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The Fall of the Stars: Capítulo 4 - Todos a bordo

  • Foto do escritor: AngelDark
    AngelDark
  • 14 de jul.
  • 50 min de leitura

Atualizado: 30 de set.

Volume 1: A Queda

Parte 1 -

Luck retornou cautelosamente para dentro do prédio destruído, seus passos ecoando no chão rachado do saguão da torre, cada som ampliado pelo silêncio opressivo que pairava como uma mortalha sobre as ruínas. Ele avançava com a precisão de um predador ferido, os olhos varrendo os escombros com uma intensidade pragmática, cada músculo tenso, pronto para reagir ao menor sinal de perigo. enquanto corria, ele percebia as poças escuras de sangue e água estagnada que manchava o chão, criando um mosaico macabro que parecia pulsar com a memória da batalha recente.

Seguindo-o de perto, Kurokawa hesitava, seus olhos arregalados lançando olhares nervosos para trás. O coração dela martelava no peito, cada batida ecoando em seus ouvidos como um tambor de guerra, enquanto o frio úmido do ambiente penetrava sua pele, misturando-se ao suor que escorria por sua testa. A culpa a consumia, um peso esmagador que fazia seus ombros se curvarem, como se carregasse o fardo de cada decisão errada que a levou até aquele momento.

— Você sabe que ele quer te matar agora, não é? — A voz de Luck era baixa,  cortando o silêncio como uma lâmina, enquanto ele continuava a avançar, os olhos fixos nos cantos sombrios do saguão.

— Eu sei! — Kurokawa respondeu, a voz carregada de uma mistura de culpa e desafio, tremendo ligeiramente enquanto ela tentava mascarar o medo e as lágrimas que rastejavam por seu rosto. — E o que mais você espera que eu faça?! Que fuja e deixe vocês morrerem aqui tentando me salvar?! — Suas palavras saíram mais altas do que pretendia, ecoando pelo saguão como um grito de rebeldia contra o destino, enquanto ela apertava os punhos na frente do peito relembrando da mão de Caroline que até um tempo atrás apertava a sua.

Enquanto seguia Luck de volta para a zona de perigo, os pensamentos de Kurokawa eram um turbilhão de remorso, uma tempestade que a engolia por dentro, cada memória um golpe que a fazia questionar cada escolha. 

Droga! Eu corri naquela hora... Mas eu deveria ter ficado! Deveria ter lutado junto do Dante, Eu deveria ter tentado salvar a Caroline…. Droga!.” 

A culpa pesava em seus ombros como uma âncora, puxando-a para um abismo de auto acusação, enquanto ela avançava hesitante atrás de Luck, de volta ao coração da batalha que deixara para trás, o som de seus passos misturando-se ao ranger dos destroços sob seus pés, como se a torre estivesse gemendo em resposta à sua presença.

O saguão parecia vivo, as paredes pulsando com uma energia inquieta, como se o próprio Ether da torre estivesse reagindo ao caos que a consumia. As velhas tapeçarias rasgadas pendiam como véus fúnebres, balançando suavemente com uma brisa que não deveria existir, enquanto os candelabros enferrujados no teto alto tilintavam. Cada passo de Kurokawa era um esforço, o chão frio e pegajoso sob suas botas, manchado com poças de sangue.

 Ela sentia o peso do olhar de Caroline e sua mãe, mesmo que agora fossem apenas memórias dissipadas, suas formas etéreas destruídas pela lâmina dourada de Niklaus, e esse pensamento fazia seu estômago revirar, a culpa se misturando ao medo como veneno em suas veias.

— Luck… você acha que ele… que Dante… — Kurokawa começou, a voz falhando enquanto ela tentava articular, os olhos fixos nas costas dele, buscando algum sinal de esperança, mas temendo a resposta.

Luck parou por um instante, as chamas em suas mãos tremeluzindo como se refletissem sua própria incerteza, antes de virar a cabeça ligeiramente, o rosto iluminado pelo brilho alaranjado que destacava as linhas duras de sua expressão. — Ele é teimoso demais pra morrer tão fácil — disse ele, a voz firme, mas com um toque de preocupação que traía suas palavras, enquanto ele retomava o avanço. 

Parte 2 -

— É realmente uma pena. — A voz de Niklaus soou fria e quase decepcionada. 

 Ecoando pelo saguão devastado da torre como um sussurro gelado que cortava o ar, enquanto ele observava o corpo inerte de Nero nos braços de Dante, sua silhueta imóvel como uma estátua quebrada no centro da cratera, o sangue ainda quente escorrendo em riachos que formavam poças escuras no chão rachado, refletindo a luz fraca e impiedosa que filtrava pelas fendas nas paredes. 

 O ar ao redor deles estava pesado, saturado com o cheiro metálico de sangue fresco misturado ao fedor pútrido de Ether corrompido, uma essência que parecia pulsar como veias expostas na estrutura da torre, fazendo o chão tremer levemente com resquícios de energia residual. Niklaus inclinou a cabeça ligeiramente, seus olhos cinzentos brilhando com uma curiosidade mórbida, como se estivesse dissecando não apenas o corpo, mas a alma de Dante, que se curvava sobre Nero com uma delicadeza desesperada, os ombros tremendo com soluços abafados que ecoavam no vazio opressivo.

— Cala... a boca! — A voz de Dante era um rosnado baixo, embargado pela dor e fúria, ecoando rouca e entrecortada pelo saguão. 

Ele apertava o corpo de Nero contra o peito, sentindo o calor residual dela se dissipar como uma chama moribunda em uma ventania fria, cada batida de seu coração ausente um lembrete lancinante de sua perda. Seus dedos tremiam ao tocar o rosto pálido dela, traçando linhas de sangue seco que manchavam sua pele. 

— Bom, acho que ao menos agora você está começando a entender do que eu estava falando — continuou Niklaus, ignorando a situação com uma calma que beirava o desdém. 

Sua voz ecoava como um sermão, enquanto ele gesticulava com a espada dourada ainda em punho, a lâmina pulsando com uma luz etérea que distorcia as sombras ao seu redor, criando padrões hipnóticos que pareciam vivos. 

Ele se aproximou devagar. — Aceite a realidade, aceite o fato de que este mundo é inerentemente horrível, aceite que todos que vivem, estão fadados ao destino de um ciclo de sofrimento eterno, uma prisão cósmica onde cada alma é condenada a ciclos de dor e perda, tecida por mãos indiferentes que nos observam como insetos em um jarro. 

Dante o encarou, furioso. Seus olhos, mesmo através dos óculos, deixavam claro que a última coisa que ele queria ouvir naquele momento era o monólogo ou os motivos do homem à sua frente.

— Odeie-me o quanto quiser. Cedo ou tarde, você compreenderá a verdade e, inevitavelmente, se unirá a mim, atraído pelo vazio que agora o consome. Até lá, prometo fazer do nosso lado – o lado da mudança, da rebelião contra os falsos criadores – Aquele que será capaz de forjar um futuro além desse horizonte vermelho de dor.

Com uma calma deliberada, Niklaus se afastou, caminhando lentamente até uma das paredes da torre. — Mas, evidentemente, nossa pequena interação não pode terminar aqui. Foi graças ao sacrifício altruísta de sua amiga que finalmente pude concluir o primeiro passo de meu verdadeiro objetivo. Portanto, considero justo revelá-lo a você... como um presente de despedida.

Niklaus estendeu as mãos à frente, as palmas viradas para cima como um sacerdote invocando um deus antigo, e uma esfera de energia começou a surgir entre elas, pulsando com uma luz escura e sinistra que parecia sugar a luz ao redor, criando um vazio que distorcia as sombras do saguão em formas grotescas.

 Aquela energia bizarra e antinatural que emanava dele começou a se reunir em um único ponto focal, tornando-se densa, pesada, como um minúsculo buraco negro que sugava não apenas a luz, mas também todo o Ether distorcido e residual daquela torre amaldiçoada, os resquícios de almas perdidas e corpos profanados começaram a ser arrastados para o vórtice como folhas em uma tempestade, o ar crepitando com faíscas etéreas que pinicavam a pele de Dante. O saguão inteiro parecia responder, as paredes tremendo como se a torre estivesse gemendo em agonia, poeira caindo do teto em cascatas cinzentas que dançavam no ar carregado. Dante, no entanto, continuava a ignorar a demonstração de poder, os olhos fixos apenas no rosto pálido de Nero, perdido em um abismo de dor que o consumia por dentro, cada detalhe dela gravado em sua mente: os cabelos negros agora emaranhados com sangue, os lábios entreabertos em um último sussurro, o peito imóvel onde antes batia um coração teimoso.

— Veja, Dante! — Niklaus exclamou, a voz agora carregada de um fervor maníaco que ecoava pelas ruínas, os olhos brilhando com uma loucura que transcendia a sanidade, enquanto a esfera crescia, pulsando como um coração sombrio que distorcia o ar ao seu redor em ondas visíveis. — Esta é a criação definitiva! O ápice dos experimentos de Maicon! Uma bomba dimensional instável, criada com a essência, a alma e o Ether acumulado de todos os mortos desta torre ao longo de vinte longos anos. Eu a usarei para rasgar o véu da realidade, criando uma fenda que conectará este mundo imundo ao plano dos falsos deuses! Eu os arrastarei para cá, para este mundo imundo que eles mesmos criaram, Agora, eles não terão mais onde se esconder de sua responsabilidade!

Niklaus vangloriava-se, braços erguidos em triunfo como um profeta anunciando o apocalipse, a esfera em suas mãos brilhando com uma intensidade que iluminava o saguão em tons negros e púrpuros, distorcendo as sombras em formas que pareciam gritar silenciosamente. 

Naquele momento, Luck surgiu junto de Kurokawa, os olhos arregalados ao presenciarem a cena devastadora: Dante ajoelhado no centro de uma cratera, segurando Nero sem vida em um abraço desesperado, e Niklaus pairando com uma esfera de energia cósmica nas mãos, pulsando como um coração negro que ameaçava engolir tudo. O ar estava carregado com uma pressão dimensional que fazia os ossos deles doerem, como se o próprio espaço estivesse se contorcendo em agonia.

— Sinto muito — disse Niklaus, sem emoção, virando-se para eles com uma calma que contrastava com o caos, sua voz ecoando como uma sentença final. — Chegaram tarde demais.

Com um movimento rápido, Niklaus comprimiu a esfera de energia cósmica em suas mãos, os dedos cerrando-se como garras em torno do vórtice, a luz escura intensificando-se em um brilho ofuscante que iluminava o saguão em tons multicoloridos e caóticos. Ela implodiu por um instante, um vácuo que sugava o ar ao redor, criando um silêncio absoluto que engolia todos os sons, antes de explodir para cima em uma colossal torre de luz multicolorida e energia caótica, um pilar que perfurava o teto da torre como uma lança divina, estendendo-se para os céus com um rugido que abalava a terra. 

A torre de luz cresceu exponencialmente, ultrapassando os limites físicos da Torre Dates, perfurando os céus onde nuvens se partiam como véus rasgados, as estrelas visíveis tremeluzindo como se assustadas, e rasgando as próprias dimensões superiores, criando fendas que distorciam a realidade em padrões hipnóticos de cor e vazio. A energia bizarra cortando o tecido da realidade podia ser vista a milhares e milhares de quilômetros de distância, um farol apocalíptico visível em todo o globo, iluminando horizontes distantes com um brilho sobrenatural que fazia as noites virarem dia e os dias se tingirem de tons irreais. 

As pessoas em toda Hortus Parvus sentiam aquela energia antinatural; não havia uma alma viva que não percebesse que algo anormal, algo de proporções cósmicas, estava acontecendo, um tremor que abalava fundações e almas, evocando medos primordiais. Montanhas ao redor da torre começaram a ser arrancadas do chão, flutuando erraticamente como se a gravidade tivesse sido revogada, pedras gigantes pairando no ar como folhas em uma brisa; a chuva que caía começou a subir de volta para as nuvens, gotas invertidas desafiando as leis da física; raios caíam em padrões caóticos, iluminando o céu em flashes cegantes; e o próprio fluxo do tempo ao redor da torre pareceu desacelerar drasticamente, exceto para aqueles quatro – Dante, Luck, Kurokawa e Niklaus – que estavam presos no olho do furacão dimensional, onde cada segundo se esticava como uma eternidade de agonia.

 A torre de luz atravessou até mesmo a dimensão do tempo, atingindo além das onze dimensões conhecidas do universo, conectando à força aquele mundo com um lugar que existia além, um plano etéreo onde formas indescritíveis se contorciam em resposta à intrusão.

Naquele instante, todos eles – Dante, Luck, Kurokawa e até Niklaus – escutaram dentro de suas almas um som ensurdecedor, uma nota cósmica dissonante que vibrava em seus ossos como um grito primordial, fazendo seus corações pararem por um momento, enquanto eram violentamente jogados contra as paredes remanescentes da recepção pela pressão dimensional, o impacto ecoando com baques surdos que enviavam ondas de dor por seus corpos já exaustos.

— O que está acontecendo?! — gritou Luck, tentando se levantar sob a pressão invisível que o esmagava contra o chão, o ar ao seu redor distorcendo como uma lente quebrada, enquanto ele sentia cada molécula de seu corpo sendo puxada em direções opostas, o Ether em suas veias queimando como fogo líquido.

— Nossos corpos não são compatíveis com a dimensão superior que a torre agora toca! — Niklaus gritou explicando, também com dificuldade, sua voz ecoando distorcida pelo caos dimensional, enquanto ele se apoiava em uma coluna rachada, o rosto contorcido em uma mistura de êxtase e esforço. — Estamos sendo esmagados apenas pela proximidade energética, uma força que comprime a matéria como uma prensa cósmica! A torre tornou-se um vínculo instável entre os dois mundos e agora existe parcialmente em dimensões muito além da nossa compreensão! Se nos aproximarmos mais da coluna de luz, seremos desintegrados, desfeitos em átomos que se dispersarão pelo vazio eterno!

Embora Niklaus explicasse, ninguém, conseguia realmente entender a magnitude do que ele queria dizer, as palavras se perdendo no rugido da torre de luz que pulsava como um coração vivo, distorcendo o ar em ondas visíveis que faziam o saguão inteiro tremer como se estivesse prestes a colapsar.

Do lado de fora, no firmamento, uma fissura começou a se abrir no "Alto do Céu", uma rachadura no tecido da realidade que se expandia como uma ferida sangrenta, e dela, brilhos etéreos começaram a cair sobre a terra como lágrimas divinas, fragmentos de dimensões superiores que iluminavam o horizonte em cores impossíveis, evocando pânico e maravilha em igual medida. Era impossível para eles dentro da torre verem, mas para os observadores desavisados em todo o mundo, seria como testemunhar estrelas cadentes em plena luz do dia, um espetáculo cósmico que anunciava o fim ou o começo de algo além da compreensão humana.

— Nero...

Na frente deles, o corpo sem vida de Nero começou a levitar lentamente, sendo inexoravelmente atraído em direção à torre de luz pulsante, sua forma inerte flutuando como uma folha em uma correnteza invisível, os cabelos negros ondulando suavemente com a energia caótica que a envolvia, como se a luz a chamasse para um abraço eterno.

— Não... Volta... Não... — Dante sussurrou, tentando se arrastar em direção a ela, seus dedos cravando no chão rachado, deixando sulcos sangrentos enquanto o desespero o impulsionava, ignorando a dor que o consumia, cada centímetro uma batalha contra o vazio que o esmagava.

— Espera! — Os olhos de Niklaus se arregalaram em súbita compreensão e fascínio, brilhando com uma loucura renovada enquanto ele observava o corpo de Nero ser atraído, como se visse um milagre profano se desenrolar. — Se é assim... por que o corpo dela está sendo atraído e não desintegrado?! Existe um segredo?! Existe alguma forma?! É possível que exista uma maneira de levarmos nossos corpos até a dimensão dos deuses?!

Enquanto Niklaus refletia febrilmente, sua mente correndo como um rio turbulento de possibilidades, Dante continuava a se esforçar ao máximo, tentando se esticar, alcançar o corpo de Nero que flutuava para longe, seus braços tremendo com o esforço, os músculos rasgando com a dor sobre-humana, enquanto lágrimas quentes escorriam por seu rosto, borrando a visão da luz pulsante que a engolia.

— Esqueça, garoto! Você não vai conseguir alcançá-la desse jeito! — gritou Niklaus, alarmado, sua voz ecoando com uma urgência que traía sua obsessão. — Será esmagado pela pressão dimensional até a morte de qualquer forma! Ela é um cadáver agora! Abandone-a logo, antes que perca tudo por uma ilusão de salvação!

— EU JÁ FALEI PARA VOCÊ CALAR A SUA BOCA!!! — rugiu Dante, a voz rouca e primal, ecoando pelo saguão como um trovão de desespero, enquanto ele ignorava a advertência, o corpo tremendo com a fúria que o consumia.

Ele continuava inutilmente tentando se esticar, rastejando pelo chão ensanguentado com unhas que arranhavam o metal, deixando rastros de sangue e carne, o desespero o impulsionando como uma força além da razão. Desesperado, começou a tentar absorver o Ether caótico à sua volta, buscando qualquer fagulha de poder em meio ao vórtice dimensional, o ar ao seu redor crepitando com a energia instável que ele puxava para si, como se bebesse veneno para sobreviver. Seu corpo imediatamente começou a queimar intensamente, a pele borbulhando e se desfazendo em bolhas que estouravam com sons úmidos, o cheiro de carne queimada misturando-se ao fedor do ambiente, uma agonia que o consumia por dentro e por fora.

— Seu louco! — gritou Niklaus, alarmado, seus olhos arregalados enquanto observava o processo, a fascinação misturando-se ao horror. — Essa energia cósmica está em colisão dimensional eterna! Se você tentar absorver isso diretamente, vai ser desintegrado em nível atômico!

Mas Dante continuava, ignorando a dor excruciante que o consumia, como se cada célula de seu ser gritasse em agonia, mas sua vontade o impulsionasse adiante. Assim que conseguiu reunir um último resquício de força, esticou o braço em direção ao corpo flutuante de Nero, os dedos tremendo enquanto se aproximavam, o ar entre eles distorcendo com a pressão dimensional. No instante em que seus dedos quase a tocaram, seu braço inteiro começou a queimar intensamente, a pele e a carne borbulhando e se desfazendo em uma explosão de dor que o fez arquear as costas, um grito gutural escapando de sua garganta.

— AHHHHHH! — O berro ecoou pelo saguão, um lamento primal que parecia rasgar a própria realidade, enquanto o cheiro de carne queimada intensificava-se, o braço carbonizando-se instantaneamente até o osso, expondo tendões e músculos que fumegavam como brasas, a agonia transcendendo o físico, consumindo sua mente em ondas de fogo branco.

— Eu disse! Desista disso antes que seu corpo inteiro seja destruído! — advertiu Niklaus, sua voz ecoando com uma urgência frenética, enquanto ele observava horrorizado, mas fascinado. — Essa coisa não está queimando apenas seu corpo físico, está consumindo seu próprio Ether! Se alguma parte do seu corpo for queimada por completo assim, não poderá ser curada de nenhuma maneira, jamais, uma perda eterna que marcará sua essência!

— Dante! Para! — gritou Luck, impotente, sua voz ecoando do outro lado do saguão, enquanto ele tentava se aproximar, mas a pressão dimensional o empurrava para trás como uma parede invisível, o ar crepitando ao seu redor.

Mas Dante nem o ouvia. Com os olhos cobertos por lágrimas de agonia e perda, ele só conseguia ver Nero se afastando, entrando na luz ofuscante da torre dimensional, sua forma inerte flutuando como um anjo caído sendo chamado de volta ao vazio, o brilho multicolorido a envolvendo em um halo sinistro que distorcia sua silhueta.

— Eu não vou... Eu não vou... desistir de você... — murmurou ele, a voz rouca e entrecortada, enquanto o desespero o consumia, o corpo tremendo como se estivesse prestes a se desfazer.

E então, quando seu braço incendiou por completo, carbonizando-o instantaneamente até o osso em uma explosão de dor que o cegava, fazendo-o sentir cada nervo, cada célula, cada partícula de seu ser sendo aniquilada naquela pequena parte, como se o universo inteiro se concentrasse em sua agonia...

Naquele momento, como se o próprio universo tivesse sofrido um apagão súbito, tudo escureceu, um vazio absoluto que engolia luz e som, deixando apenas o silêncio ensurdecedor e o frio infinito.

E então, um instante depois... tudo novamente se iluminou.

Parte 3 -

O vazio se estendia como um oceano sem fim, sem ondas, sem horizonte, apenas uma ausência absoluta que engolia qualquer noção de direção ou realidade. Dante sentiu um calafrio percorrer sua espinha, mesmo que não houvesse ar frio ou quente ali para justificar tal sensação. Sua mente, ainda enevoada pelos resquícios da agonia, lutava para se ancorar em algo tangível. O último vislumbre que ele tinha era de chamas etéreas lambendo sua pele, o peso esmagador de dimensões colidindo, e o corpo inerte de Nero em seus braços. Agora, tudo isso parecia um sonho distante, mas a dor fantasma ainda pulsava em suas veias, como ecos de um incêndio que se recusava a apagar.

— Que... Quem falou isso? — Dante murmurou, a voz rouca, a consciência retornando lentamente, como se emergisse de um abismo profundo.

Ao Olhar ao seu redor. Não havia torre, não havia escombros, não havia sangue. Apenas... nada. Um vazio imensurável, uma escuridão ou talvez uma brancura infinita que se estendia em todas as direções, era tudo que restava à sua volta. O chão — se é que se podia chamar assim — era uma superfície invisível, firme sob seus pés, mas sem textura, sem som ao pisar. Era como caminhar sobre o conceito de "nada", e isso fazia sua cabeça doer ainda mais. Seu corpo tremia levemente, não de frio, mas de uma desorientação profunda que ameaçava engoli-lo inteiro. Como se o universo tivesse sido apagado, e ele fosse o único resíduo deixado para trás.

Foi quando, de repente, uma jovem loira, de aparência alegre e familiar, aproximou-se dele, caminhando sobre o nada. Seus cabelos dourados ondulavam suavemente, como se houvesse uma brisa inexistente, e seus olhos azuis brilhavam com uma vivacidade que contrastava com o vazio ao redor. Ela vestia um vestido vermelho deslumbrante. Dante piscou, tentando focar. Havia algo nela que o fazia lembrar de alguém do passado, uma memória fugaz que escapava como areia entre os dedos.

— Bom dia, Dante! Ou será boa noite? Sabe como é, aqui nesse... lugar... esse tipo de coisa não existe ou é totalmente irrelevante — disse ela, com um sorriso radiante, inclinando a cabeça de lado como uma criança curiosa, mas com um tom que carregava uma pitada de teatralidade, como se estivesse encenando uma peça para um público invisível.

— Quem é você? Que lugar é esse? era você quem estava falando antes ? — Dante perguntou, a confusão misturando-se à dor fantasma que ainda sentia. Sua garganta estava seca, como se tivesse gritado por horas, e ele se esforçou para se apoiar em um joelho, sentindo o peso de seu corpo como se fosse feito de chumbo.

— Eu? Eu sou Anna! Lembra de mim? — Ela piscou, os cílios longos batendo com uma inocência fingida, e deu uma voltinha no ar, como se estivesse exibindo um vestido novo. — Este lugar... Bom, isso não tem importância agora. De qualquer forma, um simples ser vivo é incapaz de ver sua verdadeira forma. — E sobre a voz de antes, acho que você acabou escutando a voz da minha irmã. Peço desculpas por ela, ela gosta de narrar as coisas sem motivo. — Ela falava como se estivesse escondendo um segredo do narrador. — Deixando isso de lado, agora temos que focar no importante. Caso não saiba, você acaba de morrer.

— O quê?!

A palavra ecoou no vazio, mas sem reverberação, como se o som fosse absorvido imediatamente. Dante sentiu um pânico gelado subir por seu peito, seu coração acelerando em um ritmo irregular. Memórias fragmentadas voltaram: a torre de luz, o caos dimensional, os gritos de seus amigos. Ele tentou se levantar, mas uma vertigem o derrubou de volta, o mundo — ou a falta dele — girando ao seu redor.

— Tá, calma, calma! — Anna gesticulou, apaziguadora, erguendo as mãos com palmas para frente, como se estivesse acalmando uma criança birrenta. Seus dedos se moviam com graça exagerada, quase dançando no ar. — Acho que me expressei mal. Foi força do hábito. Para ser mais exata, você está prestes a morrer. Nos próximos segundos, para ser mais precisa ainda.

— Mas o que você quer dizer com isso?! — Dante explodiu, tentando se levantar, mas sentindo uma fraqueza profunda que o ancorava ao nada. Seus músculos tremiam, como se o vazio estivesse sugando sua força vital, e ele cerrou os punhos, ignorando a dor lancinante que irradiava de onde seu braço direito deveria estar.

— Sabe, lembra daquela torre de luz gigantesca? Você sendo queimado vivo tentando alcançar sua amiga? Seus outros amigos sendo esmagados pela pressão dimensional, e blá blá blá? — Anna recapitulou, casualmente, sentando-se no ar como se houvesse uma cadeira invisível, cruzando as pernas e balançando um pé com uma inocência infantil. 

Mas havia um tom de arrogância em sua voz, como se estivesse narrando uma história banal, e Dante captou um vislumbre sutil — um brilho frio em seus olhos que não combinava com o sorriso alegre. Era como se ela estivesse usando uma máscara, para disfarçar algo mais profundo. Ele franziu a testa por um instante, percebendo a discrepância, mas a avalanche de emoções — a dor da perda de Nero, o caos recente — o fez descartar o pensamento rapidamente, focando no que importava.

— Acontece que o tal Niklaus estava certo sobre uma coisa: seus corpos mortais não são capazes de suportar a conexão direta com a dimensão superior. Era questão de meros segundos até que todos vocês fossem desintegrados ou esmagados até virarem nada. Claro, graças àquela espada dourada esquisita dele, o próprio Niklaus provavelmente sobreviveria. Mas você e seus amigos que restaram? Sem chance. Eu acompanhei sua tentativa ridícula e, confesso, meio tocante, de pegar sua amiga morta até te ver começar a carbonizar. Aí, eu te trouxe para cá, segundos antes de você virar churrasquinho cósmico.

Ela fez uma pausa, olhando para o ombro direito de Dante com uma expressão que misturava curiosidade e desdém, como uma criança examinando um brinquedo quebrado. — Ah, claro. E como você foi um completo idiota e deixou seu braço ser completamente consumido por aquela energia caótica... ele já não existe mais. Foi apagado da sua existência física e etérea. Independentemente do que faça, ele não vai voltar a ser o que era antes. 

Dante estava tentando processar tantas informações absurdas que nem havia percebido a ausência de seu braço direito até aquele momento. Olhou para o vazio onde deveria estar seu membro, sentindo um formigamento fantasma, como se o ar ali estivesse carregado de eletricidade residual. O choque o fez recuar, o estômago revirando, e ele tocou o ombro com a mão esquerda, confirmando a realidade cruel. Depois, de volta para Anna, a mente girando em um turbilhão de negação e raiva.

— .......Por que você me trouxe aqui?

— ? — Anna tombou a cabeça para o lado, piscando os olhos com uma expressão de curiosidade infantil, como se genuinamente não tivesse entendido onde ele queria chegar com aquela afirmação.

— Não se faça de boba — disse Dante, a voz recuperando um pouco da firmeza, apesar do tremor sutil. Ele se forçou a ficar de pé, ignorando a fraqueza, e encarou Anna — o jeito como ela inclinava a cabeça, o sorriso que parecia ensaiado. Era como se ela estivesse interpretando um papel, escondendo uma astúcia mais afiada por trás da inocência aparente, ele sabia que não podia confiar nela. Mas a imagem de Nero, fria e sem vida, invadiu sua mente novamente. — Você acabou de me mostrar que tem poder para agir mesmo naquele lugar onde deveria ser impossível para humanos sequer existirem. Você me tirou de lá. Você é uma Astraeus, não é? E, mesmo assim, me trouxe até aqui. É impossível que tenha sido apenas por bondade no seu coração.

— Hum, você é mesmo bom de raciocínio, não é?... — Anna sorriu, um brilho diferente em seus olhos, abandonando sutilmente a fachada infantil. Agora, sua voz carregava uma nota de crueldade velada, uma inteligência afiada que cortava como uma lâmina escondida. Ela se levantou devagar, flutuando mais perto, e o ar ao redor pareceu se tornar mais denso, carregado com uma presença opressora que fazia Dante suar frio.

Dante, logicamente, havia chegado àquela resposta por dedução, era o mais óbvio dada a situação. Mas, mais do que isso, havia algo naquela "Anna" parada à sua frente que transbordava o irracional. Era uma presença bizarra, estranha, algo que seus olhos podiam ver, mas que sua mente lutava para compreender. Talvez ela só tivesse assumido a forma de uma mulher familiar para facilitar a interação, pois, mesmo assim, o cérebro de Dante tinha dificuldades em processar a verdadeira natureza do que estava à sua frente. Formas sutis dançavam nas bordas de sua visão, como sombras de dimensões além, e ele sentiu uma náusea crescente, como se olhar para ela por muito tempo pudesse desfazer sua sanidade.

Ainda assim, não era fácil para ele aceitar. Talvez ele só conseguisse manter a sanidade por se recusar a aceitar completamente. Assim decidiu internamente que, se aquilo à sua frente era uma Astraeus, então os Astraeus não podiam ser os "deuses" benevolentes ou distantes das lendas. Eram... outra coisa. Algo bizarro e incompreensível, mas ele se recusava a aceitar que fossem Deuses. 

— Você está certo — confirmou Anna, abandonando parte da fachada casual, sua voz agora ecoando com uma arrogância inabalável, como se estivesse revelando um segredo. Seus olhos se estreitaram ligeiramente, revelando uma crueldade calculada, uma astúcia que planejava movimentos à frente. — Eu quero algo de você. Acontece que, por conta daquela 'bomba dimensional' que Niklaus detonou, a barreira entre seu universo e o 'lado de fora', onde nós Astraeus residimos, foi temporariamente rompida naquela área. Isso permitiu uma conexão, uma possibilidade de entrada para nós. — Bom, mais ou menos — ela se corrigiu, com um gesto de desdém, como se estivesse explicando algo óbvio para um aluno lento. Ela começou a circular Dante devagar, e o vazio ao redor pareceu pulsar em sincronia com seus passos. — Se nós entrássemos com nossa verdadeira forma e poder, toda a Terra e talvez o seu universo inteiro queimariam instantaneamente só pela nossa presença... Para evitar esse pequeno inconveniente, estamos usando 'avatares': corpos de carne e osso, geralmente humanos que tenham uma ressonância de Ether parecida com a nossa. Só que, por certos motivos, não existe nenhum humano no seu mundo atualmente com um Ether que ressoe perfeitamente comigo. Ou seja, eu tecnicamente não posso ir para o seu mundo... mas, por acaso, um certo idiota aqui presente absorveu aquele Ether cósmico caótico, alterando a própria natureza do seu Ether e, por uma fração de segundo, tornando-o perigosamente próximo ao meu.

Dante sentiu um arrepio ao ouvi-la, a proximidade dela fazendo sua pele formigar com energia residual. Ele podia sentir a manipulação em suas palavras, a forma como ela tecia a narrativa para guiá-lo, mas o luto por Nero o impedia de questionar mais fundo.

— Você quer me usar como seu avatar? — Dante perguntou, direto, sua voz cortando o ar como uma lâmina, tentando retomar o controle da conversa.

— Impossível — respondeu Anna, balançando a cabeça com um riso curto e cruel, que ecoou como um sino rachado no vazio. — Eu já disse, seu Ether ficou próximo ao meu por questão de segundos. Não daria certo. O que eu quero é usar você... para nascer no seu mundo. Criar um novo corpo para mim aí.

— Como assim?

— Basicamente, faremos um pacto. Fundiremos nossos corpos e essências por uma questão de segundos. Usarei nosso poder combinado e sua própria 'carne' e Ether alterado como catalisador e matéria-prima para nos separar em dois novos seres. Um serei eu, em um corpo compatível criado a partir da fusão. O outro será você, renascido e estabilizado. No entanto... — ela fez uma pausa, o tom ficando mais sério, seus olhos perfurando os de Dante com uma intensidade que revelava sua verdadeira astúcia. 

— ...em termos técnicos, nós dois, em nossas versões atuais, morreremos no processo. E outras versões de nós — ligadas, mas distintas — nascerão em nosso lugar. 

— O quê?! Morrer de novo?! — Dante sentia que a conversa o estava deixando ainda mais confuso.

Ele imaginou o processo: uma fusão que o dissolveria por completo, reconstruindo algo novo a partir das cinzas. O vazio pareceu sufocante, como se as paredes invisíveis se contraíssem ao seu redor.

— Ter um Astraeus usando você como base para um 'nascimento' é bem diferente do que sua mente mortal provavelmente imagina — explicou Anna, com uma paciência condescendente. Ela estendeu a mão, e padrões de luz fraca dançaram no ar, ilustrando suas palavras. — É uma fusão completa, fundamental. Nossas memórias, almas e até nossa estrutura física e etérea se entrelaçam em um novo ser. Em condições normais, essa união seria irreversível; os dois originais deixariam de existir para sempre.

Ela fez uma pausa, analisando-o para ver se seu intelecto limitado conseguia acompanhar. — É muito difícil para você, não é?

Um sorriso provocador brotou em seu rosto ao ver a expressão de Dante, que a fuzilava, irritado.

— Pense assim: é como combinar Oxigênio e Nitrogênio. O resultado é o Ar. Agora, me diga, pequeno mortal: como você separaria esses dois componentes depois de misturados? Começa a entender por que nos separar depois da fusão seria... problemático? — Ela o encarava, divertindo-se com sua confusão. — Além do mais, uma fusão nesse nível é um processo perigoso, com consequências imprevisíveis.

Dante tentava pensar, tentava processar, mas sua cabeça parecia a ponto de explodir. Ele desabou, sentando-se no nada, as pernas bambas. Fragmentos de sua vida lampejavam diante de seus olhos.

"Por que eu faria isso?" pensou ele, a imagem de Nero morrendo em seus braços voltando com força total, como uma lâmina cravada em seu coração. Seus olhos se encheram de lágrimas não derramadas, e ele sentiu um vazio maior que o ao seu redor. "De qualquer jeito, nada vai trazê-la de volta... Por que eu deveria continuar vivo?"

E então, as últimas palavras dela ecoaram em sua mente: "Não morra." Era como se ele pudesse ouvi-la novamente, sua voz suave cortando o silêncio cósmico, injetando uma faísca de determinação em meio ao desespero.

— Droga... droga... droga! — ele repetia para si mesmo, as lágrimas voltando a escorrer enquanto socava o 'nada' sob seus pés. Cada soco ecoava surdamente, sem impacto real, mas aliviando um pouco a raiva acumulada. Seu corpo tremia, o luto misturando-se à fúria, e o vazio parecia absorver suas emoções, tornando-as ainda mais intensas.

Finalmente, ele ergueu a cabeça, o rosto marcado pela dor, mas com uma nova resolução nos olhos. Seus punhos se cerraram, e ele se levantou devagar, encarando Anna com uma determinação forjada no fogo.

— Se eu fizer isso... eu vou continuar vivo?

— Sim. Uma versão de você continuará viva — confirmou Anna, sua voz agora carregada de uma inteligência cruel, como se estivesse selando um acordo que já considerava ganho.

— E meus amigos? Luck? Kurokawa?

— Todos, exceto a garota chamada Nero, também sobreviveram, embora provavelmente estejam feridos ou inconscientes agora — informou Anna, com um tom prático, quase indiferente, revelando sua astúcia em não oferecer mais do que o necessário. — Mas, infelizmente, como eu disse, nem mesmo eu posso trazer aquela garota de volta da morte. Esse é um domínio... de outra pessoa.

Dante fechou os olhos por um momento, absorvendo a confirmação final. O silêncio do vazio o envolveu, permitindo que ele revisse memórias de Luck e Kurokawa — suas brigas, suas vitórias compartilhadas. Eles ainda estavam lá, precisando dele. E Niklaus... aquele traidor pagaria. Então, ele os abriu novamente, a decisão tomada, uma chama de vingança acendendo em seu peito.

— Tudo bem... Eu aceito. — Dante falou agora resoluto. — Faça o pacto que for. Demoníaco, cósmico... eu não me importo. Eu só preciso continuar vivo. Pelo Luck. Pela Kurokawa. — De repente ele fechava o único punho que ainda tinha com força. — Eu vou caçar aquele desgraçado do Niklaus até o inferno e vou aniquilá-lo. E, acima de tudo... eu vou encontrar um jeito de trazer a Nero de volta à vida. Custe o que custar. Nem que seja a minha própria vida no final!

O ar ao redor começou a vibrar sutilmente, como se o pacto já estivesse se formando, e Dante sentiu uma energia estranha percorrer seu corpo, um prenúncio do que viria. Anna sorriu, sua máscara de cruel inteligência brilhando mais forte, satisfeita com o desfecho que havia orquestrado.

Parte 4 - 

20 de julho de 20018, 06:00 da Manhã - Torre Dates (Alexandria) 

Vinte Anos Após o Incidente na Torre Dates

Nyan, Sora e Leon avançavam cautelosamente pelos andares destruídos e silenciosos da Torre Dates. O ar estava impregnado de um cheiro úmido e metálico, como se o metal oxidado e o pó acumulado de décadas se misturassem em uma névoa invisível que pesava sobre seus pulmões. Os passos ecoavam fracamente contra o concreto rachado, e a cada esquina, sombras dançavam à luz fraca das lanternas, evocando memórias de um passado que a torre parecia relutante em esquecer. O tempo havia cobrado seu preço, mas as marcas da violência ainda eram visíveis nas paredes e no chão: sulcos profundos como garras de uma besta colossal, manchas escuras que poderiam ser sangue seco ou resquícios de energia arcana, e pilhas de entulhos que formavam barreiras improvisadas, forçando-os a contornar caminhos obstruídos.

— E continuamos sem uma resposta concreta — murmurou Sora, iluminando um corredor escuro com uma lanterna tática. A luz cortava a escuridão como uma lâmina, revelando grafites desbotados. Ele ajustou o feixe, varrendo as paredes em busca de qualquer sinal de movimento, o coração acelerado pela tensão acumulada de horas de exploração. — O que será que realmente aconteceu neste local?

De repente, um som de rasgo dimensional ecoou pela torre, um ruído gutural e distorcido que lembrava o tecido da realidade sendo rasgado por garras invisíveis, seguido por um brilho intenso vindo do andar inferior. O ar tremeu com uma onda de energia que fez os pelos dos braços de Nyan se eriçarem, e um zumbido baixo invadiu seus ouvidos, como se o espaço em si estivesse protestando contra a intrusão.

— Que barulho foi esse?! — exclamou Leon, empunhando sua arma. Sua voz ecoou pelas escadas em ruínas, e ele girou o corpo, os músculos tensos, pronto para qualquer ameaça que pudesse surgir das trevas. 

— Vamos! Corram! — gritou Sora, já se movendo na direção da luz e do som. 

Ela desceu as escadas em degraus irregulares, pulando sobre pedaços de concreto soltos, a lanterna balançando e criando padrões caóticos de luz nas paredes. Nyan e Leon a seguiram de perto, o som de suas botas ecoando como um tambor de guerra, enquanto o brilho abaixo pulsava como um coração vivo, iluminando o caminho com tons etéreos que pareciam sugar a escuridão ao redor.

Ao chegarem apressadamente ao local – a antiga recepção, agora uma cratera parcialmente reconstruída pelo tempo, com o chão afundado em um poço irregular coberto por musgo e raízes que se infiltravam pelas fendas como veias de uma entidade viva –, o grupo deparou-se com uma cena inacreditável: uma fenda trêmula no espaço-tempo estava se fechando, como uma ferida cicatrizando em câmera lenta, emitindo faíscas de energia residual que dançavam no ar como vaga-lumes elétricos. Dela haviam acabado de sair quatro figuras cambaleantes e feridas, seus corpos cobertos por poeira, sangue seco e roupas rasgadas que pareciam ter sido arrastadas. Uma delas tossia violentamente, apoiando-se nas paredes irregulares, enquanto outra murmurava palavras incoerentes

— Como... como eles chegaram aqui?! — Sora balbuciou, chocado. Ele congelou por um instante, a lanterna tremendo em sua mão, iluminando os rostos exaustos e marcados por cicatrizes frescas, questionando a sanidade de seus próprios olhos. O ar ao redor da fenda ainda crepitava com resquícios de magia ou tecnologia interdimensional, fazendo o chão vibrar levemente sob seus pés.

Nyan, porém, que era a única ali capaz de reconhecer algumas daquelas figuras apesar dos anos e das roupas rasgadas, caiu para trás, sentando-se no chão em choque, sem conseguir acreditar no que via. Suas pernas fraquejaram como se o peso de duas décadas a tivesse atingido de uma vez, e ela apoiou as mãos no solo frio e rachado, sentindo a textura áspera contra as palmas. 

— Peraí... — sussurrou ela, os olhos arregalados. — Aqueles dois... são o Luck... e o Dante! dos cartazes de Desaparecido, Mas como?! Por quê?! Quando?! Sua voz era um fio trêmulo, ecoando no vazio da recepção

— Esqueça isso por agora! — ordenou Sora, assumindo a liderança tática. Ela sacudiu a cabeça para dissipar o espanto. — Vamos levá-los para fora daqui imediatamente! Eles estão gravemente feridos! Precisamos fazer os primeiros socorros antes de tentar entender qualquer coisa! — Ela se moveu com eficiência, abrindo sua mochila para pegar bandagens e injeções de analgésicos, enquanto avaliava as feridas mais graves.

Os três se apressaram em ajudar as figuras recém-chegadas e gravemente feridas, enquanto Nyan continuava a encará-los, a mente perdida em um turbilhão de perguntas impossíveis sobre o tempo, o destino e os fantasmas de vinte anos atrás que haviam acabado de retornar.

Parte 5 -

14 de julho de 20018, 23:30 da Noite - Torre Dates (Alexandria)

Uma Semana Atrás

A figura solitária de Layla moveu-se pelas ruínas silenciosas do terceiro andar da Torre Dates, seus passos ecoando suavemente contra o piso irregular coberto por camadas de poeira e fragmentos de concreto rachado. O ar estava carregado de um silêncio opressivo, quebrado apenas pelo ocasional gotejar de água infiltrada pelas fendas no teto, como lágrimas de uma estrutura que havia testemunhado horrores demais. O fedor de morte e Ether estagnado ainda pairava no ar, um odor acre e metálico que se agarrava às narinas como uma névoa pegajosa, misturando-se ao cheiro de mofo e decomposição, mas estava diminuindo aos poucos, como se a torre estivesse lentamente exalando seu último suspiro de agonia.

— Droga, Nicklaus... Devia ter avisado que demoraria tanto para eles chegarem — murmurou ela para si mesma, examinando a sala onde Shiki e seu grupo encontraram seu fim. Ela agachou-se perto de uma poça seca de fluido escuro, tocando-o com a ponta dos dedos. — Se eu soubesse, teria deixado um deles vivo para poder passar o tempo… Tédio.  — Sua voz ecoou baixa, carregada de uma impaciência fria.

Nesse momento, as paredes da torre começaram a vibrar sutilmente, um tremor baixo que subia pelas solas de suas botas e se espalhava por seu corpo como um formigamento elétrico. O chão, antes manchado de sangue em padrões irregulares, pareceu absorvê-lo gradualmente, as manchas escurecendo e se fundindo com o concreto como se a torre estivesse bebendo de volta sua própria essência vital. Uma leve pulsação de Ether começou a emanar da própria estrutura do local, como um coração antigo voltando a bater após um sono profundo, enviando ondas de energia que faziam o ar ao redor de Layla crepitar levemente, erguendo finos fios de poeira que dançavam como fantasmas na penumbra.

Uma porta que não existia antes surgiu do nada em uma das paredes, materializando-se com um sussurro de ar deslocado, brilhando com uma luz fraca e de outro mundo – tons de azul espectral e prata que pulsavam como veias luminosas, convidando e ameaçando ao mesmo tempo. Layla observou-a com olhos estreitados, sentindo o ar ao redor esfriar ligeiramente, como se a realidade estivesse se dobrando para acomodar essa anomalia. Seu coração acelerou por um breve momento, não de medo, mas de curiosidade calculada, enquanto ela se aproximava, o som de seus passos agora abafado pela energia que emanava da fenda.

— Se bem me lembro das instruções dele, agora eu deveria... — Layla retirou um anel estranho, com uma gema que parecia conter uma galáxia em miniatura, rodopios de estrelas e nebulosas girando preguiçosamente dentro da pedra polida. Ela o segurou entre os dedos, sentindo um calor sutil emanar dele, como se o objeto estivesse vivo e pulsando em sincronia com a porta. Com um movimento preciso e deliberado, ela o colocou gentilmente dentro da fenda luminosa da porta misteriosa, o anel atravessando a barreira como se mergulhasse em água espessa. Assim que o anel atravessou, a sala inteira tremeu violentamente por um instante, o chão inclinando-se levemente e as paredes rangendo como ossos antigos sob pressão. Poeira choveu do teto, e um vento súbito rodopiou ao redor de Layla, bagunçando seus cabelos e carregando ecos distantes de sussurros indecifráveis. A porta brilhou mais intensamente antes de desaparecer, deixando apenas a parede sólida, agora marcada por uma fina linha de luz residual que se apagava lentamente, como uma cicatriz fresca.

— Interessante. Então ele realmente cumpriu o acordo... — Uma voz masculina, etérea e carregada de um leve tom de surpresa e divertimento, ecoou pela sala.

Layla virou-se, sem demonstrar surpresa, seu rosto uma máscara de calma controlada, embora internamente ela avaliasse a ameaça potencial, os músculos tensos e prontos para ação. 

— Achava que ele iria te trair? — perguntou ela ao ar, sua voz firme e ecoando no vazio. — Se é assim, por que confiou e entregou seus dados de pesquisa a ele? — Ela cruzou os braços, inclinando a cabeça ligeiramente, os olhos varrendo a sala em busca de qualquer manifestação visual da voz, sentindo o Ether ao redor se agitar como se respondesse à presença espectral.

— Hum... — A voz espectral pareceu ponderar, um som baixo e reflexivo que pairava no ar como uma névoa, carregado de uma inteligência aguçada e uma pitada de ceticismo eterno. — Tenho a tendência natural de duvidar de tudo. Acho que é um traço comum a qualquer estudioso sério da ciência. Duvidei de Niklaus, sim, mas também aceitei a possibilidade de que ele estivesse dizendo a verdade. Era apenas questão de tempo até a minha própria morte inevitável quando o conheci, de qualquer maneira. Por isso, já era meu objetivo garantir que minha pesquisa fosse passada adiante. O fato de Niklaus mencionar que talvez houvesse uma forma de um poltergeist assumir uma forma física mais... tangível... e quem sabe, um dia, poder deixar as paredes desta torre... era apenas um bônus inesperado que eu não reclamaria se acontecesse. — A voz ganhou um tom mais animado ao final, como se o conceito de transcendência o divertisse, e Layla sentiu uma leve brisa espectral roçar sua pele, carregando um frio sutil que a fez estreitar os olhos.

“Era o que faltava, mais um esquisito que fala de forma esquisita..” — pensou Layla, revirando os olhos mentalmente, mas mantendo a compostura externa impecável, um sorriso frio curvando levemente seus lábios. 

— Como veio me trazer a relíquia que ele prometeu através daquela fenda — continuou a voz de Maicon, agora com um tom mais direto, como se estivesse se acomodando na conversa —, acredito que você seja uma das companheiras de Niklaus. — O ar ao redor pareceu se condensar ligeiramente.

— Sim. Meu nome é Layla — apresentou-se ela formalmente, inclinando a cabeça em uma saudação mínima, sua voz ecoando com uma confiança que mascarava qualquer dúvida interna. — Vim dar as boas-vindas aos novos membros da Horizon.

— "Novos"? No plural? — A voz de Maicon pareceu intrigada, o tom elevando-se ligeiramente em curiosidade, ecoando com um leve tremor que fez as paredes vibrarem de novo. — Desse jeito, parece que mais alguém está vindo além de mim. — Maicon fez uma pausa, como se estivesse processando as implicações.

— Você e eu o conhecemos muito bem, o garoto de olhos vermelhos e azuis — confirmou Layla, seu tom casual, mas carregado de uma certeza fria. — Mas, pelo visto, ainda não aceitou completamente seu novo papel na peça que está por vir. Por isso, Niklaus me pediu para vigiá-lo de perto por enquanto.

— Entendo... — A voz pareceu processar a informação, um som de compreensão que se estendeu como um eco prolongado, carregado de fascínio intelectual. — Então aquele garoto... Dante... continua vivo, de alguma forma. Fascinante. Falando nisso, acho que não cheguei a me apresentar formalmente, mesmo que as circunstâncias sejam... peculiares e minha forma atual, um tanto rude. Prazer em conhecê-la, Layla. Eu sou Maicon Dates, ou o que resta dele nesta existência espectral.— A voz ganhou um tom mais caloroso ao final, como se tentasse humanizar a interação.

Parte 6 

20 de julho de 20018, 06:00 da Manhã - Torre Dates (Alexandria) 

O sol filtrava-se através das folhas densas de uma árvore ancestral, lançando padrões dançantes de luz e sombra sobre o chão coberto de grama macia e úmida. O ar carregava um aroma fresco de terra molhada e flores silvestres, misturado ao distante murmúrio de um riacho que serpenteava por ali perto. Dante sentiu o peso de seu corpo contra a relva, como se cada músculo estivesse protestando contra o despertar forçado. Sua cabeça latejava com uma dor surda, como se um martelo invisível batesse ritmicamente em seu crânio, e sua boca estava seca, com um gosto metálico que lembrava sangue seco. Uma sensação anestésica envolvia todo o seu ser, amortecendo toques e sensações, como se ele estivesse envolto em camadas de algodão invisível, isolando-o do mundo real.

— Ei… você não acha que ele se parece com o Kai…?

— Parecer? Do que você está falando? Eles são idênticos!

O garoto começou a despertar lentamente, vozes abafadas ecoando ao seu redor, como ecos distantes em uma caverna vasta. Ele piscou várias vezes, tentando dissipar a névoa que turvava sua visão, e se ergueu devagar, apoiando-se nos cotovelos. O mundo girava levemente, e ele precisou de um momento para estabilizar a respiração. Uma dor de cabeça latejante, boca seca e um profundo desnorteamento o incomodavam. Havia também uma estranha sensação anestésica por todo o corpo, que o impedia de sentir as coisas direito, como se estivesse envolto em algodão. Ele se levantou aos poucos, piscando para ajustar a visão, deparando-se com duas figuras o encarando com expressões mistas de alívio e preocupação. Kurokawa, com seus cabelos escuros e olhos afiados, parecia prestes a explodir em lágrimas, enquanto Luck, com sua postura sempre confiante, exibia um sorriso trêmulo que não chegava aos olhos.

— Onde… onde eu estou? — conseguiu perguntar Dante, a voz rouca, raspando na garganta como lixa. Ele olhou ao redor: uma clareira serena, cercada por árvores altas que sussurravam com o vento, e o céu acima pintado em tons de azul claro, sem uma nuvem à vista. Não era o caos da torre; era... pacífico, quase irreal.

— Dante!

— Dante!

Kurokawa e Luck saltaram na direção dele e o abraçaram com força. Kurokawa, porém, percebendo a espontaneidade do ato, afastou-se rapidamente, corando, suas bochechas tingidas de um vermelho profundo enquanto ajeitava os cabelos atrás da orelha, evitando o olhar dele. Luck também parou, encarando Dante com uma expressão complexa, sem saber exatamente como ou o que deveria falar primeiro. Seus olhos revelavam uma mistura de alívio, confusão e algo mais profundo — talvez culpa.

— Alguém pode me explicar o que está acontecendo? — pediu Dante, ainda confuso. Sua mente era um turbilhão de fragmentos: flashes de luz cegante, gritos ecoando, o peso inerte de um corpo em seus braços. Ele se sentia deslocado, como se seu corpo não fosse mais inteiramente seu.

— Bom, isso era o que nós estávamos querendo que você nos contasse — respondeu Luck, coçando a nuca com um gesto desconfortável, sua voz carregada de uma leve hesitação. Ele trocou um olhar rápido com Kurokawa, como se buscasse apoio para navegar naquela conversa surreal.

Mas então, uma terceira figura tomou a frente: a garota de cabelos amarelos e olhos azuis, usando nada além de várias faixas brancas estrategicamente enroladas pelo corpo, que mal cobriam o essencial e davam a ela uma aparência ao mesmo tempo vulnerável e provocativa. Anna. 

Ela caminhou para frente, como se o ar a sustentasse, com um sorriso travesso que misturava inocência infantil e uma arrogância sutil, como uma criança que sabe um segredo e se deleita em revelá-lo aos poucos. 

— Se vocês não conseguem entender, pobres humanos limitados, deixem que eu explico — disse ela, com um ar de superioridade divertida, erguendo o queixo dramaticamente e gesticulando com as mãos como uma atriz no palco. Sua voz ecoava com uma pitada de ingenuidade, como se estivesse explicando um jogo simples. 

Dante franziu a testa por um instante sentindo que tinha algo diferente na forma como ela estava agindo agora, era como se ela estivesse interpretando uma versão exagerada de si mesma. Mas a dor em sua cabeça e os fragmentos de memórias o distraíram, e ele deixou o pensamento escapar.

— Após aquela explosão de energia dimensional que Niklaus criou, Dante e seus amigos estavam prestes a ser esmagados pela pressão de uma dimensão superior. Mas acabou que todos foram salvos por mim no último instante e mantidos em uma 'fase' secreta entre as dimensões para evitar que morressem ou fossem permanentemente danificados. No entanto, acabou sendo impossível para mim mandá-los de volta imediatamente. A 'ferida' nas dimensões que a explosão de Niklaus causou no tecido do mundo era instável; abrir outra passagem para trazê-los de volta poderia causar um rasgo ainda maior na realidade. Assim, eu tive que esperar até que a 'cicatriz' dimensional se fechasse por completo e o Ether local voltasse a se estabilizar. Como eles estavam efetivamente fora do fluxo normal de tempo e espaço durante esse período, para eles, o tempo não passou. Enquanto isso, para o resto do mundo, as coisas continuaram a acontecer normalmente. Funcionando, basicamente, como uma grande e não intencional viagem no tempo para o futuro.

Dante piscou, tentando absorver a explicação, as palavras de Anna ecoando em sua mente como um enigma. Ele sentiu um arrepio percorrer sua espinha, como se o ar ao redor tivesse esfriado subitamente. 

— Quem é a garota tagarela com complexo de chūnibyō? — Perguntou Luck olhando para Dante.

— Tagarela é a sua mãe!!! — retrucou Anna, irritada, cruzando os braços com um bico infantil. Ela piscou rapidamente, mudando de tom para uma inocência fingida.

As memórias começaram a voltar para Dante em flashes dolorosos, embora sua cabeça ainda latejasse, cada pulsação enviando ondas de náusea. A torre erguendo-se como um monstro de luz, Niklaus com sua espada dourada, a luz cegante consumindo tudo, Nero... o peso dela em seus braços, o último sussurro. Ele rapidamente relembrou de tudo e, olhando novamente para a garota loira, falou : — Você... Você é a Anna, não é? 

— Bingo! — ela sorriu, batendo palmas com uma teatralidade exagerada, como se fosse uma vitória em um jogo, mas por trás do sorriso, havia uma astúcia que avaliava as reações dele, como um predador medindo a presa.

— É difícil explicar tudo agora — disse Dante, virando-se para Luck e Kurokawa —, mas, resumindo muito a situação, o que ela está falando é verdade: a gente viajou no tempo. 

O grupo se encarou em silêncio por alguns minutos, processando a informação absurda.

— Bom... — começou Luck, coçando a cabeça, sua voz ecoando com uma mistura de ceticismo e aceitação forçada. — Conversamos entre nós e com o pessoal que nos encontrou, meio que também chegamos a essa conclusão maluca. — Mas não era bem a isso que estávamos nos referindo quando pedimos uma explicação...

— ???? — Dante ficou confuso, franzindo a testa enquanto tentava decifrar o olhar enigmático do amigo.

Foi quando ele começou a mexer no próprio corpo, sentindo algo estranho, ou melhor, não sentindo algo que deveria. Seus dedos percorreram os braços, o torso, e uma discrepância o atingiu como um soco: tudo parecia... menor, desproporcional. Ele olhou para baixo, para suas pernas mais curtas, e depois para as mãos, que pareciam infantis em comparação com o que lembrava.

— Eu... eu ‘tô’... PEQUENO?! — gritou ele, olhando para as próprias mãos, para a altura de Luck e Kurokawa em relação a ele. Agora, ele mal chegava ao ombro de Luck, que antes era quase da mesma altura. O pânico subiu por seu peito, acelerando sua respiração, e ele se sentiu ridículo.

— Acho que agora você tem uns 1,60 de altura... — comentou Luck, tentando não rir, mas um sorriso escapou, aliviando um pouco a tensão, embora seus olhos ainda carregassem preocupação.

— Mas o quê?! Como?! Por quê?!

Continuando a vasculhar o próprio corpo em pânico, ele finalmente viu a coisa que, normalmente, deveria ter sido a primeira a ser notada, dada a sua ausência anterior. Seu braço direito — antes um vazio doloroso — agora estava lá, envolto em faixas brancas apertadas, pulsando com uma energia sutil que ele podia sentir sob a pele.

— Espera aí! Por que eu ‘tô’ com um braço de novo?! 

— Ele só notou agora? — perguntou Sora para Nyan, que observava a cena de longe com Leon, encostados em uma árvore próxima, seus rostos uma mistura de diversão e ceticismo. Sora, com seus cabelos curtos e práticos, cruzou os braços, erguendo uma sobrancelha.

— Considerando que eles viajaram 20 anos para o futuro, nada mais me surpreende. — Leon murmurava assistindo o grupo de longe.

O braço direito de Dante estava totalmente enfaixado, da mão até o ombro, as faixas emitindo um brilho fraco, quase etéreo, que pulsava em sincronia com sua respiração. No susto ao encará-lo, ele tentou se levantar abruptamente, mas perdeu o equilíbrio, incapaz de se sustentar direito, e caiu para o lado, a grama amortecendo a queda com um som macio. 

— Vai demorar um pouco para você se acostumar com o novo equilíbrio e... com isso — disse Anna, apontando para o braço enfaixado. Ela caminhou para mais perto dele, inclinando-se por cima dele deixando seus cabelos taparem o rosto dele.

— O que foi que você fez comigo ? — Dante perguntou a encarando nos olhos. 

— Eu te avisei que usaria sua 'carne' e Ether como base para eu 'nascer' neste mundo. E sobre essa 'coisa' enfaixada... bom, não é exatamente um braço.

— O quê?! — Dante começou a puxar as faixas, seus dedos tremendo de frustração e curiosidade mórbida, o tecido cedendo levemente sob a pressão.

— IDIOTA! — Anna deu uma cabeçada forte na testa dele, fazendo-o parar, o impacto enviando uma onda de dor que clareou momentaneamente sua mente. Ela recuou, massageando a própria testa com uma expressão de fingida dor. — Você não deve desembrulhar isso de jeito nenhum! Escuta! Eu já te avisei! Você perdeu seu braço original de uma maneira que não teria volta! Como um pequeno favor, pela 'ajuda' que você me deu, eu te deixei essa "coisa" aí no lugar. Mas você não deve olhar diretamente para ela!

— Por quê?! E como assim, "coisa"?!

— Digamos assim: você conhece a história do gato de Schrödinger?

— Sim... e daí?

— Bom, esse é mais ou menos o estado quântico-metafísico-bizarro do seu 'braço' atualmente. Enquanto você não olhar diretamente para o que há sob as faixas, essa 'coisa' pode ser percebida como um braço, ter a aparência de um braço, e até se comportar como um braço funcional. Mas escute com muita atenção, Dante: essa 'coisa' não é um braço de verdade. Você não deve esquecer disso jamais. E nunca, em hipótese alguma, desembrulhá-lo para olhar. Entendido?

Todos à volta – Luck, Kurokawa, Nyan, Sora, Leon – pareciam completamente confusos com a conversa esotérica dos dois, sem saber se deveriam ou poderiam se intrometer. Kurokawa piscava rapidamente, tentando processar as implicações cósmicas, enquanto Nyan trocava olhares céticos com seus companheiros. Mas Luck notou algo na expressão de Dante que ia além da confusão sobre o braço. Ele se aproximou, colocando uma mão gentil no ombro do amigo.

— Dante... você está... bem? De verdade?

 Dante momentaneamente ficou confuso com a pergunta. Claro que achava toda a situação bizarra, mas ele era um Scarlune; ser "totalmente humano" já não fazia parte de sua realidade há muito tempo. Ter um braço anormal ou monstruoso não deveria ser tão chocante assim para ele. 

 Mas foi então que ele encarou Luck mais atentamente, percebendo pela expressão preocupada do amigo que a pergunta não era sobre o braço ou a viagem no tempo. Dante começou a abaixar a cabeça lentamente, uma sensação de vazio gelado começando a se formar em seu peito ao perceber que algo vital estava faltando. Onde estava o peso esmagador no coração? A agonia que o consumia?

— Para onde... para onde foi? — sussurrou ele, mais para si mesmo, sua voz tremendo levemente enquanto sondava o vazio interno.

Ele percebeu o que estava faltando. Algo que lhe era intrínseco, doloroso, mas importante. Seu sofrimento. A dor aguda da perda de Nero. Era como se um buraco tivesse sido cavado em sua alma, e o que restava era um eco distante, não a torrente avassaladora que o definia momentos antes.

— Anna... o que você… 

— Eu te disse, Dante — Anna respondeu, o tom agora um pouco mais suave, quase solidário, abandonando temporariamente a máscara de arrogância para uma de inocência compassiva, como uma criança tentando consolar um amigo. — Você não é mais exatamente o antigo Dante. Mesmo que tenha suas memórias, seu novo 'eu', nascido da nossa fusão temporária e separação imperfeita, é... diferente.

Dante correu até ela, agarrando-a pelos ombros seus dedos cravando-se nas faixas brancas, o corpo tremendo de uma raiva misturada a desespero.

— Devolva!

— Impossível. Eu já expliquei. Uma vez que nos fundimos naquele nível fundamental, é impossível voltarmos a ser exatamente o que éramos antes. Partes se perdem, partes se misturam permanentemente.

Dante estava pronto para sacrificar tudo, até a si mesmo, pela chance de continuar vivo e cumprir seu plano – vingar-se de Niklaus, trazer Nero de volta. Mas o que ele não esperava era que isso fosse levado dele. Parte de seus sentimentos mais profundos, especialmente a dor excruciante da perda de Nero, havia... desaparecido? Não completamente, ele conseguia lembrar da dor, do sofrimento, de como foi querer morrer naquele momento... mas não sentia mais aquilo com a mesma intensidade avassaladora. Era horrível, perturbador de uma forma diferente. Sua cabeça não queria aceitar. Como ele podia estar aceitando a morte dela tão... friamente? Ele sentia como se traísse a memória dela ao não sofrer o suficiente.

— Por que essa preocupação toda? — perguntou Anna, inclinando a cabeça com uma curiosidade genuína, como se não compreendesse a profundidade humana da emoção. Ela piscou inocentemente, mas sua voz carregava uma crueldade sutil. — Está com medo que a falta desse sofrimento intenso o impeça de ter determinação o suficiente para fazer o que você quer? Para buscar sua vingança ou seu milagre impossível?

Dante se afastou de Anna bruscamente e começou a andar, seus passos pesados na grama, o vento bagunçando seus cabelos enquanto ele processava o vazio interno. Saiu debaixo da árvore onde os outros o haviam deixado. Olhando para o céu vasto e desconhecido daquele futuro, ele falou, a voz embargada, mas com uma nova e estranha determinação, forjada não mais na dor, mas em uma resolução fria e inabalável:

— Não. Isso não vai importar. Até porque... eu não vou precisar sofrer quando ela voltar. — Ele se virou para Luck, os olhos brilhando com uma intensidade febril, como chamas reavivadas em um fogo quase extinto. — Luck, me escuta! Eu não sei exatamente onde estamos, eu não sei o que vai acontecer a partir de agora, mas eu preciso da sua ajuda, mais do que nunca! — ele respirou fundo, o ar fresco enchendo seus pulmões, solidificando sua promessa — ...vamos trazer a Nero de volta à vida…

 Um certo tempo se passou desde que Dante declarou seu objetivo aparentemente impossível. O grupo caminhava por uma trilha de terra batida, ladeada por flores silvestres e árvores antigas. O sol subia no céu, aquecendo o ar e lançando sombras alongadas à frente deles. Todos caminhavam em um silêncio tenso, atravessando o cemitério feito em volta da torre do terror em direção ao portal de teletransporte daquela área, o som de pés pisando na terra misturando-se ao canto ocasional de pássaros. Ninguém teve coragem de contestar Dante diretamente. Um garoto que perdeu alguém tão importante e, por não aceitar a realidade, falava coisas consideradas impossíveis como trazer os mortos de volta... era uma visão até comum no mundo dos Shapers e suas habilidades que desafiavam a lógica, mas ainda assim, dolorosa de se ver. 

Kurokawa olhava para o chão, seus pensamentos um redemoinho de empatia e dúvida, enquanto Anna caminhava ao lado, com um sorriso enigmático que misturava diversão infantil e arrogância velada. Luck, no entanto, não pareceu tratar como delírio; após ouvir o amigo, apenas afirmou que estaria indo aonde quer que Dante fosse agora, sua lealdade inabalável brilhando em seus olhos. 

Enquanto caminhavam pelo cemitério, o céu daquele novo mundo pulsava com um brilho novo apesar de estar mais velho. Sora, com sua voz calma, falou sobre os túmulos memoriais erguidos após o incidente da Torre Dates, Durante esse tempo todos acreditaram que Dante, Nero, Luck e Kurokawa haviam sido engolidos pela catástrofe que ocorreu. Suas lápides estavam cobertas de musgo.

Dante caminhava em silêncio, com os olhos pregados no chão de terra batida. Cada passo ecoava a dor lancinante em seu peito, um vazio que nem a loucura sobre a viagem de vinte anos conseguia preencher.

“Quando vai parar de agir desse jeito? Vai acabar morrendo, sabia?!”

A voz dela assombrava seus pensamentos enquanto encarava o túmulo de Nero.

— Sua trapaceira... — murmurou Dante, a voz abafada pelo vento. — Vivia me dizendo isso, mas olhe só: foi você quem morreu primeiro. — Enquanto falava ele apertava o punho com força ao ponto de suas unhas perfurarem a pele. 

O vento frio do cemitério pareceu transportá-lo para outra época, para uma memória distante. Ele tinha treze anos, vestido num traje steampunk, e estava absorto em um jogo numa casa velha que parecia saída do mesmo universo. De repente, batidas na porta.

— É sério? Eu estava quase zerando! — resmungou Dante, levantando-se com uma fatia de pizza na mão. Ao abrir a porta, deu de cara com Nero, também com treze anos, mas com um olhar que parecia carregar o peso do mundo.

— O que você quer? — perguntou ele, a animação sumindo. — Se veio me arrastar de volta para casa...

— Pelo contrário — cortou Nero, passando por ele e invadindo o cômodo. — Eu vou dar uma lição nos Scarlunes. Vou fazer cada um deles se arrepender. E você, como um bom primo, vai me ajudar.

— Você enlouqueceu? — Ele a observava, confuso, enquanto ela andava de um lado para o outro, gesticulando com uma energia febril.

— Nosso primeiro passo é ir para Babylon, nos registrar como caçadores e ganhar experiência. — ela o ignorava, imersa em seus próprios planos.

— Ei, dá pra me escutar? E por que eu faria isso? Estou ótimo, vivendo sozinho, caso não tenha notado. — Dante cruzou os braços, emburrado.

— Qual é? — Nero parou bem na frente dele, forçando-o a encará-la. — Vai ser como um daqueles animes que você tanto adora, o que tem a perder?

Ele se lembrava daquele brilho nos olhos dela, uma chama que tornava qualquer recusa impossível. Mas, ao abrir os olhos e encarar a pedra fria com o nome "Nero" gravado, uma certeza esmagadora se cravou em seu peito: aquelas chamas haviam se apagado.

Luck e Kurokawa decidiram alterar suas lápides. Com cinzéis que raspavam a pedra com um som agudo, quase um lamento, o grupo inscreveu os nomes de Caroline e de sua mãe, uma última homenagem às duas que, de alguma forma, encontraram paz no caos da torre. O som do cinzel ecoava como um adeus final, cada batida um lembrete do que foi perdido. Dante observou em silêncio, o coração apertado ao lembrar do sorriso tímido de Caroline.

Mas as lápides de Dante e Nero permaneceram intocadas, por seu próprio pedido. Ele se ajoelhou diante da pedra de Nero, o nome gravado em letras desgastadas pelo tempo: Nero Scarlune. Sua mão trêmula tocou a superfície fria, sentindo um eco distante da dor que outrora o consumia – a imagem dela sorrindo, zombando de suas poses exageradas, o olhar que sempre dizia mais do que suas palavras. 

— É melhor não se acostumar aí, onde quer que esteja — disse ele para o túmulo. — Foi você quem me jogou nisso tudo, então nem pense em reclamar. E não importa o que custe... É bom que saiba que eu vou te trazer de volta.

Com essa promessa silenciosa, ele se ergueu. Lentamente, juntou-se aos outros, dando as costas ao cemitério e caminhando em direção ao horizonte.

Ao alcançar o grupo, Dante respirou fundo, como se vestisse uma máscara. Ele forçou um ar de animação, tentando voltar a ser o de sempre. Luck notou o esforço, a fragilidade por trás da fachada, e ficou em um dilema: deveria intervir ou deixá-lo lidar com a dor à sua maneira? Na dúvida, optou pelo silêncio, caminhando ao seu lado como uma presença de apoio.

Foi Kurokawa quem quebrou a tensão. Desesperada para amenizar o clima pesado, ela puxou o primeiro assunto aleatório que lhe veio à mente.

— Então... viemos mesmo para vinte anos no futuro... — Kurokawa murmurou, ainda processando tudo, sua voz baixa enquanto olhava para o horizonte, o vento bagunçando seus cabelos.

— É verdade! — Dante se virou para ela, tentando injetar otimismo em sua voz. — Kurokawa, você deve estar preocupada com a sua família! Depois de tanto tempo...

— Ah, está tudo bem — respondeu ela, com um pequeno sorriso triste, seus olhos sombreando-se por um instante com memórias antigas. — Eu era órfã, então... não tinha ninguém me esperando. Mas... e vocês?

— Pior ainda. — respondeu Dante, dando de ombros com uma casualidade forçada.

— O que ele quer dizer — traduziu Luck — é que nós também não tínhamos ninguém com quem precisássemos nos preocupar ou que estivesse nos esperando.

— Mas e aí, novatos? — perguntou Dante, virando-se para o grupo que os acompanhava, tentando mudar o foco para algo mais prático. — Quais são as grandes novidades desses últimos vinte anos? O mundo mudou muito? Alguém matou o Aleister ?

— Como você quer que eu resuma tudo?! — exclamou Nyan, erguendo as mãos em frustração, seus olhos arregalados. — Foram vinte anos! Muita coisa aconteceu, obviamente! Guerras, descobertas, quedas de impérios... como eu começo?

— Ah, não acho que tenha sido nada de mais — comentou Dante, distraidamente, coçando a cabeça enquanto olhava ao redor, o sol refletindo em seus olhos.

— Boca maldita você tem, não é, Dante? — disse Luck, antes de apontar para o horizonte distante, seu dedo estendido.

— Mas... que torre gigantesca é aquela?! — perguntou Dante, vendo pela primeira vez uma estrutura colossal que perfurava as nuvens, muito maior e mais imponente que qualquer coisa que ele já tivesse visto. A torre erguia-se como um pilar infinito, sua superfície reluzindo com veias de Ether pulsante, cortando o céu como uma lança divina, e o ar ao redor dela parecia distorcido.

— Do que você está falando? — Nyan respondeu, confusa com a pergunta, franzindo a testa enquanto olhava na mesma direção. — É a Torre do Mundo. Aquilo não foi feito em vinte anos, já existia desde... bem, desde sempre, que eu me lembre.

Nyan, Sora e Leon pareciam ver a torre que atravessava os céus no horizonte como algo completamente normal, uma parte imutável da paisagem, tão natural quanto o sol ou as montanhas. Mas acontece que nenhum dos quatro recém-chegados daquele passado – Dante, Luck, Kurokawa e Anna tinha qualquer memória daquilo existir antes. Dante sentiu um calafrio, como se o mundo inteiro tivesse sido reescrito enquanto eles dormiam.

— Pelo visto, garoto — disse Anna para Dante, com um sorriso. — o mundo realmente mudou enquanto vocês estavam fora. 

Quando, de repente, vinda do mais puro nada, materializando-se em meio ao ar acima deles, uma garota surgiu. Cabelos ruivos flamejantes presos em um rabo de cavalo alto, dançando como chamas vivas ao vento, usando apenas um top de biquíni revelador que mal continha sua forma atlética, um short curto que realçava suas pernas, e um olhar selvagem e divertido que prometia caos. Sua presença irradiava uma energia opressora, como o calor de um incêndio próximo, e o ar ao redor dela tremulava com Ether puro.

— !? — Dante saltou para trás, seu corpo tenso, a mão instintivamente indo para o braço enfaixado.

— !? — Luck, em panico assumiu uma postura defensiva.

— !? — Enquanto Kurokawa só reagiu quando já era tarde demais.

— Aquela...! — Nyan arregalou os olhos em choque e talvez um pouco de medo, sua voz tremendo enquanto apontava. — É O REI DEMÔNIO ALAYA???

A recém-chegada sorriu, lambendo os lábios enquanto avaliava o grupo, seus olhos fixando-se em Dante e Anna com uma intensidade predatória, como um lobo farejando presas novas. — Interessante... Dois não-humanos novos acabaram de chegar. Hum... isso pode ser divertido.

De repente,ela estalou os dedos e antes que qualquer um pudesse reagir, todos desapareceram.

Parte 7 -

A escuridão envolvia tudo como um manto sufocante, o ar carregado de um cheiro metálico e estéril, misturado ao leve zumbido de maquinários distantes que vibravam através das paredes frias e irregulares. A sala era um cubículo apertado, com painéis de metal enferrujado e rebites salientes que ecoavam o design de uma era industrial misturada a tecnologia arcana, como se o lugar tivesse sido forjado em um sonho febril de engenheiros loucos. O chão, gelado como o toque de uma lâmina recém-forjada, transmitia um frio que penetrava até os ossos, e o ar abafado carregava uma umidade sutil, como se o ambiente fosse pressurizado para imitar uma atmosfera artificial. Em algum lugar desconhecido... No meio de uma sala escura, metálica e abafada, os corpos dos sete recém-chegados – Dante, Luck, Kurokawa, Anna, Nyan, Sora e Leon – amontoavam-se no chão frio, membros emaranhados em uma confusão caótica de pernas, braços e cabeças. O peso coletivo pressionava uns contra os outros, criando uma sinfonia de grunhidos abafados e respirações ofegantes, enquanto o eco de suas quedas ainda reverberava nas paredes confinadas.

Dante sentiu o mundo girar em câmera lenta, sua cabeça latejando como se um martelo invisível batesse ritmicamente contra seu crânio. O braço enfaixado pulsava com uma energia estranha, um formigamento que o lembrava de sua natureza quântica e bizarra, mas ele ignorou isso por enquanto, focando na pressão esmagadora sobre seu peito. Ele piscou no escuro, tentando discernir formas através da penumbra, o suor escorrendo por sua testa apesar do frio.

— Já digo logo! — A voz abafada de Dante soou por baixo da pilha humana, rouca e irritada, ecoando como um rugido contido em um espaço apertado. — Se a bunda que estiver sentada em cima de mim não for de uma garota... cabeças vão rolar!

Ele gritava enquanto tentava respirar, imprensado sob o peso de Sora, que, por sua vez, estava preso sob Nyan. O cheiro de suor e poeira misturava-se ao ar, e Dante sentia o calor do corpo de Sora contra o seu, uma sensação incômoda que o fazia contorcer-se inutilmente. Sora, com os cabelos curtos grudados na testa pelo suor, grunhia de frustração, seus músculos tensos enquanto tentava se equilibrar sem esmagar ainda mais o garoto abaixo. 

Nyan, por cima, remexia-se com uma agilidade felina, mas o emaranhado de membros a prendia, e ela soltava um suspiro exasperado, seus olhos verdes faiscando na semi-escuridão. Leon, que estava na base de todos com a respiração ofegante, lutava para se desvencilhar das pernas de Kurokawa, que estava completamente vermelha de vergonha pela posição comprometedora. As bochechas de Kurokawa ardiam como fogo, e ela mordia o lábio inferior, evitando qualquer contato visual enquanto tentava puxar as pernas para si, o coração acelerado ecoando em seus ouvidos como um tambor de guerra.

 Luck, com o cabelo mais bagunçado que o normal, conseguiu se apoiar em uma parede que parecia se inclinar de forma estranha e acabou percebendo que estavam dentro de alguma estrutura de metal fechada. Seus dedos roçaram a superfície fria e texturizada, sentindo vibrações sutis que sugeriam movimento — ou talvez fosse só sua imaginação, alimentada pelo pânico crescente. No centro da confusão, Anna, com o cabelo igualmente desgrenhado, soltava uma série de xingamentos rápidos, enquanto tentava desesperadamente se livrar de um pedaço de metal retorcido que havia se prendido em seus cabelos loiros durante a queda abrupta. Seus movimentos lembraram uma criança birrenta.

— Que porcaria! — resmungou Luck, finalmente se levantando, estendendo a mão para ajudar Kurokawa a se desvencilhar. Seus músculos doíam da compressão do cubo vermelho, e ele massageou o ombro, sentindo o ar abafado encher seus pulmões com um gosto metálico. — De todos os seres que poderiam aparecer ali, tinha que ser justo aquela rei demônio maluca?!

Ele olhou ao redor, os olhos se ajustando à penumbra, notando as luzes fracas que piscavam em painéis nas paredes, como estrelas artificiais em um céu de metal. O zumbido baixo de ventiladores invisíveis preenchia o silêncio, criando uma atmosfera opressiva que fazia o coração de todos acelerarem.

— Esquece, Luck — disse Nyan, também se desvencilhando, sacudindo a poeira das roupas com um gesto de desdém. Ela se esticou, sentindo os ossos estalarem, e varreu o ambiente com um olhar experiente, notando as soldas irregulares nas paredes que sugeriam uma construção apressada ou antiga. — Não tem como prever o que a Alaya vai fazer. Temos é sorte de ela ter apenas nos teleportado para outro lugar, e não direto para o sol ou para o vácuo do espaço sideral.

Sua voz carregava uma mistura de alívio e cautela, e ela trocou um olhar rápido com Sora e Leon, como se avaliassem o grupo recém-chegado do passado — esses estranhos que pareciam saídos de uma lenda antiga.

— Espera... então aquela era mesmo o Rei Demônio Alaya?! — Kurokawa perguntou, os olhos arregalados enquanto ajudava Leon a se levantar. O ar abafado a fazia suar, e ela ajeitou os cabelos escuros atrás da orelha, tentando processar a magnitude daquela figura ruiva.

— Esqueçam os detalhes agora. — disse Sora, recompondo-se e verificando se estava inteira, passando as mãos pelo corpo para checar os ferimentos. — Precisamos ver se está todo mundo bem e... onde diabos estamos!

— Ei, garoto, olha aquilo! — Anna, que finalmente havia conseguido sair da pilha de corpos, foi até a única abertura na sala: uma espécie de janela reforçada com vidro grosso, que dava para uma escuridão pontilhada de luzes. Seus passos ecoavam no metal, e ela inclinou a cabeça com uma curiosidade infantil, os olhos azuis brilhando. — Olha aquilo! É o espaço! Não é?! — Anna exclamou, apontando com um dedo.

Sora correu desesperada até a janela e, observando a vastidão estrelada lá fora, ficou com o rosto pálido, começando a suar frio. O vidro frio sob seus dedos enviava um calafrio, e ela viu as estrelas como pontos de luz infinitos, girando lentamente em um vazio negro que engolia qualquer noção de escala. Seu estômago revirou, uma náusea crescente misturando-se ao pânico,.

— Esse lugar... Esse lugar é...

Dante, conseguindo finalmente se levantar, correu em seguida até a janela e, olhando para fora, para a imensidão negra salpicada de estrelas e nebulosas distantes, não acreditou no que via. Abaixo deles, visível através da janela panorâmica, estava a curvatura de um planeta azul e verde, girando majestosamente como uma joia flutuante no breu. O silêncio do espaço contrastava com o zumbido interno da sala, e Dante sentiu um arrepio de excitação misturado a terror puro — o vazio infinito o fazia se sentir insignificante, mas ao mesmo tempo, uma faísca de aventura acendia em seu peito.

— Luck! Kurokawa! — gritou Dante, a plenos pulmões, o pânico e a excitação misturados em sua voz, ecoando pelas paredes metálicas. Ele apontou para fora, os olhos arregalados, o coração martelando contra as costelas enquanto o planeta abaixo girava devagar, revelando continentes familiares mas alterados. — A GENTE ESTÁ NO ESPAÇO! EM UM NAVIO ENORME!!!!!!

O grupo se aglomerou na janela, respirações coletivas embaçando o vidro, enquanto o silêncio do vazio os envolvia, pontuado apenas pelo zumbido distante de engines invisíveis. Luck se aproximou, colocando uma mão no ombro de Dante, sentindo a vibração da estrutura sob seus pés, e murmurou algo inaudível, os olhos fixos no planeta abaixo. Kurokawa cobriu a boca com a mão, os olhos brilhando com uma mistura de medo e admiração, enquanto Anna ria baixinho. O navio — ou o que quer que fosse — prosseguia seu curso pelo vazio, carregando-os para um destino incerto.

Continua…


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