The Fall of the Stars : Capítulo 1 - Criminal Moon
- AngelDark

 - 27 de out.
 - 57 min de leitura
 
Volume 8: Desafio das Coroas
Parte 1
05 de Setembro 22:30 da Noite - Elysium, Cidade de Silver Gear
A ilha de experimentos robóticos era uma teia de neon e aço sob a lua cheia, as ruas de metal polido refletindo as luzes frias dos laboratórios e hangares como um espelho distorcido, criando uma beleza fria e industrial que parecia desafiar a própria noite. O silêncio era opressivo, quebrado apenas pelo vento que uivava entre as estruturas metálicas, carregando o cheiro de óleo queimado e circuitos sobrecarregados. Mas, rompendo essa quietude como um rugido primordial, vinham o som de metal se chocando — estrondos que ecoavam como trovões distantes — e o rugido grave de um motor enlouquecido, um lamento mecânico que parecia clamar por destruição.
Um jeep modificado, sem a metade de trás da capota, derrapava pelas ruas estreitas, os pneus chiando contra o metal frio enquanto perseguiam um alvo nada sutil: um mecha de segurança de dez metros de altura, enlouquecido por um mau funcionamento catastrófico, esmagando a paisagem urbana a cada passo pesado que fazia o chão tremer como um terremoto localizado. Placas de aço se dobravam sob seus pés colossal, cabos elétricos rompiam-se com faíscas que iluminavam a noite como fogos de artifício mortais, e o ar carregava o cheiro de metal derretido e fumaça acre.
Para o grupo dentro do jeep, os Phantoms, aquilo era apenas mais uma terça-feira
— Tsk como uma simples recuperação de dados, escalou para isso ? — Mikoto perguntou olhando para o alvo de sua caçada logo à frente.
Um mecha, corrompido por um vírus experimental, escapou do laboratório, deixando um rastro de destruição que ameaçava colapsar a infraestrutura da ilha inteira.
Mikoto estava na parte de trás do Jeep, largado contra o encosto, uma perna apoiada na capota da frente para equilibrar o corpo contra os solavancos violentos do veículo. — Oshino, vai um pouco mais rápido, dessa distância eu não vou acertar. — disse, a voz baixa, o martelo gigante em seu ombro vibrando.
Mas na cabine, Oshino estava distraído, dirigindo com uma mão firme no volante enquanto o jeep desviava de detritos caídos, os faróis cortando a escuridão como lâminas. Ele conversava com Kirino e Sakura, sem sentir qualquer pressão, como se a perseguição ao mecha fosse apenas uma perseguição a um cachorro fujão. — A nova lista dos dez melhores foi uma surpresa, não foi? — comentou, os olhos alternando entre a estrada e o papel que segurava com a mão, exibindo o ranking atualizado de Babylon.
Agora considerando as coroas acumuladas, a Lista de Babylon se resumia em:
Misaki (A Andarilha)
Kirino (A Boneca)
Akane (A Exploradora Louca)
Loki (O Cavaleiro Branco)
Fujimoto (O Último Samurai)
Hyoga (O Leão Violento)
Emília (A Princesa)
Dante (O Rebelde)
Sakura (A Ultimate Caçadora)
Byakuya (O Trapaçeiro)
— Eu imaginava uma mudança mais radical — continuou Oshino, desviando o jeep de um pedaço de metal que caia de um predio com um giro preciso do volante, o veículo inclinando perigosamente antes de se endireitar. — Apenas duas pessoas novas entraram, e a sakura-chan caiu uma posição.
Sakura, sentada no banco do passageiro, sentiu uma veia pulsar em sua testa, mas manteve a compostura, o rosto virado para a janela, sentindo o vento noturno bater contra sua pele como uma carícia fria, carregada com o cheiro de metal superaquecido.
— Você não pode falar nada, Oshino. Você nem entrou no top 10 — disse Kirino, de uma forma super fofa que tornava a provocação ainda mais afiada, seus olhos vermelhos brilhando no escuro como brasas, o sorriso inocente contrastando com a intensidade da perseguição.
— É verdade — riu Oshino, ainda completamente despreocupado, seja com o mecha a sua frente ou com os perigos da estrada. o motor rugindo como uma fera acordada. — Mas nunca foi meu objetivo, de todo modo. Eu prefiro as sombras à luz dos holofotes.
— OSHINO! — Mikoto enfiou o rosto pela janela, bem ao lado do motorista, o vento bagunçando seus cabelos enquanto o jeep derrapava em uma curva fechada.
O susto fez Oshino girar o volante instintivamente enquanto ria fingido medo, o jeep passando com um estrondo por um buraco na estrada, os pneus saltando no ar com um impacto que fez o veículo tremer como se fosse se desfazer.
— Que perigo, Mikoto, me distraindo assim a gente pode acabar morrendo, sabia? — falava ele com a voz leve de quem não levava nada a sério.
— Não diga bobagens. Um meio-vampiro como você nem deveria ter problemas com o escuro — retrucou Mikoto, o martelo em seu ombro parecendo ansioso por ação.
— Acha mesmo? — disse Oshino, os olhos finalmente ficando fixos no mecha que agora virava uma esquina, derrubando um poste de luz com um estrondo metálico que iluminava a noite com faíscas.
— O robô está escapando — alertou Sakura, a voz calma e precisa, cortando a discussão como uma lâmina, os olhos calculando a trajetória do mecha enquanto ele avançava, destruindo uma fachada de prédio com um braço mecânico que rangia como ossos quebrando.
E então, uma voz sonolenta e arrastada veio do fundo do jeep, cortando o tensão como um fio de seda em uma teia de aranha.
— Vocês, jovens... deveriam aprender a não abusar assim dos mais velhos. Eu já deveria estar dormindo a essa hora, sabia?
Fujimoto, que antes parecia um casaco velho jogado no canto, abriu os olhos lentamente, o cigarro ainda pendurado nos lábios como um detalhe esquecido. O grupo sentiu a mudança no ar primeiro — uma aura tão vasta e antiga quanto uma montanha começando a emanar do idoso, o peso dela pressionando o jeep como se a gravidade tivesse dobrado. Mikoto sentiu o pânico tomar conta de seu rosto, os olhos arregalados enquanto gritava: — Merda, o velho fuji vai desembainhar a katana!
Oshino protestou, o volante tremendo em suas mãos: — Ele não vai...! — Mas Kirino já havia saltado, puxando o líder consigo antes que ele pudesse terminar a frase, o corpo dela movendo-se com uma graça letal que cortava o ar. Sakura e Mikoto saltaram para o outro lado, o jeep balançando com o impacto, o motor ainda rugindo como um animal ferido.
Longe do jeep, o grupo observou enquanto Fujimoto desembainhava sua longa katana com um movimento lento, deliberado, a lâmina deslizando da bainha com um sussurro metálico que parecia ecoar pela cidade inteira. A espada parecia absorver a luz da lua, o aço antigo reluzindo com um brilho etéreo que fazia o ar ao redor tremer.
— Dois cortes — disse ele, para o vento, a voz baixa, mas carregada.
Naquele instante, ele desapareceu, o ar onde estava antes implodindo com um vácuo súbito, como se o espaço tivesse sido rasgado. E, no mesmo instante, reapareceu ao lado dos outros: — Agora vamos voltar logo, eu não sou um jovem para ficar na gandaia à noite… — o corpo curvado levemente, o cigarro ainda fumegando nos lábios.
— Qual foi o tamanho do corte? — perguntou Oshino, olhando para o mecha.
Por um instante, nada aconteceu. O mecha permaneceu imóvel, como se o mesmo não tivesse percebido que foi cortado.
— Acha que o Fujimoto errou, Oshino? — disse Mikoto, com um suspiro resignado, os olhos fixos no horizonte onde a cidade se estendia.
— Ele já caiu no sono — observou Sakura.
E então, aconteceu — um silêncio profundo caiu sobre Silver Gear, o ar paralisando como se o mundo prendesse a respiração. Em seguida, um som de metal se partindo em escala continental ecoou, uma rachadura que parecia vir das profundezas da ilha. Uma linha de luz fina e perfeita apareceu no torso do mecha, o aço se dividindo em dois com um estrondo que fazia o chão tremer, o gigante mecânico desabando em uma nuvem de poeira e faíscas que iluminavam a noite como um fogo artificial mortal. Mas não parou por aí. A linha de luz continuou, estendendo-se como uma ferida luminosa, e todos os prédios e estruturas atrás do robô, em uma linha reta perfeita, também se partiram ao meio, fachadas desmoronando com um rugido que ecoava como o colapso de uma civilização. Um corte horizontal, preciso e devastador, que cortava a cidade como uma lâmina divina.
Ao mesmo tempo, uma segunda linha de luz, desta vez vertical, desceu dos céus como um julgamento celestial, rasgando o ar com um brilho cegante. Ela cortou o chão, a ilha, e a própria cidade ao meio, o solo se abrindo em uma fenda que engolia detritos e estruturas com um som ensurdecedor, o ar preenchido com o cheiro de metal superaquecido e poeira sufocante.
O grupo olhou para a destruição apocalíptica, mundos de neon e aço agora partidos como um quebra-cabeça divino, a lua cheia refletindo nas fendas recém-abertas como olhos acusadores.
— Bem, vai dar um trabalho arrumar tudo, né? — disse Mikoto, já começando a se afastar.
Oshino os encarou, incrédulo. — Vocês vão mesmo me deixar aqui de novo?! — protestou, a voz ecoando na noite destruída. — Na última missão, por causa da bagunça de vocês, eu fiquei a semana inteira tendo que preencher relatórios e perdi a atualização da lista! Não é justo vocês saírem quebrando tudo e só eu ficar para arrumar!
Kirino se virou, os olhos vermelhos brilhando na escuridão. Os olhos de Oshino se encheram de esperança, uma faísca de alívio no meio do caos.
— Estamos contando com você, líder! — disse ela, com um sorriso radiante que contrastava com a devastação ao redor.
E com isso, ela se virou e foi embora com os outros, deixando Oshino sozinho em meio a uma cidade cortada em quatro, com uma montanha de papelada e uma dor de cabeça monumental à sua espera, o eco dos estrondos ainda reverberando.
Parte 2
06 de Setembro, 14:30 da Tarde - Elysium, Cidade de Geonova
Geonova erguia-se como uma sinfonia petrificada de cristal, um relicário de luz e sombra onde outrora pulsava o coração de mineração de Elysium. Seus veios de minérios, exauridos por eras de extração, deram lugar a um tesouro de cristais translúcidos e frágeis, que capturavam a luz do sol em prismas hipnóticos. As torres e edifícios, esculpidos em blocos de cristal, refratavam o dia em arco-íris fugazes, enquanto a baía cintilante refletia o céu como um espelho de água salgada, atraindo turistas de reinos distantes para um espetáculo de beleza fria, quase sobrenatural. Mas sob essa fachada luminosa, algo se movia nas sombras — um segredo que sussurrava em becos e laboratórios proibidos, um mistério que pairava como névoa sobre a cidade.
Na cafeteria Luz Estelar, um refúgio elegante com janelas panorâmicas que se abriam para a baía, Dante e Emilia estavam presos em um encontro forçado, um disfarce ordenado por Blade e Beatrice que os unia em uma missão de espionagem tão delicada quanto os cristais que os cercavam. Do lado de fora, gaivotas mergulhavam em direção à água, seus gritos agudos cortando o ar salgado. A tarefa era clara, mas insidiosa: infiltrar-se em um laboratório suspeito, lar da facção Verbrechen der Evolution, um grupo de estudantes de Babylon acusado de roubar cristais de teleporte para construir uma base secreta em Elysium. Pior ainda, rumores sombrios falavam de sequestros e experimentos humanos, violações que desafiavam as Leis de Preservação dos Seres Vivos e lançavam uma sombra de traição sobre a academia. O ar da cafeteria, impregnado com o aroma de café torrado e sal marinho, parecia carregado com a tensão de segredos não ditos, enquanto o tilintar de xícaras e murmúrios de turistas mascaravam a gravidade do momento.
Emilia mexia seu chá com uma colher de prata, o movimento preciso e rítmico criando pequenos redemoinhos na superfície âmbar do líquido, como se tentasse apaziguar a tempestade em sua mente. Seus olhos, azuis como o gelo de geleiras antigas, reluziam com uma fúria contida enquanto refletia sobre as implicações da missão. Sua respiração tornou-se mais pesada, fazendo seu peito subir e descer de forma sutil sob o blazer azul. Sequestro, para um caçador, era um pecado capital, um crime que transcendia o roubo ou mesmo o assassinato. Matar era uma perda, um nome riscado em um registro; sequestrar era uma ameaça estratégica, um veneno que podia transformar um aliado em marionete, uma arma que desmantelava reinos de dentro para fora. As Leis de Preservação, gravadas no âmago de Babylon, existiam para conter esse mal primordial, e agora ela, a Santa da Guerra, estava sentada ao lado do pior parceiro possível para enfrentar tal ameaça. Seu olhar cortou para Dante, que se recostava na cadeira com uma despreocupação estudada, os braços cruzados atrás da cabeça, expondo a jaqueta branca e vermelha. A luz da janela realçava o contraste de seus olhos, um azul e um vermelho, que a observavam com diversão. “Não queria que meu primeiro encontro fosse com alguém como ele nem morta”, pensou Emília com a raiva pulsando como um tambor em seu peito.
— Depois de tudo aquilo de "vou garantir sua expulsão"... — começou Dante, o risinho irritante em seus lábios como o canto de um pássaro predador. Ele pegou sua xícara de café, e o vapor quente subiu em espirais, obscurecendo seu rosto por um instante antes que ele soprasse a fumaça para o lado. — Olha só onde a gente chegou, pupupu. Deve estar passando muita vergonha agora, não é, Brisinha? Pupupu.
“Quando isso acabar, eu o mato”, pensou Emilia, os dedos apertando a colher com força suficiente para dobrar o metal, embora sua expressão permanecesse uma máscara de serenidade forjada.
Um grupo de turistas, com câmeras penduradas e sorrisos ingênuos, passou pela mesa, suas vozes rompendo o silêncio como ondas quebrando na costa. — Ei, não são aqueles caçadores de Babylon? Aqueles do ranking! Será que eles estão namorando?
Emília, que levava um copo de suco de maçã aos lábios, engasgou, a elegância desmoronando em uma tosse contida que fez suas bochechas arderem em um tom carmesim de raiva e vergonha. Ela limpou a boca com um guardanapo, os movimentos precisos, mas trêmulos, como se tentasse recuperar o controle de um mundo que insistia em desafiá-la.
Dante, alheio à tormenta interna dela, inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa, os olhos brilhando com um divertimento perigoso. Seu olhar heterocromático percorreu o rosto corado dela, demorando-se em sua expressão de fúria mal contida. — Parece que eles acham que somos um casal — disse, a voz leve, mas com um tom que parecia sondar as profundezas da alma dela.
— Está tudo bem — retrucou Emilia, a voz fria como o vento que sopra em picos nevados, embora o rubor em seu rosto traísse a compostura. Ela pousou o copo com um baque surdo. — Isso só significa que o disfarce está funcionando, apesar de sermos figuras conhecidas.
— É verdade — concedeu Dante, tamborilando os dedos na mesa de mármore, o som rítmico ecoando como um relógio marcando o tempo de um segredo. O olhar de Emilia seguiu o movimento por um instante antes de voltar a encará-lo. — Mas me pergunto se está tudo bem mesmo. Sabe, por causa do Efeito Espelho da Fé.
Emilia o encarou, os olhos estreitando-se como lâminas afiadas. — A ideia de que a crença coletiva molda o éter e distorce a realidade, fazendo o que as pessoas acreditam se tornar real? — disse ela, a voz carregada de desdém, mas com uma ponta de curiosidade que não podia esconder. Ela pegou sua xícara de chá, a mão firme, e tomou um gole, observando-o por cima da borda. — Não perca tempo com bobagens. O efeito é real, foi assim que muitos monstros e deuses ganharam vida, mas seria necessário o pensamento coletivo de milhares de pessoas para que algo assim acontecesse.
De repente, Dante colocou a mão sobre o olho direito, e o fechou fazendo um telescópio caseiro, como se para dizer que estava encarando com mais atenção. O tom de bom humor evaporou, substituído por algo mais misterioso, mais sombrio, como se ele tivesse tocado um véu oculto. As nuvens então para ajudar no clima, antes brancas e esparsas, pareceram se fechar em um instante, mergulhando a cafeteria em uma penumbra que fazia os cristais nas paredes brilharem com um fulgor espectral.
— Parece que você realmente não sabe de nada, não é mesmo? — disse ele, a voz baixa, quase um murmúrio, como se falasse com as sombras que se formavam ao redor. — Milhares de crenças dão vida a algo. Mas isso não significa que o efeito funcione somente assim.
— O que quer dizer com isso? — perguntou Emilia, a confusão em sua mente como uma névoa que obscurece um lago escuro. Ela se inclinou ligeiramente para a frente, os instintos de caçadora alertas, mas incertos.
Dante se ajeitou na cadeira, o movimento lento, como se estivesse pesando cada palavra. — Imagine uma turma do fundamental com 21 alunos. O aluno 21 se chama Misako. Para o mundo, apenas essas 21 crianças se observam. A única prova de que elas são reais são elas mesmas. Afinal, algo só é "algo" quando está sob observação.
— Isso não é verdade — interrompeu Emília, a voz firme, mas com uma rachadura de dúvida. — Algo continua a existir mesmo sem ser observado.
— Prove — desafiou Dante, os olhos brilhando com um brilho que parecia refletir a luz dos cristais, um desafio que ecoava como um convite. Ele gesticulou com a mão livre, um convite aberto no ar entre eles.
— O quê?
— Se eu te dissesse que o Diabo existe, o que você falaria?
— Que é impossível — respondeu ela, a certeza em sua voz vacilando por um instante. — "Diabo" é só um termo para demônios. A figura em si não é real.
— Como pode ter certeza? — retrucou Dante, inclinando-se mais para ela, o ar entre eles carregado com uma eletricidade invisível. Seu rosto estava tão perto que ela podia ver os detalhes das mechas vermelhas em seu cabelo. — A única forma de confirmar seria procurar em cada canto do universo. Enquanto não for observado, o Diabo pode ou não existir. Ele existe em um estado de possibilidade, uma prova do diabo. O mesmo vale para as crianças.
Emília sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ela começou a entender, a névoa em sua mente se dissipando lentamente enquanto seu olhar se fixava no dele.
— Agora — continuou Dante, a voz quase um sussurro, como se temesse que o próprio éter pudesse ouvi-lo —, se as outras 20 crianças decidirem, internamente, que Misako tem cabelos brancos, o nosso Misako agora passará a ter.
— Isso seria o Espelho da Fé — disse Emilia, a compreensão surgindo como uma luz fraca em um corredor escuro.
— Sim e não — corrigiu Dante, o olhar fixo nela, como se pudesse ver além de sua máscara de perfeição. — Se, em um universo onde apenas 21 pessoas existem, 20 delas observam Misako como tendo cabelos brancos, então, para aquele universo, é porque de fato ele tem. A verdade da maioria se sobressai à da minoria. O que é observado pela maioria, é real. E assim, uma alteração espontânea pode acontecer.
— Então não temos por que nos preocupar — concluiu Emília, tentando ancorar-se na lógica, mas sentindo o chão sob seus pés menos firme do que gostaria. — Mesmo que algumas pessoas achem que somos um casal, a verdade da maioria que sabe que nós odiamos ainda é maior.
Dante riu, um som baixo e enigmático que parecia ecoar nas paredes de cristal. Ele se recostou novamente, relaxando a postura. — Isso é verdade. Mas... você não acha assustador?
— O quê?
— Se essa conclusão for real, às vezes podemos estar nos tornando algo por conta da forma que agimos. A imagem que passamos, a máscara que interpretamos... aos poucos, ela pode se tornar o que a maioria das pessoas à nossa volta vê. E quando dermos conta, nós nos tornamos a máscara.
— De fato, é assustador — admitiu Emilia, desviando o olhar para a janela, observando uma gaivota solitária planar sobre as águas cintilantes. A palavra “triste” pairando em seus lábios, mas engolida antes que pudesse escapar, como se temesse revelar demais. O peso da ideia a atingiu como um sussurro de algo antigo, algo que habitava os interstícios entre o real e o imaginado.
Dante a olhou, confuso, com o brilho fugaz de vulnerabilidade em seus olhos, mas antes que pudesse perguntar, uma figura se aproximou da mesa, movendo-se com a graciosidade de uma sombra que não pertencia à luz. Era uma velhinha, mas sua aparência desafiava o tempo: voluptuosa, com cabelos prateados que reluziam como os cristais da cidade, e olhos que pareciam conter o peso de eras. Vestia-se como uma cartomante estereotipada, com véus e joias que tilintavam suavemente, mas havia algo em sua presença que evocava o incômodo de um sonho mal lembrado.
— O Éter só responde a vontades e pensamentos fortes — disse ela. — Mesmo que imaginem que sua máscara é real, uma alteração não acontecerá enquanto sua visão de si mesma for mais forte.
Os dois a olharam, confusos, o ar ao redor dela parecendo vibrar com uma energia que não podia ser nomeada. — Desculpem, a conversa de vocês atraiu minha atenção — continuou, um sorriso cheio de dentes reluzindo como os cristais da cidade. — Vi que são dos dez mais fortes de Babylon. Gostariam que eu lesse a sorte? A primeira é grátis.
“É um golpe, com certeza”, pensaram Dante e Emília em uníssono, seus olhares se cruzando por um instante, uma conexão fugaz de desconfiança compartilhada.
— Eu topo — disse Dante, o tom leve, mas os olhos atentos, como se testasse as profundezas de um lago escuro.
— Você é idiota? — sibilou Emilia, a voz baixa, mas cortante, uma veia pulsando em sua testa enquanto tentava manter a compostura.
— Não temos nada a perder — retrucou ele, o sorriso voltando, provocador. — E, afinal, que tipo de namorados não jogam um jogo juntos no encontro?
“Espera então em encontros isso acontece ?... Quer dizer…” — Emília sentiu a raiva subir como uma onda, mas engoliu a resposta, os olhos faiscando com uma promessa de vingança. — Se é pela missão... tudo bem — cedeu, a voz gélida, mas com uma rachadura de relutância.
A mulher puxou um baralho de tarô, as cartas antigas e desgastadas, como se carregassem as histórias de incontáveis destinos. Ela as embaralhou com movimentos fluidos, quase hipnóticos, e as espalhou sobre a mesa de mármore, o som das cartas contra o cristal ecoando como um ritual proibido. Emilia, irritada, pegou uma com um movimento brusco. Dante, com um gesto mais lento, quase reverente, pegou outra. Ele virou a sua: XVIII. A Lua, a imagem de um lobo uivando sob um céu noturno, envolto em brumas que pareciam sussurrar segredos. Ela virou a dela: V. O Hierofante, um ancião sentado em um trono, segurando as chaves do conhecimento, o rosto severo, mas sábio.
— Ganhei! Meu número é maior! — comemorou Dante, o tom brincalhão voltando, mas os olhos fixos na carta, como se vissem algo além do papel.
— Não é assim que funciona! — rosnou Emilia, a voz carregada de exasperação, mas com uma ponta de curiosidade que traía sua fachada.
— Foi muito interessante — disse a mulher, levantando-se com uma graça que parecia desafiar a gravidade, as cartas desaparecendo em suas mãos como se nunca tivessem existido. — Falando nisso jovens estudantes de Babylon a conversa de vocês sobre jogos e boatos me lembrou dos Jogos das Sombras.
— O que é isso? — perguntou Emília, a voz firme, mas com um tremor de inquietação, como se pressentisse a resposta.
— Outro boato — respondeu Dante, o tom casual, mas os olhos escurecidos, como se ele próprio fosse parte do mistério. — Jogos de Coroa especiais. Quem vence, sai com um número inacreditável de coroas. Quem perde... desaparece. No local, supostamente, apenas suas sombras são deixadas, como marcas de queimadura no chão.
— Espera, Eu ouvi sobre isso, o comitê de disciplina estava investigando os desaparecidos... — murmurou Emília, a memória das reuniões do Comitê voltando como um eco distante. — O Comitê está tratando como ataques de incêndio...
— De onde você ouviu isso? — perguntaram os dois em uníssono, virando-se para a mulher, a sincronia de suas vozes ecoando como um acorde dissonante.
Mas quando seus olhos buscaram a figura, ela simplesmente... desapareceu. A cadeira onde estava agora vazia, o ar ao redor dela imóvel, como se nunca tivesse sido perturbado. As nuvens lá fora se abriram, a luz do sol voltando a refratar nos cristais, mas a cafeteria parecia agora mais fria, o silêncio carregado com o peso de um mistério que não podia ser desvendado.
Parte 3
O ar estava denso, saturado por um perfume que entrelaçava jasmim com algo indizível, como o resquício de um sonho que se desfaz ao despertar. Dante avançava pelas ruas de paralelepípedos da Cidade ?????, seus passos ecoando em um ritmo hesitante, como se temesse perturbar o silêncio opressivo. Nunca estivera ali antes, ou pelo menos, não em memória consciente. Ainda assim, uma familiaridade inquietante o envolvia, como se o lugar o conhecesse intimamente, sussurrando segredos que ele próprio havia esquecido.
Os edifícios ao seu redor eram uma visão alienígena, construídos de um material que parecia vivo, ondulando suavemente como carne petrificada. Suas superfícies brilhavam, refletindo cores que mudavam com as fases da lua cheia, um orbe pálido e solitário que reinava no céu sem estrelas, observando cada movimento com frieza indiferente. As construções eram hipnóticas, suas formas distorcidas desafiando a lógica, belas em sua estranheza, mas carregadas de uma melancolia sombria. Lampiões antigos, pendurados em postes retorcidos como galhos secos, lançavam sombras que dançavam com vida própria, movendo-se em padrões que desrespeitavam as leis do mundo conhecido.
A Cidade ?????? era um paradoxo: um espetáculo de beleza trágica que escondia algo profundamente errado. Dos becos estreitos, sinuosos como veias de um organismo vivo, ecoavam melodias suaves — flautas e pianos invisíveis, cujas notas pareciam tecidas de suspiros humanos. Silhuetas etéreas passavam por Dante, figuras indistintas que seguiam seus caminhos com uma apatia desumana, como se fossem meros espectros presos em um ciclo eterno. Seus rostos... não havia rostos. Apenas contornos suaves onde olhos, narizes e bocas deveriam estar, como máscaras de cera derretida.
A noite parecia eterna, sufocante, sem estrelas para oferecer alívio. Apenas a lua pairava, um olho frio que pesava sobre os ombros de Dante. Ele tentou ignorar o arrepio que subia por sua espinha, mas a sensação de ser observado crescia, como se a própria cidade tivesse olhos invisíveis cravados nele.
Então, ele viu o espelho. Encostado contra uma parede pulsátil, sua moldura era ornamentada com entalhes que pareciam se contorcer, e sua superfície, negra como obsidiana polida, engolia a luz ao redor. Dante parou, atraído como uma mariposa por uma chama. Seu reflexo o encarou, mas não era apenas ele. Seu rosto estava fragmentado, como um vitral quebrado, cada fissura pulsando com uma luz fraca, em um ritmo que lembrava o pulsar de um coração vivo. Ele sentiu o peito apertar, o ar preso na garganta.
De repente, o reflexo moveu os lábios, e uma voz ecoou — não do espelho, mas de dentro de sua própria mente, distorcida, carregada de urgência.— Ei. Preste atenção. Não pare de se mover.
O comando o atingiu como um raio. Seus pés obedeceram antes que sua mente pudesse processar, retomando o movimento em um ritmo frenético. Era ele, seu outro eu — aquele fragmento de sua consciência que às vezes sussurrava nos cantos escuros de sua mente, um guia enigmático que parecia saber mais do que Dante jamais ousaria admitir.
— Por que você me trouxe aqui de novo? — pensou Dante, o coração disparado, o suor frio escorrendo por sua testa.— Você entendeu errado — respondeu a voz, agora mais clara, mas tingida de tensão. — Desta vez, não estamos no seu inconsciente. Fomos puxados para cá, contra nossa vontade. E eu também não sei que lugar é esse.
Dante engoliu em seco, os olhos varrendo as ruas labirínticas. A cidade parecia mudar a cada passo, como se respondesse aos seus pensamentos. Ele subiu em um bonde que deslizava pelos trilhos sem emitir som, como se flutuasse sobre um vazio. As janelas refletiam apenas escuridão, e os assentos eram ocupados por mais figuras sem rosto, cabeças inclinadas como se rezassem a um deus ausente.
— Faz um tempo que estamos sendo vigiados — murmurou seu outro eu, a voz baixa, quase um sussurro.— Eu sei — pensou Dante, o estômago se contraindo. — Mas é estranho. Não sei se quem nos observa está perto ou tão longe que mal posso sentir. Não sei há quanto tempo estamos aqui...
Então, ele a viu. Em um dos assentos, uma garota sem rosto tremia violentamente, o corpo encolhido como se tentasse desaparecer no tecido do assento. Ao seu lado, uma figura alta e distorcida se erguia, usando uma máscara branca que flutuava sobre um vazio. A máscara era lisa, quase infantil, com buracos tortos para os olhos, como meias-luas desalinhadas, e um sorriso grotesco esculpido onde a boca deveria estar. A visão era um soco no estômago, um medo primal que desafiava a razão.
A figura sussurrou algo no ouvido da garota, e o tremor dela se intensificou, como se sua própria existência estivesse sendo desfeita. Dante sentiu o sangue pulsar em suas têmporas, o instinto gritando para agir.
— Não se envolva! — rugiu seu outro eu, a voz cortante como uma lâmina. — Você nem sabe o que é isso!— Isso não é desculpa — pensou Dante, dando um passo à frente, os punhos cerrados.
No mesmo instante, todas as figuras sem rosto do bonde viraram suas cabeças em uníssono, os contornos vazios fixos nele. Mesmo sem olhos, o peso de seus olhares era esmagador, como se perfurassem sua alma. A criatura mascarada também se virou, lenta e deliberada, e começou a caminhar em sua direção, cada passo ecoando como o tique de um relógio quebrado.
— FUJA! SAIA DAQUI, AGORA! — gritou a voz em sua mente.
O pânico tomou conta. Dante saltou do bonde em movimento, o corpo rolando pelo chão de pedra fria. Quando abriu os olhos, a cidade inteira parecia viva, pulsante, observando-o. Das janelas, das sacadas, dos becos, todas as figuras sem rosto o encaravam, imóveis como estátuas de um pesadelo. Ele correu, os pulmões ardendo, buscando refúgio em um beco estreito. Mas o beco parecia vivo, as paredes pulsando e se fechando ao seu redor, o ar ficando denso, quase sólido. O medo do que aconteceria se continuasse era avassalador — ele seria esmagado, dissolvido na escuridão.
— PARE! — o grito de seu outro eu o congelou no lugar.
Quando olhou ao redor, o beco havia desaparecido. Ele estava em uma floresta escura, as árvores retorcidas como ossos quebrados, o chão coberto por um musgo que parecia gemer sob seus pés. Figuras mascaradas o cercavam, suas máscaras brancas brilhando na penumbra como luas caídas. Uma delas, com uma máscara que exibia apenas um risco fino no lugar da boca, aproximou-se, os buracos dos olhos vazios fixos nos dele. O terror que Dante sentiu era visceral, como se sua própria existência estivesse sendo questionada.
As criaturas começaram a falar, suas vozes, um coro dissonante que arranhava a mente.
— Ele não está dentro dele.— Mas por que foi trazido para cá?— Não acha que seria um desperdício deixá-lo ir? — disse um dos mascarados, água negra escorrendo do sorriso grotesco de sua máscara. — Se ele continuar vagando, o prisioneiro vai usar a carcaça dele para fugir. Seria melhor comê-lo, não acham?— Não seja idiota! O que acha que o Rei faria com você?— Calem a boca.
Uma figura coberta por um manto vermelho, a máscara tão lisa que parecia esculpida em osso polido, aproximou-se de Dante. Sua voz era como o farfalhar de folhas secas, frias e antigas.— Escute. As fissuras em você estão crescendo. Se não se tornar inteiro, ele vai entrar.
A figura inclinou-se, a máscara a centímetros do rosto de Dante, o vazio de seus olhos sugando a luz ao redor.— Não volte à Cidade Meia-Noite.
O mundo dissolveu-se em escuridão.
Dante acordou com um grito preso na garganta, o ar queimando em seus pulmões. O teto de seu quarto girava acima dele, familiar, mas distante, como se ele ainda estivesse preso em algum lugar entre a realidade e o pesadelo. A luz fraca de uma lâmpada tremulava, lançando sombras que pareciam dançar com intenções próprias.
— Dante! — A voz de Anna cortou o silêncio, cheia de pânico. Ela irrompeu no quarto, os olhos arregalados, o cabelo desgrenhado caindo sobre o rosto.— Eu não sei o que aconteceu! De repente, ele começou a suar frio e se contorcer! — Mirai estava ao lado da cama, as mãos trêmulas enquanto tentava explicar, sua voz oscilando entre medo e confusão.
Dante estava pálido, o corpo coberto de suor frio, os olhos arregalados enquanto tentava ancorar-se na realidade. O quarto parecia pequeno demais, as paredes fechando-se como as do beco em seu pesadelo. Ele tentou falar, mas as palavras se dissolviam em sua garganta, frágeis como vidro rachado.
— O que aconteceu? — perguntou Anna, a voz trêmula, os dedos apertando o braço de Dante como se quisesse confirmar que ele ainda estava ali.
Ele abriu a boca, mas o vazio em sua mente era sufocante. O que havia acontecido? Por que o terror ainda pulsava em suas veias, como se algo o tivesse seguido até ali? Ele buscou na memória, mas encontrou apenas fragmentos — a lua, as máscaras, a voz fria do manto vermelho. E, acima de tudo, um nome: Cidade Meia-Noite.
— Eu... — Sua voz era um sussurro rouco, frágil. — Eu não me lembro.
Anna e Mirai trocaram um olhar, o medo estampado em seus rostos. Não era o medo de que Dante estivesse mentindo. Era o medo de que ele estivesse dizendo a verdade.
Parte 4
07 de Setembro, 07:35 da Manhã - Corredores do Colégio Babylon
A luz da manhã trespassava os vitrais altivos do Colégio Babylon, suas cores dançando sobre o chão de mosaico como fragmentos de um sonho preso em vidro. Cada raio parecia vivo, entrelaçando tons de âmbar, safira e rubi, enquanto o aroma de orvalho e flores de cerejeira pairava no ar, carregado pela brisa que sussurrava pelos corredores. Entre o fluxo incessante de alunos, o grupo dos Corvos avançava como uma corrente rebelde, um redemoinho de vozes familiares em meio ao caos ordenado da academia.
Kai, com sua energia incansável, caminhava de costas, os olhos brilhando com uma mistura de provocação e curiosidade enquanto encarava Dante. — Então, você realmente não lembra de nada? — insistiu, o tom carregado de um desafio brincalhão.
Dante, com olheiras suaves marcando o rosto, deixou escapar um bocejo preguiçoso. — Nada — respondeu, a voz arrastada, como se o peso da noite ainda o ancorasse. — Foi só um pesadelo.
Kai soltou uma gargalhada alta, o som ecoando pelo corredor e atraindo olhares curiosos. — Ha! Já sei! Aposto que sonhou com o dia em que vou te esmagar em um duelo e percebeu o quão patético você é! — Ele apontou para Dante, o dedo tremendo de tanto rir.
Dante estalou a língua, o cenho franzido em irritação. — Eu sabia que não devia ter te contado nada. — Ele acelerou o passo, tentando deixar Kai para trás, mas o kai apenas riu mais alto, girando nos calcanhares para acompanhar o ritmo.
Atrás deles, Anna e Luck reduziram o passo, deixando o grupo principal se afastar. O corredor parecia mais silencioso ali, como se o mundo ao redor respeitasse a gravidade da conversa que se desenrolava. Luck lançou um olhar penetrante às costas de Dante, a expressão endurecida. — Você não faz mesmo ideia do que aconteceu com ele? — perguntou, a voz baixa, quase um murmúrio conspiratório.
Anna balançou a cabeça, os longos cabelos castanhos ondulando com o movimento. — Não. Ele realmente não se lembra. — Seus olhos se estreitaram, fixos em Dante, como se tentasse enxergar através dele. — A amnésia dele é como um muro de pedra. Mesmo com nossa conexão, eu não consigo ver além. — Ela suspirou, o som carregado de uma preocupação que parecia crescer a cada dia. — Mas não é de agora que sinto algo... estranho com ele.
Luck ergueu uma sobrancelha, esperando que ela continuasse. O silêncio entre eles era pesado, mas carregado de confiança mútua.
— Ele já me contou antes — prosseguiu Anna, a voz ganhando um tom mais firme, como se estivesse organizando os próprios pensamentos. — Às vezes, ele se encontra com um “outro eu” dentro da própria mente. No começo, achei que era só um mecanismo psicológico, algo causado pelos traumas que ele carrega. Mas... — Ela hesitou, os dedos brincando nervosamente com a alça de sua mochila. — Há algum tempo, ele mencionou que esse “outro eu” sabe a verdade sobre o braço dele.
Luck inclinou a cabeça, o olhar afiado. — E o que você acha que é isso?
Anna mordeu o lábio, como se as palavras fossem difíceis de pronunciar. — Acredito que seja a consciência do antigo Dante. O “eu” dele de antes da... fusão. — A palavra pairou no ar como uma sombra. — Acho que ele encontrou um jeito de se esconder dentro da própria mente fragmentada.
Luck deixou escapar um riso baixo, seco, sem humor. — Isso é exatamente o tipo de coisa que ele faria. — Ele cruzou os braços, o olhar distante por um momento. — Mas e aí? Qual é o problema?
— O problema — disse Anna, a voz ficando mais tensa — é que o Dante que conhecemos, o “novo” Dante, é uma pessoa diferente. Mas desde que esse “outro eu” começou a se manifestar, sinto os dois lados dele se misturando, como se estivessem lutando para se tornar um só. — Seus olhos brilharam com uma mistura de medo e determinação. — E desde que liberamos a Autoridade da Possibilidade, essa fusão está acontecendo ainda mais rápido. Tenho medo, Luck. Medo de perder o Dante que conheço.
Ela baixou o olhar para as próprias mãos, os dedos entrelaçados com força. — Mas eu não vou ceder ao medo. Jurei a mim mesma que ficaria ao lado dele, não importa o que aconteça. Mesmo que ele mude, mesmo que se torne outra pessoa, estarei lá para apoiá-lo. Sempre.
Kurokawa, que caminhava alguns passos à frente, ouviu a declaração. Um sorriso sutil, quase imperceptível, curvou seus lábios, como se reconhecesse a força nas palavras de Anna. Mas ela não se virou, mantendo o passo firme.
— Mas ontem... — Anna continuou, a voz agora mais sombria, puxando todos de volta para a realidade. — O que aconteceu ontem foi diferente. Não foi uma mudança de personalidade. Não foi como as outras vezes. Foi... um vazio. Um medo absoluto, algo que eu nunca senti vindo dele antes.
O corredor pareceu esfriar de repente. O vento que entrava pelas janelas abertas trouxe um calafrio, agitando as folhas das árvores do pátio lá fora. As palavras de Anna pairavam como uma névoa densa, carregada de presságios.
Luck franziu o cenho, a expressão endurecendo. — Se você sentir ou descobrir qualquer coisa, me avise imediatamente. Estive tão enrolado desde que voltamos que não consegui ficar muito com ele, mas... se ele precisar, quero estar lá.
— Entendido — respondeu Anna, a voz firme, mas suavizada por uma gratidão silenciosa. Ela hesitou, então mudou de assunto, notando a sombra que pairava sobre o amigo. — E a sua investigação? Alguma novidade sobre a Horizon ou a garota... Delta?
O rosto de Luck mudou em um piscar de olhos. A expressão se fechou como uma porta de aço, os olhos brilhando com uma tempestade de irritação e, talvez, culpa. — Ainda não fiz progresso — respondeu, a voz cortante, encerrando o tópico com a precisão de uma lâmina.
Eles continuaram em silêncio, alcançando o grupo no pátio principal. A tensão entre eles se dissipou como névoa ao sol, mas as preocupações permaneciam, pairando como nuvens escuras em um céu de setembro.
O pátio do Colégio Babylon fervilhava com uma energia vibrante, como se a própria manhã tivesse ganhado vida. No centro, um palco temporário erguido durante a noite se destacava, adornado com faixas douradas e pétalas de cerejeira que dançavam ao vento. Uma multidão de alunos se aglomerava, suas vozes misturando-se em um zumbido animado, enquanto o sol aquecia o ar com uma promessa de novos começos.
E então, ela apareceu.
Uma garota caminhava em direção ao centro do palco, cada passo ecoando com uma autoridade silenciosa. A brisa matinal pareceu obedecê-la, carregando pétalas de cerejeira que giravam ao seu redor como um holofote etéreo. Seu cabelo ciano, cortado curto e preso em duas marias-chiquinhas adornadas com presilhas em forma de “x”, brilhava sob a luz. Sua expressão era de uma determinação gélida, os olhos afiados como lâminas de obsidiana, varrendo a multidão com uma intensidade que silenciou o burburinho em instantes.
Ela pegou o megafone no pedestal, mas mesmo antes de falar, já havia capturado cada par de olhos no pátio. — Atenção, todos. Bom dia.
Sua voz, amplificada, cortou o ar com a clareza de um sino. Não havia hesitação, apenas comando. — Como alguns já devem saber, eu sou Mikaela Albarn, Coordenadora de Eventos do Grêmio Estudantil. Podem me chamar de Mika, se preferirem. — Ela fez uma pausa, os olhos percorrendo a multidão como um falcão avaliando sua presa. — Estou aqui para falar sobre o evento mais aguardado do ano: o Festival da Lótus Dourada, em novembro.
A multidão se agitou, murmúrios de excitação percorrendo o pátio. Mikaela ergueu uma mão, silenciando-os instantaneamente. — Este ano, o mundo inteiro estará assistindo. Estamos planejando algo maior, mais grandioso do que qualquer edição anterior. Um investimento colossal está sendo feito, e eu não vou tolerar desperdícios. Cada centavo será justificado, e cada um de vocês vai dar o melhor para garantir que este evento seja um sucesso estrondoso.
Dante, Kai, Anna e Luck haviam se aproximado do palco, misturando-se à multidão. Dante cruzou os braços, o cenho franzido. — Sistema de tutores? — murmurou, confuso, quando Mikaela mencionou o termo.
Como se tivesse ouvidos sobrenaturais, Mikaela virou a cabeça na direção dele, seus olhos encontrando os de Dante com uma precisão assustadora. Ela pegou um tablet do pedestal, os dedos dançando pela tela com uma velocidade quase desumana. — Ah. Dante Scarlune, primeiro ano — disse ela, baixando o megafone por um momento. Sua voz, mesmo sem amplificação, carregava uma autoridade cortante. — Aparentemente, você era um estudante aqui há vinte anos, antes de ser... enviado para o futuro. Faz sentido não saber sobre o sistema. — Ela suspirou, o som carregado de uma irritação calculada. — Mas explicar isso agora vai me custar tempo, e tempo é dinheiro. Espero que você faça valer a pena, Scarlune.
Dante sentiu um arrepio. Aquela garota parecia capaz de cobrar cada segundo de sua atenção com juros.
— Durante esses vinte anos — continuou Mikaela, agora para toda a multidão —, estabelecemos o sistema de tutores. Alunos do primeiro ao terceiro ano participam do festival, enquanto os do quarto e quinto ano podem atuar como tutores, guiando grupos ou indivíduos. Eles ganham experiência de liderança e pontos extras baseados no desempenho de seus pupilos. E, claro... — Ela fez uma pausa, um brilho travesso nos olhos. — Apostas são inevitáveis.
Dante bufou, desinteressado. Vinte anos atrás, eu e Luck éramos do terceiro ano. O que um aluno do quarto ou quinto ano poderia me ensinar agora? pensou, o desdém evidente em seu rosto.
— Eu sei exatamente o que você está pensando, garoto.
A voz veio de seu lado, carregada de um tom divertido e afiado como uma navalha. Dante girou a cabeça, encontrando um rapaz de pé ali, com um sorriso largo que exibia dentes serrilhados, como os de um tubarão. Seus olhos brilhavam com uma inteligência selvagem, e havia algo quase predatório em sua postura. — “Vinte anos atrás, eu era do terceiro ano. Ter aulas de um aluno do quarto ou quinto não deveria fazer diferença a essa altura,” — repetiu o rapaz, imitando o pensamento de Dante com uma precisão assustadora.
Dante congelou, o sorriso sumindo de seu rosto. Kai e Luck se viraram ao mesmo tempo, seus instintos de batalha disparando alarmes. — Você... — começou Kai, os punhos cerrados, pronto para avançar.
— Ryota, não é? — A voz de Mikaela cortou o ar como um chicote. Ela olhou do tablet para o rapaz, os olhos semicerrados.
No instante em que seu nome foi pronunciado, Ryota desapareceu. A multidão prendeu a respiração. Dante o viu deslizar entre os alunos como um espectro, rápido demais para ser seguido. Antes que pudesse reagir, Ryota reapareceu atrás do grupo dos Corvos, segurando os celulares de Dante, Kai e Luck nos dedos, girando-os com um sorriso travesso. — Não acha que está subestimando seus superiores, garoto? — disse ele, o tom carregado de provocação. — Seus truques de vinte anos atrás não valem nada agora.
— DESGRAÇADO! — rugiu Kai, saltando em direção a Ryota com a força de um touro enfurecido.
Ryota nem piscou. Com um movimento fluido, inclinou o corpo para o lado, deixando Kai passar direto. No último segundo, esticou a perna, fazendo Kai tropeçar e cair no chão com uma elegância humilhante. A multidão riu, e até Dante, atônito, não conseguiu acompanhar o movimento.
— Então esse é o nível de um aluno do quarto ano? — Murmurou Dante, o coração acelerado.
— Do que você está falando? O Ryota é do terceiro ano, garoto — disse Mikaela, com um tom de impaciência.
A revelação atingiu Dante como um raio. Terceiro ano? O mesmo nível que ele e Luck tinham no passado. O abismo de poder era esmagador.
Ryota reapareceu na frente de Dante, o sorriso debochado de volta. — O que foi? Parece até que pensou: “Será que ele é do quarto ano?” — Ele riu, acertando o pensamento de Dante mais uma vez. — Você achar que pode lidar com os alunos do quarto ano enquanto se coloca no mesmo nível que eles? Isso me dá náuseas.
De repente, uma mão agarrou Ryota pelo colarinho, levantando-o do chão como se ele fosse uma criança. — E eu não gosto nada de saber que você está arrumando briga sem motivo, Ryota.
A voz era fria, cortante como gelo. Loki, o recém-chegado, exsudava uma presença imponente, os olhos cinzentos avaliando a cena com desdém. Ele se virou para Mikaela. — Peço desculpas pela confusão.
— Tarde demais — retrucou Mikaela, um brilho calculista nos olhos. — Ele já me fez perder tempo de apresentação. Vou cobrar direitinho do tutor dele.
Loki suspirou, percebendo a armadilha. Ela sabia que ele era o tutor de Ryota desde o início, mas deixou a confusão acontecer para lucrar com a multa. — Entendido — respondeu, seco.
Enquanto se afastava, arrastando Ryota, Dante o interrompeu. — Espere.
Luck colocou a mão no ombro de Dante, mas ao ver o brilho teimoso em seus olhos, soube que era inútil detê-lo. — Queria algo comigo? — perguntou Loki, a voz desprovida de emoção.
— Você não tem nada a dizer? — retrucou Dante, o tom desafiador. — Foi o seu discípulo que veio comprar briga.
— E ele mentiu? — respondeu Loki, o olhar frio como aço. — É irritante ver você se achando especial, quando não passa de lixo. Principalmente quando as pessoas nos comparam, só por estarmos entre os dez melhores.
Kai, já de pé, cerrou os punhos, lembrando da lista. 4. Loki, o Cavaleiro Branco.
— Então me mostre essa diferença gritante — disse Dante, a voz carregada de provocação. Um desafio aberto para um Jogo da Coroa.
— PROPOSTA NEGADA! — gritou Mikaela, antes que Dante terminasse. — Se vocês brigarem aqui, vão destruir o pátio, e a escola não tem dinheiro infinito para consertos! A tesoureira do grêmio é mesquinha e vai descontar de mim!
Loki a encarou, impassível. — Não se preocupe. Isso não vai fazer bagunça.
Em um piscar de olhos, Loki sumiu. Dante tentou acompanhar, mas era tarde demais. Loki apareceu colado a ele, o punho já afundando em seu estômago com uma força devastadora. O impacto foi como uma onda, expulsando o ar de seus pulmões. A visão de Dante escureceu, e ele começou a cair, a consciência escapando como areia entre os dedos.
— DANTE! — gritaram Anna e Luck em uníssono. Até Kai, boquiaberto, não acreditava. Derrotado com um único golpe?
— Azar o dele por me desafiar — disse Loki, a voz desprovida de emoção, enquanto Ryota exibia um sorriso satisfeito. — Seria humilhante se dissessem que levei essa brincadeira a sério.
Ele se virou para sair, mas algo agarrou sua perna. Dante, mesmo à beira da inconsciência, segurava-o com uma força desesperada. — Espere...
Loki franziu o cenho, irritado. — Solte. — Ele ergueu o pé, pronto para chutá-lo ao chão. Anna e Luck avançaram, mas foram lentos demais.
No entanto, quando olharam, Dante já não estava lá. Uma garota misteriosa o havia puxado do caminho no último instante, segurando-o nos braços com uma graça quase sobrenatural. Seus olhos, profundos e indecifráveis, encontraram os de Loki.
— O que você acha que está fazendo? — perguntou Loki, a voz gélida.
— Eu te respondo — retrucou ela, calma, mas com um tom que desafiava a autoridade dele — se você me explicar de onde veio esse machucado no seu braço.
Loki olhou para seu antebraço. Uma marca roxa, como uma queimadura, se formava ali, pulsando com uma dor silenciosa. Ele revisou o momento do ataque em sua mente. Naquele instante... ele fez algo. Seus olhos voltaram para Dante, agora inconsciente nos braços da garota.
— Tanto faz — murmurou Loki, a arrogância dando lugar a uma irritação contida. Ele se afastou, Ryota o seguindo com um sorriso provocador.
Anna e Luck correram até Dante, enquanto Kai encarava as costas de Loki com um olhar que prometia vingança. Mikaela, observando tudo do palco, deixou um sorriso astuto curvar seus lábios. Essa rivalidade no top 10 vai atrair muitos olhares para o Festival...
E, em meio ao caos, a garota misteriosa segurava Dante, seus olhos fixos nele com uma expressão que ninguém conseguia decifrar. As pétalas de cerejeira continuavam a cair, dançando ao redor dela como se o próprio vento soubesse que algo grandioso estava por vir.
Parte 5
A primeira sensação de Dante ao acordar foi a de sangue pulsando em sua cabeça. A segunda foi a textura áspera de cordas em seus pulsos e tornozelos. Ele estava amarrado, de ponta-cabeça. Seu primeiro pensamento não foi de pânico ou medo. Foi de pura e simples irritação.
Aquele desgraçado... um golpe. Ele me pegou com um único golpe. Preciso de uma revanche.
— Parece que ele finalmente acordou.
Três vozes femininas. Dante abriu os olhos, a visão embaçada focando em três garotas que ele nunca havia visto antes. Elas o observavam, claramente esperando uma reação de susto ou desespero.
Ele as ignorou por completo e tentou se desamarrar.
— E então? — perguntou a que parecia ser a líder, uma garota com uma aura de teatralidade dramática. — Não vai gritar?
Dante a encarou, a irritação pela derrota para Loki ainda mais forte do que a surpresa da situação atual. — Por que eu faria isso? — Ele riu, um som seco. — Você é tola. Antigamente, talvez. Ser amarrado por três mulheres bonitas e misteriosas teria me surpreendido. Mas, com toda a confiança do mundo, posso afirmar... — ele fez uma pausa, o olhar percorrendo cada uma delas — ...que o eu de agora não cai mais nessa. Isso é praticamente o meu novo normal.
— Não entendo essa sua confiança — disse a segunda garota, de olhar afiado e voz fria. — Mas sinto que você deve ser o inimigo das mulheres.
— Tanto faz. — Dante começou a se mexer, o balanço desconfortável. — Por que me amarraram de ponta-cabeça?
— Porque não tinha outro local na sala — respondeu a líder, como se fosse óbvio.
Dante olhou em volta. O local era um mausoléu. Poeira cobria tudo como um sudário, teias de aranha se estendiam pelos cantos como tapeçarias macabras e, de uma pilha de pratos sujos em um canto, emanava um fedor bizarro e indescritível.
— Já perdemos tempo demais! — declarou a líder, Kouka, inflando o peito e tentando reconstruir o peso dramático. — Dante Scarlune! Nós, da aliança Criminal Moon, viemos lhe fazer uma proposta! Junte-se a nós, temporariamente, e...
— Não — interrompeu Dante.
Kouka piscou, pega de surpresa. — Escute! Junte-se a nós e juntos poderemos...
— Não.
Com os olhos agora mais apertados, Kouka o encarava como se dissesse para ele esperar ela terminar dessa vez: — Se se juntar a nós, você conseguirá…
— Não.
— POR QUE VOCÊ FICA NEGANDO IMEDIATAMENTE?! — gritou ela, a compostura se desfazendo.
— E por que você achou que eu concordaria, pra começo de conversa? — retrucou Dante. — Você não estava criando um "clima". Você me sequestrou. E eu aprendi a nunca dar nada que um sequestrador pede.
Ele começou a se debater de um lado para o outro, balançando descontroladamente. A discussão entre ele e Kouka escalou para uma gritaria caótica.
— Parem com isso! — disse a terceira garota, Leticia.
Dante, achando que devia haver alguém por perto que pudesse ouvi-los, começou a gritar ainda mais alto: — SOCORRO! FUI SEQUESTRADO POR UM BANDO DE MALUCAS DESORGANIZADAS!
CRACK!
O teto velho e mal acabado não aguentou o balanço. Com um gemido de madeira podre, ele cedeu, desabando sobre eles. Uma tonelada de poeira, gesso e sujeira de décadas encheu o ar, junto com um cheiro horrível que tomou conta do lugar.
Tossindo e quase morrendo mais pela poeira do que pelos destroços, eles correram para abrir a única janela. Dante enfiou metade do corpo para fora, respirando o ar puro. Foi quando ele reconheceu o lugar. O prédio velho que serviria para as aulas de culinária, abandonado quando os clubes se tornaram mais populares.
Seus olhos ardiam. O cheiro era insuportável. A paciência dele acabou.
Ele arrancou a própria camisa, amarrou-a no rosto como uma máscara e se virou para as três, que ainda tossiam. Sua expressão não era mais a de uma vítima ou de um rebelde. Era a de uma dona de casa furiosa.
— Chega de moleza. Vamos limpar essa porcaria. Agora.
Leticia e a outra garota, Inori, responderam quase que por instinto, como se fossem soldadas e ele seu oficial: — Sim, senhor!
— QUEM COLOCOU ELE NA LIDERANÇA?! — gritou Kouka, mas sua voz foi engolida pelo início da operação de limpeza.
O que se seguiu foi uma faxina de proporções épicas. Dante, com uma eficiência assustadora, começou a dar ordens, apontando para cantos imundos, os repreendendo pelo mau cuidado com o local e os ensinando a forma correta de esfregar o chão. Após horas de trabalho duro, onde ele até mesmo pegou madeira das árvores em volta para construir um novo teto improvisado para o segundo andar, a tarefa estava terminada.
Eles pararam no meio da sala, suados e exaustos, mas o local estava brilhante. O pó havia sumido, o cheiro ruim fora substituído pelo de produtos de limpeza, e a luz do sol entrava pela janela, iluminando um espaço agora habitável.
Foi quando Dante, limpando o suor da testa, lembrou-se de algo. Ele olhou para as cordas cortadas no chão, depois para as três garotas que o encaravam com uma mistura de medo e admiração.
E se perguntou:
— Espera um pouco... o que eu estava fazendo mesmo?
— Estávamos mesmo pensando em arrumar tudo, mas não sabíamos por onde começar — agradeceu Leticia, a voz suave em meio à sala agora impecável.
— Não importa por onde vocês começassem, só precisavam dar o primeiro passo! — reclamou Dante, agindo menos como ex-refém e mais como um supervisor de obra insatisfeito.
— Você está se achando muito para um novato que acabou de entrar — resmungou Kouka, cruzando os braços.
— Quem você está chamando de novato que acabou de entrar?! — retrucou Dante.
Em um silêncio eloquente, as três garotas apenas apontaram para ele em uníssono.
— NÃO CHEGUEM NESSA CONCLUSÃO SOZINHAS! — gritou ele.
— Calma, calma — disse Kouka, retomando sua pose de líder. — Você também terá benefícios. Já deve saber sobre o sistema de tutores, não é? Se ficar conosco, terá os ensinamentos diretos de uma aluna do quarto ano.
Dante olhou para Kouka. Cabelos roxos, olhos amarelos predatórios. Sua aura era intensa, e o sorriso feroz em seus lábios o lembrava de Mio e Beatrice. Ele não tinha dúvidas de que ela poderia arrancar um poste com as mãos. Uma caçadora experiente.
— Tá dizendo que você é tão forte assim? — perguntou Dante, um sorriso desafiador surgindo. — Ao ponto de eu não poder perder suas aulas?
Os olhos de Kouka se arregalaram e ela ficou visivelmente sem graça. — E-eu?! Não! Eu sou do terceiro ano! A Leticia que é a nossa tutora!
O olhar de Dante se moveu para Leticia. A garota baixinha, pequena, com um corpo tão esguio que parecia frágil e delicado. Ele aprendeu com Beatrice a não subestimar os pequenos, mas, naquele exato momento, uma borboleta passou pela janela aberta e Leticia começou a segui-la com o olhar, as mãos unidas sob o queixo, toda fofa.
A paciência de Dante estourou. — VOCÊ ESTÁ TIRANDO COM A MINHA CARA?!
A discussão recomeçou, até que Inori, a última do grupo a se pronunciar, interveio. — Eles ainda não contaram a melhor parte! Se você ficar, poderá passar mais tempo comigo! Isso não é perfeito?
Dante a encarou. — E quem é você?
Inori caiu dura no chão, em uma pose dramática. — Eu sou Aines! A idol!
— Nunca ouvi falar — disse Dante, sem rodeios. — Faz sentido. Fiquei tão concentrado em tirar o atraso com os mangás que lançaram nos últimos vinte anos que não pude sintonizar nas tendências atuais. Mas, independente disso, eu não posso ficar.
De repente, a seriedade tomou conta do rosto de Letícia. Ela parou na frente dele, bloqueando o caminho. — Você tem que ficar.
Vendo a determinação em seus olhos, Dante decidiu ser honesto. — Escutem, eu já estou no grupo dos Corvos. E mesmo que não fosse por isso, estamos em uma competição contra os Juízes. Tenho que ajudar meu grupo. Não posso perder tempo brincando com vocês agora. — Ele suavizou o tom. — Mas eu prometo que, de vez em quando, venho arejar o lugar e dar uma arrumada. Agora, eu tenho que ir.
Ele tentou passar por ela, mas Leticia o empurrou, tentando impedi-lo. A cena era cômica. Ela se esforçava com toda a sua força, mas era tão fraca que o caminhar normal de Dante a empurrava para trás, levando-a junto consigo.
— Que desalmado! — gritou Kouka. — Não tem vergonha de pisar nos sentimentos da nossa líder?!
— Na verdade, o que está acontecendo agora me envergonha, sim, mas por um motivo completamente diferente — retrucou Dante.
Kouka parou na frente dele, a expressão agora sombria. — Entendo o seu lado. Mas você precisa entender o nosso. Não podemos simplesmente deixar você ir embora.
Dante parou, virando-se para ela, finalmente se perguntando por que elas estavam tão obcecadas.
— Até porque — continuou Kouka, um brilho assassino em seus olhos — você já sabe a localização do nosso esconderijo. Por isso, agora, ou você se junta... ou morre.
No mesmo instante, Inori saltou sobre ele, não mais como uma idol, mas com uma intensidade assassina, brandindo um saco de lona como se fosse uma arma mortal.
Dante escapou por um triz, o instinto superando a surpresa.
— Liberar Arquivo: Segundo Modo - Deus da Velocidade.
Seu corpo foi coberto por um Ether crepitante vermelho. Raios escarlates dançaram ao seu redor. Ele olhou para as três garotas, agora em posição de combate.
— Eu sabia que tinha algo muito errado com vocês — disse ele, com um sorriso cansado. — Gostei de conversar, mas agora não posso perder mais tempo.
E com isso, ele disparou para fora da sala, um borrão vermelho de velocidade.
— PEGUEM ELE! — gritou Leticia, que havia caído de cara no chão com a saída súbita dele.
E assim, a perseguição começava.
O mundo era um borrão vermelho para Dante. Com o "Deus da Velocidade" ativado, ele se movia como um relâmpago, o vento chicoteando seu rosto. Em sua mente, a cena no prédio abandonado já era uma memória distante, uma anedota bizarra em um dia já cheio delas.
Sinto muito por elas, pensou ele, enquanto desviava de uma fonte no pátio. Mas estou ocupado. Tenho que ajudar na caçada contra a Verbrechen der Evolution e, mais importante... preciso dar um jeito de acabar com aquele exibido do Loki.
A humilhação daquela derrota com um único golpe ainda ardia em seu orgulho. Ele precisava de uma revanche. Precisava provar que o abismo entre eles não era tão grande.
— É verdade, sabe? A Kouka comentou sobre como você foi completamente esmagado por ele.
A voz, divertida e um pouco ofegante, soou bem ao seu lado.
Dante virou a cabeça, os olhos se arregalando em choque. Correndo ao seu lado, acompanhando seu ritmo sobre-humano sem aparente dificuldade, estava Inori, a idol, com um sorriso travesso no rosto.
Ele não conseguia acreditar. Como? Como ela estava acompanhando-o? Sua habilidade era uma manifestação pura de velocidade. Era impossível.
Antes que ele pudesse formular uma pergunta, outra figura apareceu em seu outro lado. Kouka, com seu olhar feroz, também mantinha o passo, o rosto sério e focado.
— O que diabos vocês estão fazendo?! — gritou Dante, a incredulidade superando o choque.
Inori inclinou a cabeça, confusa. — Hã? A gente não te falou? Ah, espera. Você falou algo sobre " Deus da Velocidade." e saiu correndo... — Ela entendeu. — Espera essa e sua velocidade máxima ?
Ela começou a rir, uma risada cristalina que irritou Dante profundamente. — Qual é a graça?!
— A graça, novato — disse Kouka, a voz cortante —, é que você pode não saber, mas no terceiro ano nós aprendemos uma técnica chamada Strain.
— Strain? — repetiu Dante.
— É uma habilidade que permite ao usuário distorcer o espaço entre os movimentos — explicou Kouka, como se estivesse ensinando uma criança. — Nós não aumentamos nossa velocidade. Nós encurtamos a distância. Por isso, mesmo que não tenhamos uma habilidade como a sua, podemos ser tão rápidas quanto você. Ou até mais.
Naquele momento, a mente de Dante se iluminou com uma clareza dolorosa. Os movimentos de Ryota. O drible de toureiro contra Kai, o deslize para trás dele, a forma como ele aparecia e desaparecia. A investida de Loki. Não foi um simples avanço rápido. Ele não cruzou o espaço; ele o anulou.
Era isso. Era essa a técnica que eles estavam usando. Uma habilidade fundamental do novo currículo de Babylon que ele, o viajante do tempo, nunca teve a chance de aprender. A diferença entre eles não era apenas poder bruto. Era conhecimento.
Ele se sentiu um idiota. Um dinossauro correndo em uma pista de corrida moderna, confiando na força bruta enquanto todos os outros usavam uma tecnologia superior. Sua derrota para Loki, de repente, fazia muito mais sentido. E era ainda mais humilhante.
O desprezo divertido nos olhos de Kouka foi a última gota. A humilhação de ser superado por uma técnica que ele desconhecia acendeu uma chama teimosa em Dante.
— Se é assim... — rosnou ele, o Ether vermelho ao seu redor mudando, tornando-se mais denso e volátil. — Vou dar um jeito, mesmo sem essa habilidade!
Ele trocou de modo. Sua aura escarlate se intensificou, chamas crepitantes envolvendo seu corpo. Deus Dragão.
Inclinando-se para a frente, ele posicionou as mãos para trás e liberou duas rajadas contínuas de plasma, que explodiram como as chamas de um foguete. O impulso o lançou para a frente com uma velocidade estonteante, literalmente o fazendo voar rente ao chão. O cenário se tornou um túnel de cores borradas. Essa é a minha velocidade máxima atual, pensou ele, a adrenalina pulsando. O problema é que eu não consigo manobrar com facilidade. É uma linha reta de força bruta.
Ele olhou para trás, esperando ver as duas garotas como pontos distantes. Mas elas não estavam lá.
YANK!
Uma força irresistível o puxou para trás, freando seu avanço com um tranco violento. Uma corrente, fina como um fio de prata, estava enrolada em seu tornozelo. Quando?! Quando elas me prenderam?
Foi quando Inori revelou sua verdadeira natureza.
De suas costas, duas asas e uma cauda demoníaca, como as de uma súcubo, desdobraram-se em um leque de couro escuro. Os patins em seus pés começaram a vibrar, emitindo um zumbido agudo, e ela disparou para a frente, não mais correndo, mas deslizando sobre o ar.
— Minha habilidade não é essa, sabe? — disse ela, a voz carregando uma melodia estranha.
Ela começou a cantarolar. Uma canção sem palavras, hipnótica e dissonante.
O mundo de Dante virou de cabeça para baixo. A música não entrou por seus ouvidos; ela invadiu sua mente, embaralhando seus sentidos. A esquerda se tornou a direita, o chão se tornou o céu. Ele perdeu o equilíbrio, a noção de direção, a própria capacidade de raciocinar. Era como ser jogado dentro de uma máquina de lavar ligada no máximo.
Ele era uma marionete, e a canção de Inori eram os fios. Ele era jogado de um lado para o outro, seu corpo se chocando contra árvores e paredes, sem entender o que exatamente estava acontecendo. Cada vez que tentava escapar, a corrente de Kouka o puxava de volta para o centro daquela tortura sensorial.
Ele percebeu a verdade. Elas eram realmente poderosas. A combinação era perfeita: o ataque mental de Inori e o controle físico de Kouka. Leticia, a garota frágil que perseguia borboletas, deveria ser apenas uma líder no papel. A verdadeira ameaça da "Criminal Moon" eram, sem dúvida, essas duas.
Chega. Lutar contra aquilo era inútil.
— JÁ CHEGA! EU DESISTO! — gritou ele, desativando sua aura.
A canção parou. As correntes afrouxaram. Ele caiu no chão, ofegante, a cabeça girando.
As garotas se aproximaram dele, Kouka com um ar de triunfo, Inori com uma curiosidade inocente. Dante se levantou, limpando a poeira da roupa. Ele não parecia um homem derrotado. Parecia um pesquisador que acabara de testemunhar um fenômeno fascinante.
— Sabe... — começou ele. — Eu estava curioso sobre esses seus poderes.
Ele as encarou, o olhar brilhando com um novo tipo de interesse.
— Por isso, eu vou aceitar. Serei parte da aliança de vocês.
Um sorriso de satisfação presunçosa se espalhou pelo rosto de Kouka. Inori bateu palmas, genuinamente feliz. A rendição de Dante foi a validação de seu poder. Elas se aproximaram e, com um gesto, Kouka desfez as correntes de Ether que ainda o prendiam.
— Fico feliz que tenha entendido — disse Kouka, com um ar de superioridade.
— Eu também — respondeu Dante, um brilho perigoso em seus olhos.
No instante em que o último elo da corrente desapareceu, Dante bateu as palmas das mãos. Uma explosão de pura energia escarlate irrompeu de seu corpo, não como um ataque, mas como um flash ofuscante, soltando uma chuva de faíscas que cegou momentaneamente as garotas.
— NÃO VOU CAIR TÃO FÁCIL! — gritou ele, a voz já se distanciando.
Quando a visão delas clareou, ele havia desaparecido.
— SEU MALDITO! VOCÊ NÃO ENTENDEU! — gritou Kouka, furiosa, para o corredor vazio.
Inori piscou, confusa. — A aura dele... sumiu.
Elas perceberam na hora. Ele usou a cortina de fumaça para suprimir sua presença e fugir. A perseguição recomeçou.
Enquanto isso, Dante corria pelos corredores menos movimentados de Babylon, um sorriso de vitória no rosto. Idiotas, pensou ele. Acharam mesmo que eu ia me render? A perseguição, no entanto, havia lhe ensinado uma lição valiosa. Ele agora entendia que não deveria subestimar os veteranos. A técnica "Strain" era uma prova de que havia um abismo de conhecimento entre sua geração e a atual. Mas, por enquanto, a prioridade era escapar. Ele era o mais rápido, a vitória era sua.
— Você não vai escapar tão fácil assim.
A voz era suave, calma e desprovida de qualquer esforço. Dante ergueu a cabeça com dificuldade. Parada à sua frente, estava Leticia. A garota frágil. A líder que parecia uma figura decorativa.
— DE ONDE VOCÊ SAIU?! — gritou Dante, a voz uma mistura de choque, pânico e completa incredulidade.
Ela não respondeu. Apenas terminou de conectar uma ligação no celular e, quando o outro lado atendeu a voz de Kouka foi ouvida perguntando se Letícia o tinha encontrado, Dante começou a suspirar, percebendo que sua missão de fuga havia sido um fracasso.
...
De volta ao esconderijo agora impecavelmente limpo, Dante estava amarrado novamente. Desta vez, sentado em uma cadeira, mas as cordas eram visivelmente mais apertadas. A atmosfera não era de raiva, mas de uma exasperação cansada, como pais lidando com uma criança teimosa.
Ele havia sido completamente superado. E, para sua total humilhação, não havia sido pela força bruta de Kouka ou pela habilidade bizarra de Inori. Havia sido pela garota que ele mais “Frágil” do Grupo.
O eco da fuga fracassada de Dante ainda pairava no ar. Amarrado novamente à cadeira, ele observava Leticia e Inori se prepararem para sair.
— Vamos comprar algumas coisas para o jantar — anunciou Leticia, com sua doçura habitual, como se a perseguição mortal de minutos atrás não tivesse acontecido. — Kouka, você fica de olho nele.
Kouka assentiu, a expressão séria. Assim que as duas saíram, ela se aproximou de Dante. Com uma confiança que ele não esperava, ela retirou a mordaça de sua boca.
— Não grite — disse ela, a voz baixa. — Isso, claro, se você quiser comer algo hoje.
Dante, surpreendentemente, não retrucou com uma provocação. A série de humilhações e revelações havia, pelo menos por enquanto, acalmado seu espírito combativo. Havia uma pergunta que precisava ser respondida.
— Por que? — perguntou ele, a voz calma. — Por que vocês estão tão insistentes em me fazer membro do grupo? Já ficou claro que vocês são do mesmo nível que eu, ou até melhores. Há vários outros caras fortes por aí. Por que eu?
Kouka suspirou, a fachada de durona parecendo vacilar por um instante. Ela se sentou em uma cadeira à sua frente.
— A questão não é só essa, Dante. Em partes, é claro, sua força é um fator. Mas o principal é a sua fama. O seu status como membro do Top 10.
Ela o encarou, os olhos amarelos agora carregados com o peso de uma preocupação genuína.
— Como você já sabe, o pessoal do quarto ano, como a Leticia, recebe notas com base em como seus alunos se classificam no festival. E a Leticia... ela precisa de muitos, muitos pontos para passar.
A história que se seguiu não era a de uma aliança de criminosas, mas a de um grupo de amigas desesperadas. Kouka explicou como, por conta de seu jeito tímido e tamanho pequeno, Leticia nunca era respeitada nos grupos de que fazia parte. Ninguém nunca permitiu que ela trabalhasse como líder. Ela tinha habilidade de sobra para passar de ano com louvor em qualquer teste prático, mas sem o destaque como líder de esquadrão, era impossível avançar para além do quarto ano. Ela estava fadada a falhar.
— Mas ela tem vocês duas — argumentou Dante.
Um olhar de dor e frustração cruzou o rosto de Kouka. Ela se levantou, andando de um lado para o outro.
— E esse é o problema. Mesmo que eu não consiga admitir em voz alta... nós somos o problema. — A confissão saiu como um sussurro amargo. — Eu arrumo tanta briga que nem sei se a academia vai me deixar participar dos eventos este ano. A Inori, com a carreira de idol, tem shows para fazer, o que significa que a participação dela também não é uma certeza absoluta.
Ela parou, olhando pela janela agora limpa. — Para piorar, eu tentei. Tentei ir atrás de outros conhecidos, chamar gente para o grupo e ajudar a Letícia. Mas... — ela riu, um som sem humor — ...todos eles têm tanto medo de ficar perto de mim que recusaram na hora.
Dante ficou em silêncio, processando a informação. A garota de pavio curto, a idol imprevisível e a líder poderosa que ninguém levava a sério. Eram um bando de desajustadas, assim como os Corvos.
Ele a encarou, a compreensão finalmente se solidificando em sua mente.
— Entendi — disse ele, a voz calma, mas com o peso de uma revelação. — O verdadeiro problema aqui é você.
Ela não gritou. Não o xingou. Apenas se virou, e por um instante, Dante viu em seus olhos não a guerreira feroz, mas apenas uma amiga tentando desesperadamente ajudar a outra, mesmo sabendo que ela própria era o maior obstáculo.
A confissão de Kouka pairou no ar, pesada e honesta.
— Você não está errado — disse ela, a voz perdendo a agressividade e ganhando um tom de fervorosa lealdade. — Mas, além disso, eu quero mais do que apenas ajudar a Leticia a passar. Eu quero mostrar a todos como ela é incrível. Quero que ela se destaque. E se usarmos o prestígio e a fama de alguém do Top 10, como você, com certeza conseguiríamos a atenção que ela merece.
Dante entendeu. Aquele plano torto, o sequestro, a faxina... tudo nascia de uma amizade feroz e protetora.
— Eu entendo o seu lado — disse ele, a voz sincera. — Mas ainda assim, eu realmente não posso ajudar agora. Tenho que ajudar os Corvos na nossa competição. Tenho que ficar mais forte, não só por causa do Loki, mas para ajudar alguém que é tão importante para mim quanto a Leticia é para você.
— Não tem "não" nessa conversa — retrucou Kouka, a teimosia voltando com força total.
— Você é uma ditadora, sabia? — suspirou Dante.
Mais um tempo se passou. Leticia e Inori voltaram, carregando sacolas. A comida já pronta foi esquentada no micro-ondas, e o cheiro encheu o esconderijo agora limpo.
— Compramos mais ingredientes — disse Leticia, animada. — A partir de amanhã, podemos usar a cozinha de verdade!
Elas começaram a comer. Dante, ainda amarrado à cadeira, observava, o estômago roncando. — E a minha comida?
— Só membros da aliança comem — disse Kouka, com um sorriso vitorioso. — Isso não foi o combinado! — Eu só mantenho promessas com membros da aliança.
A irritação de Dante começou a ferver, mas antes que pudesse explodir, Leticia se aproximou dele com um prato e um garfo. Com uma gentileza que o desarmou, ela começou a lhe dar comida na boca. — É desperdício de comida com um ingrato — resmungou Kouka, mas ao ver o olhar determinado de Leticia, ela apenas suspirou e aceitou.
O tempo passou em um silêncio quase confortável. — Então... — começou Inori, curiosa. — Quais são os grupos que faltam para vocês e os Juízes caçarem, até a aposta ser decidida?
Dante engoliu a comida que Leticia lhe deu. — Apenas mais alguns. Mas os atuais são os mais problemáticos e perigosos. A Verbrechen der Evolution.
Kouka largou o garfo. Seu rosto ficou sério, desprovido de qualquer brincadeira. — Então é melhor vocês desistirem. Não teriam a menor chance.
— Não nos subestime — retrucou Dante.
— São vocês que estão subestimando os inimigos! — disse Kouka, a voz agora gélida. — Provavelmente só por terem dois membros do Top 10 no grupo. Mas vocês nem sabem que esse ranking é completamente subjetivo, não é?
Ela se inclinou para a frente, os olhos amarelos fixos em Dante. — Ele é baseado nas coroas e nas pessoas que querem atrair atenção. Existem caçadores neste lugar cujo poder faria o seu parecer uma brincadeira de criança, mas que preferem o anonimato e não se importam com essa competição idiota. Eu tenho certeza que, se não fosse por isso, a lista estaria muito diferente. E também tenho certeza de que pelo menos uns quatro da Verbrechen der Evolution estariam nela. Vocês não têm chance, principalmente com você nesse estado.
— Isso não é algo que você decide! — gritou Dante.
A briga se arrastou até que o cansaço venceu. As garotas se ajeitaram em colchões no chão, em frente a ele. A noite caiu, e o silêncio retornou.
Dante, ainda amarrado à cadeira, observava as três garotas dormindo. A respiração suave delas era o único som no escuro. A situação era tão bizarra, tão além de qualquer coisa que ele pudesse ter imaginado. Ele olhou para seus corpos relaxados, para a vulnerabilidade delas no sono, e uma sensação estranha e desconfortável começou a se formar em seu peito.
Será que ficar aqui, pensou ele, sentindo um calor subir por seu rosto, não vai acabar despertando alguma coisa estranha em mim?
Parte 6
Dante acordou com um sobressalto, o resquício de um pesadelo se desfazendo como fumaça em sua mente. As cordas ainda o prendiam à cadeira, um lembrete desconfortável da noite anterior.
— Teve um pesadelo? — A voz de Inori soou, curiosa. As três garotas já estavam se arrumando para o dia.
— Acho que sim — respondeu Dante, a testa franzida. — Nunca me lembro quando acordo.
Ele as observou se moverem em direção à cozinha. O cheiro de café começou a encher o ar.
— Se você aceitar nossa proposta — disse Kouka, com um sorriso maldoso —, posso deixar você tomar café com a gente. Eu até derramo sobre o meu pé, para ir direto na sua boca.
Dante a encarou, o nojo evidente em seu rosto. — Que tipo de maluco você acha que eu sou?
— Ouvi falar que você era um pervertido — retrucou ela, dando de ombros.
A raiva brilhou nos olhos de Dante. Era inacreditável como esse boato estúpido estava se espalhando.
— Chega de brincadeiras, Kouka. — A voz suave de Leticia cortou a tensão. — Vou levá-lo lá fora para... se aliviar, enquanto vocês fazem o café da manhã.
— Não precisa de tudo isso — resmungou Kouka.
— Seria legal manter uma dignidade mínima para o nosso novo companheiro, não acha? — respondeu Leticia.
— COMO ASSIM MÍNIMA?! — gritou Dante.
— Certo, pode levar — cedeu Kouka. — Mas se esforce para ele não fugir.
— E quem vai cozinhar? — perguntou Leticia, com um sorriso inocente. — Entre nós, você e a Inori são as que cozinham melhor. Apesar de também serem ruins. Ou vocês querem que eu cozinhe?
A imagem de Leticia na cozinha pareceu aterrorizar Kouka, que apenas fez um gesto para que eles fossem logo.
Na floresta que cercava o esconderijo, a luz da manhã se filtrava por entre as árvores, criando padrões dançantes no chão. Leticia se virou para Dante.
— Você tem certeza? — perguntou ela, a voz baixa. — Certeza de que não pode se juntar a nós?
— Infelizmente, não — respondeu Dante, com uma sinceridade que surpreendeu a si mesmo.
Com um suspiro, Leticia se aproximou e, com dedos ágeis, desamarrou as cordas que o prendiam.
— O que...? Está tudo bem mesmo em me soltar assim? — perguntou ele, massageando os pulsos.
— Está — disse ela, dando um passo para trás. — Eu explico para as garotas. Na verdade, acho que fui eu quem estava sendo egoísta, pedindo sua ajuda. Se você não pode, não há nada a se fazer.
As palavras de Kouka voltaram à mente de Dante. Ele sentiu uma pontada de tristeza por ela.
Enquanto isso, de volta ao esconderijo, a primeira aventura culinária começava.
— ONDE FICA O SAL?! — gritou Kouka, revirando um armário.
— Acho que é esse pote branco aqui! — respondeu Inori, cheirando um recipiente com desconfiança.
— ESSE É O AÇÚCAR, SUA IDIOTA! QUER FAZER OVOS DOCES?!
Elas discutiam enquanto cortavam verduras de forma irregular, a cozinha se tornando progressivamente mais bagunçada. Era a primeira vez que cozinhavam ali, e o resultado prometia ser... memorável.
Na floresta, Dante olhou para a garota à sua frente. A gentileza dela era um contraste gritante com o caos de suas companheiras e com a brutalidade daquele colégio.
— Obrigado — disse ele. — De verdade.
— Não foi nada — respondeu ela, com um pequeno sorriso. — Pode ir. Antes que elas decidam vir atrás de você.
Ele assentiu, virando-se para ir embora. Mas, por algum motivo, hesitou. Ele olhou de volta para Leticia, depois para a direção do esconderijo. A imagem daquelas três desajustadas, tentando sobreviver à sua maneira naquele mundo implacável, não saía de sua cabeça.
A liberdade estava logo ali. Mas, pela primeira vez, ele se perguntou se fugir era a coisa certa a se fazer.
Dante permaneceu ali, a liberdade concedida, mas os pés fincados no chão. Uma tristeza pela situação de Leticia o impedia de simplesmente virar as costas.
— Você tem certeza mesmo? — perguntou ele, a voz baixa.
— Sim — respondeu ela, novamente, com uma calma que o desarmava. Ela o encarou, a cabeça levemente inclinada. — Você não vai? Está tudo bem?
— Sim, estou... — disse Dante, virando-se com vergonha. — Estava na hora de ir.
Ele deu um passo, mas parou. A curiosidade era mais forte. — Esqueci de perguntar antes. Por que vocês escolheram aquele lugar como esconderijo?
— Ah, isso? — Leticia pareceu surpresa com a pergunta. — É que ficava perto da escola e era barato. Os locais para comprar fora do campus são uma fortuna.
Dante sabia disso muito bem, lembrando do preço do dormitório dos Corvos. — Mas foi tão barato assim? Precisava de umas reformas, mas ainda era grande, tinha fogões, geladeira...
— Sim — disse ela, com uma inocência alarmante. — Afinal, além de toda a reforma, ainda tinha o vazamento de gás que precisávamos resolver. Por isso, obrigada por ter arrumado o teto.
Dante congelou. — Espera. Eu não consertei nenhum vazamento de gás.
Um silêncio pesado caiu entre eles. A mente de Dante disparou, conectando os pontos em uma sucessão de imagens aterrorizantes. O fogão a gás. As duas garotas sem habilidades básicas como arrumar a casa. A primeira vez que cozinhavam ali. O vazamento...
Seus olhos se arregalaram em pânico, encontrando o mesmo terror no olhar de Leticia. — ELAS VÃO EXPLODIR A CASA!
Eles se viraram e começaram a correr, mas já haviam se afastado tanto que não daria tempo. Dante já se preparava para entrar na forma de Deus da Velocidade, quando Leticia o parou, a mão em seu braço.
— Espere. Eu vou salvar minhas amigas.
Naquele instante, a garota tímida que perseguia borboletas desapareceu. Em seu lugar, surgiu uma caçadora. Seus olhos, antes suaves, agora continham um foco absoluto. Ela começou a concentrar seu Ether.
Primeiro, ela o Materializou. O ar ao redor de suas mãos começou a brilhar, o poder invisível se tornando uma luz palpável de um azul-celeste suave. Nesse momento, Dante pensou em seu próprio Ether, uma torrente de poder bruto e destrutivo. O que Leticia fazia era diferente. Não era força, era... arquitetura. Precisão. Algo que ele nunca sequer considerou ser possível.
Em seguida, ela o Manipulou e Transformou. A luz se esticou, se curvou, solidificando-se na forma de um arco longo e elegante, tão etéreo que parecia feito de luar. Uma corda de energia pura zumbia entre as extremidades.
Por fim, ela Aprimorou o arco com sua habilidade. Uma flecha, uma lasca de pura causalidade, formou-se na corda.
— Failnaught.
Ela puxou a corda. O poder contido naquele único disparo era imenso. A flecha de Failnaught não era uma arma comum; ela aplicava o conceito da causalidade definitiva. No instante em que o alvo era escolhido, o efeito de "ser atingido" já estava gravado na realidade. A flecha, então, apenas cumpria um destino já escrito, quebrando conceitualmente qualquer barreira — distância, paredes, o próprio espaço — que a impedisse de acertar.
Ela soltou.
A flecha não voou. Ela simplesmente desapareceu da corda do arco. Por uma fração de segundo, ela se materializou na frente de Dante, um rastro de luz azul, antes de desaparecer novamente. No esconderijo, a centenas de metros de distância, a mesma flecha reapareceu instantaneamente e atingiu seu alvo cortando o cabo de energia da parte de trás do fogão no exato momento em que Kouka tentava acender.
Quando Dante e Leticia finalmente chegaram, ofegantes, encontraram Kouka e Inori olhando para o fogão, confusas, se perguntando por que ele não acendia.
Mas Dante não olhava para elas. Seus olhos estavam fixos em Leticia, que já havia desfeito seu arco, a expressão tímida retornando lentamente ao seu rosto.
Ele estava tão impressionado, tão chocado com o que acabara de ver, que mal percebeu quando se curvou. Um arco profundo, respeitoso. Em sua cabeça, um único pensamento ecoava, claro como cristal.
"É isso. É isso que eu preciso."
Ele ergueu o olhar queimando com uma determinação renovada e desesperada.
— Por favor! — disse ele, a voz alta, surpreendendo a todos. — Leticia-senpai! Por favor, me ensine a fazer isso!
Kouka e Inori olharam da cozinha quase explodida para o poderoso membro do Top 10 praticamente implorando a seus pés, e depois para sua líder tímida, que agora estava mais vermelha que um pimentão. A situação havia, de alguma forma, ficado ainda mais estranha.
Parte 7
07 de Setembro, 23:15 da Noite - Localização Desconhecida, Base da Verbrechen der Evolution
O ar no laboratório subterrâneo era pesado, saturado com o cheiro metálico e estéril de máquinas e ozônio, como se a própria atmosfera tivesse sido desinfetada para eliminar qualquer traço de humanidade. A escuridão dominava, quebrada apenas pelo brilho gélido de monitores que projetavam gráficos e códigos em um ritmo hipnótico. No centro da sala, um tablet flutuante pairava como um oráculo moderno, sua tela emitindo um holograma que pulsava com uma mensagem em alemão, escrita em letras afiadas e implacáveis, como facas cravadas no ar.
Verbrechen der Evolution. Krähen fliegen um euch herum. Seid gewarnt... - Moriarty.(Crimes da Evolução. Corvos voam ao seu redor. Estejam avisados... - Moriarty.)
Noitora, o líder da Verbrechen der Evolution, encarava o holograma com um rosnado baixo, um som primal que parecia vibrar das profundezas de seu peito. Seus olhos âmbar brilhavam sob a luz fria, refletindo as palavras como se pudesse queimá-las com o olhar. Mas sua mente estava em outro lugar, remoendo as implicações daquela mensagem. Ele sabia exatamente do que se tratava — e isso o enfurecia.
Uma labareda estalou entre os dedos de Nenê, iluminando seu rosto por um instante antes que ela a sufocasse com um suspiro impaciente. Seus cabelos vermelhos, soltos e selvagens, pareciam capturar o brilho da chama, dando-lhe a aparência de uma entidade vulcânica prestes a explodir. — Eu não gosto disso — disse ela, a voz carregada de irritação. — O que diabos significa “corvos”?
— Significa que fomos descuidados — respondeu Algoz, sua voz deslizando pela sala como uma lâmina de gelo, fina e cortante. Ele estava recostado nas sombras, quase invisível, sua silhueta esguia fundindo-se à escuridão. Apenas os olhos, frios e brilhantes como lâminas de prata, traíam sua presença. — Deveríamos ter arrancado a língua deles quando os vimos, em vez de apenas observá-los.
— Ora, não seja tão pessimista, Algoz querido — cantarolou Elizabeth, sua voz doce como mel envenenado. Ela levou uma xícara de porcelana aos lábios, o vapor subindo em espirais com um aroma floral que escondia um toque sutil de veneno. Seus olhos, de um violeta profundo, brilhavam com diversão enquanto observava a tensão na sala. — Eu achei a observação... divertida. Dois dos Dez Melhores de Babylon, passeando por Geonova como um casal em lua de mel. A Santa da Guerra e o Rebelde. Foi quase poético.
A menção a Dante e Emília fez a chama na mão de Nenê crepitar novamente, o fogo dançando em seus dedos como se respondesse à sua raiva. — Então foram eles... Eles nos viram? — perguntou, os olhos estreitados, a voz tremendo com uma mistura de fúria e ansiedade.
Clink.
O som metálico cortou o ar. Uma moeda de ouro girava, capturando a luz fria dos monitores antes de ser pega por William Tricky com um movimento ágil. Seu sorriso, normalmente dócil, foi engolido por um tique maníaco que repuxava o canto de seu olho, transformando sua expressão em algo inquietante. Ele abriu a mão, revelando a moeda. Coroa.
— Divertido! — gargalhou ele, o som ecoando pelo laboratório como o riso de um palhaço enlouquecido. — Isso significa que o jogo começou! Podemos arrancar as penas desses corvos, uma por uma! Fazer um colar bem bonito! — Ele se virou para Maria, que socava o ar com entusiasmo, os olhos brilhando com uma sede de sangue quase infantil. — O que acha, Maria? Eles gritam bonito?
— Quero o braço de um deles! — respondeu ela, a voz aguda e cheia de uma empolgação perturbadora, como uma criança pedindo um brinquedo novo.
Noitora ignorou o caos crescente de seus subordinados, sua atenção fixa no nome que assinava a mensagem. — “Moriarty” — disse, a palavra saindo como se fosse feita de cascalho, áspera e pesada. — Os Corvos são um problema contornável. Mas este... este é um fantasma. Alguém que não deveria saber da nossa existência, muito menos das nossas operações.
O clima na sala mudou em um piscar de olhos. O riso maníaco de William morreu, substituído por um silêncio tenso. A chama de Nenê se apagou, seus olhos agora alertas, como os de um animal acuado. Elizabeth baixou a xícara, o sorriso desaparecendo, e até Maria parou de socar o ar, seus punhos cerrados tremendo levemente. Um inimigo desconhecido era um veneno muito mais perigoso do que dois caçadores conhecidos, mesmo que fossem do Top 10.
Noitora ergueu a cabeça, seu olhar varrendo cada membro da Verbrechen der Evolution como um predador avaliando sua matilha. Sua presença dominava a sala, uma força bruta que parecia dobrar o próprio ar ao seu redor. A ordem não precisava ser gritada; ela era absoluta, gravada em cada sílaba de sua voz gutural.
— Chega de observar. A fase de planejamento acabou.
O som de sua voz preencheu o laboratório, reverberando nas paredes metálicas como um trovão distante. Ele apontou para cada um, os olhos âmbar brilhando com uma intensidade que prometia violência.
— Elizabeth, use sua teia. Quero saber quem, ou o que, é Moriarty. Não me importo quantos favores você precise cobrar, quantas almas precise negociar. Encontre-o. — Sua voz baixou, quase um rosnado. — William, sature o perímetro com suas “brincadeiras”. Se um rato tentar entrar aqui, quero que ele ria até os pulmões derreterem. Algoz, prepare uma recepção para os Corvos. Algo que os faça amaldiçoar o dia em que nasceram.
Ele fez uma pausa, os olhos fixos na porta do laboratório, como se pudesse enxergar Dante e Emília do outro lado, desafiando-o com sua mera existência. A sala parecia encolher sob o peso de sua presença, o ar vibrando com a promessa de destruição.
— O resto de vocês, preparem-se. Os Corvos virão até nós. E quando vierem... — Um sorriso predatório se abriu em seu rosto, revelando presas afiadas que reluziam sob a luz fria. — ...nós lhes daremos exatamente o que procuram. A evolução não pode ser detida por insetos.
O silêncio que se seguiu era carregado, como o instante antes de uma tempestade. Nenê cerrou os punhos, as chamas reacendendo em suas mãos, agora controladas, mas prontas para explodir. Elizabeth sorriu, um brilho calculista nos olhos, enquanto girava a xícara entre os dedos. William jogou a moeda novamente, o clink ecoando como um prenúncio. Maria riu, um som agudo e perturbador, enquanto Algoz desapareceu nas sombras, sua presença uma promessa silenciosa de morte.
No centro de tudo, Noitora permaneceu imóvel, o holograma de Moriarty ainda piscando à sua frente. A mensagem era um desafio, um aviso, mas também uma oportunidade. A Verbrechen der Evolution não era apenas um grupo — era uma força, uma visão, um ideal que não se curvaria diante de corvos ou fantasmas. E, quando a hora chegasse, eles provariam isso com sangue.



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