The Fall of the Stars: Capítulo 2 - Underworld
- AngelDark
- 14 de jul.
- 53 min de leitura
Volume 5: Amor
Parte 1
Mesmo sabendo o que se deve fazer, uma escolha difícil continua sendo uma escolha difícil. Mesmo sabendo que devemos tomar uma injeção, se nos perguntassem em qual dos braços gostaríamos de tomar, demoraríamos para responder. Se nos perguntassem se gostaríamos de tomar um tiro em uma perna ou em um braço, também demoraríamos. Isso se deve muito ao fato de sermos humanos. Com certeza, essas perguntas têm respostas rápidas e práticas que facilmente poderiam ser dadas por máquinas, mas isso não se aplicaria a um humano.
Por isso, após ter escutado minha ordem, mesmo sabendo que não teria outra escolha, na frente da mulher, eu congelei. Não... talvez o tempo tivesse desacelerado. Naquele momento, percebi que a teoria da brilhante cientista de Elysium estava certa: realmente o tempo é relativo, pois naquele instante jurei que anos se passaram em um único segundo. Assim, continuei a encará-la até decidir o que deveria fazer, embora as pessoas ao meu redor parecessem já ter sua própria ideia do que deveria ter sido feito.
— Ande logo e a mate!
Todos falaram sem qualquer hesitação, mas não era algo que eu poderia fazer assim, sem qualquer hesitação.
— Não quero mostrar minha habilidade se não for necessário. Então, vocês podem ir embora agora. Não preciso de ajuda.
Obviamente, estava falando aquilo para ganhar tempo, mesmo que esse tempo não resultasse em qualquer diferença real. Mas, sendo um Scarlune, eles não conseguiam me contrariar. Mesmo que fossem os clientes e tivessem o direito de fazer pedidos e dar ordens, sabiam muito bem das personalidades complicadas que os Scarlune possuíam. Logo, não podiam ir contra. Assim, eles nos deixaram sós, e logo ficamos apenas eu e a misteriosa mulher no calabouço do porão — a mulher que eu deveria executar.
Eu me aproximei dela. Imaginava que ela iria me acusar de ser um monstro, pedir por perdão. Eu, sinceramente, sabia que isso provavelmente só me deixaria pior, mas precisava entender como ela realmente era e o que estava acontecendo antes de fazer o que deveria. Obviamente, eu estava familiarizado com frases que nos diziam para não perder tempo, sendo que a vida nos é tão curta. Mas, na minha visão, é por ser curta que deveríamos desperdiçá-la, pois isso dá aos humanos a falsa ideia de controle, até mesmo sobre o tempo.
— Então você veio me matar?
A mulher falava com sua voz calma e fria. Ela ainda continuava a me encarar com aquele mesmo olhar. Não exibia medo, agressividade, nada; apenas me encarava com um olhar singelo. Sentia que ela havia aceitado qualquer que fosse seu destino: se ela escapasse, aceitaria de bom grado, mas caso a matasse ali mesmo, também aceitaria sem reclamar.
— Mas o que foi que você fez?
Eu perguntei. Em uma investigação de verdade, como a que eu planejava fazer ali, eu havia simplesmente levantado minhas mãos para cima e desistido. Entregar seu objetivo assim era simplesmente ficar à mercê do outro lado. Naquele momento, ela poderia decidir se me daria o que eu queria ou se começaria a manter o que eu queria como segredo, podendo até me ameaçar ou subornar com essas informações. Realmente, a última coisa que alguém na minha posição deveria fazer.
— Eu matei quatro adolescentes em um colégio.
Naquele momento, um choque sem igual passou pela minha espinha. A mulher de cabelos pretos e longos falou aquilo sem qualquer hesitação. Novamente, os papéis se inverteram, e ela tomou a atitude que me desarmou. Ela agora havia dado um motivo para mim, seu assassino, matá-la sem qualquer hesitação ou culpa, além de ter tirado das próprias mãos a única arma que poderia usar contra mim — que eu mesmo havia dado. Para mim, na minha visão, foi como se eu tivesse uma faca contra a garganta dela, mas, por livre e espontânea vontade, joguei a faca no chão. Mas a mulher, como uma mãe carinhosa, a pegou do chão, a colocou de volta em minhas mãos e disse que estava tudo bem.
— Por que você fez isso?
— Tem certeza que vai me perguntar isso?
Compaixão. Ao ouvir a história de alguém, há uma grande chance de se desenvolver compaixão por essa pessoa: reconhecer o sofrimento do outro e ter um desejo genuíno e ativo de ajudar a aliviá-lo. Para evitar a compaixão, é comum que assassinos não tentem ver seus alvos como humanos; carrascos evitem conhecer a história de suas vítimas. Quanto mais distante você permanecer de uma pessoa, maiores seriam as chances de conseguir matá-la, embora o oposto também seja possível e até mesmo mais comum.
— Então foi assim para você? Os matou sem os conhecer... sem nem saber o nome de suas vítimas?
— ...
Eu estava obviamente a provocando, tentando fazê-la falar. Não tinha como saber qual resultado isso daria e sabia os riscos que corria com isso, mas, ainda assim, eu o fiz. Talvez apenas para saciar uma vontade latente, talvez por egoísmo ou apenas tentando arranjar uma desculpa. Enquanto a via em silêncio, me perguntava várias vezes se aquela foi a melhor ideia, mas ainda assim era tarde demais para voltar.
— Você as escolheu apenas porque pareciam alvos fáceis, ou...?
— Não precisa continuar... Eu sei o que está tentando fazer. Se realmente quer saber, então eu vou contar.
A história que a mulher começou a contar a seguir seguiu por um caminho que eu jamais esperava. A primeira parte dela começou com ela relatando tudo em terceira pessoa, de forma alheia a tudo que falava.
Existia uma família feliz. Essa família era composta por uma mulher simples que viveu a maior parte de sua vida em um pequeno vilarejo de Alexandria, até que certo dia conheceu um homem bom e gentil que lhe prometeu a luz das estrelas. Eles logo se apaixonaram e juntos voltaram até o local de nascimento do homem: uma cidade luminosa, cujas ruas à noite brilhavam como a luz de estrelas, cheia de sons de carros, cheiro de fumaça e sons altos. Mas nada daquilo os incomodava, pois juntos eles só compartilhavam momentos de alegria. Certo dia, essa alegria brilhou ainda mais intensamente quando a mulher, em um de seus exames de rotina, descobriu que estava grávida. Mas, assim como uma estrela que brilha mais intensamente antes de morrer, essa felicidade logo começou a se esvair. Após seu filho nascer, foi descoberto que seu bebê nasceu com paralisia cerebral por complicações na hora do parto, e seus pais teriam que conviver com isso... Quer dizer, ao menos a mãe teria, pois, enquanto examinavam os pais para descobrir se isso poderia ser por conta de algum fator hereditário, descobriram que o gentil marido da singela mulher estava com câncer em estado terminal e logo, em cerca de seis meses, morreria.
Após contar aquilo, a mulher passou alguns minutos em silêncio, sem falar mais nada. Sem saber se aquela história era dela ou de alguém ligado a ela, não consegui falar para ela simplesmente continuar, e assim, apenas aguardei.
Logo depois, a mulher voltou a contar sua história, mas tendo feito um pulo de tempo proposital, pulando para quando o filho da mulher já possuía cerca de 15 anos, estava para entrar no colegial e o marido já havia falecido.
Aqueles foram dias difíceis. A mulher, que havia nascido em um pobre vilarejo humano de Alexandria, não possuía a educação básica provinda de escolas públicas como acontecia em Elysium. Por isso, conseguir emprego se mostrou uma tarefa quase impossível, tendo que fazer bicos como podia: atendente de mercado, garçonete, até catadora de lixo das ruas. Tudo para conseguir sustentar a si e a seu filho, que, por ser portador de uma condição especial, acabou exigindo mais atenção e dinheiro que uma criança 'normal' precisaria. Ainda assim, a mulher não deixava isso a abalar. Não importava o quanto ela fosse ridicularizada nas ruas, o quanto seu patrão a humilhasse por seus erros e falta de estudo, e o quanto homens maliciosos passassem suas mãos por seu corpo enquanto ela servia comidas e bebidas. A mulher, com sua resiliência, suportava tudo, sempre conseguindo se reerguer e se levantar ao chegar em casa e ver o sorriso de seu filho, o que sempre a fazia perceber que tudo valia a pena. Isso continuou dia após dia, até que então, como se o destino lhe pregasse uma peça, outro desafio apareceu, querendo jogá-la no chão: policiais vieram até sua casa para lhes contar sobre o suposto suicídio de seu filho.
Novamente, após aquilo, a mulher permaneceu em silêncio, mas dessa vez voltou a falar mais rápido que antes.
A mulher, desolada, não comia, não bebia; apenas ficou trancada em sua casa, no quarto de seu filho, sem sequer ver a luz do sol. Um dia, enquanto andava fraca, tropeçou no armário de seu filho, que deixou cair algo preso na parte de trás: um diário que ele deixava escondido. Quando a mulher viu aquilo, decidiu ler e aceitar seu destino. Se por acaso fosse ela quem causou toda a dor de seu filho, se lá ele a amaldiçoasse, desejasse que ela morresse, a mulher tinha decidido internamente que faria isso para se juntar a seu filho, mesmo que não fosse perdoada. Mas foi quando ela descobriu algo que jamais havia imaginado.
No diário estava descrita a vida escolar infernal que o garoto acabou tendo que passar nas mãos de quatro de seus colegas. O garoto era ridicularizado na escola por não poder andar e falar direito: viviam jogando água em suas roupas para dizer que ele havia se mijado; entregaram uma carta de amor para ele em nome da garota de quem ele gostava apenas para ver até que horas ele esperaria sozinho à noite; o faziam gastar todo seu dinheiro comprando coisas para eles; e até retiravam suas muletas para vê-lo se arrastando, tentando chegar a algum lugar. Todo dia era um inferno diferente. E o pior é que, mesmo sendo um inferno para ele, aqueles eram os únicos que ele podia chamar de 'amigos', uma vez que ninguém na escola — ninguém, nem mesmo professores, guardas ou outras crianças — tinha coragem de se aproximar dele. Antes, ele achava que isso se devia ao bullying, mas logo descobriu que era porque seu pai havia morrido de câncer, uma doença ainda não compreendida que carregava a incerteza de talvez ser transmissível. Os únicos que tinham coragem de se aproximar do garoto sem medo disso, por mais absurdo que parecesse, eram seus supostos 'amigos' que o atormentavam.
O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença.
Foi nisso que ele acreditou e continuou a acreditar enquanto vivia, sempre achando que poderia aguentar, que um dia talvez aqueles que o atormentassem pudessem vê-lo como amigo, ou ao menos parassem de tratá-lo tão mal. Mas foi quando eles chegaram no colégio que tudo piorou. No colégio, todos foram para o mesmo lugar de ensino, onde o garoto achou que voltaria a ficar ao lado de seus 'amigos' e passaria os dias como no fundamental. Mas foi lá que, talvez para poderem socializar ou então fugir de seu passado, até mesmo aqueles que o atormentavam começaram a ignorá-lo, a fingir que ele não existia. E o garoto se viu em meio à solidão. Ninguém o olhava nos olhos ou se aproximava dele. Ninguém falava com ele se não fosse obrigado, e quando ele ia até alguém, fingiam não ouvir. E aqueles que ele achava que eram seus 'amigos' agora nem mais o olhavam nos olhos. Foi quando o garoto percebeu que não havia escapatória para seu inferno. Ele achava que, se aguentasse a dor, um dia ela pararia, mas, ao invés disso, ela só ficou pior. Ele ainda tentou aguentar, mas quando finalmente ficou completamente sozinho, pôde prestar mais atenção em sua casa, em sua mãe, e percebeu o terrível fardo que ele era para ela. Não era só ele quem sofria por ter nascido daquele jeito; ele também era um peso que sua mãe tinha que carregar, um fardo que nem queria existir e só ocupava espaço. Um dia, ele seguiu sua mãe, fingindo ir à escola, apenas para vê-la sendo humilhada, abusada e ainda tendo que fazer trabalhos degradantes. Assim, o garoto se despediu em seu diário sujo e molhado de lágrimas, pedindo desculpa por ter nascido.
Ao ouvir aquilo, a mulher nem sabia o que dizer, o que pensar. Como poderia? Quem ela deveria odiar? Quem ela deveria culpar? Será que realmente havia um culpado? A mulher só se afundou mais e mais nas sombras, sem conseguir ver esperança. Mas foi quando, das sombras, algo novo aconteceu: enquanto estava derrubada na lama e na desilusão, uma garota de cabelos roxos e olhos negros como a noite apareceu diante dela. Usando uma pequena saia e uniforme escolar adornado por vários laços vermelhos, ela apareceu do completo nada. A garota lhe ofereceu 'algo', mas em troca desse 'algo' ela cobrou uma coisa diferente.
A partir daquele momento, a história da mulher saiu da terceira pessoa e voltou para ela, relatando tudo que havia feito, finalmente se revelando como a mulher — a mãe da história. Mas, de acordo com ela, já não era mais aquela mãe.
No momento em que a garota apareceu para mim e propôs o acordo, eu já não era mais quem era antigamente. Ao aceitar, algo mudou: meu coração se tornou vazio; meu corpo mudou para um que conseguisse me ajudar a fazer o que era necessário; meus cabelos se tornaram negros como a noite; meu busto cresceu; minhas curvas ficaram mais destacadas; minha mente se expandiu com mais conhecimento do que eu deveria ter. Mas, quanto mais eu era preenchida e decorada, mais algo dentro de mim se tornava vazio. Usando aquele conhecimento, usando tudo aquilo que a garota me deu, eu matei os 'amigos' do meu filho, um por um. Sabendo que não era isso que ele desejava, sabendo que não era isso que o traria de volta ou me traria satisfação, apenas o fiz para dar um propósito ou objetivo para aquela minha casca vazia que começava a vagar.
— Você se arrepende?
— ... Não.
— É por isso que não liga de morrer? Agora que terminou sua vingança?
— Ela não acabou... Os amigos dele morreram, mas houve outra pessoa, descrita naquele diário. Certo dia, em sua escola, um incidente envolvendo um fantasma aconteceu, e um grupo de aventureiros foi chamado para lidar com aquilo. Um desses aventureiros foi gentil com meu filho, disse que tudo ficaria bem, salvou-o daquele sofrimento por um dia inteiro.
— E o que tem ele? Vai agradecer a ele?
— ... Acha que existe algo mais cruel do que dar esperanças a alguém apenas para depois vê-la sendo arrancada de você?
Quando terminei de ouvir, notei que a expressão da mulher permanecia igual. Não era que ela aceitava qualquer resultado que saísse dali; ela simplesmente não se importava. Todas as suas ações eram vazias. Se ela morresse ou vivesse, se ela se vingasse ou não, nada fazia sentido.
— E você...? Por que você está aqui?
A mulher falava, me encarando, almejando por uma resposta, como se dissesse que agora havia chegado a minha vez.
Parte 2
Algum tempo antes da catástrofe de Threshold, no subterrâneo da cidade, Amarylis, Mio e Diane, que haviam fugido de Rasputin, chegaram à cidade inferior conhecida como Underworld. Aquela era apenas a primeira das cidades subterrâneas, mas já dava uma boa ideia do que se esperar de lá: várias batalhas acontecendo por toda parte. A cidade subterrânea foi criada em uma vasta caverna, conectada por diversos corredores e passagens que levavam a níveis superiores e inferiores. Sua aparência era marcada por uma iluminação artificial que variava entre um brilho quente e crepuscular, emanando de fontes distantes, e uma luz mais fria e noturna, pontuada por janelas acesas e o brilho azulado de torres. A arquitetura densa misturava edifícios de inspiração europeia, com telhados inclinados e detalhes em madeira, a elementos industriais pesados, como grandes canos, maquinários proeminentes sobre os telhados e estruturas metálicas. Por todas as direções, viam-se batalhas, mineradores, construtores, anões e, por mais incrível que parecesse, alguns gigantes que pareciam estar ajudando em obras, mas não pareciam viver nesse nível da cidade, pela ausência de casas enormes como as da superfície.
— Por acaso, este continente existe de verdade? — Mio falou, sem conseguir esconder o quão impressionada estava.
— Não temos tempo para isso, temos que ir logo! — Amarylis, carregando o corpo de Koala, reclamava com um tom de urgência.
Assim, elas corriam por toda a cidade. Torneios de luta aconteciam por todos os lados, como se fosse a coisa mais normal do mundo; crianças brincavam em meio à confusão. Mas, apesar da fumaça que saía das metalúrgicas, o ar não parecia incomodar, talvez graças às máquinas de exaustão que retiravam qualquer fumaça de lá.
“Entendi. As máquinas do subterrâneo produzem fumaça normalmente tóxica e nociva, mas os exaustores a mandam direto para a superfície, e aquelas árvores estranhas convertem e purificam essa fumaça tóxica naquele aroma que sentimos quando chegamos, assim como fizeram com a fumaça do trem”, Mio pensou, correndo, mas ainda se maravilhando com o lugar.
— Skadi!! — Amarylis gritava, correndo.
Mais à frente, em uma casa que parecia maior em relação às demais, estava acontecendo alguma confusão.
— Chega disso! Eu me recuso a permanecer aqui embaixo! Eu vou voltar lá para cima e foda-se o que pensam disso! Não vou ficar junto desses baderneiros só para a porcaria da eleição acontecer! — um homem musculoso e agitado falava, enquanto as pessoas se reuniam à sua volta. Homens com uma faixa azul com um símbolo branco nos braços e uma pedra azul ornamentada no pescoço começavam a se reunir em volta dele.
— Calma, Klein, você sabe que essas são as regras. Só fica calminho mais uns dias e logo você vai estar voltando — um deles falava, tentando acalmar o homem.
— E daí? Só para o ano que vem voltar de novo? Ou pior, se eles não resolverem as coisas dessa vez, voltar de novo ainda este ano? — Klein continuava a reclamar.
As pessoas à sua volta começavam a fofocar, reclamando: “Nossa, que idiota, o que ele acha que vai conseguir fazendo isso?”, “Deixa, não faz diferença, é só um idiota da superfície que não sabe como as coisas funcionam”, “Por que tem sempre que ter um exagerado desses durante as eleições?”. Eles continuavam, sem ligar para o fato de o homem estar os ouvindo.
— Chega, não aguento mais! Eu sei como são as regras muito bem: se eu quiser sair daqui, só preciso vencer um de vocês, Flame Reapers, não é? Então, vamos parar de perder tempo! — o homem enfurecido anunciou.
— Concordo, vamos parar de perder tempo.
Assim, saltando do teto da enorme casa, uma garota caiu bem no meio de todos. A mulher tinha uma aparência marcante: cabelos muito longos e esvoaçantes de cor branca que caíam até abaixo da cintura. Seus olhos estavam cobertos por uma venda preta rendada. Suas roupas eram uma combinação complexa: um tipo de hábito ou véu escuro na cabeça, enquanto o traje principal consistia em um top justo preto e branco com decote, uma seção central que parecia um espartilho, mangas curtas pretas e uma saia ou túnica curta escura com detalhes brancos, presa por anéis metálicos e cordões rosados na cintura. Ela usava meias escuras até a coxa, luvas pretas e manoplas ou braceletes metálicos ornamentados em tons de azul e prata nos antebraços.
Todos congelaram ao olhar para ela e rapidamente perderam suas falas.
— O que foi? Achei que queria acabar logo com isso.
Klein então sacudiu a cabeça e, irritado, saltou na direção da mulher sem hesitar. A mesma saltava e se movia graciosamente, deixando um rastro de neve por seu caminho.
— Droga! Falou sobre acabar logo com isso, mas vai ficar só desviando e deslizando? Ande logo com isso!
— É justamente isso que eu estou fazendo.
Assim, a mulher parou. O homem, tentando golpeá-la novamente, começou a deslizar sem perceber que a mulher estava congelando o chão onde tocava, fazendo com que ele perdesse o equilíbrio. Quando começou a tropeçar, a mulher se moveu em extrema velocidade e o chutou para dentro de outra casa, que ele atravessou, indo parar em uma segunda atrás dela.
— Droga! Ela fez de novo… — um dos homens com a faixa amarrada ao braço falou.
Assim, ela olhou para eles antes de começar a falar:
— Consertem logo isso e digam para ele ficar quieto a partir de agora e aceitar quando acordar.
Os homens foram, meio cabisbaixos e incomodados, como se já tivessem feito aquilo mais de uma vez. Assim, Amarylis e as outras, que estavam correndo até lá, chegaram finalmente na frente da misteriosa mulher.
— Skadi, por acaso não me escutou? — Amarylis falava pausadamente, sem fôlego por conta da correria.
— Eu escutei, mas não vi necessidade de responder, já que você estava vindo até mim de qualquer jeito.
Assim, as duas começaram a conversar enquanto, ao fundo, Mio se aproximava de Diane e começava a questioná-la.
— Ei, quem é essa garota?
— Ela é a Skadi, a comandante dos Flame Reapers. Enquanto na cidade de cima temos a Hilda e a força policial, na primeira cidade subterrânea temos a Skadi e os Flame Reapers.
— Entendi… — “Então, por isso aquela cena”, Mio pensou, observando o cara sendo retirado de dentro da casa onde havia sido jogado.
Enquanto observava, Mio sentia algo estranho: mesmo com Skadi com os olhos cobertos por uma faixa, ela sentia que estava sendo observada diretamente por ela, mesmo com a mulher conversando com Amarylis, fazendo-a se perguntar se Skadi era realmente cega.
— Amarylis, por que você trouxe uma forasteira até aqui?
— Eu tenho motivos, já disse. Se você me deixar explicar, pelo menos.
Assim, Amarylis começou a contar sobre tudo que estava acontecendo: o misterioso ataque por forças desconhecidas, a porta no subterrâneo, o trancamento da mansão e a batalha de Raikou contra Rasputin.
— Tá, e daí? Veio aqui pedir nossa ajuda para limpar a sujeira da superfície? — Skadi comentou após escutar tudo.
— Dá para esperar eu terminar? Eu não quero pedir isso. Ao invés disso, eu quero que você mova os demais moradores da cidade para as camadas mais abaixo.
— Quê? Por acaso ficou idiota? — Mio e Diane, observando quietas ao fundo, também ficaram surpresas, sem saber que esse era o objetivo de Amarylis.
— Como você mesma disse, é nossa responsabilidade cuidar de tudo, mas isso vai ficar muito difícil enquanto estivermos lutando e mais loucos e encrenqueiros como o Raikou resolverem aparecer e transformar tudo em uma guerra.
— Impossível. Mesmo que eu entenda o que você quer, mover todo mundo não é tão fácil, e a cidade do nível 3 ainda não é capaz de suportar todo mundo daqui. Teríamos que dividir, levando alguns para as cidades ainda mais baixas, e se conseguir a colaboração com o nível 3 já é difícil, conseguir que todas as outras colaborem é impossível.
— Vamos lá, Skadi, não tem outra maneira. Ou é isso ou é guerra.
— Não adianta me pedir o impossível também.
— Mas é meio que culpa de vocês também, sabia? O Raikou, que saiu daqui e foi fazer mais confusão… não eram vocês que deveriam impedir isso?
Na hora que Amarylis falou isso, Skadi começou a emanar sua aura azul de éter, o que fez com que todos na área ficassem imóveis e quietos.
— Tá, calma, não foi isso que eu quis dizer, mas… ah, vamos lá, quer mesmo que tantas pessoas sejam pegas nessa confusão?
Skadi ficou em silêncio por um tempo, depois começou a caminhar na direção de Amarylis, que ficou com medo de ter feito alguma bobagem. Mas quando Skadi ficou diante dela, levou sua mão para o rosto de Koala.
— O que aconteceu com ela?
— O pai dela morreu, foi vítima de um dos invasores. Agora ela está sozinha no mundo, algo que só vai se repetir com muitas mais crianças se nada for feito.
Skadi passava a mão pelo rosto da garota, escutando aquilo, e uma memória antiga lhe vinha à mente: uma memória dela quando criança, andando por aquelas mesmas ruas, mas com suas roupas sendo trapos, sozinha, carregando apenas um urso de pelúcia.
— Tá, tudo bem. Vou ver o que posso fazer…
— Sério?
— Mas já aviso que não prometo nada.
Mio, enquanto via tudo e percebia que, apesar de ser forte e dura, por dentro Skadi deveria ser alguém sensível e gentil, olhava para o teto, se perguntando o que havia acontecido com Beatrice e se ela estava bem.
Parte 3
Ao mesmo tempo, dentro da Mansão Winchester, os demais Scarlune, que vagavam em busca do assassino, continuavam sua investida no mistério, até que, de repente, Akira e Hilda se encontram bem em frente ao quarto de Love.
— Se vocês estão aqui, suponho que também devam ter descoberto algo — perguntou Akira.
— Sim, já descobrimos a identidade do assassino. Mas é curioso... se você sabe disso, deve saber também que ele não se encontra aqui — respondeu Hilda.
Ambos, visivelmente, velavam suas intenções e palavras em suas atitudes, mas a tensão só crescia.
— QUE MERDA! Até quando vão ficar nessa? Andem logo com isso! — explodiu Kai, que estava ao lado, de raiva.
— Hmm... Bom, não gosto muito de pessoas barulhentas, mas devo concordar. Acho que agora não é hora para isso — disse Akira.
— Concordo.
Então, ambos abriram a porta, quebrando a ilusão e dando de cara com a sala de máquinas, que servia para acionar a abertura da passagem subterrânea.
— Interessante, ele não está aqui… — disse Akira.
— Parece que ele também notou que já havíamos descoberto tudo e tomou alguma outra medida — Hilda concordou e acrescentou.
— Merda! Que tal só me dizerem o que está rolando? — Kai buscava informações, e assim Akira começou a explicar.
— Como você já sabe, o culpado e responsável pela morte de Lorelei foi Love. Ele tinha os motivos e os meios. Quando chegamos a essa conclusão, precisamos voltar e rever todas as ações dele. Se ele realmente fez tudo isso, já estava planejando este incidente há muito tempo. Sendo assim, por que fazer agora? E o que exatamente ele quer? Não pode ser só nos assassinar, pois ele não precisaria de tanto tempo. Para entender, precisamos rever todas as informações sobre ele, começar a duvidar de coisas óbvias como, por exemplo: por que o quarto de Love é o único que não está na ala dos quartos e dormitórios? Não faz sentido, já que ele é o responsável e deveria dormir em um lugar próximo, para que, se algum dos líderes precisasse resolver algo, tivesse fácil acesso a ele.
Kai começava a entender.
— Mas, bem mais que isso, por que apenas o quarto dele ficava em um lugar tão longe? Talvez porque não fosse o quarto dele, e sim a sala de máquinas. Ele passou todas as noites, de todas as reuniões, estudando e aprendendo como este lugar funcionava. Eu não sei como, mas ele conseguiu convencer a todos nós de que este lugar era seu quarto e de que a sala de máquinas não existia. Mas agora que abrimos a porta e vimos o interior, começamos a nos lembrar da existência dela, por isso voltamos a recordá-la.
— Mas por que ele fez isso?
— Bom, só tem algo nesta sala que valeria tanto esforço: a porta subterrânea. Ela só pode ser aberta por aqui sem que os sistemas de segurança sejam armados. Acredito que ele esteja tentando abrir as portas de Avalon.
— Mas por que fazer isso? — Kai continuava em dúvida.
— Essa é uma boa pergunta. Ele fez tudo até agora: o assassinato, o fechamento da mansão, o atraso nas eleições... tudo para isso.
— Espera, como assim, "tudo"?
Mas, dessa vez, começando a sanar as dúvidas de Kai, Hilda falou:
— O jeito dele de explicar tem sempre que ser se gabando, pelo visto, em vez de ser direto. Vou simplificar: Love atrasou as eleições para poder continuar no posto onde poderia gerenciar todos os Scarlune com sua posição, saber onde todos estavam e ter uma desculpa para ficar tanto tempo na mansão. Ele matou Lorelei para ter um pretexto para fechar a mansão, impedindo a gente de sair e frustrar seu plano, já que não basta apenas abrir as portas de Avalon. Alguém que não seja Scarlune é o único que pode entrar, ou seja, seu parceiro está lá fora agora, esperando a porta ser aberta, enquanto os mais fortes de nós ou estão presos na mansão ou impedidos de ir para a superfície para detê-los.
— Então, ele realmente fez tudo até agora para isso… Mas o novo assassino apareceu, colocando-o numa saia justa, já que ele achava que poderia nos fazer perder tempo. Se o outro assassino começasse a matar desgovernadamente ou se revelasse quem era, nós notaríamos tudo, o capturaríamos, sairíamos da mansão e deteríamos seu parceiro — logo Kai também entendeu tudo.
— Mas eu não esperava que você conseguisse entender tudo tão rápido, Hilda. Então, esse é o poder desse seu Devil Eye na prática? — disse Akira, quando, de repente, uma outra voz começou a falar.
— Bravo! Bravo! Não é que vocês conseguiram entender tudo perfeitamente?
Todos se viraram ao mesmo tempo, deparando-se com um rosto que não deveria estar ali.
— Olá, senhores e senhoritas. Meu nome é Rasputin. Acredito que seja o parceiro de Love a quem vocês estavam se referindo até então. Sobre o fato de vocês perderem memórias e ficarem confusos sobre algumas coisas, eu tomo total responsabilidade, já que meu poder permite fazer certas sugestões às pessoas, como "esqueça-se de algo" ou "aquilo sempre foi desse jeito". Ou, para uma demonstração mais clara...
Ele então olhou para Mikasa.
— Mate todos eles.
Assim, Mikasa tirou de sua roupa de empregada um par de lâminas e avançou em Akira, perfurando seu peito.
— Seu merda!
Kai saltou e teleportou-se para cima de Rasputin, acertando-o com um chute, enquanto o homem de terno e cartola, como um mago, parava o golpe com facilidade. Então, ele estalou os dedos e apontou para Kai, cujo corpo começou a ser rasgado, cobrindo-se de feridas.
— Agora, a última!... — Rasputin falou, em busca de Hilda, que havia desaparecido e, ressurgindo ao lado dele segurando um rifle Winchester ornamentado, atirou na cabeça de Rasputin. Em seguida, retirou de sua saia outro rifle, magicamente, e atirou com as duas armas em Rasputin, sem misericórdia.
Já Kai, sangrando, foi na direção dele e começou uma sequência de golpes: chutes, socos, sempre focando em puxá-lo de volta para não ter que parar de golpear, como um animal feroz vendo o sangue de Rasputin jorrar.
“Se sobreviveu ao tiro na cabeça, aposto que é do tipo que não morre fácil! Então, vou te massacrar de novo e de novo, até você mesmo desejar morrer!” Kai pensava enquanto continuava com sua sequência de golpes.
— Droga! Minhas habilidades não são boas para combates diretos assim.
A fúria de Kai era palpável, seus golpes chovendo sobre Rasputin como uma tempestade de granizo. O sangue que escorria do ferimento na cabeça do mago apenas alimentava a selvageria do ataque. Contudo, mesmo sob a saraivada, um sorriso fino e divertido curvava os lábios de Rasputin.
— Tsc, tsc... — estalou a língua, o som quase inaudível sob os impactos. Com um movimento fluido da mão livre, agarrou telecinéticamente o punho de Kai no ar, a centímetros de seu rosto. A força do golpe foi anulada instantaneamente. — Quanta paixão bruta garoto. Admiravelmente inútil.
Com um gesto desdenhoso, Rasputin arremessou Kai telecineticamente. O corpo do rapaz voou pela sala apertada, colidindo violentamente contra um painel de controle cheio de fios e manômetros. Faíscas explodiram, e o som de metal retorcido ecoou no ambiente confinado.
— Agora... onde estávamos? Ah, sim... — Rasputin voltou sua atenção fria para as outras figuras na sala, ignorando momentaneamente Kai que tentava se reerguer dos destroços. Seu olhar pousou em Mikasa, ainda parada como uma boneca sinistra. — Mikasa, minha cara marionete. A dama com os olhos peculiares parece precisar de uma dança mais... íntima. E quanto ao nosso gênio venenoso, talvez seja hora de calar suas observações permanentemente.
Hilda e Akira se alarmam ao perceber que Rasputin tinha informações sobre eles.
Com velocidade sobrenatural, Mikasa girou sobre os calcanhares. Suas lâminas saíram das dobras do uniforme de empregada não mais como um par, mas como um leque mortal de aço brilhante, avançando sobre Hilda.
Hilda, processava a ameaça iminente com a velocidade de um supercomputador — acho que vou ter que aproveitar um pouco mais do registro de Dante —, Assim ela reagiu no último instante. Jogou-se para trás, rolando por baixo de um cano de vapor. No ápice do rolamento, já estava com outro rifle Winchester materializado, puxado da escuridão densa sob uma grande caixa de engrenagens. O tiro ecoou, uma bala de cristal de éter zunindo não para matar, mas para desviar a trajetória de Mikasa, ricocheteando inofensivamente em uma viga de metal próxima ao ombro da garota.
— Jackpot — murmurou Hilda para si mesma mais de uma forma ainda fria, a mente trabalhando freneticamente. Ela sabia que lutar a sério contra Mikasa era sem sentido, e que o mago estranho era a prioridade.
Enquanto isso, Kai levantava dos destroços do painel, o corpo coberto de arranhões e fuligem, somando-se às feridas abertas pelo estalar de dedos anterior. Um filete de sangue escorria do canto de sua boca, mas seus olhos queimavam com uma intensidade renovada, uma compreensão surgindo em meio à raiva. Força bruta e velocidade linear não bastavam contra a telecinese precisa de Rasputin. Era hora de lutar de forma inteligente, à sua maneira.
— Mágico de circo, hein? — Kai cuspiu sangue no chão, um sorriso torto e desafiador se formando. — Vamos ver se você consegue acompanhar a minha mágica!
No instante seguinte, Kai desapareceu. Não um teleporte simples para outro ponto, mas uma distorção espacial. Ele encurtou a distância entre seu punho e as costas de Rasputin quase a zero, aparecendo já em pleno golpe. Rasputin, pego de surpresa pela aplicação inusitada do poder, girou, erguendo uma barreira telecinética no último milissegundo. O impacto ainda o fez dar um passo vacilante para trás.
— Oh? Usando o espaço de forma mais... criativa? — Rasputin pareceu genuinamente intrigado, a diversão em seus olhos ganhando uma centelha. — Fascinante!
Kai não deu trégua. Começou a se mover pela sala, não apenas se teleportando, mas manipulando as distâncias. Seus socos e chutes vinham de ângulos impossíveis, a distância entre ele e Rasputin flutuando erráticamente. Ora ele estava do outro lado da sala, ora seu cotovelo estava a um milímetro do rosto do mago, tendo cruzado o espaço instantaneamente. Ele teleportava durante os combos, aparecendo acima para um chute descendente, sumindo antes de Rasputin contra-atacar, aparecendo ao lado para um gancho.
Rasputin foi forçado a uma defesa mais ativa. O sorriso debochado permanecia, mas agora havia concentração em seus olhos. Ele começou a usar o ambiente contra Kai. Com gestos amplos e teatrais, arrancou canos das paredes, arremessando-os como projéteis. Engrenagens pesadas voaram pelo ar. O chão de metal gemeu quando ele tentou prender os pés de Kai com placas de piso retorcidas.
— Você é mais resiliente do que sua aparência sugere, garoto! Uma verdadeira barata irritante! — zombou Rasputin, desviando de um chute que pareceu vir de lugar nenhum.
A sala de máquinas tornava-se um caos. Vapor sibilava de canos rompidos, criando uma névoa esporádica. Luzes de emergência piscavam erraticamente. O som da batalha — metal contra metal, disparos de Hilda, impactos telecinéticos, a respiração ofegante dos combatentes — era ensurdecedor.
Hilda, por sua vez, mantinha Mikasa ocupada em uma dança mortal. Usava as sombras e a complexidade da maquinaria a seu favor, sumindo e aparecendo, com seus rifles surgindo de fendas escuras, atrás de painéis, até mesmo brevemente de dentro de um duto de ventilação aberto. Alternava entre balas perfurantes e explosivas — estas últimas usadas com cuidado para criar espaço ou desequilibrar Mikasa sem causar dano letal, explodindo no chão ou em paredes próximas. Mikasa se movia com uma precisão assustadora, desviando, bloqueando disparos com suas lâminas em movimentos que desafiavam a física, sempre buscando o combate corpo a corpo.
Akira, apoiado em uma parede, observava tudo com olhos aguçados apesar da dor lancinante no peito. Sua mente analítica processava a luta em alta velocidade. Ele notou o movimento de Rasputin, os gestos amplos, mas também a forma como seus olhos seguiam Kai atentamente durante os ataques espaciais mais complexos. E percebeu a ligeira hesitação de Mikasa quando Hilda gritou seu nome.
— Hilda! O controle dele não é absoluto! Continue pressionando-a! Kai! Ele precisa de foco visual para os ataques mais fortes! Quebre a linha de visão, force-o a dividir a atenção! — gritou Akira, a voz rouca pela dor.
Rasputin ouviu e seu sorriso que se desfez, substituído por uma carranca de irritação e foco mortal
— Chega de aquecimento. — Sua voz perdeu o tom performático, tornando-se fria e pesada.
No exato momento em que Kai teleportava para um ataque vindo de cima, Rasputin ergueu ambas as mãos. Uma onda de força telecinética invisível, mas esmagadora, atingiu Kai em pleno ar. Ele foi esmagado contra o teto baixo da sala de máquinas com um baque surdo e depois arremessado violentamente contra o chão, quebrando as placas metálicas sob o impacto.
Antes que Kai pudesse reagir, Rasputin estalou os dedos novamente, o som nítido ecoando acima do caos.
— Já que gosta tanto de se contorcer pelo espaço... que tal sentir seus próprios órgãos fazendo o mesmo?
Kai sentiu. Não eram mais apenas cortes superficiais. Era uma dor profunda, visceral, como se algo estivesse sendo rasgado dentro dele. Seus músculos se contraíram involuntariamente, a visão escureceu por um instante. A maldição de Rasputin estava agindo, so que agora derretendo seus orgãos.
Mas, no fundo da dor, a raiva e a teimosia de Kai rugiram mais alto. O pensamento de perder para aquele desgraçado arrogante era insuportável. Ele viu o sorriso triunfante de Rasputin.
— Você... acha... que isso... é o suficiente?! — grunhiu Kai, dentes cerrados, sangue e suor misturando-se em seu rosto.
Com um esforço monumental de vontade, ignorando a agonia interna, Kai focou seu poder de uma forma desesperada e brutal. Ele não tentou teleportar para longe da dor, nem para atacar Rasputin à distância. Em vez disso, ele colapsou o espaço entre eles. Num piscar de olhos, a distância de vários metros que os separava deixou de existir. Impulsionado por pura fúria e adrenalina, Kai lançou-se para frente, atravessando a dor da maldição, em uma investida suicida, um puro impacto físico, mirando diretamente no centro de massa de Rasputin, buscando quebrar sua postura, sua concentração, seu controle.
O impacto foi brutal. Rasputin, pego de surpresa pela investida direta e pela velocidade quase instantânea, não teve tempo de erguer uma defesa telecinética completa. O corpo de Kai colidiu com o seu com a força de um aríete, assim kai teleportou os dois fazendo com que eles caissem de cima usando a gravidade para esmagar rasputin no chão.
— Não ouse me subestimar seu merda!
Impacto Sismico!
Assim, enquanto caíam sobre o chão, Kai usava seu ether em seu braço que ia para trás e afundava contra o corpo de rasputin o esmagando ainda mais, atravessando o chão reforçado e caindo dos andares da mansão até o porão.
Parte 4
Minutos antes do confronto no porão da mansão, Delta estava caída, ferida. Triunfante, Heisen pairava sobre ela, uma lâmina esverdeada em mãos, o olhar fixo na adversária.
— Interessante... Então esse é o poder do seu Devil Eye? — Delta questionou, um sorriso frio nos lábios. — Realmente, devia ter imaginado que algum Scarlune teria um poder tão... peculiar e perigoso quanto um Devil Eye.
— Quem diria... — Heisen respondeu. — Então nem mesmo os membros da Horizon descobriram o segredo dos Devil Eyes, garota?
Heisen manteve sua postura altiva.
— Que segredo seria esse? — Delta indagou, desconfiada.
— Existem alguns truques — Heisen revelou, saboreando a informação — para identificar se olhos podem se tornar Devil Eyes ou não, minimizando os efeitos colaterais mais... incômodos.
— Isso é impossível! — Delta retrucou.
— Errado. Eu consegui descobrir. — Heisen corrigiu. — Pois bem, acho que posso lhe contar.
— Até parece que vou perder tempo escutando sua palestra! — Desdenhou Delta,
Assim ela correu lançando-se contra ele. Sacou uma faca, mirando um corte rápido, mas Heisen foi mais veloz. Ele desviou a lâmina com a sua própria arma e, num movimento súbito, chutou o ar atrás de si, interceptando outra Delta, que estava invisível, e avançava furtivamente.
'Como ele...?' Delta pensou, chocada.
Ignorando a surpresa dela, Heisen continuou, como se estivessem numa tranquila discussão acadêmica:
— Tudo começou com uma dúvida minha: por que alguns olhos se tornam Devil Eyes e outros não?
Delta mal podia acreditar. Ele realmente pretendia continuar a explicação no meio da luta?
— Mesmo que saiba disso, por que está dividindo informações com a inimiga?! — Delta perguntou, exasperada.
— Nunca lhe contaram? — Heisen replicou, quase divertido. — A ciência e o conhecimento só podem avançar quando a humanidade compartilha e repassa sua sabedoria.
— Mesmo que isso cause a sua morte? — Delta insistiu.
— Se minha vida só pode continuar ao custo de estagnar o avanço do conhecimento humano, então será realmente melhor que eu morra — Heisen respondeu, sem qualquer hesitação na voz.
O ar estalou com a tensão. Delta, recompondo-se com uma agilidade felina apesar dos ferimentos, rosnou:
— Palavras bonitas para um homem prestes a morrer!
Ela se lançou novamente, não com uma, mas com três facas em um leque mortal. Heisen, com um sorriso mínimo, moveu sua lâmina esverdeada numa série de paradas precisas, o metal cantando a cada encontro. Ao mesmo tempo, ele recuou, a poeira do porão subindo aos seus pés.
— Morrer? Minha cara, a ignorância é uma morte muito mais lenta e dolorosa — replicou Heisen, sua voz calma ecoando pela cripta. Ele girou o corpo, a lâmina agora apontando para o teto decrépito. — Veja bem, o processo de imbuir o corpo com Éter, essa energia de alteração que você tanto gosta de esbanjar, é inerentemente arriscado. Uma alteração espontânea pode ocorrer, deformando o corpo para sempre. Com os olhos, o perigo é ainda mais... concentrado.
Delta aproveitou a momentânea distração verbal dele para tentar uma finta. Duas imagens dela saltaram para os flancos de Heisen, enquanto a verdadeira Delta tentava um golpe baixo, rastejando por entre as sombras das tumbas.
CLICK.
Heisen não se moveu, mas o chão sob uma das ilusões de Delta cedeu com um estalo seco, a pedra se esfarelando como biscoito velho. A ilusão tremeluziu e desapareceu.
Heisen nem pareceu se importar com seus olhos, ainda de encontro a verdadeira Delta. — Quando o Éter é infundido em um olho, três resultados são possíveis. O primeiro, e mais comum infelizmente, é uma mutação. O olho se torna disforme, cego, monstruoso... uma decepção estética e funcional.
Ele avançou, sua lâmina se tornando uma barreira verde que forçou Delta a recuar para perto do caixão de cristal. Ela tentou usar o esquife como cobertura, lançando um olhar furtivo para o corpo etéreo lá dentro.
— Blá, blá, blá! Que tal um pouco menos de aula e mais ação, professor? — zombou Delta, jogando um punhado de poeira nos olhos dele para ganhar uma fração de segundo.
Heisen piscou, impassível, a poeira parecendo não o afetar.
— A segunda possibilidade é a morte. Um resultado... definitivo e, francamente, um desperdício de potencial. Mas a terceira, ah, a terceira é a joia da coroa: o Devil Eye. — Sua lâmina se expandiu levemente, brilhando com uma luz interna, e ele a cravou no chão entre eles, a vibração fazendo mais poeira cair do teto. — Um olho imbuído de poderes especiais, quase como um objeto vivo, um pacto em miniatura com as próprias forças da alteração. Como o meu, que lhe permite enxergar e aplicar... fraquezas.
Delta rangeu os dentes. A menção direta ao poder dele a irritava. Ela fez um rápido e discreto movimento com os dedos, quase imperceptível. De repente, uma adaga surgiu em sua mão, não uma que ela carregava antes, mas uma com um brilho estranhamente familiar ao da lâmina de Heisen, embora menor e mais escura. Ela a arremessou.
Heisen inclinou a cabeça, a adaga passando a centímetros de seu rosto e se cravando em uma parede de pedra atrás dele.
“Interessante. Uma manifestação efêmera de uma linha temporal divergente, talvez? Engenhoso, mas um tanto óbvio para quem entende os princípios da manipulação do Éter. Ainda assim, perigoso”. — Heisen pensava enquanto puxava sua espada do chão. — Minha pesquisa, no entanto, revelou um padrão crucial, algo que escapou à sua organização terrorista, e a todo resto da humanidade. Se uma pessoa encanta seu olho com Éter repetidamente e ele não se transforma nas primeiras tentativas, as chances de se tornar um Devil Eye sobem para uns impressionantes 80%.
Ele avançou, e desta vez, seus movimentos eram mais agressivos. Cada parada de sua lâmina parecia testar a força de Delta, cada finta parecia explorar uma abertura que ela nem sabia que existia. Ela se viu constantemente na defensiva, a agilidade dela sendo metodicamente neutralizada.
— Curioso, não? A persistência gera a recompensa, ou, neste caso, a resistência à transformação imediata indica uma afinidade maior com o poder latente, em vez de uma simples e caótica mutação. — Heisen a pressionou contra o caixão de cristal. O corpo etéreo lá dentro parecia tremeluzir por um instante.
Delta tentou um chute lateral, mas Heisen pareceu antecipar, seu pé bloqueando o dela no meio do movimento, fazendo-a perder o equilíbrio por um momento crucial.
— Droga não deveria ter mais respeito a esse caixão ? o corpo de dentro dele e da ancestral de vocês não ?
Delta gritava reclamando tentando criar uma abertura, mas Heisen simplesmente a ignorava e continuava sua aula.
— É claro, esperar por essa 'resistência natural' é tedioso e ainda arriscado demais para meu gosto. Por isso, aperfeiçoei o processo. Ao infundir o Éter diretamente no núcleo do olho, sob condições controladas e por um período específico, pude acelerar os efeitos. Assim, logo na primeira tentativa, é possível discernir o destino daquele olho: mutação, morte... ou glória.
Ele girou, e a lateral de sua lâmina atingiu o ombro de Delta, não com força para quebrar ossos, mas o suficiente para enviá-la cambaleando para longe do caixão, em direção a uma área mais aberta do porão, repleta de pilares de sustentação corroídos pelo tempo.
— E é por isso, minha cara — continuou Heisen, sua voz agora tingida com uma superioridade fria enquanto ele a seguia calmamente, sua lâmina esverdeada em guarda baixa —, que sua agilidade, antes tão impressionante, agora parece... — ele fez uma pausa dramática, seus olhos focando intensamente nela — ... comprometida.
Delta tentou saltar para trás, para se apoiar em um dos pilares, mas seu pé escorregou de forma incomum, o movimento pareceu subitamente desajeitado, menos preciso. Ela olhou para baixo, confusa.
Heisen sorriu levemente.
— Eu apliquei uma fraqueza ao seu equilíbrio, mais especificamente à sua propriocepção. Um pequeno ajuste na forma como seu cérebro interpreta a posição do seu corpo no espaço. Fascinante, não é? A ciência por trás da queda. Agora, que tal continuarmos esta... demonstração prática?
E, atravessando o teto em queda livre, o corpo de Rasputin caiu, causando um enorme estrago na sala, junto com os destroços dos andares superiores que o seguiram e também começaram a desabar.
— Droga!
Rasputin, no chão, levantava-se com dificuldade.
— Tá brincando? Você já foi derrotado? — Delta falava com ele sem tirar os olhos de Heisen, enquanto os demais começavam a descer também.
— Parece que chegamos ao fim da brincadeira — Heisen falava enquanto Akira, Kai e Hyori apareciam abaixo, deixando a inconsciente Mikasa no andar de cima.
— O que vamos fazer agora, Delta? — Rasputin, ainda no chão, perguntava.
— E como eu vou saber?! Nada disso teria acontecido se você não tivesse brincado quando não devia! Droga, nenhum de nós é combatente, seu idiota! — Delta repreendia Rasputin.
— Acho que vamos precisar de uma cavalaria para nos socorrer, hein? — Rasputin falava quando, de repente, um tremor enorme aconteceu. Assim, toda a mansão começou a girar e balançar. A força centrífuga era tão grande que eles foram arremessados contra as paredes, depois o teto e o “chão”, em um frenesi tão intenso que os móveis da mansão começaram a ser arrancados do lugar e jogados de um lado para o outro.
— Que merda tá acontecendo aqui?! Quem deles fez isso? — Kai perguntava sem entender.
Assim, o pandemônio se instalou instantaneamente. Móveis pesados de mogno e carvalho voavam de forma enlouquecida, esmagando o que encontravam pela frente. Quadros valiosos despencavam das paredes, o vidro estilhaçando-se em miríades de fragmentos cortantes. Nas cozinhas, a porcelana e a prataria transformavam-se numa cascata metálica e cerâmica, um estrondo agudo sobrepondo-se ao barulho grave da estrutura sendo abalada. A sensação era de completa impotência, um terror visceral enquanto o mundo sólido se tornava líquido e imprevisível.
Heisen fincou sua espada no chão para permanecer imóvel em meio ao frenesi. Kai se teleportava para escapar de tudo que era lançado contra ele, sem poder parar por um segundo sequer. Akira, tirando a mão da luva, tocava nas coisas que vinham em sua direção e as derretia. Enquanto isso, Hyori usava sua agilidade para se esquivar, embora tropeçasse muito, o que fazia com que ela frequentemente fosse atingida por destroços. Mas ela continuava tentando se levantar sem ceder, sabendo que seria completamente esmagada caso parasse.
Assim todos ouvem um gemido metálico e estrutural, seguido por uma pausa tensa. Foi quando todos entenderam que a mansão havia sido arrancada de suas fundações. A mansão, com todos dentro, foi erguida aos céus, girando como um brinquedo macabro nas garras de um tufão.
Dentro, a experiência transcendia o pesadelo. Era como estar dentro de um liquidificador colossal. As pessoas eram arremessadas de um lado para o outro, colidindo com paredes, tetos e o que restava dos móveis, que agora também voavam em todas as direções. A força G era brutal, ora esmagando-os contra uma superfície, ora dando-lhes uma terrível sensação de leveza enquanto a casa era arremessada para cima. A desorientação era total; não havia mais "em cima" ou "embaixo", apenas um turbilhão caótico de movimento e destroços.
O barulho era uma sinfonia dissonante do inferno: o uivo do vento, o ranger da estrutura sobrenaturalmente resistente que se recusava a desintegrar-se completamente, os estrondos de objetos colidindo violentamente.
A sensação de estar vivo era um milagre questionável. A estrutura da mansão, com sua resistência quase mágica, impedia que fosse pulverizada no ar, mas essa mesma resistência prolongava a agonia dos que estavam dentro. Cada segundo era uma eternidade de violência física e terror. Estar consciente era quase uma maldição, pois significava experimentar plenamente a sensação de ser triturado, sacudido e jogado no vazio. Assim, a casa foi lançada com toda a força até que finalmente se tornou escombros sobre as raízes de uma colossal árvore.
Um silêncio aterrador surgiu. Todos finalmente começaram a se levantar e a se encarar, sem entender o que havia acontecido. De repente, mais sons de vidro foram ouvidos e a realidade começou a se quebrar. Eles acreditaram que a confusão só iria piorar quando, de repente, dentro da fissura, a figura de Dante emergiu, mas em um estado completamente acabado e destruído.
Parte 5
Presente. Ruínas da Antiga Threshold.
Um vácuo escuro e silencioso. Então, uma fisgada de luz começou a adentrar em seus olhos. Assim Hilda emergiu da inconsciência, a dor explodindo em sua cabeça como um trovão.
— Mas o quê… ugh?!
Ao forçar os olhos a se abrirem, cada piscar um latejar agudo, ela absorveu o cenário de pesadelo: não o campo de batalha familiar, mas uma floresta densa, quase sufocante, pulsando com uma energia palpável e estranha – Éter denso e pesado. Fadas, como fragmentos de luz perdida, esvoaçavam por entre as árvores, indiferentes ao seu sofrimento. O ar carregava o cheiro de terra úmida e algo mais... antigo, primordial.
— Comandante, mantenha a calma. Você ainda não está em condição para caminhar.. — a voz de Levy, tensa mas firme, cortou o zumbido em seus ouvidos.
Hilda virou a cabeça, o movimento enviando novas ondas de agonia. Levy estava ali, o rosto pálido e sujo, mas os olhos focados.
— Levy... o que... o que aconteceu? Onde estamos?
— Eu também não sei. Num instante, eu tentava alcançar o centro da batalha... no outro, o mundo se desfez. Tudo começou a se contorcer, a se rasgar, e então... isto.
— Eu... minha memória é um borrão. — Hilda levou a mão à cabeça, sentindo o cabelo empapado. Ao afastá-la, viu o vermelho vivo manchando seus dedos. O horror se intensificou ao notar o estado da perna de Levy: uma massa disforme de carne e tecido rasgado, um torniquete improvisado mal contendo o sangue que teimava em fluir.
— O quê?! Levy, você... você também está ferida! Agh!
Ambas eram vítimas da violência do cataclismo, a pele marcada por feridas abertas que ardiam como ferro em brasa. Mesmo assim, Levy, com uma teimosia que beirava a loucura, continuava a arrastar Hilda, cada passo um esforço sobre-humano que lhe arrancava gemidos contidos.
— Eu preciso... eu tenho que fazer isso... — Levy murmurou, os dentes cerrados. — Não vou mais ficar assistindo, impotente...
Hilda, engolindo a própria dor e o nó de admiração e preocupação que se formava em sua garganta, silenciou. Ambas. Cambaleiam por entre a vegetação opressora até que, como uma miragem em meio ao desespero, surgiram duas figuras no meio da floresta Densa: um de seus homens, com o rosto marcado pelo choque, e um spriggan, cuja expressão indecifrável era quase reconfortante em sua estranheza.
— Comandante!
O alívio na voz do soldado era palpável. Logo, Hilda e Levy foram amparadas e conduzidas a uma pequena clareira, um bolsão de relativa calma no caos. E ali, recostada em uma raiz exposta, estava Yuri. Ferida, sim, mas visivelmente inteira. Viva.
Ao vê-la, algo em Levy se rompeu. A fachada de controle, a força obstinada, tudo desmoronou. Ela disparou, um borrão de movimento impulsionado por uma urgência que transcendia sua própria dor, antes que Yuri pudesse sequer processar a cena. Levy a enlaçou num abraço que tirava o fôlego, quase esmagador, enterrando o rosto no ombro dela, o corpo sacudido por soluços convulsivos.
— Capitã! — Yuri exclamou, o rosto corando instantaneamente, a surpresa e a confusão misturando-se a uma onda de calor que não sabia nomear. Ela sentiu a umidade das lágrimas de Levy em sua farda.
— Que bom... ah, que bom... — a voz de Levy era um murmúrio embargado, quebrado pela emoção crua. — Obrigada... obrigada por estar viva...
Yuri, ainda atordoada, apenas começou a acariciar instintivamente os cabelos de Levy, sentindo os tremores que percorriam seu corpo. O porquê daquela explosão de afeto desesperado ainda era um mistério, mas a sinceridade doía em seu próprio peito.
Aos poucos, a torrente de emoções cedeu lugar a uma exaustão compartilhada. As conversas fragmentadas começaram a tecer um padrão: ninguém foi capaz de compreender o pesadelo que haviam vivido.
— Entendi... então ninguém faz a menor ideia do que realmente aconteceu. — A voz de Hilda era rouca, enquanto Luca, seu companheiro, com mãos surpreendentemente gentis, limpava e enfaixava seus ferimentos. A frustração começava a corroer a borda de seu alívio.
— Na verdade, embora seja pura teoria... creio ter uma vaga noção. — O spriggan, até então um observador silencioso, pronunciou-se, sua voz grave como o ranger de galhos antigos.
— Diga. — Hilda o encarou, a esperança de uma brasa frágil. — Qualquer teoria é melhor que estar no vazio. Talvez suas palavras preenchem as lacunas que estavam faltando.
Do outro lado da clareira, Yuri ainda sentia o peso reconfortante de Levy contra si, o abraço agora mais suave, porém possessivo. Ela acariciava distraidamente os cabelos Brancos de Levy, perdida em pensamentos.
"O que diabos aconteceu com você?" pensou, o coração apertado. "Quando comecei a trabalhar sob seu comando, você era a personificação da rigidez, uma fortaleza de gelo que parecia imune a qualquer sentimento. Inabalável. Mas, aos poucos, comecei a ver as rachaduras... uma humanidade que você se esforçava tanto para esconder. Talvez nem você mesma percebesse, talvez se convencesse dessa frieza toda. Mas os sentimentos sempre estiveram aí, fervilhando sob a superfície. O que... o que te quebrou a ponto de todas as rachaduras se romperem e essa emoção transbordar assim?"
— Ei, vocês duas. Vão querer ouvir a história? — A voz de Hilda, agora mais firme, interrompeu o devaneio de Yuri.
Com um salto, Yuri afastou a mão dos cabelos de Levy, o rosto novamente em chamas ao perceber que, por alguns segundos, esqueceu-se completamente da presença dos outros, imersa naquele momento.
— Vamos, capitã. — Yuri falou, tentando recompor a postura.
Com um puxão gentil, trouxe Levy para mais perto, ambas voltando a atenção para o Spriggan, que começou sua sinistra explicação.
— Como alguns de vocês sabem, eras atrás, a Rainha das Bruxas concedeu a imortalidade de Daemon Scarlune, o progenitor da linhagem. Contudo, a traição dele acendeu uma fúria implacável na Rainha. Ela o amaldiçoou, aprisionando-o num limbo eterno, condenado a ansiar pela morte que jamais viria. Daemon, no entanto, era de um poder e astúcia colossais; prisão alguma, neste ou em qualquer outro plano, poderia contê-lo indefinidamente. Exceto... uma das Armas do Apocalipse: a Caixa de Pandora. Um artefato dourado, conhecido por ter encarcerado todos os males da humanidade. Sua peculiaridade residia na capacidade de fragmentar a essência de um ser, espalhando-a por múltiplos planos e linhas temporais simultaneamente. Assim, ele não estaria encarcerado em um único local ou momento, mas teria sua existência diluída entre o aqui, o além – como Avalon – e através do próprio tempo. Uma fuga torna-se impossível, a menos que a Caixa fosse desativada. E assim a Rainha o fez: encarcerou-o, lançando seu corpo físico no Abismo, fadado à escuridão perpétua, ao desejo infindável pela morte. A Caixa, para mantê-la a salvo de mãos erradas, foi selada em Avalon, protegida por um portal que apenas um Scarlune poderia abrir, mas somente um ser comum poderia adentrar.
— Agora as peças começam a se encaixar... de forma aterradora. — Hilda murmurou, o rosto pálido. — Se bem me lembro na mansão tinha antigos livros que contavam sobre isso, o portal só deveria ser aberto pelo lado de dentro da mansão Scarlune. Pois caso fosse violado por baixo, as contramedidas de segurança seriam ativadas, liberando o que quer que estivesse aprisionado na Caixa.
A voz de Levy, baixa e trêmula, completou o raciocínio, soando como uma sentença de morte:
— A porção de Avalon... aprisionada na Caixa... ela se fundiu com o nosso mundo. É por isso que tudo... tudo se transformou nisto.
Um calafrio percorreu a espinha de cada um. A ficha caiu com o peso de uma montanha esmagando-os. Mortos. Todos poderiam estar mortos. O mundo que conheciam, varrido. A percepção gélida do fracasso, da catástrofe inimaginável, os paralisou. Yuri sentiu o corpo de Levy tremer violentamente contra o seu, os punhos cerrados com tanta força que as unhas deviam estar rasgando a palma das mãos. Hilda, por sua vez, levantou-se como um robô e caminhou até a árvore mais próxima. Um baque surdo e repetitivo ecoou enquanto ela esmurrava a testa contra o tronco, a frustração e o desespero transbordando em cada impacto.
— Merda, merda, merda, MERDA!
— Acalmem-se, as duas! — A voz do Spriggan tentou injetar alguma razão no pandemônio emocional. — Ainda não é o fim de tudo. Embora condensada e mesclada, a fração de Avalon que irrompeu afetou majoritariamente o Abismo, de onde a Árvore do Mundo emergiu, e a superfície... que, em sua maioria, já havia sido evacuada. As cidades subterrâneas... elas ainda devem estar intactas.
— É você quem precisa se acalmar e usar a cabeça, Spriggan! — A voz de Hilda era cortante, a dor dando lugar a uma fúria fria e desesperada. — Pense bem: se uma massa continental colossal, arrancada de outra dimensão, foi arremessada sobre o nosso continente, esmagando o que existia antes, o que você acha que aconteceu com as cidades logo abaixo? Foram pulverizadas! Mesmo que as cidadelas mais profundas tenham, por um milagre, escapado do impacto direto, as duas primeiras camadas subterrâneas... são agora túmulos. E mesmo que algumas estruturas mais profundas tenham resistido, se as passagens de ventilação foram soterradas subitamente, o ar lá embaixo vai desaparecer até o sufocamento lento e agonizante de milhares!
— Temos que ir... agora! Rápido! — Yuri exclamou, a voz embargada pelo pânico.
— Para onde?! — Hilda retrucou, a voz carregada de uma amargura palpável. — Pense! Não temos a menor ideia da geografia deste... deste novo continente. Podemos passar horas, dias, cavando em direção ao nada, tentando encontrar as cidades no lugar errado, enquanto eles... eles morrem.
A frustração era um nó na garganta de cada um, um gosto amargo de cinzas e impotência. Ninguém sabia o que dizer, o que fazer. O peso do "e se" e a imagem de incontáveis vidas se esvaindo sob seus pés transformaram a clareira num mausoléu de esperanças perdidas.
— Mesmo que isso seja verdade, não podemos ficar parados aqui! — disse Levy, a voz tensa.
— E qual é a sua ideia? — Hilda retrucou, ainda tomada pela frustração.
— Se realmente é tarde demais e não há nada que possamos fazer pelos que ficaram... então vamos encontrar os responsáveis por isso e dar um fim neles de uma vez por todas! — A voz de Levy tornou-se fria, cortante, carregada de um desejo sombrio de vingança.
— Além disso, também há aqueles que conseguiram fugir — Yuri interveio, sua voz um contraponto de calma na tensão crescente. — Precisamos fazer algo por eles. Não se esqueçam: agora eles estão sem lar, perdidos e confusos. Precisamos ajudá-los também.
— Vocês têm razão — Hilda assentiu, respirando fundo, a fúria em seu rosto começando a dar lugar a uma resolução amarga.
— Então, vamos logo. Mas, antes de ajudarmos os que escaparam, vamos garantir que os responsáveis entendam exatamente o que aconteceu.
Com isso decidido, o pequeno grupo começou a marchar, unido por um propósito sombrio: encontrar os culpados pela ruína de tudo. Ou esse era seu propósito inicial, pois, quando começaram a vagar em meio à vegetação densa e escura, o grupo começou a sentir uma presença aterradora se aproximando por trás.
— Mas que presença é essa? — Hilda pensava, sem olhar diretamente para a fonte da presença, quando, de repente, a criatura, em um piscar de olhos, apareceu diante deles. Levy saltou para trás, levando Yuri consigo, enquanto Hilda fez o mesmo com Luca. Infelizmente, Sprigan não teve a mesma sorte, ficando imóvel e na frente do ser. O garoto, ou homem de aparência simultaneamente jovem e velha, com corpo esquelético e alto, usando uma roupa azul que lembrava uma jaqueta, com cabelos brancos azulados e olhos vermelhos, encarava Sprigan diretamente nos olhos. Sprigan, ao encará-lo, mesmo robusto e de aparência forte, agora parecia uma criança assustada, tremendo frente ao bicho-papão.
— Você... você é uma fada ancestral...?
Isso foi tudo que Sprigan conseguiu falar antes que o jovem de cabelos brancos azulados sorrisse – um sorriso branco e perturbador que contrastava com o breu, refletindo luz na escuridão. Então, ele segurou a cabeça de Sprigan com a mão e a arrancou com facilidade.
— Por que você fez isso?! Maldito! Por que você fez isso?! — Luca, ao lado de Hilda, gritava.
— Luca, quieto! — ordenou Hilda.
A figura indecifrável apenas observava os demais enquanto segurava a cabeça de Sprigan, encarando-os e julgando-os.
— Por que eu fiz isso? — a fada falou, encarando Luca com dúvida, enquanto o corpo de Sprigan caía inerte, sem vida, e ele ainda segurava sua cabeça.
“Isso é péssimo! Então, isso é uma fada em sua forma original? Isso aconteceu porque Nocturia e Avalon se misturaram? Ele também estava dentro da caixa? Droga, são muitas perguntas!” Hilda continuava analisando a situação, tentando discernir o melhor curso de ação.
Então, a fada avançou na direção de Luca. Hilda mal conseguia acompanhá-la; era muito mais veloz do que previra. Quando a criatura deu a volta, aparecendo por trás de Hilda, pronta para acertar a cabeça de Luca com um chute voador, Levy interveio, acertando a cabeça da fada e arremessando-a para o outro lado.
— Yuri, atrás de mim! Fique com o Luca!
Enquanto Levy dava as instruções, a fada, sem qualquer arranhão, reapareceu atrás dela, novamente visando Luca. Então, um tigre elétrico o mordeu e o lançou no ar. Lá em cima, asas de escuridão saíram da fada, que os encarava de cima, ainda sem qualquer reação.
— Mas o que está rolando? — Luca, no chão, perguntou.
Mas, sem que conseguissem responder, Levy e Hilda saltaram na direção da fada, começando a lutar contra ela simultaneamente. Levy subiu no tigre, que correu pelos céus em alta velocidade, levando-a para trás da fada. Ela o atingiu com um chute, lançando-o contra o chão, onde Hilda, materializando sua lança elétrica, tentou perfurá-lo. Uma descarga elétrica ressoou, destruindo tudo à volta. Hilda então percebeu que nem sequer o havia perfurado; a lança apenas se chocara contra seu corpo. Levy, observando do céu, incendiou sua perna com éter de chamas. Sua perna ainda estava ferida, o que causou uma enorme descarga de dor pelo seu corpo, mas, sem se importar, ela desceu em alta velocidade, atingindo a fada como um meteoro em chamas. Hilda continuava investindo sua lança contra o corpo da fada, que começava finalmente a olhá-las com uma expressão de fúria. Então, sua aura de éter emanou, revelando-se em uma cor negra e densa. A fada afastou as mãos e, de seus dedos, lâminas em forma de garras de puro éter surgiram. Ele ativou uma Arte:
Corte à Lua: Fenrir
Então, ele realizou uma enxurrada de cortes para todos os lados, criando uma tempestade de vento negro e talhos. Levy e Hilda acabaram cheias de cortes enquanto cobriam o rosto e os olhos. Aproveitando-se disso, a fada atingiu Hilda no estômago e a lançou para longe, enquanto cravava suas garras laminares no abdômen de Levy, prendendo-a ao chão e começando a arrastá-la.
A dor excruciante rasgou o corpo de Levy quando as garras de éter se aprofundaram, prendendo-a ao chão. O arrastar era brutal, a terra e pedras rasgando suas costas enquanto a Fada Ancestral a puxava com uma força monstruosa, um sorriso ainda mais amplo e perturbador em seu rosto.
— LEVY! — O grito de Hilda ecoou, mas ela própria lutava para se recompor, o impacto no estômago a deixando sem ar, a visão turva pelas múltiplas feridas que ardiam. Byakko, seu tigre de raios, rosnou furiosamente, eletricidade crepitando em seu pelo, pronto para saltar, mas hesitante, como se avaliasse a melhor forma de intervir sem ferir Levy ainda mais.
"Ate parece... não vou morrer assim!" pensou Levy, a adrenalina e a fúria começando a superar a dor. Suas chamas, densas e pesadas, sempre responderam à sua vontade. Mesmo com o corpo gritando em agonia, ela concentrou seu éter. As chamas que normalmente cobriam suas pernas agora irromperam com violência redobrada, não apenas delas, mas de todo o seu corpo, especialmente em torno das garras que a prendiam. As chamas de Levy, únicas em sua natureza, começaram a "pegar" nas garras de éter negro, como se o próprio éter da fada fosse um combustível. As garras escuras começaram a brilhar em brasa, depois a arder com um fogo laranja-escuro e crepitante.
Galan, a Fada Ancestral, parou de arrastá-la, olhando para suas próprias garras agora em chamas com uma expressão de genuína surpresa, talvez a primeira que demonstrou desde o início do confronto. O fogo não se apagava, pelo contrário, parecia consumir o éter das garras, subindo por elas em direção às suas mãos. Com um grunhido que misturava irritação e um toque de curiosidade, ele soltou Levy abruptamente, sacudindo as mãos para tentar apagar o fogo teimoso que agora lambia seus dedos etéreos.
Aproveitando a súbita libertação, Levy rolou para o lado, ofegante, o sangue manchando o chão onde suas feridas do abdômen sangravam profundamente. Ela tentou se levantar, apoiando-se nos cotovelos.
— Agora, Byakko! — Hilda ordenou, recuperando parte de seu fôlego. O tigre branco saltou, um borrão de pelos e raios, mirando o braço da Fada que ainda estava em chamas. As presas de Byakko, capazes de destruir aço, cravaram-se no antebraço de Galan. Um som de metal se partindo ecoou, mas não era o osso da fada, e sim o som do próprio éter de Galan resistindo e rangendo sob a pressão.
Galan, no entanto, reagiu com velocidade estonteante. Ignorando a dor ou o dano em seu braço, ele girou o corpo, usando o próprio Byakko como um mangual improvisado, e arremessou o tigre de raios contra Hilda, que se preparava para um novo assalto com sua lança. O impacto foi brutal. Hilda e Byakko colidiram, e ambos foram jogados contra um grupo de árvores grossas, que se partiram com o choque.
— Hilda! Byakko! — gritou Levy, tentando canalizar mais fogo em suas pernas para um impulso, mas a perda de sangue a deixava tonta.
A Fada Ancestral, Galan, agora encarava Levy. As chamas em sua mão finalmente se extinguiram, deixando para trás marcas escuras em sua pele etérea, que rapidamente começaram a se regenerar. Seus olhos vermelhos brilhavam com uma nova intensidade, uma expressão que ia além da fúria, beirando um interesse quase científico.
— Interessante... — ele murmurou, sua voz ainda carregada de ecos. — Sua energia... seu éter... é diferente. Queima o meu.
Ele estendeu a mão novamente, e desta vez, em vez de garras, uma foice longa e curva, feita de pura escuridão e com uma borda que parecia vibrar com energia faminta, materializou-se. A presença da foice era ainda mais opressora que a das garras.
— Eu estava apenas... brincando. — disse Galan, e sua postura mudou. Antes bestial e instintivo, agora havia um toque de predação calculada. — Mas você me mostrou algo novo. Quero ver mais. Quero sentir mais.
Ele deu um passo na direção de Levy, a foice de escuridão arrastando-se levemente pelo chão, deixando um rastro de gelo efêmero que evaporava em névoa negra. Luca e Yuri, que observavam tudo horrorizados e paralisados, finalmente encontraram suas vozes.
— CUIDADO!— gritou Luca,
Levy rangeu os dentes. Fugir não era uma opção. Hilda estava caída, Byakko ferido. Se ela caísse, Luca e Yuri seriam os próximos. Ela olhou para suas pernas feridas, depois para as mãos. As chamas ainda dançavam nelas, famintas.
— Pode vir!— ela rosnou, forçando-se a ficar de pé, mesmo que cambaleante. — Vou te mostrar do que são feitas as verdadeiras chamas!
Galan sorriu, aquele sorriso branco e perturbador. Ele ergueu a foice.
— Sim... me mostre.
A provocação de Levy pairou no ar carregado, um desafio lançado contra um poder que desafiava a compreensão. Galan, a Fada Ancestral, aceitou com um movimento que era pura predação. A foice de escuridão sibilou, cortando o ar com uma velocidade que Levy mal conseguiu registrar. Ela saltou para trás, suas pernas em chamas impulsionando-a, mas a ponta da lâmina negra ainda a roçou no ombro, rasgando sua roupa e a pele por baixo, enviando uma nova onda de agonia e sangue fresco que se misturava ao suor e à sujeira.
A floresta densa tornou-se um borrão. Galan movia-se como um espectro entre as árvores, a foice surgindo de ângulos inesperados. Um corte lateral visou a cabeça de Levy; ela se abaixou instintivamente, o vento da lâmina arrancando fios de seu cabelo enquanto decepava um galho grosso de árvore atrás dela como se fosse manteiga. O tronco da árvore estalou e caiu, levantando terra e folhas.
Levy respondeu com fúria. Disparou rajadas de fogo das solas dos pés, não para voar, mas como projéteis explosivos que incendiavam a vegetação ao redor de Galan, tentando limitar seus movimentos e criar uma cortina de fumaça e calor infernal. A Fada, porém, parecia intocada pelo fogo comum, atravessando as labaredas como se fossem uma brisa incômoda.
— Mais! Preciso de mais! — A voz de Galan ecoava, agora com um tom de excitação febril e mais lúcida que antes. Ele desapareceu atrás de um emaranhado de cipós e, no instante seguinte, a foice emergiu do chão aos pés de Levy. Ela saltou no último segundo, o chão onde estivera explodindo em lascas de terra e raízes cortadas.
Enquanto isso, Hilda tossia violentamente, cuspindo sangue. Byakko, ao seu lado, estava com uma das patas dianteiras dobrada em um ângulo antinatural, faíscas fracas ainda saindo de seu corpo.
— Levy... precisa... — Hilda ofegou, tentando se erguer, a lança de raios materializando-se em sua mão, mas piscando erráticamente.
Levy aterrissou desajeitadamente, o tornozelo torcido protestando. Ela estava sangrando de múltiplos cortes, seu corpo estava em pura dor e agonia. A perda de sangue a deixava tonta, a visão embaçando nas bordas. Galan surgiu diante dela, a foice erguida para um golpe final.
"Ele ficou mais inteligente nesse curto espaço de tempo ?" A percepção atingiu Levy com a força de um golpe físico. "Ele está aprendendo, se alimentando da luta!" Se ela continuasse usando suas chamas da mesma forma, apenas o fortaleceria ou o entreteria até que ela sucumbisse. Precisava de algo... diferente. Algo que ele não esperasse. Suas chamas eram pesadas, densas... E se ela concentra-se ao extremo, não para queimar por fora, mas para... implodir e explodir? Uma pressão de éter flamejante.
Desespero e uma súbita, perigosa ideia tomaram conta dela. Ignorando a dor lancinante, Levy canalizou todo o éter que lhe restava, não para suas pernas ou punhos, mas para dentro de si, para o próprio núcleo de sua energia. As chamas ao seu redor pareceram diminuir, sugadas para dentro dela. Sua pele começou a brilhar com um vermelho intenso, veias de fogo líquido pulsando sob a superfície. Uma pressão avassaladora começou a emanar dela.
— O que... o que é isso? — Galan hesitou, a foice parando a centímetros do rosto de Levy. Ele sentiu uma instabilidade no éter ambiente, uma concentração de energia que era ao mesmo tempo familiar e terrivelmente nova.
Hilda, vendo a hesitação da Fada e o estado crítico de Levy, encontrou uma última reserva de força.
— AGORA, BYAKKO! DISTRAIA-O! — Mesmo ferido, o tigre de raios obedeceu. Com um uivo trovejante que era mais dor que ameaça, Byakko lançou-se contra as pernas de Galan, cravando as presas que ainda lhe restavam na coxa da Fada. O ataque foi suicida, mas deu a Levy o segundo que precisava.
— ISSO É O QUE VOCÊ QUERIA?! ENTÃO RECEBA!!! — Levy gritou, e o éter flamejante dentro dela explodiu para fora.
Não foi uma rajada direcional, mas uma onda de choque esférica de pura energia ígnea, densa e esmagadora.
DESTRUIÇÃO ESCARLATE!
O impacto foi cataclísmico. Árvores a até cinquenta metros de distância foram arrancadas pela raiz ou despedaçadas em milhões de farpas flamejantes. O chão tremeu violentamente. A vegetação rasteira foi instantaneamente vaporizada, deixando um círculo de terra calcinada. A explosão de éter flamejante era tão intensa que o ar estalava com o cheiro de ozônio e carne queimada.
Galan foi pego em cheio. A foice de escuridão desintegrou-se em suas mãos. Seu corpo, resistente como diamante, foi arremessado para trás como uma boneca de trapos, colidindo com uma série de árvores antes de ser engolido pela poeira e pelos escombros em chamas. Um grito agudo e inumano, misto de dor e surpresa genuína, cortou o barulho da destruição antes de ser abruptamente silenciado.
A onda de choque atingiu Hilda e Byakko, mesmo à distância, jogando-os ainda mais longe. Luca e Yuri foram protegidos por uma saliência rochosa, mas o calor e a pressão os deixaram atordoados e cobertos de fuligem.
Quando a poeira começou a baixar, o cenário era de pura devastação. No centro da cratera fumegante, Levy estava de joelhos, seu corpo coberto de queimaduras terríveis – ironicamente, auto infligidas pela liberação descontrolada de sua própria energia. Suas roupas estavam em farrapos, e ela tremia violentamente, o sangue escorrendo de seus ferimentos anteriores e das novas queimaduras. Ela tentou respirar, mas seus pulmões pareciam ter sido preenchidos com brasa.
Hilda, com um esforço monumental, arrastou-se até Byakko, que jazia imóvel, seu brilho elétrico quase extinto. Ela então olhou na direção de Levy, depois para a área onde Galan havia sido arremessado. Não havia sinal da Fada. Apenas destruição e árvores em chamas.
— Levy... — Hilda conseguiu sussurrar, sua voz rouca. Ela também estava em estado crítico, múltiplos ossos provavelmente quebrados, órgãos internos machucados.
Levy ergueu a cabeça com dificuldade, um sorriso fraco e ensanguentado em seus lábios.
— Acho... que ele não gostou… do meu prato apimentado... — Sua voz era um fio. Ela viu a preocupação nos olhos de Luca e Yuri, que corriam desajeitadamente em sua direção. — Nós... conseguimos...?
Ninguém respondeu. A Fada Ancestral poderia muito bem ainda estar viva, regenerando-se em algum lugar nas profundezas da floresta destruída. Mas, por agora, ele havia desaparecido. Elas haviam sobrevivido. Haviam forçado um recuo.
Levy sentiu suas forças se esvaindo rapidamente. A escuridão tomava conta de sua visão. O custo fora imenso. Ela e Hilda estavam à beira da morte. Mas, naquele instante, em meio à dor e à destruição, havia um lampejo de triunfo.
Embora uma pergunta ressoava na mente de todos ali : “Ela realmente era a única dessas que tinha por aqui ?”
Parte 6
— Por essa eu não esperava…
a garota ensanguentada falava enquanto corria pela floresta escura seu braço coberto de sangue sua texta cortada e ofegante, aquela floresta densa envolta por lodo e lama ao mesmo tempo varias criaturas de lamas caminhavam acompanhadas de esqueletos vivos, e um “homem” usando um monoculo de cabelos escuros e roupa de inverno caminhava seguindo lentamente a garota.
— Infelizmente, voce e um problema….
o homem falava com sua voz calma e sedutora enquanto abria um de seus olhos revelando um olho vermelho penetrante e seu sorriso simpatico e gelido dava lugar para uma expressão opressora e aterradora.
— Agora que a porta para esse reino voltou a se abrir, nos iremos tornar esse continente nosso novo lar por isso decidimos fazer uma fachina diferente dos demais que acham que o mais preucupante são os mais fortes eu percebi que a coisa mais preucupante atualmente nesse continente era voce.
Ouvindo o Homem falando aquilo anna sorria.
— E meio dificil acreditar que eu seja realmente tão preucupante e forte quando eu estou nesse estado e voce sem nenhum arranhão fada.
—Poderia não me chamar assim isso agride meus ouvidos parece ate que estou sendo comparada aos demais, me chame de Zenon.
A fada ancestral Zenon continuava a caminhar, a garota aproveitando a possivel guarda baixa dele avança em sua direção, ela criava em seu braço uma lamina e tentava o cortar mais um exercito de esqueletos apareciam diante dela a mesma saltava para tras, criava em seu outro braço uma minigun que começava a atirar contra o homem mais o lodo e o pantano do chão levantavam como uma barreira viva parando os disparos assim como embaixo da garota a puxando para baixo dragões de lama saiam do chão e acertavam ela ao mesmo tempo a afundando no chão e na lama depois jogando ela para cima e então se ensinando e gerando uma exploão massiva que a arremessa para o lado.
— Que sorte parece que a maldição do Deus lobo que voce recebeu te deixou tão inutil que eu não vou precisar mover uma unica mão para te matar.
— Calado…. eu ainda não perdi…
A lama fria e pegajosa sugava suas botas enquanto Anna se esforçava para ficar de pé. Cada músculo do seu corpo protestava, pesado como chumbo, uma consequência direta da maldição do Deus Lobo. A letargia era um veneno, nublando seus reflexos, roubando sua força. Mais do que a dor dos ferimentos – o braço que latejava, a testa de onde o sangue ainda escorria em, e o peso em sua alma que a esmagava.
"Dante..." O nome ecoou em sua mente, uma ferida aberta. A traição, o medo de seu ódio, a confusão sobre seus próprios sentimentos e o que seria melhor para ele. Como ela poderia lutar, como poderia se concentrar, quando sua própria mente era um campo de batalha?
Anna havia decidido o afastar se separar dele, acreditando que o protegeria de si mesma, mais ela era simplesmente incapaz de admitir isso, o arrependimento a corroía. As duvidas preenchiam sua mente, no fundo ela queria pedir desculpas, mas a vergonha e a dúvida a paralisavam. Teria ela o direito? Seria o certo?
— Ah, ainda se arrastando? — A voz de Zenon, suave e cortante como vidro quebrado, quebrou seus pensamentos.
Ele permanecia impecável, o monóculo brilhando sob a pouca luz que filtrava pela copa densa da floresta pantanosa. Novas aberrações de lodo borbulhavam do chão ao seu redor, e mais esqueletos, com ossos manchados de terra escura, erguiam-se rangendo, seus olhos vazios fixos em Anna.
— É quase… patético.
Zenon, não se importava com qualquer que fosse o problema de Anna mais estava incomodando com a facilidade de sua luta, fazia parecer que toda sua preocupação era infundada.
— Diga-me, o que a aflige tanto? É a inevitabilidade da sua morte ou algo mais… pessoal?
O escárnio em sua voz acendeu uma faísca de fúria em meio à névoa de apatia de Anna.
— Isso… Não e… da sua conta! — ela murmurou irritada, mais para si mesma do que para ele.
Sua cabeça e corpo estavam zonzos e letárgicos, ao ponto onde ela nem sabia mais como deveria agir assim, imaginou um escudo molecularmente denso, entrelaçado com fibras de carbono, brotando de seu antebraço para bloquear o avanço dos mortos-vivos. Normalmente, seria instantâneo. Agora, o éter parecia xarope grosso em suas veias. O escudo começou a se formar, mas era lento, translúcido e instável, consumindo uma quantidade alarmante de sua pouca energia restante.
Zenon arqueou uma sobrancelha, um sorriso divertido brincando em seus lábios.
— Que esforço… para tão pouco.
Antes que o escudo estivesse completo, ele fez um gesto casual com a mão livre. O chão sob Anna congelou instantaneamente. Espigões de gelo negro, pontiagudos como agulhas, irromperam da lama congelada, perfurando seu escudo improvisado como se fosse papelão e rasgando sua perna. Um grito de dor escapou de seus lábios quando ela caiu, o gelo queimando sua pele com um frio sobrenatural.
— Tsc, tsc. Parece que nem mesmo o ambiente quer cooperar com você. — Zenon estalou a língua. — Eu poderia acabar com isso rapidamente, mas onde estaria a diversão? Quero ver até onde sua decantada habilidade pode ir quando o corpo e a mente estão em frangalhos.
Anna rangeu os dentes, lágrimas de dor e frustração brotando em seus olhos. Ela estava encurralada. A maldição, seus demônios internos, a crueldade calculada de Zenon… era demais. Tentou transmutar o gelo em seu corpo, mas a letargia tornava a reestruturação molecular agonizantemente lenta. Enquanto isso, os esqueletos avançavam, suas garras ossudas prontas para rasgar. O lodo rastejava, pronto para engoli-la.
De repente, em meio à dor e ao desespero, uma imagem de Dante surgiu em sua mente. O sorriso dele, a forma como ele a olhava antes… antes dela estragar tudo. Uma pontada de algo que não era arrependimento, mas uma determinação feroz, atravessou-a. Se ela ia morrer ali, não seria se lamentando.
Ignorando a dor lancinante em sua perna, ela enfiou a mão no chão lamacento ao seu lado. A lama e o lodo eram o domínio dele? Então ela usaria isso. Ela não precisava criar do zero; podia reestruturar. Concentrou-se, não em armas complexas, mas em uma reação. Uma desestabilização molecular.
— Sua voz irrita mais que a ideia de morrer… — ela ofegou, o suor misturando-se ao sangue em seu rosto. — Então faça o favor de ficar calado!
Com um grito, ela forçou seu éter na lama sob ela e ao redor dos esqueletos mais próximos. Não tentou controlar, apenas catalisar uma mudança violenta. A lama sob os pés dos esqueletos e ao redor de sua perna ferida começou a borbulhar, não com o controle de Zenon, mas com uma energia caótica. Em segundos, a lama superaqueceu, transformando-se em um gêiser de vapor escaldante e lodo fervente que explodiu para cima.
Os esqueletos mais próximos foram apanhados na explosão, seus ossos estalando e se desintegrando sob o calor e a pressão. O vapor criou uma densa cortina branca, obstruindo momentaneamente a visão. Anna usou a cobertura, mesmo que o vapor também queimasse sua pele exposta. Ela transmutou rapidamente parte de sua roupa rasgada e o sangue em seu braço em uma série de agulhas metálicas finas e afiadas, impregnadas com uma solução de seu próprio suor e sódio, Sem mirar precisamente, ela as disparou na direção onde Zenon estava.
Zenon, pego de surpresa pela súbita e caótica reviravolta, recuou um passo, uma barreira de gelo opaco surgindo instantaneamente à sua frente. As agulhas se cravaram no gelo, algumas o atravessando superficialmente. Um leve vinco de irritação surgiu em sua testa.
— Interessante… usando a selvageria do desespero. Mas ainda inútil.
A cortina de vapor começou a se dissipar. Anna tentou se levantar, mas sua perna ferida cedeu. Ela estava exposta novamente, ofegante, sua pequena cartada custando-lhe ainda mais energia. A dor da perna era excruciante, o ferimento do gelo agora somado a queimaduras do vapor.
Zenon desfez a barreira de gelo. Seus olhos vermelhos fixaram-se em Anna com uma frieza renovada.
— Você apenas adiou o inevitável e, devo dizer, sujou ainda mais este lugar. Que falta de modos.
Novas criaturas de lodo, maiores e mais grotescas, emergiram ao seu comando, e o próprio pântano pareceu escurecer, a pressão no ar aumentando. A breve demonstração de poder de Anna servira apenas para irritá-lo.
— Vamos terminar com este pequeno ato de rebeldia.
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