The Fall of the Stars: Capítulo 3 - Icaro
- AngelDark

- 14 de jul.
- 77 min de leitura
Atualizado: 30 de set.
Volume 1: A Queda
Parte 1
19 de julho de 19998, 19:20 da Noite - Torre Dates (Alexandria)
O ar era viciado, carregado com uma umidade opressiva que se infiltrava nos pulmões como uma névoa venenosa, misturando o cheiro de pedra úmida e fria com a poeira acumulada de séculos esquecidos, e algo mais adocicado e podre que se agarrava à garganta. Cada respiração era um esforço, como se o próprio ar conspirasse para sufocá-los, enquanto ecoava o som distante de gotas d'água pingando em poças invisíveis, um ritmo irregular que parecia sincronizar com os batimentos acelerados de seus corações. Eles avançavam por um corredor que era mais uma fenda estreita e irregular na estrutura ancestral da torre, um caminho claustrofóbico sem portas ou janelas que os forçava a roçar os ombros contra as paredes ásperas, cobertas por uma camada pegajosa de mofo que grudava nas roupas e na pele. A única variação na monotonia opressiva eram as escadarias que surgiam do nada, subindo e descendo em espirais vertiginosas para outros níveis igualmente sombrios, cujos degraus irregulares e desgastados pelo tempo rangiam sob os pés, ameaçando ceder a qualquer momento e lançar os intrusos para o abismo abaixo. A luz era um luxo escasso, forçando-os a depender do brilho da Lamparina de Caroline.
— Esta subida não tem fim… porque a tela de Loading Não termina!!! — A voz de Dante era alta, rouca de fadiga, ecoando levemente nas paredes confinadas como um murmúrio de vento em uma caverna. Ele então parou por um instante, olhando para a garota ao seu lado. — Você tem certeza de que este é o caminho?
— Se você perguntar isso mais uma vez, eu juro que te jogo escada abaixo pra ver se o caminho fica mais curto! Idiota! — A voz de Nero estalou como um chicote, cortante de impaciência, seus lábios se curvando em uma careta irritada.
— Sabe, Nero, eu sempre quis entender — começou Dante, com um suspiro teatral que pareceu alto demais para o lugar, ecoando e se distorcendo nas profundezas do corredor, como se a torre zombasse de sua leveza. — Por que essa fixação em me chamar de idiota? Se a ideia é criar uma persona tsundere, preciso te informar que esse arquétipo já está um pouco saturado.
A troca de farpas, por mais infantil que fosse, pareceu aliviar uma fração da pressão esmagadora do ambiente, como um raio de sol penetrando uma nuvem escura, permitindo que risos abafados escapassem e ecoassem fracamente, quebrando o silêncio opressivo.
O suficiente para que Kurokawa conseguisse respirar fundo, o ar enchendo seus pulmões, seus olhos tentando se ajustar à arquitetura impossível que os cercava, com arcos que desafiavam a lógica e curvas que pareciam se alterar no canto da visão. Era um lugar construído pelo pesadelo de um arquiteto insano, um labirinto vertical projetado para quebrar a mente antes de quebrar o corpo.
Foi nesse momento de relativa calma, onde o grupo permitia que os músculos relaxassem ligeiramente e o ritmo das passadas se tornasse menos tenso, que Caroline parou abruptamente. A pequena fantasma, que até então caminhava silenciosamente com o resto do grupo como uma brisa etérea, ficou imóvel, sua forma translúcida tremendo levemente como se atingida por um vento frio invisível. Nero, que a observava há algum tempo com olhares furtivos, virou-se para encará-la, seus olhos estreitos e cheios de uma intensidade calculada.
— Eu sabia... — A voz de Nero era quase um sussurro, mas carregada de uma certeza fria que cortava o ar como uma lâmina afiada, ecoando nas paredes e fazendo os pelos da nuca de Kurokawa se eriçarem. — sabia que já tinha visto você. Na biblioteca de Babylon, entre dezenas de relatórios sobre este lugar, havia um sobre você e sua mãe, escondido em uma seção de mortos e desaparecidos.
Dante se aproximou, ele inclinava a cabeça, tentando decifrar a expressão no rosto espectral de Caroline. — Um relatório? O que dizia?
— Era um relatório com o perfil psicológico de Maicon, baseado em suas vítimas.Ele aparentemente era um monstro que se deleitava em jogos psicológicos antes de matar, torturando suas vítimas com ilusões e mentiras que as faziam duvidar de sua própria realidade. — Nero não tirava os olhos de Caroline, que se encolhia a cada palavra, sua forma tremendo como folhas em uma tempestade, as bordas de sua silhueta borrando ligeiramente. — No caso dela, em específico, parece que ele forjou a cena toda. Fez parecer que a mãe dela tinha enlouquecido, e tentado matar a filha para depois tirar a própria vida.
Um músculo saltou na mandíbula de Dante, tensionando sua expressão enquanto uma veia pulsava em sua têmpora. — Desgraçado... — Ele cerrou os punhos, o ar ao seu redor crepitando por um instante com uma energia invisível. — Então foi por isso que as duas... viraram fantasmas. Presas aqui.
— Exato — Nero assentiu — “E como está escrito nos livros, a maioria dos fantasmas permanece presa à terra por ter sofrido mortes traumáticas ou por ter assuntos não resolvidos.” — Ela terminava em pensamento como se completasse sua teoria observando a garota fantasma.
No meio deles, um som frágil quebrou a tensão, ecoando como o estalo de um galho. Um soluço. Caroline estava chorando. Não eram lágrimas comuns; eram gotas de luz que escorriam por seu rosto, brilhando como estrelas caindo e se desfazendo antes de tocar o chão. A súbita explosão de dor de uma alma que não sentia nada há anos pegou Dante e Nero de surpresa, seus rostos congelando em expressões de choque. Os dois, tão acostumados a batalhas e discussões cheias de adrenalina e estratégia, congelaram, um pânico desajeitado em seus rostos, as mãos pairando no ar sem saber o que fazer.
— O que...? Foi algo que eu disse? — Nero parecia genuinamente perdida, sua armadura de irritação rachando enquanto ela piscava rapidamente, o tom de voz vacilando pela primeira vez.
— É ca c-claro que foi, sua imbecil! — gaguejou Dante, sua voz tremendo ligeiramente enquanto ele gesticulava de forma desajeitada, o rubor subindo por seu pescoço. — Falando da morte dela desse jeito! Ela ainda é uma criança, sabia?!
— Calma, vocês dois. Não acho que seja por isso. — A voz de Luck era a única ponderada, ecoando com uma serenidade calma enquanto ele observava a cena com uma atenção.
Kurokawa não hesitou. Movida por um instinto puro e maternal que surgiu do fundo de seu peito, ela se aproximou e envolveu a pequena Caroline em um abraço, sentindo o frio espectral penetrar sua pele como uma brisa gelada de inverno, mas ignorando o desconforto para oferecer calor humano. A fantasma era fria ao toque, como ar de inverno condensado, mas o gesto pareceu ancorá-la, estabilizando sua forma que ameaçava se dissipar na escuridão.
Enquanto secava as lágrimas que não paravam de brotar, com movimentos gentis e ritmados como uma mãe consolando uma filha, Caroline reuniu forças, seu corpo etéreo tremendo menos a cada segundo. Sua voz, quando finalmente saiu, era um fio trêmulo, embargado por décadas de uma dor silenciosa que se acumulava como camadas de gelo em um lago congelado.
— Obrigada... — sussurrou ela, a palavra ecoando como um eco distante, carregada de gratidão e alívio. — Todo... todo esse tempo... eu... eu achei que a culpa era minha. Que eu tinha trazido azar para a minha mãe... que ela se matou porque não aguentava mais... cuidar de mim. Mas... se o que você disse é verdade... se não foi culpa minha... eu...
A compreensão atingiu o grupo como uma onda gelada, percorrendo suas espinhas e deixando um silêncio pesado no ar.
— E-então era isso... — murmurou Dante, o choque substituindo o pânico em sua voz, seus olhos se suavizando enquanto ele olhava para Caroline com uma mistura de pena e admiração pela resiliência de uma alma tão jovem. A dor daquela criança não era pela morte, mas pela culpa que ela carregou sozinha.
— Está tudo bem agora. — A voz de Kurokawa era suave, como um acalanto, enquanto ela apertava o abraço, sentindo o frio se dissipar ligeiramente, como se o calor humano pudesse derreter as correntes espectrais.
— Uau, Kurokawa... você é mesmo boa com essas coisas — comentou Dante, genuinamente impressionado, coçando a nuca enquanto um sorriso tímido, aliviando a tensão residual.
Luck soltou um pequeno sorriso, os cantos de sua boca se curvando levemente. — Não ligue pra eles, Kurokawa. É que a sensibilidade emocional não veio no pacote de habilidades dos Scarlune. Eles são ótimos para quebrar coisas e pessoas, mas péssimos com crianças e emoções.
— Precisava mesmo jogar na cara? — resmungou Dante, desviando o olhar para as sombras do corredor, sentindo um rubor de constrangimento subir por suas bochechas.
“Por que eu sinto que recebi essa de graça?”— pensava Nero enquanto caminhava. — Chegamos — a voz de Nero, firme novamente, cortou o momento como uma lâmina, trazendo todos de volta à realidade opressiva da torre, seu tom recuperando a autoridade habitual.
Eles pararam diante de uma porta de madeira escura, exalando um cheiro de madeira podre misturado ao mofo onipresente. Diferente de tudo que viram, ela parecia... intocada, como se o tempo a tivesse poupado deliberadamente para este momento.
— Que porta é essa? — perguntou Kurokawa, afastando-se de Caroline com relutância, sentindo o frio residual em seus braços enquanto olhava para a estrutura com uma mistura de curiosidade e apreensão, o coração acelerando ante o desconhecido.
— Então eu estava certa sobre as plantas da torre. Todo mundo acha que são inúteis e contraditórias porque a estrutura interna parece mudar, como se fossem capazes de se reconfigurar a cada hora.
— Elas estão todas certas — continuou Dante, pegando o fio do raciocínio, seus olhos brilhando com a descoberta enquanto ele gesticulava animadamente. — É por isso que parecia ter tantas salas secretas. Acontece que essa torre é um labirinto, dentro de um labirinto. As plantas mostram seções diferentes, versões diferentes. Existem corredores ocos, passagens escondidas nas paredes... uma torre inteira dentro da outra.
— Seu cretino, deixa eu terminar o meu monólogo! — gritou Nero visivelmente frustrada, enquanto ela batia o pé no chão, enviando uma nuvem de poeira para o ar.
— Então… essa é uma rota de fuga? — A esperança na voz de Kurokawa era palpável.
— Não. — O tom de Dante tornou-se sombrio, desprovido de qualquer ironia, e sua expressão se cobriu de sombras. — O psicopata que criou um lugar como este não deixaria algo tão conveniente. Obviamente, essa porta só pode ser um portal mágico que serve como atalho para as fases posteriores do jogo.
— Dante, é melhor deixar o Nero continuar explicando, ou então não vamos sair do lugar. — disse Luck, levando a mão ao rosto, exausto.
— É uma falsa esperança. Uma passagem que te leva mais rápido para os andares superiores, onde o perigo é maior e a chance de voltar diminui. Quanto mais você sobe, mais fundo se afunda no inferno — completou Nero.
— Mas isso é literalmente o que eu disse!
Um calafrio percorreu a espinha de Kurokawa, como dedos gelados traçando sua coluna, fazendo-a tremer involuntariamente enquanto memórias dos horrores anteriores voltavam.
"Se no terceiro andar já havia aqueles Ghouls, com suas garras afiadas e olhos famintos que brilhavam na escuridão... o que nos espera lá em cima?"
— Bom, mas para nós, isso é perfeito! — declarou Dante, seu sorriso arrogante retornando com força total, iluminando seu rosto como se desafiasse a torre em si, enquanto ele estalava os dedos com confiança. — Significa que vamos direto para o chefão, pegar nossa recompensa, e acabar com isso de uma vez.
Enquanto Kurokawa paralisava, uma guerra era travada entre seu instinto de sobrevivência, que gritava para fugir e se esconder nas sombras seguras, e a vergonha de parecer covarde depois de tudo que disse, Dante, Nero e Luck abriram a porta velha sem a menor hesitação, empurrando-a com um esforço conjunto que fez as dobradiças protestarem. O rangido foi um som agourento que ecoou pelo corredor, como o lamento de almas perdidas, reverberando nas paredes e enviando vibrações pelo chão..
Parte 2:
Vinte Anos no Futuro
19 de julho de 20018, 11:30 da Manhã - Cidade Metal (Elysium)
Um fervoroso alvoroço tomava conta da futurista Cidade de Metal, onde torres reluzentes de aço e vidro se erguiam como sentinelas imponentes contra o céu tingido de tons metálicos pelo sol poente, ecoando com o zumbido constante de máquinas e o burburinho animado de multidões que se aglomeravam em ruas pavimentadas com placas luminosas que pulsavam como veias de energia. Celebrações e expectativas preenchiam o ar, carregado com o aroma de comida de rua — misturas de vapor aromatizado com especiarias sintéticas e o cheiro elétrico de ozônio de veículos flutuantes —, pois finalmente, após anos de desenvolvimento e promessas que alimentavam sonhos e especulações em fóruns por todo o mundo, a colossal nave espacial Titanic estava completa, pronta para sua viagem inaugural, polido na plataforma de decolagem, suas curvas elegantes refletindo a luz do dia em padrões hipnóticos que faziam os espectadores prenderem a respiração.
— Bom dia a todos! Aqui quem fala é a sua Goutuber favorita, Luana, diretamente da Cidade de Metal, com uma transmissão ao vivo e imperdível! — A voz animada de Luana soava através de inúmeros dispositivos pelo mundo, ecoando em fones de ouvido, hologramas flutuantes e telas gigantes em praças públicas, sua imagem projetada com um filtro de brilho etéreo que realçava seus cabelos coloridos e o sorriso radiante. Ela ajustava a câmera do telefone com mãos ágeis, capturando o caos vibrante ao seu redor enquanto o chat na tela piscava com emojis e mensagens frenéticas. — É isso mesmo, galera! Finalmente o Titanic está pronto para decolar e, como uma das poucas sortudas que conseguiu um convite exclusivo para o primeiro voo, é ÓBVIO que eu não perderia a chance de transmitir tudo para vocês, meus inscritos maravilhosos! Então, já sabem, né? Se vocês estão tão ansiosos quanto eu e querem acesso VIP a tudo sobre o Titanic e sua primeira decolagem, já deixem o 'Gostei', compartilhem a live e comentem aí embaixo como está a ansiedade para esse marco histórico! Vamos lá, inundem o chat com corações e foguetes!
No parque principal da cidade, adjacente à gigantesca plataforma de decolagem onde o Titanic repousava majestoso, suas turbinas zumbindo baixinho como um ronronar distante de um gigante adormecido, uma multidão eclética e estrelada se reunia, seus passos ecoando no gramado sintético que amortecia o som como um tapete vivo. Eram os convidados de honra, figuras proeminentes de todo o mundo: celebridades reluzentes com joias que capturavam a luz em prismas coloridos, Shapers de renome cujos fluxos de Ether estremeciam o ambiente, Além de outros GouTubers tentando capturar o momento com drones zumbindo ao redor como abelhas mecânicas, magnatas influentes com ternos impecáveis que exalavam um ar de poder, políticos com sorrisos calculados, príncipes e rainhas de diversos reinos adornados com coroas, e várias outras figuras que fariam qualquer um sonhar em conseguir um autógrafo, suas vozes misturando-se em um coro de risadas polidas e conversas sussurradas.
O parque em si era um curioso oásis de tranquilidade em meio à agitação metálica da cidade, um contraste verdejante com a atmosfera steampunk predominante, onde engrenagens expostas giravam preguiçosamente em estruturas decorativas e vapor escapava de válvulas com um sibilo suave. Gramados impecáveis convidavam ao relaxamento, suas lâminas artificiais macias sob os pés, árvores enormes ofereciam sombra generosa com folhas que sussurravam ao vento artificial, e canteiros de flores exóticas perfumavam o ar com fragrâncias doces.
— Vocês não acham meio injusto? — Luana comentou para sua câmera, entre leituras de chat que rolavam na tela como uma cascata de texto colorido, pausando para dar um gole em uma bebida efervescente que borbulhava em sua mão, o sabor cítrico refrescando sua garganta seca pela empolgação. — Mesmo nós tendo sido convidados, temos que ficar aqui esperando até a hora H para entrar no Titanic? Já estou sabendo que uma galera VIP já está lá dentro, aproveitando as instalações! Espero mesmo que seja um navio tão absurdamente luxuoso que faça essa espera toda valer a pena... Opa! Oi, Antonio, bom dia! Obrigada pelos 50! Deixa eu ver aqui a pergunta... "Lu, eu 'tava' meio por fora, pode dar uma resumida sobre o Titanic?" Claro, lindo! Bom, é o seguinte: uns figurões da engenharia e ciência de Elysium decidiram se juntar para replicar o navio daquela lenda antiga sobre o Titanic, sabe? Aquele que afundou no mar, uma história que assombrava os livros de história com seu trágico glamour. Só que, obviamente, com toda a tecnologia que temos hoje, eles não iam fazer algo simples, né? Então criaram esta belezinha: a nave espacial Titanic, a maior já construída, em formato de navio de luxo com salões ornamentados e janelas panorâmicas que prometem vistas estelares de tirar o fôlego! Produzida pela chiquérrima Luminary Labs! Para a inauguração, eles mandaram convites para gente influente – tipo euzinha – para chamar a atenção do mundo todo, transformando isso em um espetáculo midiático que já viraliza em todas as redes.
Ela parou e virou o telefone para os lados, filmando tanto alguns dos convidados quanto a multidão do lado de fora das grades.
— Óbvio que eles iriam precisar fazer algo assim para a inauguração, afinal eles vão cobrar uma fortuna por cada passagem nessas viagens espaciais, com pacotes que incluem spas e banquetes! Fiquei sabendo também que venderam uns ingressos em leilões secretos na cidade de Sakura, com lanternas flutuantes iluminando os lances, e no Terminal Cinza, mas aí já é coisa de gente podre de rica, estou bem por fora dos detalhes sujos. Essa galera que comprou direto da Luminary já está lá dentro, na mordomia, desfrutando de coquetéis e tours, enquanto nós, que somos tipo o "pôster publicitário" do evento, temos que ficar aqui no parque, à vista de todos, posando para as câmeras e alimentando o hype. Mas não se preocupem, estamos sendo super bem cuidados! Tem até mordomos nos servindo com bandejas flutuantes carregadas de petiscos gourmet que derretem na boca! Eles não economizaram em nada!
Enquanto Luana continuava sua transmissão animada com seu telefone de última geração, outros convidados passeavam, conversavam e comiam, seus pratos tilintando com talheres de prata e risadas ecoando como música distante, alguns lançando olhares curiosos para a Goutuber, talvez se perguntando como ela conseguia manter a calma para fazer uma live num momento daqueles.
Foi então que, subitamente, um silvo agudo rasgou o céu, cortando o burburinho como uma lâmina afiada, fazendo cabeças se virarem e corações pularem. Um projétil de energia atravessou a barreira protetora como se fosse papel, deixando um rastro de faíscas azuis que chiavam no ar, e disparou em direção ao centro do parque com uma velocidade letal que fazia o vento uivar. Antes que pudesse atingir sua vítima pretendida, colidiu com uma barreira invisível de ar condensado que surgiu ao redor da pessoa, parando a poucos centímetros dela com um crack sônico que ecoou como um trovão próximo, enviando vibrações pelo chão e fazendo folhas das árvores tremerem.
— O QUE FOI ISSO??? — Luana gritou, virando a câmera instintivamente na direção do impacto, seu coração martelando no peito enquanto o chat explodia com mensagens de pânico e especulações, a imagem tremendo ligeiramente em suas mãos.
Antes que qualquer resposta pudesse vir, a pessoa que fora alvo do ataque – uma mulher de vestido preto e olhar severo reagiu instantaneamente, seu corpo se movendo com a graça letal de uma predadora. Um novo disparo, este emanando de sua própria mão estendida, partiu em trajetória inversa, atravessando a barreira recém-violada, destruindo-a completamente em uma chuva de fragmentos energéticos que se dissipavam como fogos de artifício, e viajando a uma velocidade absurda que borrava o ar ao seu redor. O projétil atingiu em cheio uma montanha distante, pulverizando seu pico em uma explosão silenciosa, mas visível a todos como uma nuvem de poeira e rochas que se erguia no horizonte. O franco-atirador fora silenciado, deixando apenas o eco distante do impacto para testemunhar sua derrota.
— MAS O QUE ESTÁ ACONTECENDO?! É UM ATAQUE ATRÁS DO OUTRO!!!! — Luana narrava, a voz uma mistura de pânico e excitação que elevava sua adrenalina, enquanto ela dava zoom com sua câmera para capturar a fumaça distante, o chat rolando com emojis de explosões e perguntas frenéticas.
Após o contra-ataque devastador, uma calma tensa se instaurou, o ar ainda crepitando com resquícios de energia dissipada, enquanto o vento carregava o cheiro de ozônio queimado. Guardas correram para restabelecer a barreira, suas botas batendo no gramado com urgência, hologramas de protocolos de segurança piscando em seus visores, enquanto serviçais se apressavam em atender a passageira que havia sido alvo, oferecendo toalhas refrescantes e bebidas calmantes com mãos trêmulas.
— S-Sentimos muito por isso, senhorita! — disse um funcionário trêmulo, suor escorrendo pela testa enquanto ele se curvava em uma reverência profunda, a voz falhando ligeiramente ante a presença imponente. — Vamos pedir para que os caçadores contratados assumam a criação da barreira para aumentar a proteção dos senhores. Por favor, nos perdoe por esse erro gravíssimo, que jamais deveria ter ocorrido em um evento de tal magnitude!
— Está tudo bem — respondeu a mulher, a voz calma, mas fria como aço temperado, ecoando com uma autoridade inabalável enquanto ela baixava a mão, o ar ao seu redor ainda tremendo fracamente. — De qualquer forma, se alguém veio para me matar, era óbvio que atravessaria uma barreira simples como aquelas. Mas isso não me preocupa, posso me cuidar sozinha.
— Nossa, que gentileza! — comentou um homem loiro de aparência distinta, aproximando-se com passos confiantes que faziam sua capa esvoaçar levemente, o sol refletindo em seus cabelos. — Mas claro, vindo de um dos Cavaleiros da Távola Redonda, não tinha como ser diferente, deve ser difícil ter que agir de forma tão elegante o tempo todo, né ? Mordred.
Mordread virou-se para o recém-chegado, seus olhos se estreitando ligeiramente enquanto avaliava a figura familiar. — Adam… então você também veio? Sua presença aqui é... inesperada.
— Que jeito mais frio de falar, como camaradas de Alexandria, deveríamos nos dar bem cavaleira! — Adam sorriu, um brilho perigoso nos olhos azuis que pareciam sondar almas, revelando camadas de astúcia por trás da fachada charmosa.
O homem loiro aproximou-se ainda mais, a intenção clara de se sentar ao lado dela em um banco ornamentado com engrenagens decorativas, mas quando seus olhares se cruzaram, um choque invisível, mas palpável, de seus Ethers massivos distorceu o ar ao redor deles, fazendo o chão tremer levemente como se a terra protestasse, folhas caindo das árvores e o ar se aquecendo com a fricção energética.
— S-Senhores, por favor! — Uma jovem de cabelos verdes e uniforme colocou-se bravamente entre os dois, suas mãos erguidas em um gesto conciliador, o coração acelerado visível no tremor sutil de sua voz. — Poderiam se acalmar? Vão deixar os outros passageiros desconfortáveis, com essa aura que faz o ar pesar.
— Hum! E quem você acha que é para entrar no meu caminho? por acaso acha que pode me dizer o que fazer? — desdenhou Adam, sua voz carregada de um tom arrogante que ecoava como um desafio.
— Eu? Obviamente não sou ninguém em especial — respondeu a jovem, com uma diplomacia surpreendente que mascarava seu nervosismo, mantendo o sorriso firme enquanto ajustava o uniforme impecável. — Mas acredito que alguém tão incrível como o senhor deve saber como pessoas comuns ficam inquietas quando figuras tão imponentes como os senhores agem assim. Acredito que, sendo uma pessoa incrível e compreensiva como sua aparência demonstra, o senhor entende isso, não é?
Adam riu, uma gargalhada genuína que ecoou pelo parque, aliviando ligeiramente a tensão enquanto ele batia palmas devagar. — Foi um bom argumento! Certo, farei isso, até porque não é do meu feitio incomodar as belas damas, especialmente uma com tal coragem me diga o seu nome, jovem.
— Meu nome é Sophia, sou uma ajudante do Navio. — A garota respondia sem demora.
— Bastante Astúcia para uma simples ajudante, Bom, deixaremos nossos assuntos para depois, Mordred, quando as estrelas nos derem privacidade.
Assim que eles se afastaram um do outro, a tensão no ar diminuiu, embora não completamente, deixando um resíduo elétrico que fazia os pelos da nuca se eriçarem. Alguns convidados pareciam obviamente afetados pelo breve confronto, sussurrando entre si com olhares nervosos e mãos trêmulas, enquanto outros, talvez mais acostumados a tais exibições de poder em círculos de elite, pareciam nem ter se importado, voltando a suas conversas com um encolher de ombros casual.
— V-Vocês viram isso, pessoal?! — Luana sussurrou para a câmera, os olhos arregalados como pratos enquanto ela se abaixava ligeiramente para capturar ângulos dramáticos. — Aquela era a Cavaleira da Távola Redonda, Mordred! E o Adam da Horizon! Meu Deus, nem acredito que realmente me encontrei com eles, figuras que saem direto nas manchetes e lendas urbanas! E aquele disparo! Uma tentativa de assassinato à luz do dia, assim, na cara dura! Sério?! Isso vai ser incrível! Vou ter mais visualizações que qualquer um, com o chat explodindo e as notificações pingando sem parar! E se você não quer perder NADA desse cruzeiro pelas estrelas inacreditável, que PODE acabar ficando marcado na história, compartilha a live com TODO MUNDO e volta aqui, pois eu, Luana, prometo cobrir TUDO com o máximo de informações que eu conseguir!
Ainda havia muitos convidados para chegar e embarcar, com limusines flutuantes descarregando mais figuras ilustres em uma fila que serpenteava pelo parque, o ar preenchido com o som de saudações e flashes de câmeras. Mas, assim como estava previsto no cronograma oficial, exibido em hologramas gigantes que pairavam sobre a multidão, às quatro horas da tarde daquele dia fatídico, a gigantesca nave espacial Titanic faria sua decolagem inaugural.
Parte 3
19 de julho de 19998, 21:30 da Noite - Torre Dates (Alexandria)
Avançando por um corredor apertado, onde as paredes de pedra antiga pareciam se inclinar para dentro, como se quisessem esmagar os intrusos, a jornada se resumia a um caminho que se estendia à frente, serpenteando em curvas sutis que desafiavam a percepção, e escadas que subiam para o desconhecido ou desciam para as trevas já exploradas, seus degraus escorregadios cobertos por uma fina camada de poeira que se erguia como névoa a cada passo. Um fedor pútrido de carne apodrecida e ossos esquecidos tornava o ambiente ainda mais claustrofóbico. O silêncio era pesado, um manto opressivo quebrado apenas pelo eco de seus passos, que reverberava nas paredes com um som oco, como se o corredor fosse o interior de um túmulo gigante, e pelo ocasional gotejar de água invisível que pingava em poças distantes, um som que parecia zombar da tensão crescente.
— Até que está sendo mais fácil subir do que eu imaginava — comentou Dante, mais para quebrar o silêncio tenso do que por qualquer outra coisa. — Mesmo a gente pulando uns níveis, não parece que o jogo tá cobrando muito por isso. — Sua voz ecoava com leveza. — Achei que teríamos que lidar com monstros a cada passo. Bom, de quem é a vez agora?
— É minha — respondeu Luck, estalando os dedos com um ar de quem se prepara para um jogo, o som seco cortando o ar enquanto um brilho travesso iluminava seus olhos. — Não que eu ache que vá demorar muito. Esses bichos estão começando a ficar repetitivos.
— Sei como é. Parece até aqueles jogos em que os desenvolvedores exageram na hora de reutilizar os modelos dos inimigos — disse Dante, andando com as mãos atrás da cabeça enquanto olhava para o teto.
— "Eu ainda não acredito nisso" — pensou Kurokawa, observando-os com uma mistura de pavor e incredulidade. — "Eles estão mesmo revezando quem vai lidar com os monstros do andar... como se fosse um jogo! Seria muito mais seguro se todos nós fôssemos juntos." — Seus olhos percorriam o corredor, captando sombras que pareciam se mexer no canto da visão, como se a torre estivesse viva, observando cada movimento deles com uma paciência predatória.
A porta rangeu ao ser aberta por Luck, as dobradiças enferrujadas protestando com um gemido agudo que ecoou como um lamento, enviando vibrações pelo chão e levantando uma nuvem de poeira que dançava na luz fraca. Do outro lado, uma criatura bizarra se ergueu, sua silhueta monstruosa emergindo das sombras como se conjurada do próprio Ether da torre. Era enorme, humanoide e de uma palidez cadavérica, sua pele esticada sobre ossos angulosos brilhando com um tom doentio sob a luz tremeluzente, usando o que parecia ser um crânio de bisão como elmo macabro, os chifres curvados lançando sombras grotescas nas paredes. Levantou-se pesadamente, o som de ossos estalando ecoando na sala como galhos secos quebrando sob um peso invisível, e começou a caminhar na direção deles, cada passo reverberando como um trovão distante, o chão tremendo sob seu peso descomunal.
— Gente, isso é sério? — Kurokawa alertou, o pânico subindo por sua garganta como bile. — Esse monstro está soltando um Ether esquisito! Isso é péssimo, temos que agir em conjunto, ou vamos acabar como os outros grupos que nunca voltaram!
— Calma lá, Kurokawa — disse Dante, colocando a mão no ombro dela com uma tranquilidade desconcertante, seus olhos brilhavam com uma confiança quase irritante. — Deixa com o Luck. É a vez dele e, além disso, ele não vai perder. Confie no apostador. Ele tem um jeito de transformar até as piores chances em vitórias.
Luck sorriu, um canto de sua boca se curvando em um arco presunçoso, enquanto ele ajustava as mangas. O movimento casual contrastava com a tensão palpável no ar, que parecia vibrar com a aura profana da criatura. Ele não correu, mas sim avançou em um trote leve, quase uma dança, seus passos mal produzindo som no chão de pedra. A sala era um vasto salão sustentado por gigantescas colunas de pedra, cujas runas antigas pulsavam com uma luz esverdeada e doentia.
Com um urro, o monstro pálido fincou seus dedos grossos em uma dessas colunas. Músculos se contraíram sob a pele esticada, e com um gemido de pedra se partindo, ele arrancou o pilar da fundação como se fosse um dente. O ar assobiou quando a massa de pedra, grande como um tronco de sequoia, foi brandida horizontalmente contra Luck.
Em vez de recuar, Luck abaixou seu centro de gravidade. No instante em que o pilar uivante ameaçou esmagá-lo, uma pequena labareda azul irrompeu da sola de sua bota, impulsionando-o para a frente em um deslize rápido e rente ao chão. A coluna passou por cima de sua cabeça com a força de um furacão, o deslocamento de ar chicoteando seus cabelos. Usando o próprio impulso, ele girou sobre o calcanhar, emergindo perfeitamente posicionado atrás da criatura.
— Queime! — gritou ele, estendendo a mão com um gesto teatral. Uma bola de fogo azul, compacta como uma maçã, mas ardendo com a intensidade de uma estrela em miniatura, disparou e se chocou contra as costas da criatura. A explosão não foi alta; foi um fuum sibilante, e as chamas vibrantes se agarraram à pele pálida, espalhando-se como napalm com um rugido faminto.
A criatura guinchou, mais de irritação do que de dor, e largou a coluna. O impacto do pilar contra o chão foi como o bater de um sino fúnebre, sacudindo o salão e fazendo poeira chover do teto como neve cinzenta. Enfurecido, o monstro se virou e iniciou uma barragem de golpes. Não era uma chuva, era uma tempestade de meteoros. Seus punhos enormes desciam como martelos de forja, cada um deixando uma nova cratera no piso de pedra, enquanto outros cortavam o ar em arcos mortais.
— Acho que fui leve demais — comentou Luck para si mesmo, o sorriso presunçoso agora mais afiado, seus olhos dançando com a adrenalina da caçada. Para ele, aquilo não era uma luta, era um palco.
— “Lá vai ele deixando o lado delinquente aparecer” — pensava Dante, o observando com um sorriso no rosto.
Ele se movia como uma folha em um vendaval. Um soco vertical desceu para pulverizá-lo; ele deu um passo para o lado, sentindo o chão tremer com o impacto que levantou lascas de pedra. Um gancho varreu o ar para parti-lo ao meio; ele rolou para trás, o punho do tamanho de sua cabeça passando a centímetros de seu rosto. Ele não estava apenas desviando; estava usando os ataques colossais do monstro como cobertura, movendo-se na esteira de cada golpe falho, aproximando-se cada vez mais, transformando a fúria cega da criatura em uma dança coreografada por ele.
Encontrando sua abertura quando o monstro ergueu ambos os braços para um golpe esmagador, Luck avançou. Ele cerrou os punhos, e chamas azuis explodiram ao redor de suas mãos, tão intensas que o ar ao redor delas ondulava e estalava com o calor. Com um passo explosivo que o colocou diretamente sob o peito da criatura, ele desferiu um único soco.
— Impacto Supernova — Luck falava enquanto sorria e desferia seu poderoso soco na criatura
O som foi abafado, um trovão contido. Toda a energia das chamas se descarregou em um pulso cinético. O monstro gigantesco foi levantado do chão, seu corpo se dobrando para dentro a partir do ponto de impacto, e foi arremessado como uma boneca de pano contra a parede do outro lado da sala. O choque ecoou pelo salão, e teias de aranha de rachaduras se espalharam pela pedra maciça.
Antes que o corpo pudesse sequer deslizar para o chão, Luck flexionou os joelhos. Uma explosão de fogo rugiu da sola de seus pés, e ele disparou através da sala como um cometa humano, o ar chiando em protesto. Em pleno ar, ele girou o corpo, canalizando todo o seu Ether em um único chute devastador. Sua bota em chamas conectou-se com a cabeça de bisão do monstro. Não houve um estalo. Houve um clarão silencioso, e a cabeça simplesmente se desintegrou em uma chuva de fragmentos de osso e luz azul.
O corpo decapitado e ainda fumegante desabou no chão com um baque surdo e pesado, levantando uma nuvem de poeira que pairou no ar por um longo momento, antes de lentamente assentar e revelar a silhueta vitoriosa de Luck, parado e imponente no meio da carnificina.
— Viram só? — disse Dante, esfregando a pele embaixo do nariz, com a confiança de quem acabou de ganhar uma aposta.
"Eles realmente não estão brincando" — pensou Kurokawa, chocada, seu coração ainda acelerado enquanto ela observava o corpo inerte da criatura, as chamas residuais lambendo o chão ao redor como línguas famintas. "Vão mesmo ficar revezando as lutas, mesmo sendo tão arriscado." Sua mão tremia de tão nervosa e preocupada.
— Bom, a próxima sala agora… — disse Dante, já se virando para a porta seguinte, sua voz carregada de uma energia, como se a vitória de Luck tivesse reacendido sua determinação. — Ah, falando nisso, Kurokawa, quer tentar uma vez também? Quem sabe, mostrar que você também tem um truque ou dois?
— O-o quê?! N-não! Acho melhor não… — gaguejou ela, o rosto corando de vergonha enquanto seus olhos se arregalavam, a ideia de enfrentar um monstro sozinha fazendo seu estômago se revirar.
— Tudo bem — disse Dante, dando de ombros. — Sendo assim, é a vez da Nero. Vamos ver se ela consegue superar o show pirotécnico do Luck.
— Que bom — comentou Nero, consultando algo em seu telefone. — Pois, de acordo com as minhas contas, a próxima deve ser a última sala. Ou seja, provavelmente abrigará o inimigo mais forte.
— Que?! Espera, isso é trapaça! — exclamou Dante, apontando para ela com um dedo acusador.
— Calado — respondeu Nero, seca, seus olhos estreitando-se enquanto guardava o dispositivo no bolso. — Não quero ouvir reclamações do idiota que se jogou na frente do primeiro inimigo que vimos.
Nero se adiantou e abriu a porta seguinte com um empurrão firme, o ranger da madeira ecoando como um lamento prolongado que fez os pelos da nuca de Kurokawa se eriçarem. Todos esperavam por mais uma sala horripilante, com paredes manchadas de sangue seco e ossos espalhados, ou um inimigo bizarro que desafiaria a lógica com sua forma grotesca.
Mas, contra todas as expectativas, eles se depararam com algo completamente inesperado: uma sala surpreendentemente luxuosa, quase intacta, como se o tempo e a decadência da torre não ousassem tocá-la. Tapetes de veludo vermelho cobriam o chão, macios sob os pés como uma carícia, contrastando com a pedra fria dos andares anteriores. Sofás de couro polido alinhavam-se contra as paredes, suas superfícies brilhando sob a luz suave de candelabros que flutuavam sem suporte visível, suas chamas tremeluzindo com um brilho sobrenatural. No centro da sala, uma figura enigmática aguardava: um homem elegantemente vestido, com um terno impecável de tons escuros que parecia absorver a luz, tomando uma xícara de café sentado em uma poltrona de couro, o vapor da bebida subindo em espirais delicadas enquanto ele os observava com um sorriso calmo, quase hospitaleiro.
Algo ali definitivamente não se encaixava. O contraste entre a opulência da sala e o horror da torre era perturbador, como encontrar um oásis em um deserto de ossos. O ar, antes carregado de morte, agora tinha um leve aroma de café torrado e couro novo, mas sob ele havia um traço sutil de algo errado, um leve formigamento de Ether que fazia a pele de Kurokawa se arrepiar. O homem ergueu a xícara em um brinde silencioso, seus lábios se curvando em um sorriso que era ao mesmo tempo acolhedor e ameaçador, como se os convidasse para um jogo.
Parte 4
19 de julho de 19998, 22:10 da Noite - Torre Dates (Alexandria)
— Que interessante — comentou o homem calmamente, tomando um gole de seu café enquanto observava Luck com olhos penetrantes que pareciam sondar as profundezas da alma do jovem, o vapor da bebida subindo em espirais preguiçosas que dançavam no ar luxuoso da sala, carregado agora com o aroma rico e amargo do café recém-preparado, contrastando drasticamente com o fedor de decomposição que permeava os andares inferiores. — Na minha época, os magos da sua idade não tinham tanto tempo para treinar o físico como você. Antigamente, eles só achavam que precisavam acumular o máximo de magias diferentes, empilhando grimórios. Diga-me, você é o novo padrão do mundo mágico ou apenas um caso especial ?
Todos no grupo ficaram quietos, tensos, prestando atenção total no homem diante deles, o ar da sala parecendo se condensar com a expectativa, cada respiração ecoando levemente nos tapetes macios que abafavam os sons, enquanto sombras tremeluzentes das chamas dos candelabros dançavam nas paredes revestidas de painéis de madeira escura, criando padrões que evocavam memórias de salões antigos. Prestando atenção total no homem diante deles, que iniciara uma conversa casual como se estivessem em um salão de chá elegante, com porcelanas tilintando e risadas educadas, e não no coração de uma torre amaldiçoada, onde o próprio ar parecia sussurrar advertências de morte e loucura.
— Eu não sou um mago. Sou um Gifted — respondeu Luck, cauteloso, sua postura relaxada mas alerta, os músculos tensionados sob a roupa enquanto ele avaliava o homem, sentindo o formigamento sutil do Ether no ar. — Por isso, não saberia dizer se meu estilo é comum ou não. Mas, pelas suas palavras, você deve ter assistido a tudo que aconteceu do outro lado da porta, não é?
— Claro — confirmou o homem, um leve sorriso repuxando seus lábios finos. — Não há nada que eu não veja ou ouça dentro da minha torre. Mas, se você é um Gifted, por que usou magia para criar aquelas chamas?
— Minha habilidade inata não é tão eficaz em combate direto — explicou Luck, em um tom controlado. Ele cruzou os braços, e o calor residual que ainda emanava de suas palmas deixou um traço sutil de fumaça no ar. — Por isso, aprendi algumas magias para complementar. Embora admita que não sou tão bom quanto um mago de verdade.
— "Minha torre", você disse... — interveio Dante, dando um passo à frente. Seus olhos se fixaram no homem com uma intensidade palpável, e uma leve crepitação pareceu percorrer o ar tenso entre eles. — Como eu pensei. Não há dúvidas. Sentado aí nesse trono, com toda essa pose... Estava na cara que você era o chefão final. Você é o proprietário original, aquele que criou esta torre: o infame serial killer, Maicon Dates. Não estou correto, caro ADM?
— Infame, é? — Maicon riu baixo, um som que ecoou pela sala como o sussurro de folhas secas, sem demonstrar a menor ofensa. Ele depositou a xícara na mesa com um tilintar delicado, fazendo o líquido escuro ondular. — Bom, se foi assim que a história se lembrou de mim, não há muito o que fazer, suponho. As narrativas se distorcem com o tempo, como sombras que se alongam ao pôr do sol, transformando heróis em vilões e visionários em monstros.
— Ele nem se abalou com a sua provocação. Já dá para ver que não é pouca coisa — disse Nero, sem desviar o olhar de Maicon.
A farpa, no entanto, pareceu atingir Dante em cheio, que se virou para ela, irritado.
Nero finalmente o encarou, com o queixo erguido em desafio. — Já sabe, não é? Quem vai enfrentar esse aí sou eu.
— O QUÊ?! MAS... Droga! — resmungou Dante, derrotado, passando a mão pelos cabelos em um gesto de frustração. — Mas já que é assim, ainda tem algo que eu preciso saber antes que a Nero acabe com você. Diga-me: você realmente morreu para os ghouls que invadiram este lugar?
Quando Dante fez a pergunta, todos na sala se viraram para ele, surpresos por sua fixação naquele detalhe da história.
“Mesmo que diga que não se afetou, você reagiu à parte do ‘infame’”, pensou Dante, “e até fez aquele monólogo para nos dizer que era um ‘visionário’. Tipos como você adoram falar, então vá em frente...” Sua incapacidade de manter uma expressão neutra era gritante; seu rosto transbordava uma malícia tão evidente que o fazia parecer o verdadeiro vilão da sala. Kurokawa, que não estava acostumada, recuou um passo, intimidada.
— Acho que, como prêmio por terem alcançado tal “level”, é justo que eu lhes dê alguma recompensa, correto, garoto? — Maicon fez uma pausa, pensativo, tamborilando os dedos na mesa polida. O som ritmado ecoava como um relógio. — Digamos que minha Vida ainda guarda muitos segredos, assim como a minha morte. E que a História gosta de alterar os fatos para que combinem com a narrativa em que as pessoas desejam acreditar.
— Você teve aulas de como ser enigmático com o Mestre dos Magos? Isso não responde nada, maldito! — retrucou Dante, irritado com a evasiva.
— Bom, acredito que eu também possa fazer uma pergunta, já que estamos recebendo nossas "recompensas" — intrometeu-se Luck na conversa. — Como você consegue fazer tudo isso? Estar aqui, escutar tudo o que acontece na torre e, a partir deste "cenário", manipular as coisas ao seu redor?
— Hum, digamos que, atualmente, não passo de um... poltergeist. — A voz de Maicon era calma, professoral. — Minha alma e o meu Ether estão presos a este local. Isso me impede de morrer por completo, mas também me impede de sair ou de agir livremente no plano físico como antes. Sou um prisioneiro em uma cela de luxo eterno. Ainda assim, aqui dentro, neste meu domínio, tenho controle quase total do ambiente, moldando sombras e ilusões com um mero pensamento.
— É como uma Black Box em escala reduzida — murmurou Luck para si mesmo, processando as implicações. Seus olhos percorreram a sala como se, de repente, ele pudesse enxergar as camadas invisíveis de Ether tecidas no ar.
— Black Box? — perguntou Kurokawa, confusa, inclinando a cabeça enquanto tentava decifrar o termo, o coração acelerado pela atmosfera opressiva que se intensificava com cada revelação.
— É verdade, a Kurokawa é do primeiro ano, não teve aula sobre isso ainda — lembrou Dante. — Bom, depois que sairmos dessa eu explico.
— Relaxem — disse Maicon, gesticulando para as poltronas vazias com um movimento gracioso da mão, como um anfitrião convidando hóspedes para um banquete, o couro das poltronas rangendo levemente ao serem indicadas. — Eu, na verdade, estou até que feliz com a visita, um sopro de vida fresca em meio à eternidade estagnada. Saibam que, apesar de tudo, sou um homem que gosta de pessoas. Gosto de interagir com elas... mas, desde que morri, só posso conversar com os outros espíritos e fantasmas presos aqui também, ecos de almas que vagam pelos corredores como sombras solitárias. Bom, isso é, aqueles poucos que têm coragem de chegar até este andar, diferente da jovem irritada ali com vocês.
Caroline, a fantasma, fuzilou Maicon com um olhar cheio de ódio silencioso, sua forma etérea tremendo levemente, as bordas borrando como névoa agitada, enquanto gotas de luz espectral ameaçavam se formar em seus olhos translúcidos.
— Bom, já que finalmente teve coragem de subir até aqui, pequena Caroline — disse Maicon, dirigindo-se a ela com um tom paternal que mascarava uma crueldade subjacente, inclinando a cabeça enquanto a observava —, como forma de recompensá-la por sua persistência, contarei a verdade. A teoria do jovem Dante estava correta. Eu fui o responsável direto pela sua morte.
Caroline tremeu, parecendo querer avançar sobre ele com uma fúria espectral que fazia o ar ao seu redor esfriar, mas Kurokawa a segurou gentilmente pelo braço, sentindo o frio gelado penetrar sua pele como agulhas de gelo, ancorando a fantasma com um toque humano cheio de empatia.
— Por que você fez isso?! — exigiu Kurokawa, a voz cheia de indignação, ecoando na sala com uma força que surpreendeu até ela mesma, enquanto seus olhos ardiam com uma mistura de raiva e compaixão.
— Claro que perguntariam isso — suspirou Maicon, com um ar de cansaço filosófico, reclinando-se na poltrona enquanto olhava para o teto ornamentado, como se buscasse respostas nas sombras dançantes. — Bom, a resposta é mais difícil de dar a cada ano que passa, talvez porque eu mesmo esqueça dela cada vez mais, diluída no rio do tempo eterno... Mas, simplificando tudo ao máximo: eu quero descobrir e entender a Morte! Aquela entidade elusiva que paira sobre todos, um véu negro que ninguém pode rasgar.
— ....
— ....
— ...
— O quê? — perguntou Dante, quebrando o silêncio perplexo que se instalou como uma névoa pesada, enquanto o grupo trocava olhares confusos, processando a declaração absurda.
— Vocês não entendem se eu disser assim? — Agora era Maicon quem os olhava com uma expressão genuinamente confusa, como se achasse óbvio que ao menos um deles seria capaz de compreender. — Ora, a Morte sempre foi algo curioso. É o grande mistério inexplicável, um abismo que engole luz e esperança. A ciência de hoje não pode respondê-la e também não pode revertê-la... mas por quê? No nosso mundo, onde o sobrenatural é corriqueiro, por que a Morte continua sendo essa barreira inalterável e absoluta? Um muro que nem deuses ousam escalar?
— PARE DE ENROLAR! — gritou Nero, sua voz cortando o ar como um chicote. Os punhos cerrados e uma veia pulsando em sua testa denunciavam a impaciência que transbordava como uma represa rompida.
— Eu não estou. Estou realmente contando meus motivos — respondeu Maicon, com uma calma imperturbável, como se estivesse discutindo o clima em uma tarde ensolarada. Ele ergueu a xícara novamente para um gole deliberado. — Eu queria entender a Morte para poder vencê-la. Superar essa limitação fundamental da humanidade para, assim, fazer aquilo que Deus negou aos homens: trazer alguém verdadeiramente de volta à vida.
Sua expressão continuava neutra, mas agora seus olhos brilhavam com a luz de um fanático, de alguém que se vê como juiz.
— Como caçadores que vivem apenas para perseguir seus sonhos, que direito vocês têm de julgar os métodos que uso para alcançar os meus?
— Talvez a gente realmente não possa julgar você... — ironizou Nero, cruzando os braços enquanto um sorriso sarcástico se formava em seus lábios. — Mas que pena que não lhe contaram que suas asas eram feitas de cera antes de você começar essa sua jornada. Não é, Ícaro?
— Hum, talvez. Mas minha queda e morte não terão sido em vão se outros puderem usar minhas memórias e registros para levar a humanidade um passo mais perto da verdade — replicou Maicon, sem se abalar, seus olhos brilhando com uma convicção fanática que transcendia a morte. — Legados não morrem com o corpo; eles ecoam através do tempo.
— Vejo que não há arrependimentos em você — constatou Nero, sua voz gélida como o vento de inverno, enquanto ela analisava o poltergeist como um espécime sob um microscópio.
— Então... — continuou Dante, ligando os pontos com uma rapidez que fazia sua mente zumbir. Seus olhos se estreitaram enquanto ele gesticulava para enfatizar a conclusão mas também para poder fazer mais uma pose dramática. — Quem vai carregar suas memórias e registros? Você parece muito certo disso, o que significa que já o encontrou...
Maicon sorriu, um gesto lento e satisfeito que revelou uma fileira de dentes perfeitos, enquanto se reclinava ainda mais na cadeira.
— Realmente, você é bom em solucionar mistérios, jovem Dante. Sim, ele está no último andar, tecnicamente atrás de mim. Em outras palavras, ele é o que você chamaria de "Chefão Final". Se querem saber os motivos dele, só têm que atravessar aquela porta ali. — Ele indicou uma porta ornamentada no fundo da sala, com um gesto que era ao mesmo tempo um convite e uma ameaça.
— Mas aposto que você não vai tornar isso fácil para nós — disse Luck, sua voz carregada de suspeita enquanto ele avaliava a porta.
— Bom, como eu disse, faz tempo que não tenho visitas interessantes. Sendo assim, que tal um jogo? Uma partida de xadrez, Se me vencerem, prometo que os deixo passar sem mais interferências, sem armadilhas ou ilusões para barrar o caminho. Afinal, diferente dos monstros que encontraram até aqui, eu ainda prezo por uma certa mentalidade e etiqueta.
Sem esperar resposta dos outros, Nero caminhou decididamente até a mesa onde Maicon estava, cada passo ecoando com determinação no tapete macio, sentou-se na cadeira vazia à sua frente com um rangido sutil da madeira antiga, e encarou o poltergeist com olhos frios e determinados, como lâminas afiadas prontas para cortar através de mentiras e ilusões.
— Perfeito. Então vamos jogar. E depois que eu vencer, eu vou pessoalmente te exorcizar e te mandar para o inferno que você merece.
Parte 5
As peças deslizaram sobre o tabuleiro de xadrez antigo, movidas pelas mãos de Nero e pela vontade espectral de Maicon, cada clique da madeira envelhecida contra a superfície polida ecoando na sala como o tique-taque de um relógio, reverberando nas paredes cobertas por painéis de madeira escura que pareciam absorver a luz dos candelabros flutuantes. Um movimento após o outro, sem hesitação, quase sem pausa, as peças dançando em uma coreografia mortal, cada jogada extremamente calculada, uma dança silenciosa de intelectos em conflito, onde o ar parecia crepitar com a tensão mental, carregado com um Ether sutil que pulsava como uma corrente elétrica invisível. Contudo, enquanto a partida avançava, um meio sorriso entediado começou a brincar nos lábios de Nero, uma curva quase imperceptível que contrastava com seus olhos afiados, brilhando como lâminas sob a luz tremeluzente. Ela dominava o jogo com uma facilidade desconcertante, virando o tabuleiro contra o poltergeist que parecia tão confiante momentos antes, cada movimento seu cortando as estratégias de Maicon como uma faca através de seda, antecipando e neutralizando suas defesas com uma precisão quase sobrenatural.
— Hum — murmurou Dante, observando a dinâmica com os braços cruzados, sua silhueta projetando uma sombra longa contra a parede, onde as chamas dos candelabros dançavam em padrões hipnóticos.
— O que foi? — perguntou Luck, inclinando a cabeça enquanto mantinha um olho no tabuleiro e outro em Maicon, sentindo o peso do olhar do poltergeist mesmo de onde estava.
— Maicon deu azar — explicou Dante, sua voz baixa, mas carregada de uma certeza divertida, enquanto ele coçava o queixo, os olhos brilhando com um misto de admiração e sarcasmo. — Se fosse a vez de outro de nós, talvez eu ou até você, ele talvez tivesse alguma chance real. Mas, para o azar dele, sua adversária acabou sendo a Nero, e ela não joga para perder.
— Ela é tão boa assim? — Kurokawa sussurrou, seus olhos arregalados enquanto se aproximava de Dante, a voz tremendo ligeiramente, dividida entre a curiosidade e o medo que ainda a envolvia como uma névoa fria.
— Não sei se é só uma questão de ser "boa" ou de ser uma trapaceira de primeira — respondeu Dante, com um sorriso travesso que iluminava seu rosto. — Mas, à medida que o jogo avança, Nero, que tem uma memória fotográfica e memorizou incontáveis partidas e estratégias, se adapta, calcula e antecipa não apenas os movimentos óbvios, mas também as previsões do adversário.
"Agora eu só tenho que mover mais algumas casas", pensou Nero, analisando o tabuleiro com frieza, seus olhos percorrendo as peças como um general planejando uma guerra. "Ele não é ruim. Seus movimentos são precisos. Conseguiu evitar que eu capturasse qualquer peça importante dele até agora, mas foi justamente esse medo de perder peças que o deixou na minha mão. Infelizmente para você, Maicon, isso aqui não foi muito diferente de um jogo da velha."
Tudo parecia acontecer exatamente conforme o plano de Nero, cada peça movida com a precisão de um relógio, encurralando Maicon em um cerco invisível, quando então…
Pft!
Um som úmido e súbito, como o estalo de carne rasgada, cortou o ar. Silêncio. Todos congelaram, o tempo parecendo parar enquanto a mão direita de Dante foi perfurada por um prego negro de ether.
— Quê?! — exclamou Dante, olhando chocado para a própria mão, a dor lancinante subindo por seu braço como fogo.
Todos instintivamente olharam para Maicon, seus olhos arregalados com uma mistura de horror e descrença. A sincronia foi perfeita demais para ser coincidência. No exato momento em que Maicon capturou uma das peças de Nero – um peão que claramente foi usado como isca –, a mão de Dante foi perfurada.
— Não me diga que… — começou Luck, os olhos arregalados, sua voz tremendo enquanto ele dava um passo à frente.
— O que foi? Eu não contei as regras completas? — perguntou Maicon, um sorriso se formando em seus lábios. — É verdade. Neste jogo peculiar, estamos apostando coisas que nos são muito queridas. Afinal, se vocês vencerem e atravessarem aquela porta, há uma grande chance de encontrarem o 'monstro' e, na luta, esta minha amada torre perder sua 'vida'. Se eu corro o risco de perder minha construção querida, nada mais justo que, a cada peça sua que eu capturo, você, Nero, perca pedaços das coisas que lhe são queridas também.
E, com essa revelação sinistra, a dinâmica do tabuleiro mudou drasticamente, o ar da sala ficando mais pesado, como se a própria gravidade respondesse à malícia de Maicon, enquanto as chamas dos candelabros tremiam como se assustadas.
A ironia do destino era cruel. Nero, que antes acusava Maicon de fazer movimentos óbvios para proteger suas peças, agora se via fadada a repetir a mesma estratégia para proteger as suas.
Alguns minutos angustiantes se passaram, cada segundo esticando-se como uma eternidade, e o jogo continuou, agora não apenas uma batalha mental, mas uma prova de resistência emocional e física. O estresse e o nervosismo eram palpáveis, deixando Nero em óbvia desvantagem, sua postura rígida enquanto seus dedos pairavam sobre as peças, hesitando pela primeira vez. Ela não podia mais sacrificar peças levianamente; cada movimento carregava um peso esmagador, como se o tabuleiro fosse um altar de sacrifícios.
A hesitação tomou conta dela ao absorver as regras completas do jogo doentio de Maicon, uma revelação que transformava cada peça em uma ameaça potencial. Cada uma representava algo ou alguém importante para ela, das menos às mais significativas, um mapa cruel de seus afetos. Dependendo da peça que perdesse, a cabeça de seus amigos poderia, literalmente, rolar, ou seus corpos poderiam ser despedaçados em um piscar de olhos. Sem saber qual peça representava o quê, a dificuldade para movê-las a destruía por dentro.
Pft!
Outro som úmido, como carne sendo perfurada, agora a coxa de Dante que foi atravessada por um prego de Ether.
Pft!
Em seguida o pé de Dante, a dor fazendo-o cerrar os dentes enquanto ele segurava a mão perfurada.
— Droga! — praguejou Dante, cerrando os dentes de dor, o suor escorrendo por sua testa. — Esse desgraçado ainda faz com que o sangramento pare instantaneamente, para que não morramos de hemorragia antes do fim do jogo.
— Claro — confirmou Maicon, divertido, reclinando-se na poltrona com a tranquilidade de um anfitrião em um banquete macabro, o sorriso alargando-se enquanto ele girava a xícara vazia entre os dedos espectrais. — Afinal, se vocês morrerem assim, o jogo acabaria prematuramente, e eu perderia a chance de saborear cada momento de sua angústia. Onde estaria a graça em um espetáculo tão curto?
Kurokawa estava visivelmente nervosa, desesperada, seus olhos arregalados enquanto ela tremia, sem saber o que fazer, o coração disparado como um tambor em seu peito. Ela parecia prestes a atacar Maicon novamente, fechando o punho com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos, mas Dante a segurou gentilmente com a outra mão, o toque firme apesar da dor que ele claramente sentia.
— Eu já disse antes, Kurokawa. Não se envolva. Esta é a vez da Nero, e você não deve subestimá-la — disse ele, a voz firme apesar da dor, enquanto seus olhos não saiam do tabuleiro.
— Eu não estou subestimando ela! Mas isso já passou dos limites, é cruel! — respondeu Kurokawa, a voz embargada, lágrimas de frustração brilhando em seus olhos enquanto ela gesticulava para o tabuleiro. — Já imaginou como deve estar a cabeça dela, sabendo que os erros dela estão machucando vocês?! Eu nem consigo imaginar o peso disso! Ele disse que as peças são representações do que importa para ela, não é? Se fosse eu... eu! — Sua voz falhou, engasgada pela emoção, enquanto ela cobria o rosto com as mãos, tremendo sabendo que não era hora de deixar suas emoções a dominarem.
— Você realmente é boa com isso de empatia, não é?... Mas está tudo bem. Ela não vai perder. — Dante olhou diretamente para Nero e confirmou: — Não é mesmo?
Ele então voltou sua atenção para a própria mão.
— Deixa eu tirar logo isso, que já tá me incomodando — disse ele para si mesmo.
Com um puxão rápido e decidido, ele arrancou o prego negro da palma. Um grunhido de dor escapou por entre seus dentes: — Aaargh!
— Eu não teria feito isso se fosse você — disse Maicon, observando-o pelo canto do olho. — Agora que o tirou, não posso mais impedir que sua mão sangre. E, antes que tente, saiba que habilidades de cura são desativadas pelos meus pregos até o fim do jogo. — Havia uma expressão de genuína incompreensão em seu rosto, como se não entendesse o motivo daquela atitude impulsiva.
— Está tudo bem. Até porque eu tenho certeza absoluta de que a Nero vai acabar com você rapidinho, muito antes que a perda de sangue comece a me incomodar — respondeu Dante, com aquele sorriso demoníaco se abrindo novamente em seu rosto.
Naquele momento, Nero ficou completamente imóvel por um instante, como se o peso das palavras de Dante tivesse pausado o tempo. Virou os olhos minimamente na direção dele, respirou fundo, o som audível no silêncio opressivo, e murmurou: — Seu idiota. Quem pediu pela sua opinião? — Sua voz era baixa, quase inaudível, mas sua expressão estava carregada de uma emoção crua que raramente emergia, um leve curvamento nos lábios finos.
Assim que o jogo recomeçou agora era nero quem atacava, cada movimento uma declaração de guerra. Maicon continuou sua investida, capturando mais peças, mas agora, ela já não parecia tão afetada – seguindo as capturas um pedaço da orelha, a outra coxa de Dante, começavam a ser perfuradas acompanhada por um som úmido que fazia Kurokawa estremecer, mas Nero permanecia implacável, seus dedos movendo as peças com uma precisão mortal.
— O quê? — Maicon franziu o cenho, agora visivelmente perturbado, sua forma espectral tremeluzindo levemente como uma chama sob um vento forte. Os movimentos de Nero voltaram a ser um ataque incessante e agressivo com o qual ele não conseguia mais lidar. — Espera... não me diga… — Maicon arregalou os olhos em súbita compreensão. — Você não estava sendo cautelosa antes... Mesmo sob toda essa pressão, você estava sacrificando peças de propósito para aprender o que cada uma no tabuleiro representava, apenas para saber o que podia ser descartado?!
— Quem sabe…. Bom, é sua vez, Maicon. — Nero respondeu, a voz fria como gelo, cortante como uma lâmina. — Se começar a pegar leve agora, sua amada torre já era.
O tabuleiro mudou de figura mais uma vez, a atmosfera da sala vibrando com a intensidade do confronto. Um ataque implacável de Nero continuava, e, mesmo com mais partes de Dante sendo sacrificadas – nenhuma delas vital, nenhuma que trouxesse riscos fatais imediatos, um cálculo preciso que refletia sua estratégia cruelmente brilhante –, ela avançava, cada movimento uma estocada no coração do jogo de Maicon. Dominando completamente o tabuleiro agora, Nero encurralou o rei de Maicon com uma série de jogadas que pareciam inevitáveis — Xeque-mate.
— Por essa eu não esperava — admitiu Maicon, sorrindo.
— Acredito que signifique que eu ganhei. Então podemos prosseguir, não é? — disse Nero, levantando-se com uma calma que mascarava qualquer emoção, os olhos fechados para não encarar Dante.
— Sim, podem seguir adiante… mas antes… — Maicon ergueu a mão, e, de repente, todos os pregos pelo corpo de Dante desapareceram.
— Ahhhh!. — Dante gritava sentindo Dor dos pregos sendo retirados com força mesmo que começassem a se regenerar.
— Honrado de sua parte — disse Nero, impassível, embora seus olhos estreitassem-se, ainda carregados de desprezo. — Mas saiba que isso não muda o fato de que eu ainda vou te mandar para o inferno.
— hum… — respondeu Maicon, parecendo resignado, enquanto ele se levantava da poltrona, sua forma espectral começando a tremeluzir como uma chama prestes a apagar. — A verdade, tem algo que esqueci de dizer, Senhorita Caroline: sua mãe também se tornou um poltergeist após a morte. Eu a prendi no saguão, forçando-a a agir como a recepcionista deste "hotel", se usarem a porta à esquerda, poderão descer diretamente até o saguão. É melhor aproveitar a chance, já que, se eles seguirem, há uma grande chance de este prédio ser destruído no processo, e você nunca mais terá a chance de reencontrá-la.
— Por que acreditaríamos em uma palavra sua?! — cuspiu Kurokawa, desconfiada.
— Ele está falando a verdade — disse Nero, surpreendendo a todos, sua voz firme enquanto ela cruzava os braços. — Depois de jogar com ele, consigo perceber isso.
— Bom, sendo assim — continuou Maicon. — saberá que também é verdade o que direi a seguir: vocês não têm a menor chance contra o Homem no último andar. Esqueçam essa aventura infantil e perigosa. Ou irão amaldiçoar seus destinos, e ficarão presos a uma eternidade de arrependimento.
Enquanto ele terminava de falar, sua figura fantasmagórica, a mesa de xadrez, as poltronas e toda a aparência luxuosa da sala começaram a tremeluzir e desaparecer, como uma miragem se dissolvendo sob o sol escaldante, dando lugar novamente à sala velha, empoeirada e horripilante.
— Droga, ele fugiu! — exclamou Dante.
— Não faz diferença, idiota — disse Nero. — De qualquer forma, a alma e o Ether dele estão presos aqui, como ele mesmo disse. Ou seja, depois que resolvermos o problema principal, só temos que destruir este lugar e colocar as almas daqui pra descansar.
— Bom… isso é verdade — concordou Dante, massageando a mão ferida. — Ah, falando nisso! Que ideia é essa de me usar como bucha de canhão desse jeito?! Por um momento, eu achei mesmo que você ia me deixar morrer aos pedaços!
— O que foi, idiota? — Nero o encarou, um brilho de desafio nos olhos enquanto cruzava os braços. — Não era você quem estava gritando aos quatro ventos que confiava em mim? Ou isso era só conversa para impressionar?
— Eu sinto que um dia você vai revelar que na verdade está tentando me matar, igual àqueles plot twists de jogos antigos! — retrucou Dante, apontando para ela com um dedo acusador, o rosto corado de indignação.
Enquanto os dois começavam a discutir novamente, suas vozes ecoando pela sala agora desolada, Luck se aproximou de Kurokawa e Caroline.
— Apesar dessa briga toda, vocês notaram quem foi o único que se machucou nesse jogo? — ele cochichou, olhando de soslaio para o casal para garantir que não o ouviam.
Kurokawa e Caroline trocaram olhares confusos, a fantasma hesitando enquanto sua forma tremia levemente.
— Espera, isso quer dizer…
Os três (Luck, Kurokawa e Caroline) começaram a rir discretamente, enquanto o som de suas risadas suaves contrastava com a discussão acalorada de Dante e Nero.
— Então, o que faremos? — perguntou Dante, interrompendo a discussão com um suspiro, esfregando a nuca enquanto tentava recuperar o foco, os olhos percorrendo a sala em busca das duas portas indicadas por Maicon.
— Sinceramente, eu acho melhor deixar a Kurokawa levar a Caroline para ver a mãe. — respondeu Luck se levantando. — Não que eu confie totalmente em Maicon, mas por via das dúvidas será melhor que ela veja a mãe uma última vez.
— Justo — concordou Dante, assentindo enquanto olhava para Caroline, cuja forma espectral parecia menos agitada, como se a promessa de um reencontro suavizasse suas bordas tremeluzentes.
— Justo — concordou Nero, enquanto olhava para Kurokawa, como se reconhecesse o peso da decisão. — Até porque — acrescentou, com sua habitual falta de tato —, não acho que ela vá sobreviver se for conosco e o inimigo for realmente tão forte quanto Maicon estava fazendo parecer.
— Mais empatia, Nero! Eu já disse isso! — reclamou Dante.
— Calado! — retrucou ela, apontando para ele com um dedo acusador.
— Bom, eu acho que deve ser o melhor — disse Kurokawa, sua voz suave, mas firme. — Eu fiquei com muito medo durante toda esta aventura, mas também me senti emocionada. Quando vi a batalha entre a Nero e o Maicon, mesmo com o medo, meu coração também parecia cheio de energia. E quando a vi vencendo... foi uma sensação que nem consigo descrever.
Ela falava agora com um sorriso genuíno no rosto.
— Acho que entendo um pouco mais por que os caçadores fazem coisas tão arriscadas e o que meus companheiros vieram buscar aqui, mesmo que tenha custado suas vidas. Ainda tenho dúvidas, mas acho que não preciso mais ficar neste lugar para descobrir.
— Bom, se você já conseguiu entender e sentir isso, você também já é uma caçadora — sorriu Dante de volta. — Agora só tem que ir na sua própria caçada, em busca do resto.
Assim, após uma breve conversa, a decisão foi tomada, selada com olhares de entendimento e determinação. Kurokawa atravessou a porta azul indicada por Maicon, guiando Caroline em direção ao saguão e a um possível reencontro agridoce. Enquanto isso, Dante, Nero e Luck se viraram para a outra porta, a ornamentada que pulsava com uma energia etérea.
Parte 6
Penúltimo Andar
19 de julho de 19998, 23:00 da Noite - Torre Dates (Alexandria)
Ao atravessarem a porta antiga, cujas dobradiças enferrujadas rangiam ecoando pelos corredores sombrios da torre, uma calmaria profundamente inquietante tomou conta de Dante, Nero e Luck simultaneamente, um silêncio opressivo que parecia sugar o ar de seus pulmões, deixando apenas o som distante de gotas pingando em poças invisíveis. Uma sensação fria percorreu suas espinhas, como dedos gelados traçando uma trilha de advertência ao longo de suas colunas vertebrais, e um pensamento coletivo e primitivo assaltou suas mentes.
“Morte.”
Seguir adiante naquele lugar não resultaria em nada além disso, uma certeza visceral que se enraizava em seus instintos. Era perturbador; a aura distorcida e horripilante que emanava de toda a torre parecia concentrar-se e originar-se dali, uma energia palpável que distorcia o ar ao redor, fazendo-o tremular como uma miragem de calor invertida, carregada de um peso que pressionava contra seus peitos. O cheiro pútrido de algo apodrecido e profano era tão forte que provocava náuseas, um fedor que se infiltrava em suas narinas como uma névoa venenosa, evocando imagens de corpos em decomposição e almas corrompidas.
Não havia dúvida: todo o Ether corrompido, todas as almas perdidas que vagavam como ecos agonizantes, todos os corpos profanados que haviam sido violados em rituais obscuros... estavam em algum lugar ali, concentrados como uma ferida purulenta no coração da estrutura.
A sala que se abria diante deles era um vasto espaço que se estendia como uma caverna tecnológica profanada, exibindo um contraste chocante e perturbador com o restante da torre explorada até então, onde a decadência orgânica dava lugar a uma fusão grotesca de antigo e moderno.
Paredes de pedra maciças, marcadas por rachaduras que pareciam veias pulsantes, davam lugar a uma superfície lisa e asséptica de metal parcialmente enferrujado, placas de aço corroído que rangiam levemente. O chão metálico possuía várias manchas escuras de sangue seco, coaguladas em padrões irregulares, e estava cheio de instrumentos médicos espalhados, alguns arcaicos com lâminas enferrujadas e cabos de madeira podre, outros surpreendentemente novos e ainda em funcionamento – como se um pedaço de tecnologia atual tivesse sido brutalmente enxertado naquele ambiente decadente e ancestral, criando uma dissonância que fazia o estômago revirar.
O cheiro de mofo e poeira, que havia sido companheiro constante nos andares inferiores, foi substituído por um odor metálico e químico, quase hospitalar, que pinicava as narinas e causava uma sensação profunda de estranheza e deslocamento, como se eles tivessem pisado em um Hospital.
No centro da sala, diversas mesas de metal cirúrgico estavam dispostas em fileiras irregulares, com panos brancos que ocultavam formas vagamente humanoides – obviamente cadáveres, cujas silhuetas irregulares sugeriam mutilações e experimentos hediondos. O cheiro pútrido intensificava-se ali, uma onda nauseante que subia como bile na garganta.
— Sinto que foi uma boa ideia não trazer aquelas duas até aqui — murmurou Luck, o olhar varrendo o cenário macabro com uma mistura de repulsa e cautela, enquanto ele ajustava a postura, sentindo o ar frio roçar sua pele como dedos invisíveis.
— Você sente só isso? — perguntou Nero, a voz baixa e tensa, ecoando levemente nas paredes, enquanto ela apertava o cabo da katana. — Esse cheiro de morte... mesmo em locais com muitas fatalidades, não deveria ser assim. Tão... concentrado.
Eles começaram a andar cautelosamente pela sala, cada passo ecoando como um aviso, observando ao redor com olhos atentos, instintivamente se dirigindo à parte mais profunda e escura, onde a luz dos painéis parecia ter mais dificuldade em alcançar. Quanto mais viam os frascos e os equipamentos, cujos conteúdos borbulhantes emitiam um brilho doentio, menos vontade tinham de confirmar o que continham, especialmente pelo cheiro nauseante que alguns exalavam.
Assim, à medida que avançavam, o ar ficando mais denso e opressivo, ouviram passos firmes vindo da escuridão à frente, um ritmo constante e deliberado que cortava o silêncio como uma lâmina. Um homem de cabelos brancos e barba emergiu das sombras, sua silhueta se materializando gradualmente sob a luz fria, parando diante deles com um ar de autoridade tranquila.
— Entendo. Então, mais Caçadores de Babylon vieram investigar — disse o homem, a voz calma, enquanto ele ajustava o casaco desgastado, revelando vislumbres de cicatrizes antigas em suas mãos. — Vocês também estão aqui pela recompensa? Eu tinha avisado à diretoria que não precisava mais enviar estudantes.
— Ah! Entendi! — exclamou Dante, relaxando um pouco a postura, embora uma dúvida sutil persistisse em seus olhos, enquanto ele coçava a nuca, tentando dissipar a tensão que ainda pairava no ar. — Você é um professor enviado pela Academia! Droga, você deve ter vindo pelo caminho normal e já chegou aqui antes de nós! Só podia ser um professor mesmo.
— Bom, já que se esforçaram tanto para chegar até aqui, não tem jeito — disse o homem, com um leve sorriso que não chegava aos olhos, curvando os lábios em uma linha fina enquanto ele gesticulava para o fundo da sala. — Se quiserem me dar suporte na investigação final, eu aceito.
O homem virou-se e começou a caminhar calmamente em direção ao fundo da sala, como se dispensasse a presença deles com um gesto casual, seus passos ecoando no metal com uma regularidade que parecia zombar de sua intrusão. Foi quando Dante saltou na direção dele com um chute voador, o ar uivando com a velocidade de seu movimento, os músculos tensionados como molas prontas para explodir. O homem, sem sequer olhar para trás, devolveu o golpe com um chute próprio, interceptando o de Dante no ar e lançando-o violentamente para trás com o impacto.
— Qual é, acha mesmo que alguém cairia nessa?! — rugiu Dante, levantando-se rapidamente.
Os três moveram-se instantaneamente, cercando o homem em uma formação coordenada que refletia anos de trabalho em equipe, o ar crepitando com sua energia combinada. Luck iniciou um ataque, lançando torrentes de chamas que rugiam como dragões enfurecidos, iluminando a sala com um brilho azul que dançava nas paredes metálicas, enquanto Nero desembainhou sua katana com um sibilo afiado, a lâmina reluzindo sob a luz fria, e avançou com velocidade estonteante, seus passos um borrão no chão manchado.
Ela desferiu vários cortes precisos, cada um cortando o ar com um assovio mortal, mas o homem esquivou-se de cada um com uma habilidade e fluidez impressionantes, seu corpo movendo-se como água, desviando das chamas de Luck ao mesmo tempo, o calor lambendo suas roupas sem tocá-lo.
Com um chute rápido, afastou Nero, o impacto enviando-a para trás, e, em seguida, chutando o próprio ar com uma força que distorcia a realidade, criou um bolsão de vento comprimido que explodiu na direção de Luck, uma rajada invisível que o jogou contra a parede com um baque surdo, apagando suas chamas instantaneamente em uma nuvem de fumaça acre.
— Digam-me — perguntou o homem, parando por um momento, ainda com uma calma perturbadora enquanto colocava as mãos nos bolsos. — O que foi que me entregou? Qual detalhe traidor no meu disfarce?
— Essa sua aura de Final Boss por exemplo! — respondeu Dante.
— Entendo. Você é do tipo sensorial, e seus amigos confiam tanto em suas habilidades que seguiram seu ataque sem hesitar — ponderou o homem, inclinando a cabeça enquanto um sorriso lento se formava em seus lábios. — Que pena. Preferia resolver isso só conversando. Mas... suponho que posso conversar enquanto brinco um pouco com vocês.
— Tente, se puder! — desafiou Dante, seus olhos brilhando com uma determinação feroz, enquanto ele cerrava os punhos, o ar ao seu redor crepitando com sua energia interna.
Ele avançou novamente, iniciando uma troca frenética de chutes com o homem, cada impacto ecoando como trovões na sala vasta, mesmo que Dante fosse mais rápido, cada golpe que conectava parecia atingir uma muralha; os ossos de Dante tremiam com a força que ricocheteava, era como chutar ferro maciço, uma resistência inumana que enviava vibrações dolorosas por seu corpo.
O homem, casualmente, agarrou a cabeça de Dante em pleno movimento, os dedos como garras de aço, e a esmagou contra uma coluna de ferro próxima, o impacto amassando a superfície. Luck avançou novamente, as chamas envolvendo sua perna para um chute poderoso que rugia como um inferno pessoal. Soltando a cabeça de Dante, o homem agarrou a perna flamejante de Luck, ignorando o calor que lambia sua pele, e, com uma força descomunal, usou o corpo de Luck como um bastão improvisado, girando-o no ar e atingindo o estômago de Dante, fazendo-o atravessar a coluna de ferro.
— Controlem-se, crianças — disse o homem, ajeitando as roupas com um gesto casual, como se o confronto fosse uma mera inconveniência. — Vocês não podem vencer. Então, que tal serem civilizados? Sentem e conversem, antes que eu seja forçado a escalar isso.
— Você… fala demais — ofegou Dante, tentando se levantar, o peito arfando enquanto ele cuspia sangue no chão metálico, e sangue derramava de sua cabeça cobrindo os olhos.
Ele avançou mais uma vez, mas o homem desviava de cada golpe com facilidade, seus movimentos fluídos como uma dança mortal, enquanto o socava com força contida e conversava calmamente, cada palavra pontuada por um impacto.
— Diga-me, não acham injusto? O mundo está cercado de dor, violência e morte, um ciclo eterno que devora os fracos. Crianças da sua idade são criadas para serem armas em potencial, forjadas em academias como Babylon para servirem agendas maiores. Crianças inocentes em Gaia são queimadas como bruxas apenas por nascerem com dons diferentes, chamas que consomem a pureza. E nossos deuses... eles aceitam tudo isso como se fosse a ordem natural das coisas, indiferentes em seus tronos etéreos.
— Droga, onde tá o botão de Skip?! Velho idiota, eu não quero ouvir o seu monólogo! — Dante rugia enquanto tossia sangue, seus olhos se estreitando ao se erguer, o corpo trêmulo de fadiga e raiva. — Além do mais, tenho uma péssima notícia para você, velhote. Eu não acredito nesse papo furado de deuses, seu desgraç—
Antes que Dante pudesse terminar, o homem desferiu um soco devastador em seu estômago, tão forte que o impacto o lançou através do chão metálico, o metal rangendo e cedendo sob a força, fazendo-o cair para o andar de baixo com um estrondo que ecoou como um terremoto, poeira e fragmentos caindo em uma cascata, deixando um buraco irregular onde ele havia estado, o ar preenchido com o som distante de seu corpo colidindo com o nível inferior.
Parte 7
Recepção da Torre
Ao atravessarem a porta azul, Kurokawa e Caroline emergiram no saguão da torre. O ar ali era pesado, carregado de um frio úmido que se infiltrava nos ossos, misturado ao leve odor de mofo e ferrugem que parecia impregnar as paredes de pedra desgastadas. A luz mortiça de candelabros pendurados no teto alto projetava sombras dançantes. O balcão de recepção, outrora majestoso, agora estava coberto por uma camada espessa de poeira, com papéis amarelados e objetos abandonados espalhados, testemunhas mudas de décadas de negligência. A calmaria do ambiente era enganadora, um silêncio que zumbia nos ouvidos como um aviso, interrompido apenas pelos ecos distantes de explosões e tremores que faziam o chão vibrar sutilmente, como o pulsar de um coração moribundo.
— Eles estão demorando… — Kurokawa murmurou para si mesma, o olhar fixo na porta azul, agora fechada atrás delas. O som abafado de explosões distantes reverberava através das paredes, cada estrondo acompanhado por ondas de Ether que faziam o ar vibrar. — E essas explosões… será que eles estão bem? — Sua voz tremia levemente, um sussurro que ecoava no vasto saguão, enquanto ela torcia as mãos com força suficiente para deixar marcas vermelhas na pele.
— Kurokawa, você está preocupada? — A voz suave de Caroline soou ao seu lado, um murmúrio etéreo que parecia flutuar no ar, carregado de uma curiosidade infantil, mas tingido por uma tristeza antiga. Ela inclinou a cabeça, observando Kurokawa com uma mistura de empatia e inquietação.
— Ah, não é que… — Kurokawa hesitou, desviando o olhar para o chão, onde poças escuras de algo que não ousava identificar refletiam a luz fraca. A ansiedade formava um nó em seu estômago, uma batalha interna entre o desejo de agir e o medo de atrapalhar. — Não é que eu esteja preocupada… Quer dizer, estou, mas… — Ela suspirou, passando a mão pelos cabelos negros que caíam em cascata sobre os ombros, tentando encontrar palavras que mascarassem sua inquietação.
— Se você estiver preocupada, podemos ir até lá — ofereceu Caroline, sua voz ganhando uma nota de determinação que fez Kurokawa estremecer. — Aquela porta não desapareceu. — Ela apontou para a porta azul. — E eu quero ajudá-los. Foi graças a eles que eu finalmente pude me reencontrar com a minha mãe, mesmo que por tão pouco tempo. — Seus olhos espectrais brilharam com uma intensidade renovada, como se a memória daquele reencontro tivesse reacendido uma chama há muito apagada.
A figura espectral da mãe de Caroline, a antiga "recepcionista" da torre, materializou-se parcialmente ao lado delas, sua forma ainda mais etérea que a da filha, como um véu de névoa moldado em traços humanos. Um sorriso triste, mas sereno, curvava seus lábios translúcidos, e seus olhos, de um cinza opaco, pareciam carregar o peso de décadas de sofrimento silencioso.
— Eu também preciso agradecer àqueles garotos — disse ela, sua voz um sussurro que parecia ecoar de um lugar distante, carregado de uma melancolia que tornava o ar ao redor ainda mais frio. — Achei que, por culpa daquele monstro, Maicon, eu nunca mais poderia ver minha filha… mas eu não podia simplesmente abandoná-la. — Ela fez uma pausa. — Por isso, também preciso agradecê-los.
Kurokawa respirou fundo, afastando-se um pouco, incapaz de conter o leve medo que ainda sentia da mãe de Caroline. — Está tudo bem — disse ela, mais para si mesma do que para as outras, forçando um sorriso que não chegava a mascarar a preocupação em seu rosto. — Do pouco que já vi deles… não acho que precisamos nos preocupar tanto assim. — Sua voz ganhou uma nota de convicção, como se tentasse convencer a si mesma enquanto falava.
— Kurokawa… — Caroline disse em um tom suave e compreensivo, flutuando para mais perto e estendendo-lhe uma mão translúcida.
— “E como Dante dizia, preciso confiar neles. Eles vão voltar… e quando voltarem, vou pedir para ir com eles em outra aventura, ela pensou,” um leve sorriso surgindo em seus lábios.
Parte 8
Dante se levantava dos destroços cuspindo sangue, o gosto metálico e amargo impregnando sua boca enquanto poeira e fragmentos de concreto se assentavam ao seu redor como uma névoa cinzenta, obscurecendo a visão periférica e fazendo o ar parecer mais denso, sufocante. Ele ergueu o olhar para o buraco irregular no teto, onde raios de luz fria filtravam através das camadas destruídas da torre, carregados com o Ether opressivo do inimigo que pairava acima.
— Pelo visto não dá mais para brincar. Se eu não lutar a sério, a gente vai morrer — Dante murmurava olhando para o buraco no teto sentindo o Ether do Inimigo, enquanto ele limpava o sangue do queixo com as costas da mão, ignorando o latejar em seu corpo. — "Com uma Aura de Ether tão esmagadora, é impossível cobrir seu corpo com o meu." — Ele pensou, franzindo a testa enquanto avaliava suas opções, o coração acelerando não de medo, mas de uma excitação selvagem que borbulhava em seu peito. Dante enfiou a mão no bolso e retirou um par de óculos de aviação steampunk colocando-os rapidamente sobre os olhos, a respiração tornando-se subitamente calma e focada. — "Sendo assim, só posso apostar em velocidade" — Ele concluiu internamente, sentindo uma onda de energia percorrer seu corpo, os músculos tensionando-se como cordas de um arco prestes a disparar.
Com um impulso explosivo que estilhaçou o chão sob seus pés, enviando lascas de concreto voando como estilhaços de uma explosão, ele deu um salto poderoso, o ar uivando ao seu redor enquanto atravessava o buraco, o vento chicoteando seus cabelos e fazendo sua roupa estalar como uma bandeira em uma ventania. Voltando para o andar de cima, parando por um instante agachado no teto, suas unhas cravando na superfície rachada para se equilibrar, observando todo o campo de batalha, os olhos por trás das lentes steampunk varrendo o cenário caótico: Luck e Nero posicionados nos flancos, suas auras pulsando como faróis, enquanto Niklaus pairava no centro, uma silhueta imponente envolta em Ether distorcido que distorcia o ar ao seu redor como uma miragem de calor.
— Luck! Nero! — A voz de Dante ecoou, carregada de urgência, cortando o ar como uma lâmina. — Mudança de planos! Vamos para o segundo ritmo! — O comando era claro, um sinal que ativava uma estratégia ensaiada, como engrenagens se encaixando em uma máquina perfeitamente oleada.
No instante seguinte, ele saltou do teto, aterrissando suavemente na frente do homem de cabelos brancos mais uma vez, o impacto enviando uma onda de poeira para o ar, que dançava como névoa sob a luz fria dos painéis remanescentes. Os dois trocaram olhares, os olhos de Dante ardendo como brasas vivas por trás das lentes, enquanto os olhos cinzentos de Niklaus sondando como um predador avaliando uma presa.
O clima da batalha mudou instantaneamente, o ar crepitando com a tensão acumulada, como antes de uma tempestade elétrica, enquanto auras colidiam em um turbilhão invisível. A aura de Dante tornou-se visível, um manto crepitante de energia vermelha e elétrica que vibrava e estalava no ar, como raios contidos em uma garrafa, colidindo audivelmente com o Ether sombrio e distorcido de Niklaus, criando faíscas que iluminavam o espaço destruído em flashes intermitentes.
— Então, vamos para o round dois — disse Dante, um sorriso perigoso nos lábios, curvando-se em uma linha. — Liberar Archive: Segundo Modo: Deus da Velocidade! — A declaração ecoou, e imediatamente, uma transformação sutil, mas profunda, tomou conta dele: seus cabelos se eriçaram como se tivesse sido atingido por uma onda de eletricidade estática, enquanto raios vermelhos crepitavam ao redor de seu corpo.
Imediatamente, Luck e Nero, respondendo ao comando sem hesitar, moveram-se em perfeita sincronia, como peças em um tabuleiro vivo, posicionando-se nos flancos de Niklaus com uma precisão enorme. Ele percebeu a mudança abrupta na postura deles; a atmosfera anterior, quase de teste ou brincadeira, havia desaparecido, dando lugar a um foco letal e coordenado.
— Interessante — disse Niklaus, genuinamente curioso com uma chama que viu no fundo dos olhos de Dante. — Qual é o seu nome, garoto? — Sua voz era calma, mas carregada de intensidade, como um predador antes do bote.
— Meu nome é Dante… Dante Scarlune. — respondeu ele, a voz firme, ecoando com uma confiança que desafiava a opressão do ambiente.
— Pois bem, Dante. Venha me mostrar do que é verdadeiramente capaz. E, se me impressionar, eu, Niklaus, irei decidir se você será útil para o futuro ou-
A frase de Niklaus morreu no ar. Em um piscar de olhos, Dante explodiu de sua posição inicial. Inclinando seu corpo para a frente, ele usou a força da própria gravidade para se lançar, transformando-se em um borrão vermelho-elétrico que cortou o ar como um raio vivo. O chão de metal gemeu sob a pressão de sua arrancada. Antes que Niklaus pudesse sequer erguer a guarda, Dante já estava em seu espaço aéreo, o joelho direito subindo em um arco violento e preciso que colidiu com força brutal no rosto de Nicklaus. Simultaneamente, sua mão esquerda agarrou a nuca de Niklaus, puxando-o para o impacto e amplificando o golpe. O estalo seco do impacto ecoou como um trovão, enviando ondas de choque que não apenas racharam, mas fizeram o chão de concreto sob o metal se estilhaçar em teias de aranha.
Niklaus foi arremessado para trás, o nariz jorrando um filete escarlate que manchava o metal enferrujado. Uma tentativa de contra-ataque surgiu, um soco massivo com a força de um martelo de forja vindo em um arco descendente. Mas o garoto já não estava lá. No exato instante em que o punho de Niklaus começou a se mover, Dante flexionou os joelhos, seu centro de gravidade despencando. Ele girou sobre o calcanhar, o punho de Niklaus passando a centímetros de sua cabeça com um uivo furioso.
Sem perder o ímpeto do giro, Dante emergiu do outro lado, desferindo um combo alucinante. Um chute baixo e rápido atingiu a parte externa do joelho de Niklaus, buscando desequilibrá-lo. Imediatamente, ele usou a perna de apoio para saltar, girando o corpo no ar para conectar um chute com o calcanhar na têmpora do Inimigo. Niklaus moveu o braço, tentando agarrá-lo no ar. Contudo, Dante não parava de se mover. Ele desviou do puxão de Nicklaus dando uma cambalhota para frente e, assim que ficou perto o suficiente, esticou as duas pernas em um chute duplo que acertou o peito de Niklaus em cheio.
Cada evasão era uma dança mortal, deixando um rastro de eletricidade residual que crepitava e zumbia no ar. Niklaus tentou um chute lateral, uma varredura poderosa que visava quebrar as pernas de Dante. Em resposta, Dante saltou, apoiando uma mão no chão e impulsionando-se para cima como se realizasse uma bananeira, as pernas se abrindo no ar para desviar do golpe e, na descida, um de seus pés cravou-se no ombro de Niklaus,e desceu o tronco do homem para baixo o fazendo mergulhar de cabeça no chão.
— “Algo mudou” — Niklaus analisou, surpreso pela primeira vez, sua mente correndo como um rio turbulento enquanto sentia o impacto dos golpes ecoar em seus ossos. — “Esse garoto, que mal conseguia me tocar antes, agora está desviando dos meus ataques mais poderosos como se fossem em câmera lenta.”
Dante continuava o combo implacável enquanto Niklaus se defendia com crescente dificuldade, cada soco e chute enviando vibrações pelo ar, rachando colunas próximas e fazendo instrumentos cirúrgicos tilintarem nas mesas distantes.
— Essa sequência sem pausas... se aproximando assim... ficou bem confiante de repente, não é? — comentou Niklaus, bloqueando um chute giratório com o antebraço, o impacto enviando uma onda de dor que ele ignorou, sua voz ainda calma, mas com uma nota de tensão subjacente.
— Qual foi Final Boss, assim você não vai nem me tocar…. — retrucou Dante, sem perder o ritmo, seu sorriso alargando-se em uma careta feroz enquanto desviava de um contra-ataque por milímetros, o vento do golpe bagunçando seus cabelos. — Acho que a idade finalmente está começando a cobrar seu preço, velho!
— Então não reclame quando eu começar a te destruir membro por membro — ameaçou Niklaus, a calma começando a dar lugar à irritação, seus olhos cinzentos estreitando-se como lâminas enquanto ele contra-atacava com um soco que cortava o ar, deixando um rastro de Ether distorcido.
— Ah, mas nem morto que eu vou perder para você! — gritou Dante de volta, sua voz ecoando com uma fúria primal que parecia alimentar sua velocidade, enquanto ele girava no ar para desferir outro chute, o impacto criando faíscas que iluminavam o rosto de Niklaus em flashes vermelhos.
Enquanto a troca de provocações continuava, a arena improvisada ao redor deles se desintegrava. O chão metálico, antes apenas rachado, agora se contorcia e cedia a cada colisão, formando crateras fumegantes. Colunas de sustentação, grossas como árvores antigas, estalavam e rachavam sob a pressão, revelando seu esqueleto de vergalhões retorcidos. Mesas cirúrgicas eram arremessadas como brinquedos, tombando com estrondos que ecoavam pelo esqueleto do edifício.
Cada encontro de punho e chute liberava pulsos visíveis de suas auras, ondas de choque que não apenas quebravam, mas atomizavam o concreto em poeira fina e faziam o metal ondular como água. Fragmentos do chão eram lançados para o alto a cada impacto, girando como shurikens mortais em meio a um ar denso com o cheiro de ozônio, poeira e metal superaquecido. Apesar do tom quase casual de suas palavras, a batalha havia alcançado um pico de letalidade onde um piscar de olhos, um único erro de cálculo no tempo de um bloqueio, resultaria em aniquilação instantânea. Era uma dança mortal no fio da navalha, cada movimento uma aposta de vida ou morte.
Dante continuava sua ofensiva implacável, uma tempestade de socos e chutes em sequência. Ele girou, desferindo um chute circular que visava a cabeça de Niklaus. Foi então que Nicklaus se moveu. Anulando toda a inércia, Niklaus contraiu cada músculo de seu corpo e explodiu para a frente em uma velocidade alucinante, um borrão que distorcia a luz e o ar ao seu redor como uma miragem de calor. Seu punho, envolto em uma aura crepitante, não buscou interceptar o chute, mas sim o ponto exato onde o corpo de Dante estaria ao completar o movimento.
O punho de Niklaus rasgou o espaço vazio com um som agudo, um vácuo momentâneo se formando em seu rastro. Dante, sentindo a súbita mudança na pressão do ar e o instinto gritando perigo, abortou o chute no meio do giro. Ele torceu a coluna de forma desumana, jogando seu corpo para trás e para baixo, quase se dobrando ao meio. O vento deslocado pelo soco de Niklaus passou tão perto que arrepiou os pelos de sua nuca e roçou sua bochecha como uma lâmina de gelo.
O ataque errou o alvo, mas não o destino. O punho de Niklaus colidiu com o chão com uma força cataclísmica. Por um instante, houve silêncio. Então, um som ensurdecedor de metal se partindo. Uma teia de aranha de fraturas irradiou do ponto de impacto, brilhando com energia residual. O andar inteiro protestou com um gemido agonizante e, em seguida, cedeu completamente. Com uma cacofonia de metal rangendo e concreto se esfacelando, o chão sob eles desmoronou, mergulhando ambos em uma avalanche de poeira e detritos para a escuridão do andar inferior.
— Que exagero! — gritou Dante, novamente em queda livre, o vento uivando em seus ouvidos enquanto o mundo girava ao seu redor, andares passando em borrões vertiginosos.
— O que foi? Só estou começando a me aquecer — respondeu Niklaus, caindo com controle e elegância, sua forma cortando o ar como uma flecha, os olhos fixos em Dante com uma intensidade predatória.
Dante sentia a gravidade puxá-lo impiedosamente para baixo, o ar chicoteando seu rosto enquanto andares passavam como borrões, vislumbres de cômodos em ruínas e corredores labirínticos atravessando sua visão periférica, o estômago revirando com a sensação de queda infinita. "Droga, ‘tô’ ficando tonto...", pensou ele, o mundo rodopiando em um vórtice de escuridão e luz fraca.
Niklaus, então, tocando levemente em um dos grandes pedaços de concreto que caíam ao seu lado, impulsionou-se na direção de Dante no meio do ar, o movimento criando uma rajada que dispersava a poeira ao redor. — Quero ver desviar agora, sem chão para apoiar! — Sua voz ecoou como um trovão distante, carregada de triunfo.
Esquecido pelo inimigo, Luck continuava atento à luta. Aproveitando a brecha durante a queda, ele lançou suas chamas contra a nuvem de poeira que os envolvia, gerando uma violenta explosão de pó. O clarão azulado rugiu como um jato propelente, iluminando a escuridão por um instante.
Dante usou o eletromagnetismo para se puxar mais rápido em direção ao chão, escapando da explosão antes de ser completamente coberto pelas labaredas ou de perder o oxigênio. O impacto de suas costas contra o solo, no entanto, quase o fez perder todo o ar.
O chão à sua volta rachou sob o seu peso, mas, sem tempo para pensar, ele ergueu os olhos na direção da nuvem de fumaça gerada pela explosão.
— Merda... Não dá para subestimar nenhum de vocês, não é? — rosnou a voz de Niklaus de dentro da fumaça.
Ele emergiu da névoa, segurando um Luck desacordado pela cabeça. Com um sadismo evidente, Niklaus arrastou o corpo do rapaz pela parede enquanto caia até avistar Dante. Um sorriso rasgou seu rosto. Então, ele arremessou Luck com força total contra o seu alvo.
— Ei, ei, ei, por acaso esse velho é um gorila? — provocou Dante, já se levantando.
Ele saltou para pegar Luck, mas o impacto do peso combinado à força do lançamento estilhaçou o chão sob seus pés. A queda os arremessou, mais uma vez, para o andar inferior.
Enquanto usava uma leve descarga elétrica para acordar Luck, Dante gritou:
— Se apagar, vai morrer!
— Droga… — resmungou Luck, visivelmente frustrado.
Dante usou o eletromagnetismo para puxá-lo até uma parede próxima Ao tocar nela se lançou com um impulso de volta para cima, enquanto Luck saltou para outro lado.
No que restou do piso de cima, Niklaus apenas observava, até que notou Dante vindo em sua direção. Ele tentou socar, mas Dante, com uma cambalhota por cima do golpe, usou o braço do inimigo como apoio para saltar e chegar por trás dele.
Dante então desferiu um chute descendente brutal. Usando sua velocidade aumentada, força total e a própria gravidade a seu favor, ele afundou Niklaus no chão frágil. O golpe aumentou o tamanho da cratera e os lançou para baixo. Ambos despencaram ainda mais fundo na estrutura da torre, com o ar preenchido pelo estrondo de concreto se despedaçando e pelo uivo do vento.
— Nada mal, pirralho — disse Niklaus, emergindo dos escombros com irritante facilidade, poeira caindo de seus ombros como neve cinzenta, enquanto ele ajustava a postura, os olhos cinzentos brilhando com uma mistura de irritação e respeito relutante. — Mas ainda foi muito suave, como um vento que mal arranha a superfície.
— Me desculpa, a dor da idade deve ser mais forte que meus golpes, não é? — ironizou Dante, ofegante, mas com um brilho selvagem nos olhos, enquanto ele flexionava os músculos, sentindo o Ether pulsar em suas veias.
Os dois, mais uma vez, avançaram um contra o outro, o ar crepitando com a colisão iminente de suas auras, como trovões anunciando uma tempestade. E, mais uma vez, Niklaus viu-se incapaz de acertar um golpe significativo em Dante, enquanto este continuava com sua sequência frenética de chutes e socos, cada movimento um borrão de velocidade que deixava rastros elétricos no ar, o som de impactos ecoando como uma sinfonia de destruição.
"Como...?! E a velocidade dele? Foi só isso que aumentou? Não, não pode ser só isso", — Niklaus raciocinou, enquanto ele desviava de um soco que rachava o ar ao seu lado, sentindo o vento quente roçar sua pele. "Entendi! Ele realmente aumentou sua velocidade base, mas é bem mais que isso...Ele combina isso com aquela descarga elétrica sutil! A cada quase-acerto, sinto uma micro-corrente que causa um atraso quase imperceptível, mas cumulativo, na minha reação neurológica!"
De repente, Niklaus liberou seu Ether de forma ainda mais violenta, a ponto de criar uma visível distorção no próprio espaço ao redor deles, o ar ondulando como uma superfície de água perturbada, enquanto sombras se contorciam e o chão tremia com a intensidade da energia liberada.
— Droga, eu esqueci que o Boss sempre tem duas fases. — Dante sentiu a pressão esmagadora, como se o ar tivesse se tornado sólido, os olhos arregalados por um instante ante a magnitude da aura de Niklaus.
No instante seguinte, Niklaus apareceu diretamente em sua frente, socando-o com tanta força que afundou seu rosto no chão de metal e pedra, o impacto criando uma cratera que se expandia, poeira e fragmentos voando como uma explosão controlada, enquanto o som ecoava como um sino rachado.
— Que cara chato! Não tem limite para esse seu Ether monstruoso, não?! — gritou Dante, o corpo tremendo com o impacto, mas sua voz ainda carregada de desafio.
De repente, Niklaus já estava sobre ele novamente, seu movimento um borrão que desafiava a percepção, o ar crepitando com o deslocamento.
— Experiência, pirralho. Não me diga que não sabe o que é isso — Niklaus pensou, triunfante, enquanto preparava o golpe final, sua mente correndo com cálculos precisos acumulados de anos de batalhas. — Eu tenho experiência acumulada o suficiente para que, mesmo esses seus truques sendo novos, eu consiga me adaptar e torná-los inúteis.
— Experiência e o caçete King Kong! — gritou Dante, irritado a determinação queimando em seus olhos apesar da dor, enquanto ele se erguia, cuspindo sangue no chão rachado, o corpo coberto de hematomas que latejavam como fogo.
— Foi mal, mas já soquei tanto seu rosto que não consigo mais ver aquele sorriso confiante na sua cara. Será que ainda pode dizer que vai vencer como antes? — Seu tom era quase paternal, mas carregado de uma crueldade subjacente, como um professor corrigindo um aluno teimoso.
— Meu sorriso…? ESTÁ PRECISANDO DE ÓCULOS, VELHO?! ELE ESTÁ ESTAMPADO BEM NA MINHA CARA! — Dante gritou de volta, sua voz um rugido que ecoava pelos andares destruídos, enquanto o Ether ao seu redor explodia em poder renovado, raios vermelhos crepitando como uma tempestade pessoal, distorcendo o ar e iluminando o cenário em flashes intensos.
Mais uma vez, a aura de Dante explodiu em poder. Não era um simples aumento; era uma liberação. Raios vermelhos incandescentes serpenteavam e crepitavam ao redor de seu corpo, dançando em uma exibição selvagem de energia bruta. Ele se tornou uma miragem, movendo-se freneticamente, não apenas rápido, mas em múltiplas direções ao mesmo tempo, criando uma tempestade de golpes que pareciam se multiplicar no ar. Cada soco e chute era um míssil teleguiado, carregado com uma força explosiva que não apenas rachava o metal da estrutura, mas o deformava, deixando sulcos profundos e fumegantes onde quer que atingisse. Niklaus, pela primeira vez na luta, foi forçado a recuar.
Um soco de Dante, vindo de baixo para cima, atingiu o queixo de Niklaus com um estalo seco, fazendo sua cabeça virar bruscamente. Antes que ele pudesse se recuperar, Dante girou no ar, o corpo todo se retorcendo como um chicote para desferir um chute lateral que acertou as costelas de Niklaus o lançando em outra sala. Hematomas roxos e profundos começaram a se formar sob a pele, e cada golpe parecia ecoar em seus ossos como ondas de choque que ameaçavam desmantelá-lo de dentro para fora.
— Esse pirralho! — Niklaus rugiu internamente, sua surpresa genuína. Ele recuava, tentando desesperadamente criar distância. — Não me diga que ele ainda tinha mais poder escondido… de onde vem essa força?!
Dante não lhe deu espaço para pensar. Ele se inclinou para trás, esquivando-se de um soco massivo de Niklaus que, por sua vez, pulverizou uma coluna de concreto reforçado, espalhando detritos como confetes mortais. Enquanto Niklaus recuperava o punho, Dante já estava em sua guarda novamente. Ele agarrou o braço estendido de nicklaus, usou-o como alavanca e, em um movimento rápido, plantou o pé na coxa de Niklaus, impulsionando-se para cima. No ar, ele conectou uma série rápida de socos no abdômen de Niklaus, cada um liberando pequenos arcos elétricos.
— Vou te mostrar como essa "experiência" de que você tanto se orgulha não vale tanto quanto você pensa! — Dante gritou, sua voz carregada de uma fúria triunfante, enquanto ele pressionava o ataque.
— O que ele vai fazer agora? — perguntou Nero a Luck, ambos observando a reviravolta de uma distância segura, mas ainda os acompanhando, suas auras pulsando em sincronia com a de Dante, o ar ao redor deles vibrando com a intensidade da batalha.
— Se liga no meu truque… — disse Dante, ofegante, fazendo um complexo sinal de mão. — LIBERAR BLACK BOX: CASTELO DE CINZAS, PRISÃO DO TEMPO! — A declaração ecoou como um feitiço ancestral.
Naquele momento, Niklaus ficou visivelmente abalado, talvez até um pouco temeroso, focando toda sua atenção e poder defensivo em Dante e na iminente formação da Black Box, sua aura explodindo em uma barreira de Ether distorcido que pulsava como uma muralha viva, o ar crepitando com a colisão de forças opostas.
— Pirralho! Não me diga que! — Niklaus gritou, sua voz carregada de uma urgência rara, enquanto ele erguia as mãos, preparando-se para contrabalançar o poder que se acumulava.
E, no instante de sua distração total, uma lâmina negra surgiu das sombras atrás dele, atravessando suas defesas concentradas com uma precisão letal, o som da estocada perfurando seu coração.
— Claro que não — respondeu Dante, desfazendo o sinal de mão com um sorriso astuto, a energia da Black Box nunca se materializando. — Até parece que eu dominaria algo tão complicado assim. Mas, com toda a sua vasta "experiência", você não podia hesitar em se defender da maior ameaça percebida, não é? — Sua voz era carregada de sarcasmo, ecoando no espaço destruído enquanto ele observava o sangue escorre da boca de Niklaus.
O impacto do corpo de Niklaus contra o chão ecoou como o colapso de uma montanha, um estrondo surdo que reverberou pelas entranhas da torre, fazendo as paredes rachadas tremerem e a poeira dançar no ar como uma cortina de cinzas. A aura de Dante se desfez em um piscar de olhos, os raios vermelhos e negros que crepitavam ao seu redor dissipando-se como fumaça ao vento, deixando apenas o silêncio opressivo do andar destruído, interrompido pelo som distante de detritos caindo em andares inferiores. Ele sentiu um alívio imediato, como se uma corrente invisível que o esmagava tivesse sido cortada, mas esse alívio foi rapidamente engolido por uma dor frenética e alucinante que se espalhou por todos os músculos, como se cada fibra de seu corpo estivesse sendo rasgada por dentro. Seus joelhos cederam, e ele caiu no chão metálico, o impacto enviando uma nova onda de agonia que o fez ranger os dentes, o suor misturando-se com o sangue que escorria de sua testa, pingando no chão em gotas escuras que refletiam a luz fria dos painéis quebrados acima.
— Dante! — Luck correu até ele, seus passos ecoando no chão rachado, a preocupação gravada em seu rosto enquanto ele se agachava ao lado do amigo..
— Droga, eu fiquei na dúvida se a Nero iria conseguir chegar a tempo — disse Dante, respirando pesado, a voz rouca e entrecortada enquanto ele tentava se apoiar em um braço trêmulo, o peito arfando com cada inspiração. Seus óculos steampunk estavam tortos, uma lente rachada refletindo fragmentos da luz fria, mas ele ainda mantinha um brilho teimoso nos olhos, uma faísca de desafio que se recusava a apagar, mesmo com o corpo à beira do colapso.
— Segundo ritmo: nós o apoio e você a isca… Que ideia idiota e arriscada! Quando vai parar de agir desse jeito? Vai acabar morrendo, sabia?! — Nero gritou, sua voz cortando o ar, mas havia algo diferente nela, um tom que não era apenas raiva. Seus olhos, normalmente afiados e frios como aço, brilhavam com uma preocupação genuína.
Dante virou o olhar, evitando os olhos dela, enquanto tentava recuperar o fôlego, o chão frio sob seus dedos enviando arrepios que se misturavam à dor. — Tanto faz. Era o único jeito de vencer. E se eu morresse, eu já estava preparado — murmurou ele, a voz carregada de uma obstinação que beirava a indiferença, como se a ideia de sua própria morte fosse apenas mais um obstáculo a ser superado.
— Eu já disse para nã- — Nero começou, sua voz subindo em frustração, mas foi cortada por um grito repentino.
— Chega, vocês dois! — gritou Luck, interrompendo-os, sua voz ecoando com uma autoridade que raramente usava, enquanto ele se levantava, limpando a poeira das roupas com um movimento brusco. — Temos que sair daqui. Eu e Dante precisamos de tratamento urgente. Podemos continuar isso depois. — Seus olhos varreram o cenário destruído.
Nero ainda parecia irritada, os lábios apertados em uma linha fina, mas respirou fundo, forçando-se a conter a tempestade de emoções que ameaçava transbordar. Com um movimento rápido, ela guardou a katana na bainha, o som do metal ecoando no silêncio, e foi na direção de Dante, agachando-se ao lado dele. — Levanta, idiota — murmurou ela, a voz mais suave agora, enquanto passava o braço dele sobre seu ombro, ajudando-o a se levantar com cuidado, como se temesse que ele pudesse desmoronar a qualquer momento. O peso de Dante era maior do que ela esperava, e ela sentiu o calor de seu sangue manchando sua roupa, mas manteve a expressão firme, escondendo o aperto no peito.
Com o braço dele sobre seu ombro, eles começaram a se mover em direção à porta, os passos ecoando no chão metálico, cada movimento acompanhado pelo rangido de destroços sob seus pés. — Temos que achar em que andar estamos também. Não acho que vai dar para passar por todo aquele labirinto de novo — disse Luck, respirando pesadamente, enquanto caminhava à frente.
Apoiando-se em Nero, Dante ainda olhava para o corpo de Niklaus enquanto caminhava, seus olhos fixos na figura imóvel, que jazia entre os destroços como uma estátua quebrada, o sangue escorrendo do ferimento no peito formando uma poça escura que refletia a luz fria. Algo na quietude daquele corpo o incomodava, uma sensação que rastejava por sua espinha como um aviso primal.
— O que foi? Você sabe que minha Habilidade impede a imortalidade ou regeneração. Ele está morto — afirmou Nero, notando o olhar de Dante, sua voz firme, mas com um toque de incerteza, como se ela própria estivesse tentando se convencer.
— Eu nunca cheguei a conhecer alguém tão forte quanto ele, mas senti que, até o fim, ele estava se segurando, como se estivesse brincando conosco… — disse Dante, um tom temeroso na voz, algo raro para ele, enquanto seus olhos permaneciam fixos em Niklaus, como se esperasse que ele se movesse a qualquer momento.
A memória da batalha ainda queimava em sua mente, cada golpe trocado, cada onda de Ether que distorcia o ar, e a sensação inquietante de que Niklaus não havia mostrado todo o seu poder, como se ele fosse um oceano cuja profundidade ainda não havia sido sondada.
— Não diga bobagens. "Se segurando"? Se fosse assim, quão forte ele seria? — falou Luck, tentando injetar um tom de descrença, mas seus olhos traíam uma sombra de dúvida enquanto ele também lançava um olhar rápido para o corpo de Niklaus, o coração acelerando com a possibilidade de que Dante pudesse estar certo.
— Eu já disse a vocês. Forte o suficiente para fazer a tentativa de vocês ser inútil. — Era Niklaus, sua voz ecoando com uma calma mortal, como o sussurro de uma lâmina sendo desembainhada, enquanto ele se levantava em segundos, o movimento tão fluido e repentino que parecia desafiar a realidade.
De repente, ele chutou Luck no abdômen com uma força devastadora, o impacto ecoando como um trovão enquanto Luck era lançado através do ar, atravessando uma parede de metal retorcido e desaparecendo em outra sala com um estrondo que fez detritos voarem como estilhaços. Antes que Dante ou Nero pudessem reagir, Niklaus correu na direção de Dante, seus movimentos um borrão de velocidade que distorcia o ar, como uma sombra viva movida por intenções assassinas. Dante, com um reflexo instintivo, empurrou Nero para fora do caminho bem a tempo, o corpo dela rolando pelo chão enquanto ele recebia o impacto total do ataque de Niklaus, a força brutal lançando-o para o andar de baixo mais uma vez, o chão cedendo sob ele em uma cascata de metal e concreto, o som do colapso ecoando como um lamento da torre.
— Impossível… como? — Nero ficou incrédula, seus olhos arregalados enquanto se levantava, o coração disparado, olhando para o homem e só agora percebendo a estranha espada dourada que havia aparecido em sua mão, a lâmina brilhando com um fulgor sobrenatural, como se estivesse impregnada com Ether. A arma parecia viva, suas bordas pulsando com uma energia que distorcia o ar ao redor, emitindo um zumbido baixo que ressoava nos ossos, como um aviso de algo antigo e implacável.
Niklaus olhou para ela, seus olhos cinzentos perfurando-a como lâminas, e Nero tremeu de medo, uma sensação que raramente experimentava, como se estivesse diante de um abismo que engolia toda esperança. A presença dele era esmagadora, uma força que parecia dobrar a realidade ao seu redor, o ar crepitando com sua aura enquanto ele permanecia imóvel por um instante, avaliando-a. E então, quase como se tivesse perdido o interesse ao ver o pavor em seus olhos, ele saltou pela passagem, indo atrás de Dante, sua forma desaparecendo no buraco no chão como um predador mergulhando em sua caça, o som de seus passos ecoando como o pulsar de um coração sombrio.
Nero ficou paralisada por um momento, o coração martelando no peito enquanto o peso da situação a dominava. O ar ao seu redor parecia mais pesado, carregado com o resquício do Ether de Niklaus, que deixava um rastro de frio que se infiltrava em sua pele. Ela apertou o cabo da katana, os dedos tremendo, enquanto tentava processar o que acabara de acontecer. — Como… ele deveria estar morto… — murmurou ela, a voz quase inaudível, enquanto olhava para o buraco onde Dante e Niklaus haviam desaparecido, o som de novos impactos ecoando lá embaixo, cada estrondo acompanhado por uma onda de energia que fazia o chão vibrar.
Niklaus continuou a perseguir Dante, atacando-o andar por andar, com força crescente. O corpo exausto do garoto, já sem conseguir resistir, foi lançado em queda livre, sendo esmagado contra o chão de cada andar até finalmente atingir o térreo.
Ele caiu bem no meio da recepção, como um meteoro. Dante sentiu vários ossos se quebrando e quase perdeu a consciência. Tanto sangue saía de seu nariz que ele mal conseguia respirar. Mordendo o próprio lábio, ele usava pequenas descargas elétricas para forçar seu corpo a não apagar.
Descendo logo em seguida, com uma calma aterrorizante, estava Niklaus.
Com um movimento rápido, ele perfurou o corpo de Dante, atravessando-o com sua espada bem ao lado da espinha dorsal. O golpe o fincou brutalmente no chão da recepção.
Estranhamente, após o ato, parte dos ferimentos mais graves de Dante começaram a sarar superficialmente.
— O-O que? — gaguejou Dante, sentindo uma dormência se espalhar por seu corpo, tornando cada movimento uma luta, enquanto olhava para o ferimento em seu abdômen, o sangue escorrendo e encharcando suas roupas.
— Minha espada — explicou Niklaus, calmamente enquanto se aproximava, a lâmina dourada ainda cravada no corpo de Dante, pulsando com uma energia etérea. — É meu tesouro sagrado, forjado para a batalha contra os próprios deuses. Enquanto eu a empunhar, nenhuma habilidade funcionará.
Assim como ele havia dito, Dante sentia que não era capaz de utilizar sua habilidade, embora ainda sentisse seu Éter se movendo pelo corpo.
— Mas ao mesmo tempo que ela destrói, ela também pode reconstruir, podendo curar tudo que corta. Embora eu possa curar apenas ao ponto de impedir que você morra, prolongando sua agonia.
— Dante! — Kurokawa gritou da entrada da recepção, a voz ecoando desesperada, olhando horrorizada para a cratera onde Dante estava empalado no chão rachado
— Cor- corr— Dante tentou avisá-las, sua voz falhando, entrecortada pelo sangue que enchia sua boca, cada sílaba uma luta contra a dor que o consumia, os olhos fixos nelas, implorando para que fugissem.
— Esqueça. Você não vai conseguir dizer para elas correrem, mas, mais importante que isso, vamos continuar nossa conversa de antes ou como você chamou, meu "Monólogo de Vilão". — disse Niklaus, com uma frieza cortante.
Dante sentia um vazio terrível tomar conta de seu corpo enquanto observava seu sangue formar uma poça no chão, o cheiro metálico intensificando-se e misturando-se ao fedor de decomposição que parecia emanar das paredes da torre.
— Diga-me, Dante — continuou Niklaus, seus passos deliberados que ecoavam no saguão. — Você nunca pensou que este mundo estava… errado? Que algo fundamental não se encaixava, como se ele tivesse sido… criado artificialmente?
Dante fez uma expressão estranha, uma memória vindo à tona como um flash, fazendo seu coração acelerar com uma mistura de reconhecimento e terror.
— Sabia. Eu imaginava — disse Niklaus, satisfeito, um sorriso frio curvando seus lábios. — Você também teve a 'visão', não teve?. — Niklaus apontou para Caroline. — Você sabe a história dela? Uma criança que, apenas por nascer com habilidades diferentes, foi caçada como um animal, e agora está desse jeito, uma abominação presa entre mundos.
Niklaus começou a caminhar em direção a Kurokawa e às fantasmas, seus passos ecoando como o bater de um tambor fúnebre, cada um carregado com uma intenção mortal que fazia o ar ao redor parecer mais opressivo.
— Pa-para onde… onde você está indo?! — gritou Dante, tentando se mover inutilmente, os músculos protestando com uma dor lancinante que o imobilizava, enquanto observava horrorizado.
— Eu… cof… ainda não morri! — berrou ele, a voz desesperada, enquanto tentava arrastar o corpo ferido, deixando um rastro de sangue no chão.
Niklaus estendeu a mão, e a espada dourada em Dante transformou-se em um líquido metálico reluzente, saindo de seu corpo como uma serpente viva e fluindo para a mão de Niklaus, onde voltou à forma de lâmina com um som que ecoou como um sino fúnebre.
— E-eu já disse, volta aqui! — Dante tentou gritar novamente, mas a voz falhou, engasgada pelo sangue.
— Sabia, Dante? — interrompeu Niklaus, virando-se com uma calma que beirava o desdém. — O Ether dos mortos, especialmente aqueles que morrem em desespero, é mais forte que o dos vivos. Foi o próprio Maicon quem descobriu e me contou isso. Por isso eu vim reunindo o Ether de todos que morriam nesta torre por anos, de todas aquelas lápides lá fora… e vocês chegaram no momento certo! Pois com as almas dessas três últimas… eu já terei reunido o suficiente para o próximo passo.
— PARAAAA! — rugiu Dante, impotente, a voz ecoando como um lamento gutural, enquanto assistia horrorizado, o desespero o consumindo.
A lâmina dourada de Niklaus cortou o ar, um sibilo mortal. A mãe de Caroline, em um último ato de proteção maternal, jogou-se na frente da filha com um grito espectral, e a espada atravessou ambas, dividindo suas formas, que se dissiparam com um lamento silencioso, deixando apenas um vazio gélido.
— MALDITOOOO!!!! — Dante gritou, a voz embargada de fúria e desespero, um rugido primal que parecia rasgar sua garganta. Enquanto cuspia mais sangue, reuniu todas as forças que lhe restavam e berrou: — KUROKAWA, CORRE! SAI DAQUI AGORA! — Sua voz ecoou, carregada de pânico puro.
Quando Niklaus moveu sua lâmina novamente, desta vez na direção de Kurokawa, paralisada de terror, Luck surgiu, atravessando o buraco no teto como um cometa flamejante, usando as chamas nos pés como propulsor, e aterrissou protetoramente diante dela com um impacto que rachou o chão.
— Me desculpa, eu demorei — disse ele, ofegante, os olhos cheios de determinação, mas tingidos de culpa, vendo o estado de Dante no centro da cratera.
— LUCK, SAI DAQUI! LEVA A KUROKAWA PARA LONGE DELE! AGORA! — Dante berrou, tentando se arrastar, ignorando a dor que o consumia.
Luck hesitou, vendo o estado crítico de seu amigo, mas sabendo que não podia fazer nada contra Niklaus. Com um movimento rápido, ele agarrou Kurokawa nos braços e começou a correr em direção à saída, seus passos ecoando como batidas frenéticas.
— Isso é forma de agradecer alguém? Eu, vendo potencial em vocês, havia decidido ser bonzinho, poupando vocês três e usando elas como substitutas. — disse Niklaus calmamente, estendendo a mão.
Sua espada dourada voltou a se liquefazer, assumindo a forma de uma corrente reluzente que disparou na direção de Luck como uma serpente. No último segundo, Dante, reunindo uma força nascida do desespero, se jogou contra Niklaus, empurrando-o e fazendo a corrente errar o alvo, colidindo com uma coluna que se rachou.
—hahahaha, você não sabe mesmo quando desistir não é garoto? — Niklaus o encarou. — Você não vai vencer. Agora que se aproximou da minha espada novamente, não pode usar seus poderes! — Ele ergueu a lâmina, o ar ao redor pulsando.
De repente, os olhos de Dante focaram em um pedaço pontudo de metal retorcido, parte do lustre do teto que havia despencado quando eles irromperam pelo andar superior. Ele não hesitou. Com um movimento rápido e quase imperceptível da mão, Dante estendeu a palma na direção do fragmento metálico. Em um instante, uma aura vermelha e vibrante envolveu o pedaço de metal.
Ele não o lançou simplesmente; ele o impulsionou com eletromagnetismo puro. Como um projétil disparado de um canhão eletromagnético, o fragmento disparou em linha reta, ganhando uma velocidade alucinante, rasgando o ar com um zumbido agudo e crescente. O alvo era preciso: o pulso de Niklaus.
O impacto foi um estalido seco e brutal, não de metal contra metal, mas de metal contra osso e carne. A força do golpe, amplificada pela velocidade eletromagnética, foi tanta que o pulso de Niklaus, mesmo com sua resistência sobre-humana, cedeu instantaneamente. Uma onda de dor e dormência irradiou por seu braço, e a lâmina dourada de sua espada escapou de seus dedos, caindo com um baque surdo.
— Como...?! — O rugido de Niklaus foi interrompido por um arquejo de dor e choque. Seus olhos se arregalaram, fixos não na dor, mas na engenhosidade do ataque. Ele segurou o pulso ferido, de onde o sangue pulsava em um ritmo lento e grosso. — Não me diga que...!
Sua mente, acostumada a analisar o combate em frações de segundo, conectou os pontos com uma clareza alarmante. "Entendi," pensou ele, a surpresa se transformando em compreensão. "É óbvio. A habilidade dele não é simplesmente 'eletricidade'. Essa é a propriedade inerente do seu Ether, que se manifesta e se comporta como plasma ou um campo eletromagnético. Mesmo com o neutralizador de Habilidades ativo, ele não usou uma técnica... ele usou a natureza crua de seu próprio Ether para me pegar de surpresa. Realmente você é alguém muito fascinante Dante"
Apesar de Dante ter conseguido comprar aquele segundo precioso, a vitória foi efêmera. A espada, que jazia inerte no chão, dissolveu-se em uma poça de metal líquido. Com uma vontade silenciosa de Niklaus, o líquido flutuou no ar como mercúrio vivo, serpenteando graciosamente ao redor de seu braço ferido e fluindo para sua outra mão. Ali, ele se solidificou instantaneamente com um som metálico e agudo, shiiing, reformando a lâmina perfeitamente.
— Admito, garoto... você é realmente forte — disse Niklaus, e sua voz, agora desprovida de surpresa, estava carregada com um triunfo cruel. Um sorriso lento e predatório se espalhou por seus lábios enquanto ele ignorava o sangue que agora escorria livremente por seus dedos. — Mas isso acaba agora.
Assim, ele correu na direção de Dante, a espada pronta para o golpe final, seus passos ecoando como o bater de um tambor de execução.
"Droga! Não vai dar tempo para desviar! Esquece, já não tenho mais forças... Espero que pelo menos o Luck e a Kurokawa tenham conseguido escapar..." — pensou Dante, o desespero o consumindo enquanto fechava os olhos, esperando o golpe fatal.
De repente, Dante fechou os olhos, o mundo ao seu redor desacelerando, memórias fragmentadas passando por sua mente. Sangue quente espirrou em seu rosto.
— Não… — murmurou ele, os olhos se abrindo devagar, o horror se instalando como uma faca em seu peito, enquanto lágrimas quentes escorriam por seu rosto.
Ele começou a chorar compulsivamente enquanto sentia uma dor oca no peito, um vazio que se expandia como um buraco negro, a pior dor que já sentira, como se sua alma estivesse sendo rasgada ao meio.
— Não, não, não, não…… — repetia ele, a voz embargada, o corpo tremendo incontrolavelmente.
Mas não era ele quem havia sido perfurado. Caída em seus braços, protegendo-o com o próprio corpo, estava Nero, a espada dourada de Niklaus atravessando seu peito. O sangue escorria, encharcando as roupas de ambos, formando uma poça no chão.
— Eu aprendi minha lição e prestei atenção para quando você estivesse próxima… — A voz de Nicklaus era fria e afiada.
— Não… não… não… — Dante soluçava, segurando-a com força, sentindo o calor de seu corpo diminuindo, como uma chama se apagando, as lágrimas caindo sobre o rosto dela.
— Está… tudo bem, idiota… — sussurrou Nero, um fio de sangue escorrendo de seus lábios, enquanto tentava erguer a mão para tocá-lo, o movimento fraco e trêmulo. — Para… de fazer essa cara…… — Sua voz era um murmúrio rouco, cada palavra uma luta.
— Como? Por quê?! Você devia ter ido embora com o Luck! — Dante gritou, a voz embargada por soluços, o desespero o consumindo.
— Mas… fazer o quê… — ela tentou sorrir, um gesto fraco. — Eu não podia… deixar um idiota… como você… sozinho…. Se você estiver sozinho… tende a desistir… muito fácil das coisas… — Cada palavra era entrecortada por tosses fracas.
— Mas… mas— — Dante balbuciou, tentando estancar o ferimento com as mãos trêmulas, o sangue escorrendo por entre seus dedos.
— Escuta aqui… — ela o interrompeu, a voz falhando, mas carregada de urgência, enquanto erguia a mão, tocando seu rosto com dedos frios. — Só dessa vez… eu vou falar… Só dessa vez vou tirar a fachada de Tsundere… ta bem ?... cof — Seus olhos se suavizaram, um brilho fugidio de vulnerabilidade.
Nero estendeu sua mão fria, tocando gentilmente o rosto de Dante, deixando um rastro de sangue. Com um último esforço, um sorriso genuíno iluminou seu rosto enquanto ela sussurrava as palavras finais.
— Não morra… meu amado idiota… você não pode morrer… porque… eu te amo.
Seus olhos perderam o brilho e sua mão caiu inerte, o corpo relaxando nos braços dele como uma marionete cujas cordas foram cortadas, deixando apenas o silêncio opressivo.
— AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!
O grito de Dante foi um rugido primal de pura angústia, ecoando pelas ruínas da torre, as paredes tremendo com a força de sua voz, o peito se contraindo em soluços violentos. O saguão parecia encolher ao seu redor, as sombras se alongando como testemunhas de sua perda, enquanto o Ether residual de Nero se dissipava, deixando um vazio que o consumia, uma dor que transcendia o físico, gravada em sua essência para sempre.
Naquele dia, 20 de julho de 19998, 00:01 da Manhã, Nero Scarlune morreu, um momento eternizado na mente de Dante como uma ferida aberta que nunca cicatrizaria, o mundo ao seu redor desbotando em tons de cinza enquanto o desespero o envolvia como uma mortalha.



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