conselheira, Solarian. A presença deles era avassaladora, mesmo através da transmissão. Argus caminhava com a arrogância de quem sabe que poderia derreter a passarela com um suspiro, enquanto Solarian o seguia com uma calma que era quase mais ameaçadora.
Em Varka, capital dos Dragões, Alexandria:
Wise, o regente interino, observava a cena de seu trono de pedra, cercado pelos anciões do clã.
— Ele parece... contido — comentou um dos anciões, a voz um trovão baixo.
— Argus sabe que não está em seu território. Ele é orgulhoso, não estúpido — respondeu Wise. — Mas olhem para Solarian. Ela está analisando cada um dos outros convidados. É ela quem devemos observar.
A transmissão mudou, mostrando a delegação de Umbra. Wu Zetian, a Imperatriz, movia-se com uma graça letal, enquanto Lu Bu parecia um vulcão prestes a entrar em erupção, seus olhos varrendo a multidão como se procurasse o oponente mais forte.
Em um posto avançado de demônios em Umbra:
Um grupo de demônios guerreiros assistia à cena através de um cristal de comunicação roubado, a imagem trêmula e distorcida.
— A Imperatriz os honra com sua presença — disse um deles, a voz um rosnado.
— E Lu Bu parece pronto para arrancar a espinha de alguém — riu outro. — Os humanos de Marte não sabem o perigo que convidaram para sua casa.
Mais com um único olhar, o Imperador Qin Shi Huang fez os Homens se calarem.
A câmera então se moveu para Zero e Catherina. O silêncio na transmissão foi quase palpável. Zero, em seu terno branco, parecia absorver a luz e o som ao seu redor. Ele não olhava para as câmeras, nem para os outros convidados. Seu olhar estava perdido no vazio, como se contemplasse conceitos que os outros não podiam sequer imaginar.
No Colégio Babylon, na sala da Classe -13:
Megumi, sentada em sua carteira, abraçava os joelhos. Ao seu lado, Shimura folheava um mangá, mas seus olhos estavam fixos na tela.
— Ele... não parece real — sussurrou Megumi. — É como olhar para um buraco na realidade.
— O Caçador Número Um... — disse Shimura, a voz cheia de admiração. — Dizem que ele não caça monstros, mas sim... impossibilidades.
A repórter continuou, a voz um pouco instável. “E aqui temos... os representantes da Horizon. A Rainha Priscilla de Raven, acompanhada por seu conselheiro... e guarda-costas... Niklaus.”
A aparição de Niklaus na tela causou uma onda de reações. Em Gaia, o nome era desconhecido para a maioria, mas em certos círculos de poder, causou um arrepio. Em Babylon, O Diretor Aleister, que assistia de seu escritório, cerrou o punho.
A câmera então mostrou Oda Nobunaga e Susano, do Reino de Sakura. A beleza austera de Nobunaga e a presença selvagem de Susano criaram um contraste poderoso.
Em um dojo isolado nas montanhas de Sakura:
Um velho mestre espadachim parou seu treinamento, seus olhos fixos na figura de Nobunaga.
— O Demônio de Owari caminha entre os deuses e monstros — ele murmurou. — Que os céus tenham piedade de quem subestimar sua ambição.
A lista de convidados continuava, cada nome uma lenda, cada rosto uma promessa de poder ou traição: Galentine, o Gigante; Violet, a Autômata; Helena, do Trono de Deus, com seu olhar fanático; "Paracelso", a Scarlune, cuja identidade era um mistério para o mundo.
A repórter mal conseguia conter a excitação. “Nunca antes tantas forças se reuniram. A questão que paira no ar de Marte e em todo o nosso mundo é uma só: isto é o prelúdio da paz... ou o primeiro ato da última guerra?”
E enquanto ela falava, a última convidada principal atravessou a passarela. Gaap, a Rainha Demônio, não caminhava; ela flutuava, rindo para as câmeras, um sorriso que era ao mesmo tempo sedutor e prometia aniquilação total.
O mundo prendeu a respiração. A reunião estava prestes a começar.
Parte 9
A transmissão ao vivo capturava o silêncio, mas não a tensão. Para o mundo que assistia, era apenas uma procissão de figuras lendárias caminhando em direção a uma porta imponente. A repórter narrava com a voz trêmula: “Eles entram… O que será discutido a portas fechadas pode, literalmente, mudar o curso da história.”
Lá dentro, o Grande Salão da Rosa-Cruz não era opulento, mas sim funcional ao extremo. Uma única e massiva mesa redonda de obsidiana polida dominava o centro, projetada para que ninguém ocupasse uma posição de superioridade. Mas a diplomacia arquitetônica pouco fez para conter os egos colossais que agora se sentavam.
O silêncio foi quebrado não por um diplomata, mas por um guerreiro.
— Então este é o homem mais forte do mundo? — A voz de Lu Bu era um trovão, e seu olhar estava cravado em Zero, que se sentava do outro lado da mesa. — Você não parece grande coisa. Lute comigo. Aqui e agora.
Zero nem sequer virou o rosto. Com uma calma que era quase um insulto, ele ajeitou os óculos de aro fino. O desprezo silencioso foi mais eficaz do que qualquer resposta verbal, e uma veia pulsou na testa de Lu Bu.
Honeybell, a princesa dos Elfos, observava a cena com um desdém contido. Ao seu lado, seu cavaleiro, Lykos, mantinha a mão perto do cabo da espada. O olhar de Honeybell desviou-se para Violet, a representante dos Autômatos, cuja pele sintética brilhava sob a luz suave.
— É fascinante como as criações mais recentes de Elysium imitam a vida com tanta... persistência — disse Honeybell, a voz doce, mas com um toque de condescendência. — Diga-me, querida, você sonha? Ou apenas processa dados em modo de repouso?
Violet virou sua cabeça lentamente, seus olhos de íris mecânica focando em Honeybell. — Nós evoluímos, princesa. Um conceito que parece estagnado em raças que se apegam a florestas e tradições. Nossos sonhos são feitos de lógica e potencial ilimitado. Talvez um dia vocês compreendam.
Antes que Lykos pudesse intervir, Gawain, da Távola Redonda, soltou uma risada arrogante. — Disputas entre fadas e bonecos de corda? Que divertido. Mas o cheiro neste salão é o que me incomoda. Um odor de morte antiga e sangue coagulado.
Seu olhar encontrou o de Carmilla. A Rainha Vampira, sentada nas sombras, sorriu, revelando a ponta de suas presas.
— O sangue de cavaleiros excessivamente orgulhosos costuma ter um gosto peculiar, Sir Gawain. Ácido e cheio de arrependimentos. Não é o meu favorito, mas serve para saciar a sede em uma noite entediada.
Bedivere, ao lado de Gawain, colocou uma mão no ombro do companheiro, um aviso silencioso. A tensão entre o caçador e a predadora era quase física.
— Um tanto... exótico para o meu gosto — a voz de Gid Lovecraft, o presidente de Gaia, soou alta e clara, cheia de repulsa enquanto olhava abertamente para os chifres de Lu Bu e a aura sombria de Carmilla. — Em Gaia, aprendemos que a força de uma nação reside em sua pureza, livre da corrupção do sobrenatural.
Argus, o Rei Dragão, que até então apenas observava com seus olhos ancestrais, soltou uma gargalhada profunda, um som que vibrou na mesa de obsidiana.
— Pureza? — ele zombou, uma baforada de fumaça escapando de suas narinas. — Vocês, humanos de Gaia, chamam sua fragilidade de "pureza". Temem o que não podem controlar e se escondem atrás de muros de lógica e fé. Sua força é uma ilusão que se estilhaçaria com um único sopro meu.
Oda Nobunaga, sentada ao lado de Lu Bu, sorriu, o som do seu leque se fechando ecoou na sala. — Tanta pressa, General. A paciência é uma arma. Mas confesso que também estou curiosa. — Seu olhar afiado se fixou em Zero. — Você surgiu do nada há vinte anos, curiosamente na mesma época em que nosso líder, a Criança da Destruição, ascendeu. Seria possível que você também seja... um fenômeno semelhante?
— Falando em fenômenos que precisam de explicação — a voz de Helena, do Trono de Deus, cortou o ar, fria e dogmática —, a existência da "Criança da Destruição" é uma anomalia que o Reino de Sakura se recusa a justificar.
Alice Lindell, que batucava os dedos impacientemente na mesa, virou-se para Nobunaga. — Ela tem razão. Que tal um pouco de transparência?
— Eu adoraria estudar ambos — "Paracelso" interveio, seus olhos cianos brilhando com um fascínio puramente científico. — Um espécime que personifica o "nada" e outro que personifica a "mudança". A veracidade desses boatos só pode ser confirmada através da análise empírica.
— E falando em boatos que precisam de confirmação — disse Priscilla, a rainha de Raven, com uma calma régia, embora o olhar de Niklaus ao seu lado fosse cortante —, gostaria de perguntar à representante dos Scarlune sobre o garoto que supostamente retornou dos mortos. Dante, creio eu.
Argus soltou outra baforada de fumaça. — Agora entendo por que Wise não quis vir. Como sempre, vocês se perdem em trivialidades e disputas pessoais. Não seria mais lógico discutir a morte de Amaimon e o que, ou quem, foi capaz de tal feito?
CRACK.
A mão de Da Vinci bateu na mesa de obsidiana com força suficiente para criar uma pequena fissura na superfície polida. Um silêncio chocado caiu sobre a sala. Pela primeira vez, a anfitriã abandonou sua serenidade.
— Vamos deixar claro de uma vez por todas. — Sua voz não era alta, mas cada palavra era um martelo. — Todos nesta mesa já sabem a verdade. Não há por que esconder o jogo atrás de provocações infantis. Os supostos deuses de nossas lendas são reais. E hoje, os Astreus vagam entre os mortais.
O espanto na sala não era pela informação em si. Era pelo fato de que o maior segredo do mundo, o tabu que governava as sombras da política e do poder por vinte anos, havia sido finalmente declarado em voz alta, de forma inequívoca. O jogo havia mudado.
Parte 10
A fissura na mesa de obsidiana parecia uma cicatriz escura, a única imperfeição no salão perfeitamente lógico. A declaração de Da Vinci pairava no ar, não como uma teoria, mas como um axioma recém-estabelecido que forçava uma reavaliação de todas as variáveis conhecidas. O jogo de provocações e sondagens diplomáticas havia acabado.
— Ficar dando voltas não nos levará a lugar nenhum — continuou Da Vince, sua voz agora desprovida de qualquer traço de entretenimento, substituída por uma seriedade cortante. — A verdade não é mais um segredo guardado por poucos, mas um evento em andamento que está ativamente remodelando nosso mundo. Tratar os Astreus como um tabu ou um absurdo é um luxo que não podemos mais nos permitir. Neste mundo, até mesmo os deuses que muitos de vocês veneraram ou combateram são reais, nascidos do Ether e moldados pela crença coletiva.
Ela fez um gesto, e o holograma no centro da sala mudou. A imagem de um universo em formação apareceu, com filamentos de Ether se conectando, criando estrelas e mundos.
— Nossas novas teorias cosmológicas confirmam o que os antigos filósofos apenas suspeitavam. O Ether não é apenas energia; é consciência em potencial. Crenças, medos, mitos... quando compartilhados por milhões ao longo de eras, eles impregnam o Ether. Essa energia, saturada por um conceito, pode eventualmente sofrer uma Alteração Espontânea, dando à luz uma entidade que personifica essa crença. Os Deuses Caídos, as Fadas, os Youkais... todos são, em sua essência, manifestações da psique coletiva. Os Astreus são apenas a escala primordial e absoluta desse mesmo princípio.
O silêncio na sala era profundo. Até mesmo Lu Bu e Argus escutavam com uma atenção relutante.
— E eles não são mais uma ameaça distante — Da Vinci declarou, e o holograma começou a exibir uma série de imagens de eventos recentes. — A União da Rosa-Cruz tem monitorado cada incidente. O que matou o Rei Demônio Amaimon não foi uma arma ou um caçador. Nossos sensores foram inequívocos: foi uma manifestação direta do Astreus da Morte. O incidente caótico no navio Titanic, que muitos de vocês presenciaram ou ouviram falar, foi o despertar instável do Astreus do Enigma. O labirinto vivo que se manifestou dentro da Black Box de um professor em Babylon foi a obra do Astreus da Vida. E o evento que ficou conhecido como o incidente da "Lua Azul" em Alexandria foi a primeira caçada do avatar do Astreus da Caça.
Ela parou, deixando o peso das revelações assentar.
— Eles estão aqui. Estão despertando. E estão agindo. A questão não é mais se eles são reais, mas como vamos coexistir ou confrontar a realidade de sua presença. E isso nos leva à nossa descoberta mais recente e, talvez, a mais perturbadora. Nossas expedições ao Void...
BOOOOOOM!
A palavra foi engolida por uma explosão ensurdecedora que abalou a própria fundação do Reino dos Números. A cúpula de vidro reforçado que continha o céu artificial tremeu violentamente, teias de aranha de rachaduras se espalhando por sua superfície. Alarmes estridentes soaram, banhando o salão em uma luz vermelha pulsante.
A reação na sala foi instantânea e um reflexo perfeito da natureza de cada um dos presentes.
Lu Bu e Argus não demonstraram medo, mas uma alegria selvagem. Ambos se levantaram em uníssono, sorrisos predatórios em seus rostos. — Hahaha! Finalmente um pouco de ação! — bradou Lu Bu, sua mão já buscando a alabarda que repousava ao seu lado.
Zero permaneceu sentado, imóvel. Ele apenas ajeitou os óculos, seus olhos fixos na cúpula rachada, não com alarme, mas com uma curiosidade analítica, como se estivesse observando a quebra de um teorema. Ao seu lado, Catherina já estava de pé, uma adaga sutilmente em sua mão, seu corpo uma mola comprimida pronta para explodir.
Wu Zetian e Oda Nobunaga trocaram um olhar rápido, uma comunicação silenciosa entre estrategistas. Seus rostos estavam calmos, calculando as implicações, a natureza do ataque, quem se beneficiaria do caos. Niklaus fez o mesmo, seu olhar encontrando o de Priscilla por uma fração de segundo.
Gaap riu, um som cristalino e maníaco. — Oh, que indelicadeza! Interromper uma reunião tão... esclarecedora. Quem quer que seja, tem um senso de drama apurado. Adorei!
Carmilla, por outro lado, pareceu recuar ainda mais para as sombras, seus olhos vermelhos brilhando com cautela.
Gawain e Bedivere já estavam de pé, formando uma barreira protetora instintiva, suas auras de caçadores emanando poder. Vlad, de Babylon, sacou sua espada, a lâmina brilhando friamente sob a luz vermelha de emergência.
— Uma violação de segurança deste nível... — murmurou Helena, do Trono de Deus, seu rosto uma máscara de fúria fanática. — Blasfêmia!
"Paracelso" lambeu os lábios, seus olhos cianos brilhando com um fascínio científico.
Da Vinci, no entanto, foi quem reagiu com mais rapidez. — Carla! Relatório de danos! Newton, análise espectral da explosão, agora! — sua voz era um chicote de comando, cortando o início do pânico.
Enquanto ela dava as ordens, todos na sala, do mais selvagem guerreiro ao mais calmo pensador, sentiram. Não era uma explosão comum. Era uma presença. Uma aura avassaladora, carregada de uma intenção tão pura e singular que era quase sufocante.
E do lado de fora, no silêncio vermelho de Marte, algo colossal havia chegado.
Parte 11
O mundo assistia, hipnotizado. Drones de notícias pairavam como insetos de metal sobre a cúpula marciana, suas lentes transmitindo para bilhões de almas em todos os quatro reinos. A imagem da fome cósmica nos olhos de Zero, a tensão entre os reis... tudo era um espetáculo. Ninguém estava preparado para o que viria a seguir.
Um silvo agudo rasgou a tênue atmosfera de Marte, um som que viajou mais rápido que a luz. Antes que qualquer sistema de defesa pudesse reagir, um pilar de ouro incandescente desceu dos céus. Não era um raio, nem um meteoro. Era um bastão. Um bastão colossal, gravado com runas que brilhavam com poder primordial, que perfurou a cúpula de vidro reforçado como se fosse uma bolha de sabão. A ponta atravessou quilômetros de arquitetura lógica e se fincou no solo ocre de Marte a poucos metros do salão principal, com uma força que fez todo o Reino dos Números tremer em suas fundações.
O ar na sala de reuniões estalou. A fome nos olhos de Zero foi substituída por um choque genuíno. A arrogância de Lu Bu deu lugar a uma incredulidade furiosa. Pela primeira vez, todos naquela sala, deuses e monstros, sentiram a mesma coisa: a audácia de uma violação impossível.
As portas do grande salão se abriram com um estrondo. Luz vermelha e alarmes inundaram o corredor enquanto os líderes saíam, seus rostos uma tapeçaria de raiva, curiosidade e cautela. E então, eles viram.
Ao lado do bastão dourado que pulsava com uma energia avassaladora, duas figuras estavam paradas. Uma, um homem de cabelos prateados e olhos que continham a sabedoria de eras, vestindo trajes simples que não conseguiam esconder a aura de poder selvagem que emanava dele. Era uma lenda viva, um mito encarnado: Sun Wukong.
A outra figura deu um passo à frente, em direção às câmeras que agora focavam nele com um frenesi desesperado. Ele era humano. Jovem, carismático, com um sorriso que prometia tanto salvação quanto aniquilação. Seus olhos brilhavam com a convicção de um profeta.
— Hortus Parvus. Meu nome é Kael — sua voz, calma e clara, foi transmitida para todos os cantos do mundo. — Peço desculpas pela interrupção dramática, mas o tempo para sussurros e segredos acabou. Viemos aqui hoje, diante de seus líderes, para que todos ouçam a verdade.
Ele fez uma pausa, o mundo prendendo a respiração.
— Os Astreus são reais. Os deuses que governam seu destino não são lendas; são entidades que agora caminham entre vocês. E seus líderes... — ele gesticulou para o grupo chocado que saía do salão — ...sabiam. Eles esconderam isso de vocês. Assim como esconderam as calamidades que suas ações trouxeram. A União da Rosa-Cruz, em sua busca arrogante por conhecimento, tem feito viagens ao Void, A parte não mapeada e inexplorada do mundo. E de lá, eles não trouxeram sabedoria, mas pragas, monstros e a própria instabilidade que agora assola suas terras.
A reação foi sísmica. Em Gaia, multidões se reuniram nas praças, olhando para os céus. Em Alexandria, o choque silenciou tavernas e mercados. Em Umbra, até os demônios pararam para ouvir.
— Chega! — A voz de Kael tornou-se um trovão. — A era dos reis, dos deuses e dos monstros que brincam com suas vidas chegou ao fim. Hoje, declaramos o início de uma nova era. A era da Supremacia Humana!
Ele ergueu o punho.
— Nós viemos para colocar um fim às tormentas deste mundo! Desafiamos os Reis Demônios! Desafiamos os falsos Deuses! E desafiamos os próprios Astreus que os criaram! Nós forjaremos um novo destino, um onde a humanidade não será mais um peão em um jogo cósmico!
O impacto daquelas palavras foi absoluto. Uma declaração de guerra contra toda a ordem estabelecida.
— Todos aqueles que se aliarem à nossa causa, humanos e não-humanos, usufruirão da paz e felicidade eternas que traremos. Mas todos aqueles que se opuserem... — seu sorriso desapareceu, substituído por uma frieza mortal — ...serão considerados inimigos da evolução. E serão erradicados.
Atrás dele, um portal rasgou o ar, um vórtice de luz dourada. Dele, começaram a sair mais figuras. Dezenas, depois centenas. Todos usavam trajes de combate simples, mas práticos. E todos eram inequivocamente... humanos.
— Nós somos os Argonautas! E viemos reclamar o futuro!
Os líderes na entrada do salão observavam, atônitos. — Humanos... — murmurou "Paracelso", seus olhos cianos brilhando com uma intensidade analítica. — Todos eles são humanos. Mas o poder que sinto... é anômalo. Não é o Ether que conhecemos. É algo... diferente. Mais denso. Mais... fundamental.
Nesse exato momento, um dos generais de Lu Bu se aproximou, o rosto pálido. — Meu senhor... notícias urgentes de Umbra. As bestas que personificam o Orgulho e a Ira... foram mortas. Relatos dizem que foi um grupo de humanos com poderes desconhecidos.
Quase simultaneamente, o comunicador de Bedivere apitou. Era uma mensagem de áudio, a voz de Ethan, ofegante e cheia de incredulidade. — Bedivere... o Majin... ele está morto. Não fomos nós. Foi um grupo... apareceram do nada... os mesmos da transmissão...
A tensão escalou para um novo nível. Mas o caos estava apenas começando.
Das sombras da própria Universidade do Pensamento, dezenas de vultos negros emergiram. Moviam-se com uma furtividade sobrenatural, ignorando tanto os líderes quanto os recém-chegados Argonautas, correndo em direção a uma ala específica do complexo.
— O Culto da Deusa da Noite Eterna... — A voz de Carmilla era um sussurro gelado, cheio de um reconhecimento antigo. — Eu investiguei seus movimentos. Eles estavam se reunindo em segredo, esperando por algo.
— Deusa? — Vlad, de Babylon, soltou uma risada áspera e sem humor. — Não há deusa nenhuma. A energia que eles emanam... a corrupção primordial... só pode ser uma coisa. A suposta fé que eles pregam é uma mentira para mascarar a verdade. Eles servem a Lúcifer.
A revelação atingiu a todos como um soco. O primeiro Rei Demônio. O causador da primeira grande guerra. Não estava morto, nem selado. Estava ativo.
ALERTA! ALERTA! VIOLAÇÃO DE SEGURANÇA NO LABORATÓRIO DE CONTENÇÃO NÍVEL ÔMEGA! O BRAÇO FOI ROUBADO! REPITO, O BRAÇO FOI ROUBADO!
A voz de Da Vinci, agora desprovida de qualquer calma, soou pelos comunicadores de todos os líderes.
A transmissão mundial foi cortada abruptamente, substituída pela estática.
— Todas as unidades! — A voz de Da Vinci agora era um grito de guerra. — Situação de emergência máxima! Capturar os rebeldes do grupo supremacista humano, os Argonautas! Interceptar e eliminar os membros do culto! Eles não podem sair de Marte!
O protocolo D. Scarlune é ativado.
Parte 12
Do lado de fora, por toda Hortus, ecoavam o barulho e a desordem gerados pelas palavras e pela declaração de guerra de Kael. Enquanto isso, na Sala de Reunião, a reação foi... decepcionante.
Lu Bu soltou um suspiro que era puro desdém, como se tivesse acabado de espantar uma mosca. Wu Zetian, a Imperatriz Celestial, ergueu uma mão e passou a admirar o brilho de suas unhas de laca preta, o tédio gravado em cada gesto. Para eles, e para outros como Carmilla e Argus, cujas vidas tinham uma longevidade maior, a performance dos Argonautas não era uma crise. Era um déjà vu. Um ciclo irritante e previsível de mortais com poder demais e juízo de menos, gritando para que os adultos os notassem.
— Bom, já que o circo acabou... — A voz de Alice cortou o silêncio, prática e afiada. Ela se apoiou na mesa de reuniões. — Que tal falarmos de algo que realmente vale a pena? Tenho perguntas que precisam de respostas!
— De fato. — Wu Zetian baixou a mão, seu tom suave como seda, mas com um fio de aço por baixo. — Se o único propósito da reunião era revelar a verdade sobre os Astreus, não há motivo para continuarmos com isso. Além do mais, saibam que, até o momento, nenhum avatar sequer ousou pisar em Umbra.
O pânico, no entanto, floresceu em outro canto da sala, onde séculos de vida não haviam corroído o senso de urgência.
— Uma violação! Uma declaração pública! — Helena, do Trono de Deus, estava de pé, o corpo tremendo e o rosto pálido de fúria fanática. Veias saltavam em seu pescoço enquanto ela se virava para a anfitriã. — Da Vinci! Eles revelaram o segredo dos Astreus para o mundo! Anos! Décadas de contenção, de controle... arruinados por um bando de terroristas! Exijo que a União se explique!
Da Vinci massageou a têmpora, uma veia solitária pulsando em um ritmo perigoso. Sua lendária calma estava se esfarelando, mas não pela razão que Helena imaginava. O olhar dela não era de preocupação com um segredo vazado; era a fúria fria de quem foi pessoalmente atacada.
— Professora... — Newton se aproximou, a voz em um sussurro preocupado ao ver a expressão sombria no rosto de sua mentora.
Foi Oda Nobunaga, com seus olhos de predador, quem percebeu a dissonância. Com um estalo suave, seu leque de guerra de ferro se abriu, cobrindo um sorriso sutil. — Que curioso, anfitriã. Sua irritação não deve ser com a quebra do sigilo. Afinal, não é do seu feitio perder a compostura por meras palavras de insurgentes.
Da Vinci fuzilou Nobunaga com o olhar. Por um instante, a máscara de controle absoluto rachou, e a verdade escapou, ácida e crua.
— Não apenas tive que aceitar essas crianças interrompendo minha reunião — ela sibilou, a voz baixa, mas ecoando mais alto que o grito de Helena —, como agora tenho que lidar com ladrões que usaram o caos como cobertura. Invadiram meu laboratório e roubaram um item de pesquisa insubstituível.
Um silêncio de natureza completamente diferente caiu sobre a sala. O tédio nos olhos de Lu Bu evaporou, substituído por um brilho agudo. Wu Zetian baixou o olhar de suas unhas, o interesse finalmente despertado. A curiosidade sobre o "Braço" pairou no ar, carregada de um peso que todos ali — mestres em sentir as nuances do poder — compreenderam instantaneamente. Não era um simples artefato.
Niklaus, que até então apenas observava com um olhar calculista, estreitou os olhos. Uma oportunidade, pura e inesperada, acabara de se apresentar no tabuleiro. Sem que ninguém percebesse, ele moveu sua mão até seu bolso, enviando uma mensagem para seus companheiros: "O Braço. Encontrem-no. Peguem-no."
No meio da tensão crescente, uma figura se moveu. Zero, impecável em seu terno branco, enfiou as mãos nos bolsos e começou a caminhar em direção à saída, o desinteresse estampado em seu rosto.
— Se o assunto principal é sobre os Astreus, estou indo para casa — sua voz saía desprovida de qualquer emoção, sendo essa uma das primeiras vezes que muitos ali a ouviram. — Não tenho interesse.
— Eu também não! — Gaap se levantou com um salto, um sorriso selvagem no rosto, mas seus olhos brilhavam com uma intenção diferente. — Mas aqueles humanos lá fora parecem cheios de energia! Vou testar a força deles!
— Esperem. — A voz de Da Vinci, agora fria como gelo, fez os dois pararem. Ela se virou para Zero. — A reunião ainda não começou. O que aconteceu até agora... foi apenas uma introdução para deixar todos na mesma página.
A declaração prendeu a atenção de todos. Kael, o líder dos Argonautas, que observava a cena do lado de fora da sala com um sorriso confiante, aproveitou a deixa.
— Se é assim, anfitriã, insistimos em ouvir. Afinal, não teriam problema em deixar "crianças" participarem da reunião dos adultos, não é? A menos que... tenham medo do que podemos fazer.
A provocação era óbvia. Da Vinci, no entanto, apenas o olhou com cansaço.
— Crianças não participam de reuniões de adultos porque são sempre os adultos que precisam limpar a bagunça que elas fazem. Zero, por favor.
— Eu também posso ajudar com isso — ofereceu Nobunaga, o leque cobrindo um sorriso perigoso. — Tanto com os rebeldes lá fora quanto com os ladrões que roubaram seu... "objeto". Mas, em troca, diga-nos de uma vez por todas o verdadeiro propósito desta cúpula. Como uma General Divina, tenho deveres em Sakura. Preciso saber se vale a pena continuar aqui ou se devo partir.
Da Vinci analisou o campo de batalha em que sua sala de reuniões havia se tornado. A pressão era imensa. Os segredos estavam vindo à tona de qualquer maneira. Com um suspiro que parecia carregar o peso de eras, ela fez um gesto, ativando um holograma no centro da sala. A imagem mostrava um espaço caótico e primordial, pulsando com energia bruta.
— Muito bem. A verdade. — Sua voz agora era um sussurro que todos na sala se esforçaram para ouvir. — Há alguns meses, a União da Rosa-Cruz confirmou o que antes era apenas teoria. Encontramos uma forma segura de adentrar o Void. Não apenas isso, descobrimos um ponto de estabilidade. Um local que pode ser... habitado. Conquistado.
O ar na sala pareceu congelar. Cada líder, cada monstro, processou a informação. O Void. O abismo desconhecido do lado de fora do “Mundo” conhecido. Não mais um lugar de morte certa, mas um novo continente. Um novo reino.
— Por isso, a União da Rosa-Cruz irá iniciar, em breve, uma expedição oficial para este novo território — Da Vinci declarou, e seus olhos passaram por cada um deles, um por um. — E estamos, abertamente, convidando aqueles que desejarem participar.
O jogo de poder havia mudado de escala. A revelação sobre os Astreus, a declaração de guerra, o roubo do Braço... tudo aquilo se tornou subitamente pequeno, quase insignificante. Diante deles, havia a promessa de novas terras, novos recursos, um poder inimaginável. A corrida pelo futuro não seria mais travada em Hortus Parvus.
A verdadeira batalha seria pela conquista do Vazio.
O corpo de Zero, já a meio caminho da porta, imobilizou-se. Lentamente, ele se virou, e a máscara de tédio em seu rosto não se quebrou; ela se dissolveu, revelando um brilho de interesse genuíno e afiado em seus olhos.
— Uma expedição ao Void... — sua voz, pela primeira vez, carregava um peso de consideração. — Se tivessem começado por aí… Está bem. — Ele lançou um olhar para a abertura na cúpula, por onde os ecos dos Argonautas ainda pairavam. — Vou levar as crianças para fora para que possamos conversar como adultos.
Como se acionada por um comando invisível, Carla Sagan moveu-se em direção a Da Vinci, com a expressão séria e focada.
— Já controlei em parte a narrativa externa — disse Carla, sua voz firme, já formulando estratégias para conter o pânico em massa. — Minimizaremos os danos, embora a verdade sobre os Astreus não possa ser retirada.
O leque de ferro de Nobunaga se fechou com um estalo que soou como um osso quebrando. — E eu cumprirei minha promessa. Irei interceptar os ladrões e recuperar seu... "item". — Um sorriso fino e perigoso tocou seus lábios, um que não alcançou seus olhos. — Considere um gesto de boa fé para nossa futura aliança.
Os demais líderes, agora com a atenção completamente capturada, ajeitaram-se em seus assentos. A atmosfera na sala mudou. As provocações e insultos velados deram lugar a um silêncio denso, carregado de cálculo. Os olhares não se cruzavam mais; em vez disso, focavam no holograma do Void, ou em um ponto vazio no espaço, enquanto mentes poderosas traçavam mapas de conquista em reinos ainda não nascidos.
— Precisará de ajuda com tantos? — Gawain perguntou a Zero, o respeito de um guerreiro para outro evidente em seu tom.
Zero apenas ajeitou os óculos no nariz com um único dedo. Um sorriso mínimo, quase uma contração muscular, foi sua única resposta. Nenhuma outra era necessária.
Gaap, no entanto, nunca foi de esperar por ordens. Com uma gargalhada maníaca que fez o cristal estilhaçado tremer, ela não usou a porta. Saltou diretamente pela abertura na cúpula, disparando em direção ao caos lá fora como um cometa de pura anarquia.
— Sempre a mesma bagunça quando nos reunimos... — Carmilla suspirou, a voz um sussurro de seda e veneno, enquanto se recostava em sua cadeira como se fosse um trono.
Foi então que Alice, sentindo-se ignorada, focou sua frustração na Rainha Vampira.
— Se estamos em uma pausa, talvez você possa responder às minhas perguntas, Carmilla. Você estava investigando o Culto da Noite Eterna. Deve saber de algo sobre Lúcifer. Como um culto em nome dele pôde se formar? O que a motivou a investigá-los? Um súbito interesse em seu... ancestral?
Carmilla a olhou de cima a baixo, um desdém forjado em milênios em seus olhos. — Eu não perco meu tempo respondendo a crianças curiosas. — Seu tom era o de uma montanha falando com um seixo.
A palavra "criança" foi o estopim. Ao redor da mesa de Alice, um silêncio mortal se instalou. Sua voz, quando falou, não era mais aguda e impaciente. Era baixa, ressonante, como o zumbido de um enxame de vespas.
— Desde que cheguei, todos me tratam como uma boneca em uma prateleira. — O ar ao redor dela começou a vibrar. As mechas loiras de seu cabelo se ergueram, desafiando a gravidade, cada fio tingindo-se de um vermelho carmesim, como se sangue estivesse se espalhando na água. Uma pequena coroa de ouro retorcido, adornada com um coração que pulsava com uma luz doentia, materializou-se sobre sua testa. — Ainda bem. Parece que a reunião vai ter uma pausa. Assim, posso fazer o que eu quiser. Não é?
Um arrepio de puro pavor percorreu a sala. Os líderes mais sensíveis ao éter — Argus, Wu Zetian, até mesmo o calculista Niklaus — recuaram instintivamente em suas cadeiras. A aura de Alice não era mais a de uma rainha mimada. Era o poder primordial e caprichoso de um deus infante, antigo e terrivelmente poderoso.
BLACK BOX: A FESTA DO CHÁ - BEM-VINDO AO PAÍS DAS MARAVILHAS
No instante em que suas palavras terminaram, o universo pareceu piscar. Para os bilhões que assistiam em Hortus Parvus, a transmissão de Marte não foi cortada ou interrompida. O planeta inteiro, com sua cúpula rachada e seu céu vermelho, simplesmente... desapareceu. Onde antes Marte brilhava como um ponto de luz no céu noturno, agora havia apenas o negrume absoluto do vazio. Toda comunicação, todo sinal, todo vestígio de sua existência foi apagado da realidade.
Parte 13
Uma Black Box, na mente de qualquer Shaper experiente, por definição, é um universo de bolso, e uma cartada final, no entanto, sua criação é normalmente simplificada ao máximo; um espaço amplo com poucos detalhes, ou um espaço pequeno e muito detalhado. O refinamento de uma Black Box é um trabalho árduo, complexo e, por vezes, infrutífero. Para a maioria dos Shapers, o que importa é que as regras de seus poderes dominem uma área e afetem o adversário, não criar um campo de batalha complexo que talvez nem seja totalmente aproveitado. É mais eficiente refinar as leis da habilidade do que a estética da Black Box em si.
A Black Box de Alice, no entanto, não era uma ferramenta. Era um fato da natureza.
Ela ia contra cada princípio de eficiência e lógica. Não era um espaço criado para uma batalha; era um reino que existia independentemente de qualquer conflito. A Dimensão do País das Maravilhas, com sua história, sua cultura e seus habitantes bizarros, era a sua Black Box, pulsando e vivendo, 100% do tempo ativa. Na verdade, a própria Alice não podia desligá-la, assim como um deus não pode desligar o próprio céu. Seu encantamento não criava o espaço; ele apenas abria a porta. Era um convite para sua realidade particular.
Já a segunda e mais profunda anomalia daquele lugar. Era que ele não era um palco vazio. Era um mundo saído dos delírios febris de uma criança. Um lugar com cidades feitas de cartas de baralho, florestas de cogumelos bioluminescentes e rios que corriam com chá. Um ecossistema de loucura com suas próprias regras incompreensíveis, seus próprios seres vivos e suas próprias guerras silenciosas. Era, sem dúvida, a mais detalhada e complexa Black Box já registrada na história. Um mundo vivo, respirando e em constante movimento.
E de repente, no céu de cores psicodélicas daquele mundo, um novo corpo celeste apareceu.
Não nasceu como uma estrela. Ele rasgou a realidade, surgindo inteiro e majestoso: o familiar planeta vermelho, Marte, com sua cúpula rachada e seus continentes ocres. E dentro dele, em sua superfície e em suas instalações, estavam todos aqueles que o habitavam. Com um ato de vontade que mal parecia um esforço, Alice não os convidou. Ela simplesmente pegou o planeta inteiro e o colocou em seu jardim.
Parte 14
A mensagem de Niklaus era uma ordem clara, um fio de navalha cortando o caos da reunião: Encontrem O Braço.
Arcanum, que havia se afastado da princesa Priscilla e de Nicklaus momentos antes, já estava em movimento. Ele fechou os olhos por um instante, e ao abri-los, o mundo se transformou. Seu Devil Eye, dava a ele a capacidade de ver “Tudo que Havia acontecido” contanto que tive-se tocado em uma âncora que estivesse no ponto que ele queria enxergar, assim ele parou de ver a realidade com seu olho direito. e passou a ver Fios fantasmagóricos de ether, traçando ate sua ancora a princesa pricilla ele conseguiu visualizar atraves dela tudo que aconteceu na sala de reuniões conseguindo ate ter um vislumbre de por qual caminho os cultistas de Lúcifer percorreram em sua fuga, assim ele liderou o grupo de kali, adam e Katsuragi em direção às docas de embarque.
— Eles estão indo para as naves. — comandou Arcanum, sua voz gelida e seria para os outros membros da Horizon.
A perseguição foi brutal e direta. Eles cortavam caminho por entre os edifícios marcianos, a poeira vermelha subindo a seus pés. As naves de fuga já eram visíveis no horizonte quando o universo piscou.
Não houve som, apenas uma súbita e violenta torção na realidade. O céu estrelado de Marte se dissolveu como aquarela em água, escorrendo em espirais de cores psicodélicas que nenhum ser humano deveria testemunhar. O chão sob seus pés ondulou, e os edifícios ao redor começaram a se distorcer, suas linhas retas derretendo-se em curvas impossíveis.
— O que... o que diabos foi isso?! — gritou Katsuragi, lutando para manter o equilíbrio em um mundo que se recusava a ficar parado.
Arcanum não precisou usar seu olho para saber. A assinatura de poder era inconfundível, um misto de capricho infantil e poder cósmico. — Alice. Ela nos jogou para dentro. Estamos no País das Maravilhas.
A perseguição continuou, agora em um terreno de pesadelo. Finalmente, eles os avistaram: cinco vultos correndo em direção a uma colina que tinha o formato de um bule de chá gigante. Kali e Adam não hesitaram. Dispararam como flechas, e o primeiro ataque de Kali foi um borrão de aço negro visando incapacitar.
CLANG!
O som do metal ecoou de forma anormalmente alta. O ataque, que deveria ter aleijado seu alvo, foi parado com uma facilidade desconcertante.
— Zéfiro, Faustus. — Duas das figuras se viraram, seus rostos revelados sob a luz doentia do novo céu e seus nomes expostos por um dos companheiros incapuzados. — Parece que não poderemos mais usar a porta dos fundos. E as coisas ficarão bem mais complicadas se tivermos que lidar com a Horizon.
A mão de Kali apertou o cabo de sua katana. — O que sabem sobre a Horizon?
Os dois cultistas apenas sorriram. Foi uma terceira, uma mulher chamada Mira, quem deu um passo à frente. — Não há tempo. Amira, leve o Braço daqui. Nós cuidamos do resto.
Dois deles se separaram do grupo, continuando a corrida frenética. Três ficaram para trás, formando uma barreira.
— Eu dou conta deles — a voz de Kali era um sussurro frio, uma promessa de violência. Ela se virou para seu companheiro. — Adam. Vá atrás do Braço.
Adam a encarou, uma sobrancelha arqueada. — Sozinha? São três. E não podemos lutar com tudo aqui sem chamar a atenção.
Kali não respondeu. Ela apenas o olhou. Um olhar gélido, carregado com fúria e uma confiança tão absoluta que tornava qualquer dúvida uma ofensa. Adam entendeu. Um sorriso lento e perigoso se espalhou por seu rosto.
— Tsk. Divirta-se, então.
Com um último olhar para os três cultistas, um olhar que parecia lamentar o destino deles, Adam disparou. Ele se tornou um borrão de poder, desaparecendo na paisagem distorcida em perseguição ao seu verdadeiro alvo.
Agora, quatro figuras permaneciam em um silêncio pesado, o ar vibrando entre elas.
Kali virou-se, e o mundo se contraiu, focando-se nos três cultistas. O ar vibrava com um aroma impossível de ozônio e chiclete. Com um silvo que foi mais uma sensação no ar do que um som, sua espada de aço negro deslizou da bainha, a lâmina parecendo um rasgo na realidade psicodélica do ambiente. Sua aura permaneceu selada, uma singularidade de fúria contida em seu peito. Não poder invocar sua aura para protegê-la durante a batalha era como se estivesse retirando as próprias barreiras, lutando sem escudos, sem qualquer armadura. Cada centímetro de pele exposta era um convite à aniquilação. Mas Kali não se importava. O medo era um luxo que ela havia incinerado há muito tempo.
O que se seguiu não foi uma luta. Foi uma sinfonia de destruição.
— Vamos começar o espetáculo, princesa? — A voz de Faustus era puro escárnio.
Ele abriu sua bolsa, Baku, e dela não jorraram monstros, mas a própria essência do pavor. O chão sob os pés de Kali liquefez-se instantaneamente, tornando-se um pântano de areia movediça psíquica. Cada passo era como afundar nas próprias falhas. Das sombras trêmulas, a imagem de um Niklaus decepcionado solidificou-se, o rosto contorcido em desprezo. — Você sempre falha quando mais importa, não é?
Ao mesmo tempo, Mira deu uma gargalhada estridente, arrancando um pedaço de um pirulito gigante que brotou do chão. — Hora da sobremesa! — ela cantou, mastigando o doce com um estalo doentio. Então, cuspiu.
O que saiu de sua boca foi um dragão de magma de açúcar, uma torrente de sacarose superaquecida que rugiu — um som de vidro se quebrando e caramelo fervente. A criatura avançou, deixando um rastro de chão vitrificado e o cheiro enjoativo de confeitaria queimada.
Kali estava sendo atacada em duas frentes: uma psicológica e outra física. Era uma armadilha perfeita.
Mas Zéfiro, o médium marcial, era a verdadeira adaga apontada para seu coração. Seu corpo tornou-se translúcido, sobreposto pela imagem fantasmagórica de um cavaleiro de armadura negra. Ele não corria; fluía pelo campo de batalha como mercúrio. — Sua mente pode ignorar as ilusões — sua voz soou, fria e metálica —, mas seu corpo não pode ignorar meu aço.
Sua lâmina espectral, imune ao terreno onírico de Faustus, cortou o ar, buscando o coração de Kali com precisão letal.
Mas, em meio à brutal chuva de ataques, apenas uma coisa foi ouvida da boca da princesa: — Já acabaram?
Kali era uma tempestade silenciosa. Ela não explodiu em poder. Cada movimento era suave e preciso. Quando o fantasma de Niklaus estendeu a mão para tocá-la, ela não o cortou. Passou através dele, o toque gelado da ilusão roçando seu ombro, a voz venenosa ecoando em sua mente sem encontrar nada onde se agarrar.
O chão movediço tentou prendê-la, mas ela abriu um par de asas de escuridão que, com uma enorme explosão, jogaram para longe todo o éter à sua volta. Ela as fechou em seguida, completamente ilesa, sem sequer suar. Olhando para a frente, avistou o colossal dragão de magma que vinha em sua trajetória e, numa fração de segundo, desembainhou a lâmina, voou com suas asas, esquivou-se do dragão e o cortou ao meio.
O movimento a colocou de frente para Zéfiro. A lâmina espectral dele encontrou a sua. O impacto não foi um clangor de metal, mas um guincho agudo que rasgou a cacofonia, enviando faíscas negras e púrpuras pelo ar. Kali deveria ter sido forçada a recuar, mas, olhando o homem nos olhos, ela apenas impulsionou a lâmina negra para baixo com sua força física, deslizando pela espada de Zéfiro, cortando-o no peito e forçando-o a recuar.
Regenerando-se em segundos, Zéfiro foi novamente na direção dela e lançou uma tormenta de ataques em velocidade extrema. Normalmente, usando seu éter para se fortalecer, Kali poderia facilmente deter aquilo, explodindo seu inimigo com um único ataque. Mas, como não podia fazer isso nem se dar ao luxo de sofrer um mísero arranhão, já que estava sem sua armadura de aura, ela precisou bloquear cada um dos golpes com sua lâmina.
Presa entre a dança mortal de Zéfiro e a fúria incandescente do dragão de lava e açúcar, que se regenerava e voltava os olhos em sua direção, Kali tomou uma decisão numa fração de segundo. Em vez de aparar o próximo golpe de Zéfiro, ela se esquivou para baixo, deixando a lâmina fantasma passar zunindo por onde sua cabeça estivera. Girando sobre o calcanhar, não atacou o dragão que se aproximava. Com uma precisão insultuosa, bateu com a face chata de sua espada na bochecha de magma da criatura.
O golpe não o feriu. Apenas o redirecionou.
Confuso e enfurecido pelo tapa inesperado, o dragão de açúcar virou sua cabeça maciça e vomitou seu hálito de caramelo derretido não em Kali, mas diretamente em Zéfiro. O cavaleiro espectral gritou, surpreso, ao ser forçado a abandonar seu ataque para se defender da torrente pegajosa e escaldante de seu próprio aliado.
— Impossível! — Faustus gritou, seu controle sobre a ilusão vacilando.
A abertura foi tudo o que Kali precisava. Ignorando a briga entre Zéfiro e o dragão, ela avançou sobre Faustus. O chão ainda tentava puxá-la para baixo, mas agora sua determinação era um farol. Cruzou a distância em três passadas silenciosas, a lâmina negra apontada para a garganta do cultista.
— Acabou o show — disse ela com a voz calma, seu corpo não demonstrando qualquer consequência da batalha.
Enquanto isso, sirenes de evacuação uivavam, seus sons distorcidos pelas dobras na realidade. Hologramas piscavam com avisos urgentes enquanto portas e rampas de emergência subiam do chão, guiando a população aterrorizada para os vastos abrigos subterrâneos. Em uma demonstração de disciplina impressionante, a polícia da Rosa-Cruz formava cordões de isolamento, seus escudos de energia tremeluzindo sob a luz de um céu que parecia um vitral quebrado. Eram um baluarte de sanidade contra uma maré de loucura, tentando desesperadamente manter a ordem em um mundo que havia perdido o juízo.
Parte 15
O foco retorna para a frente da sala de reuniões. O portal dourado atrás de Kael e Wukong se desvanece como uma miragem, e o céu psicodélico do País das Maravilhas agora é o único teto sobre suas cabeças. Zero aparece diante dos dois, não com um teleporte, mas como se desde o início já estivesse ali, sua presença simplesmente se tornando perceptível agora.
— Kael, cuidado — a voz de Wukong era um trovão baixo e urgente, seus nós dos dedos brancos ao redor do bastão. — Este homem... entre todas as criaturas que já enfrentei, ele é facilmente uma das mais aberrantes. Não o subestime.
Zero, que caminhava calmamente com as mãos nos bolsos, ouviu o aviso. Um leve, quase imperceptível sorriso tocou seus lábios.
— Cuidado com este mundo também, Wukong — disse Kael, os olhos varrendo a paisagem insana. — A criatura que nos trouxe aqui, Alice, pode destruir e reconstruir tudo em um instante.
Sem mais avisos, eles explodiram em movimento. Wukong girou seu bastão, que se estendeu com um silvo, visando esmagar Zero como um inseto. Kael, em um movimento fluido, atacou pelo flanco, sua katana vermelha traçando um arco mortal para cortar o inimigo ao meio.
Zero apenas se moveu. Seus movimentos eram como água, fluidos, sem esforço. Ele se abaixou sob o bastão, inclinou-se para trás para evitar a katana, andando de costas com uma calma que era um insulto. Ele não era rápido; ele simplesmente não estava onde os ataques chegavam. Em um piscar de olhos, ele desapareceu, não por velocidade, mas por uma economia de movimento tão perfeita que parecia que ele estava editando sua própria posição na realidade.
Wukong e Kael atacaram o ar vazio, quase colidindo. A frustração começou a corroer sua disciplina. Eles tentaram de novo, uma saraivada de golpes, mas o resultado foi o mesmo. Zero estava tão absolutamente acima deles que, em um momento de pura zombaria, ele se materializou relaxadamente se apoiado, não em uma parede, mas nas costas de Wukong. Em sua mão, havia uma lata de refrigerante que ele abriu com um estalo, tomando um gole enquanto apreciava o brilho do sol psicodélico.
Wukong, sentindo a presença, rugiu de fúria e girou, tentando um chute. Mas Zero já não estava lá. Ele agora estava parado na frente do deus macaco, tão perto que seus rostos quase se tocavam. Para Wukong, o mundo pareceu se mover em câmera lenta. Zero sorriu novamente e, com um único dedo, empurrou a testa de Wukong.
Quando a percepção do tempo voltou ao normal, o "empurrão" se traduziu em uma onda de choque invisível que fez Wukong cambalear para trás, direto na trajetória de um chute giratório de Zero que atingiu Kael em cheio, lançando-o pelos ares.
Os dois Argonautas, ofegantes e incrédulos, não conseguiam entender. Zero então apontou o dedo para Kael, que se levantava com dificuldade, formando uma pistola com a mão.
— Kael! Ele vai atacar! — Wukong gritou, preparando-se para interceptar.
Mas, antes que o dedo de Zero pudesse se mover, uma figura desceu dos céus com uma gargalhada maníaca, aterrissando entre eles com o impacto de um meteoro.
— Ora, ora! Que festa animada! Não podiam começar a diversão sem mim, podiam?
Era Gaap. Zero, com uma expressão neutra, simplesmente suspirou. Ele baixou a mão, mas não por causa da interrupção. Com um movimento casual, ele a usou para pegar a lata de refrigerante que havia sido lançada ao ar com o impacto da chegada dela, antes que caísse no chão.
Zero olhou para a Rainha Demônio com um tédio monumental. — O que você quer, Gaap?
— O que eu quero? — ela riu, um som cristalino que era uma dissonância na tensão palpável. — Eu quero testar a força desses humanos que tiveram a audácia de declarar guerra ao mundo inteiro, obviamente! Quero ver se o aço deles parte ou se arranha a minha pele.
— Bobagem — Zero bocejou, um gesto lento e deliberado. — Você sempre vem com esse tipo de bobagem.
— Você entenderia se já tivesse experimentado o êxtase de uma luta de verdade! — Gaap retrucou, um brilho perigoso em seus olhos. — Infelizmente, nosso último duelo deixou claro que você não é o parceiro ideal para mim.
— Não faço ideia do que você quer dizer — disse Zero, impassível. — Mas se vim até aqui para receber cantadas, preferia nem ter saído de casa. — Ele parou, como se lembrasse de algo. — Ah, é verdade. Eu prometi levar uma lembrancinha para casa. — Ele se virou para Gaap, um sorriso quase imperceptível nos lábios. — Vou deixar você brincar um pouco com eles. Vou comprar algo na cidade. Quando eu voltar, a brincadeira acaba.
Ele terminou o refrigerante, amassou a lata com uma mão e a jogou em uma lixeira com a forma de um cogumelo. Então, simplesmente desceu por uma escadaria de cristais, desaparecendo na cidade bizarra com a mesma naturalidade com que alguém desce para o metrô.
Kael e Wukong se entreolharam, a incredulidade estampada em seus rostos.
— Está tudo bem — disse Kael, a voz firme cortando a tensão. — É mais fácil lidar com ela do que com os dois juntos. Depois, cuidamos dele.
A batalha não recomeçou. Ela explodiu.
Wukong não esperou. Com um grito de guerra, ele girou seu bastão, que se estendeu instantaneamente, assobiando pelo ar em um arco esmagador. Ao mesmo tempo, Kael desapareceu, sua aura explodindo em um tom rosa-avermelhado, quase roxo, e reapareceu ao lado de Gaap, a lâmina buscando um corte em sua cintura.
Era um ataque em pinça, poder bruto e velocidade letal. E falhou espetacularmente.
— Fofo — Gaap sorriu, animada. Com uma mão, ela segurou a ponta do bastão de Wukong, parando seu ímpeto com um baque surdo. Com a outra, ela aparou a katana de Kael com as costas da mão nua, o som do metal contra sua pele soando como um sino de igreja. — Mas se vão dançar comigo, precisam de um ritmo melhor.
Ela empurrou ambos para trás com uma onda de sua aura. — Faz tempo que não vejo guerreiros que não chegam até mim já imaginando a própria derrota. Agora que me provocaram, espero que continuem até eu chegar aos finalmentes também.
— Não tenho obrigação nenhuma com monstros — Kael retrucou, firmando os pés. — Só estou aqui para derrubar o que ficar no meu caminho.
Ele acelerou novamente, mas desta vez o mundo não apenas se tornou um borrão; ele se fragmentou. Seus passos quebravam os vitrais do chão, levantando nuvens de estilhaços que ele usava para ocultar seus movimentos. Gaap o seguia com os olhos, um sorriso divertido no rosto.
Das sombras de Wukong, uma nova figura se revelou.
— Por que não ajudou contra o Zero? — Wukong perguntou, girando o bastão para se defender de uma série de projéteis que foram lançados para longe do centro da batalha, por conta da pressão.
— Não sou louca — a figura respondeu, aparecendo por completo. Era uma garota com trajes que misturavam os de uma maga e uma bruxa. — Mas agora, contra uma Rainha Demônio... — ela ergueu as mãos, e um círculo de poder brilhou. — Correntes de Éter Cego!
Feixes de luz negra dispararam em direção a Gaap. A Rainha Demônio riu e se esquivou da maioria, mas um deles atingiu seu ombro, fazendo sua aura piscar. Foi a abertura de que precisavam.
— Agora, Kael! — Wukong gritou.
Kael se tornou um relâmpago. Seu assalto de imagens residuais começou, forçando Gaap a se reposicionar. Mas agora, a cada finta, Wukong atacava com seu bastão, forçando-a a dividir sua atenção.
— Consegue acompanhar, Zoe? — Wukong perguntou à recém-chegada.
— Mais ou menos! — ela admitiu, os olhos arregalados. — A velocidade dele é insana!
— Quantas investidas? — a pergunta de Wukong foi ríspida, um teste. — Se não souber, você morre. Responda.
Zoe focou, sua mente de maga de batalha analisando o fluxo de éter. — 4... 47 investidas! Apenas 16 foram ataques sérios. O resto foram fintas para testar a reação dela. Mesmo assim, ele não a tocou! Ela é... perfeita.
A análise era a mesma na mente de Kael. Estou no meu limite, mas ela ainda me localiza. Não, ela não me localiza... ela me antecipa. Foi então que ele viu. O punho de Gaap não se movia para onde ele estava, mas para onde ele ia. E só se movia no instante exato em que ele cruzava uma fronteira invisível. A aura dela... é um campo de detecção preditivo!
— Brincadeira de criança — Gaap cantarolou, desviando de um golpe de Kael e um ataque de Wukong com um único giro fluido. — Vocês são rápidos, mas previsíveis.
Com um grito, Kael forçou seu corpo além do limite. O aço dos edifícios próximos se retorceu sob a pressão de sua velocidade. Em um movimento desesperado, ele lançou sua katana. Gaap sentiu a lâmina entrar em sua aura e se virou para desviar, o movimento perfeito, o sorriso triunfante no rosto. Uma finta óbvia. Seu próprio punho, carregado com poder suficiente para destruir um planeta, avançou para encontrar o corpo de Kael, que já estava em seu ponto cego.
Naquele instante, seus éteres se conectaram.
“Quando dois guerreiros de força igual se encontram, o véu entre o impossível e o possível não apenas se rompe, ele se desintegra em mil fragmentos.”
Na mente de Gaap, a voz de Kael ecoou, calma e vitoriosa.
"Quem disse que a espada era a isca?"
Tarde demais.
A lâmina, que agora pairava acima dela, tinha um nome gravado em seu aço: "Nitrogênio". Onde a espada passou, o ar simplesmente deixou de existir. Um vácuo quase perfeito se formou. Um silêncio súbito e antinatural caiu sobre a área, apenas para ser estilhaçado por um rugido ensurdecedor quando o ar circundante foi sugado para dentro do nada a uma velocidade supersônica. O encontro violento das massas de ar gerou uma onda de choque que explodiu para fora.
Gaap, pega no epicentro, gritou de dor e surpresa pela primeira vez, sendo arremessada como uma boneca de pano. Antes que seu corpo ensanguentado pudesse tocar o chão, o bastão de Wukong, agora do tamanho de um tronco de árvore, a atingiu em cheio como um taco de baseball colossal, ricocheteando-a na direção de Zoe.
— Não vai escapar! Prisão do Dragão Elétrico: Baal! — ela gritou. Um pentagrama brilhou no ar, e dele, um dragão feito de pura eletricidade rugiu, enrolando-se ao redor de Gaap e a prendendo em uma jaula crepitante que a eletrocutou com uma carga maior que quatro bilhões de volts.
Gaap rugiu, cuspindo sangue mais emanando sua aura que começava a estilhaçar a prisão de Zoe.
Do alto, Wukong, com os músculos tensos e veias saltando, gritou sua Arts.
— Acumule o peso do universo, Bastão do Rei Macaco! Grande Esmagamento Celestial!
O bastão cresceu, e cresceu, e cresceu, tornando-se uma coluna colossal que parecia perfurar os céus. Então, ele desceu. Não apenas esmagou. Ele obliterou. A coluna atravessou o que antes era Marte, empalando a Rainha Demônio e sua fúria contra o próprio solo do País das Maravilhas.
Uma nuvem de fumaça, poeira e éter roxo se ergueu por quilômetros, marcando o local de sua queda em um silêncio que, desta vez, parecia definitivo.
— Não se deixem enganar, isto ainda está longe de acabar — disse Kael, a voz rouca, enquanto Zoe e Wukong se aproximavam.
De repente, um som cortou o ar pesado: palmas. Lentas, deliberadas, apreciativas. Ao se virarem, viram Zero sentado em um pedaço de entulho como se estivesse em uma poltrona de teatro, assistindo a tudo. Instantaneamente, eles se puseram em posição de combate.
— Agora ainda temos esse para lidar — disse Wukong, ofegante.
— Foi mal, mas contra ele eu não estou nem um pouco a fim de lutar — disse Zoe, sem hesitar, dando um passo para trás.
— Não deixem a emoção dominar — Kael os advertiu. — Lembrem-se: não importa quão forte ele seja, nada é absoluto.
— Nisso você tem razão... nada é absoluto. Mas não muda o fato de que eu tenho 99% de chance de acabar com todos vocês — disse Zero. Ele pegou uma barra de chocolate de uma sacola de compras ao seu lado, desembrulhou-a e deu uma mordida. — Afinal, me diga: você é um humano ou não? — Kael questionou.
— Quem sabe... — respondeu Zero, com um sorriso irônico.
Foi então que um som começou. Distante, mas profundo.
Bum.
Eles olharam para Zero, que não se moveu um centímetro, continuando a olhar em linha reta, mastigando seu chocolate.
Bum.
Sem acreditar, eles começaram a se virar lentamente. Foi quando viram. O bastão colossal, que antes empalava o planeta como um espeto, começou a tremer. E a subir.
BUM.
— Ei, ei, ei... — disse Wukong, um sorriso incrédulo no rosto. — Eu fiz esse bastão ficar mais pesado que planetas!
Então, das profundezas do País das Maravilhas, Gaap ergueu a arma dos deuses. Com um rugido que partiu a própria realidade, ela o socou. Não para o lado, mas para cima. O bastão foi lançado como um foguete para fora de Marte, abrindo um buraco colossal no planeta vermelho. Naquela parte do subterrâneo, onde milhares de habitantes se escondiam, tudo foi aniquilado. A cratera recém-formada encheu-se de sangue — o dela, misturado ao de incontáveis humanos, criando um lago escarlate.
Então, Gaap saltou. Com um único pulo, ela voltou à superfície, completamente encharcada de vermelho. Era impossível distinguir suas feições sob o manto de sangue que escorria por seu corpo, mas seus olhos brilhavam como brasas em meio à carnificina, focados apenas em sua presa.
Continua...



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